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terça-feira, 8 de agosto de 2023

CÚPULA AMAZÔNICA - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 CÚPULA AMAZÔNICA

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 8/08/2023

 

            Pela quarta vez, os presidentes dos países amazônicos vão se encontrar no âmbito da cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Criada em 1995, a Organização, com sede em Brasília, integrada por Brasil, Bolívia, Peru, Venezuela, Guiana, Surinã, Colômbia e Equador, é uma decorrência de um tratado assinado em 1978. Para a reunião ocorrendo hoje e amanhã em Belém do Pará, foram convidados representantes de países com florestas tropicais como a Indonésia, Congo Brazzaville, República Democrática do Congo e de entidades governamentais e civis para debater o desenvolvimento econômico associado à preservação ambiental.

A OTCA não tem atuação autônoma. Apoia as decisões negociadas e aprovadas pelos oito países membros e desenvolve projetos e programas na Amazônia. A cooperação de organismos internacionais para a preservação da floresta poderia ser muito ampliada e complementaria os esforços nacionais, caso os governos decidam dar maior protagonismo a OTCA e ampliar a atuação da instituição junto aos organismos internacionais, inclusive financeiros.

            A OTCA ocupou, até aqui, um espaço reduzido na política externa brasileira. Muito pouco aproveitada, a Organização foi ignorada totalmente na última década, apesar de todas as críticas que a política ambiental brasileira vem enfrentando no exterior. Tivesse o Tratado sido melhor aproveitado, o foco das criticas teria sido dividido entre todos os países amazônicos que, em larga medida, deixaram de combater os ilícitos que ocorreram na região com o desmatamento, as queimadas e o garimpo. Mais recentemente, toda essa situação ficou agravada com a crescente presença do crime transnacional envolvendo drogas, armas e minérios. Sem falar no tratamento dispensado às comunidades indígenas.

No encontro presidencial, do ponto de vista diplomático, a cúpula representará oportunidade para retomar e reforçar o diálogo e a região amazônica. A cúpula é o início de um processo com a definição de uma nova agenda para o desenvolvimento integrado com inclusão social e responsabilidade climática, através de mecanismos concretos de cooperação e ampliação dos laços entre órgãos do governo, sociedade civil e acadêmica dos oito países. 

Na preparação do encontro, o presidente Lula encontrou-se com o presidente Petro da Colômbia, que havia convidado a OTAN e os EUA para apoiar atividades para reduzir o desmatamento da floresta do lado colombiano e havia manifestado preocupação com a exploração de petróleo na região.

O encontro de cúpula não tem uma agenda definida, devendo cada chefe de governo apresentar suas propostas e sugestões. O Brasil deverá reiterar seu compromisso de desmatamento zero até 2030 e, se possível, criar metas comuns de desmatamento; buscar maior integração nos esforços das ações para o combate aos ilícitos, representados pelas queimadas, pelo garimpo, a destruição da floresta e para a proteção das comunidades indígenas em toda a região. O combate ao crime transnacional que hoje se espalha pelos países amazônicos, assim como a maior e mais efetiva presença do Estado certamente estará na pauta do encontro. A proposta formulada por Lula da inclusão no âmbito do TCA do Parlamento Amazônico criado em 1989, com sede em Lima, hoje fora do Tratado, também deverá ser apreciada.

Será importante que nessa reunião de cúpula seja explicitada a vontade política de fortalecer a cooperação entre todos os Estados Amazônicos e a OTCA. O trabalho da sociedade civil e das comunidades originárias deveria ser estimulado e apreciado para que sua voz seja ouvida pelos governos nas questões de desenvolvimento sustentável, cujos desafios econômicos, sociais, tecnológicos são gigantescos. Até aqui, os Estados amazônicos atuaram ou deixaram de atuar de forma isolada e descoordenada. As políticas e ações nacionais deveriam ser complementados por ações coletivas, discutidas de forma regional no âmbito do TCA. Vigilância nas fronteiras para combater o crime organizado, cooperação transnacional das polícias, ações para reduzir os ilícitos, controle dos incêndios, da qualidade da água e do mercúrio utilizado no garimpo ilegal, entre outros desafios, muito se beneficiariam da coordenação entre os governos da região amazônica. Ações para atrair financiamento internacional e critica `as barreiras comerciais, sem mencionar a União Europeia, deverão ser examinadas. A questão da proibição exploração de petróleo na Amazônia e a meta comum de desmatamento zero, por falta de consenso, deverão constar, de forma indireta, no exageradamente longo documento final da Cúpula. Questão relevante para o sucesso de uma ação coordenada será a confiança mútua e um real compromisso de transparência na troca de informações sobre essas questões para facilitar a tomada de decisões rápidas e eficientes e a busca de recursos externos, sempre preservando a soberania de todos os países.

Espera-se que as posições conjuntas do encontro sejam levadas a outros fóruns relevantes como a Assembleia Geral das Nações Unidas, a Cúpula do G-20 a ser presidida pelo Brasil em 2024 e a COP a realizar-se em Dubai proximamente, onde a sustentabilidade ambiental será discutida junto com questões econômicas e sociais da região.

 

 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e membro da Academia Paulista de Letras.

 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Bolsonaro, a Amazonia e a China - Heriberto Araújo and Melissa Chan (WP)


How Bolsonaro’s risky bet on China in the Amazon could backfire

Heriberto Araújo is a reporter who is currently working on a book about the human and environmental costs of the Amazon’s destruction. Melissa Chan is a reporter focused on transnational issues, often involving China’s influence beyond its borders. They were both previously based in Beijing. Their recent trip to Brazil was supported by the Pulitzer Center.

The cowboys and prospectors of the Amazon couldn’t be any happier. One year into his tenure, Brazilian President Jair Bolsonaro is delivering on his campaign promise to reinforce, at whatever the cost, Brazil’s status as an agricultural colossus. In 2019, Brazil recorded its second highest ever soy production numbers and exported more than 50 percent more soybeans than the United States. Beef sales jumped 15 percent to reach an all-time high, including over $7 billion sold overseas.
China, the country’s largest trade partner, has driven this meat and grain boom, buying $31 billion worth of its food commodities last year. The partnership seems to work well: Brazil has the land, and China the demand. But Bolsonaro might want to think twice about this relationship.
Before his election, Bolsonaro had run on an anti-China platform. “The Chinese are not buying in Brazil,” he warned during the campaign. “They are buying [up] Brazil.”
Since then, his posture has radically changed. Last October, he visited Beijing and declared that Brazil and China “were born to walk together.” His powerful minister of agriculture, Tereza Cristina, has even established a special China department to cater to Brazil’s largest customer.
This hasn’t turned off his supporters — for now. On China, “when he is wrong, he recognizes it and changes course. He isn’t ashamed of this,” Agamenon da Silva Menezes told us when we stopped by his office. The cattleman and representative of one of the most vocal ranching associations in the Amazon had supported Bolsonaro in the election.
For Bolsonaro, economic prosperity trumps environmental preservation. Agriculture and deforestation are the main drivers of emissions in the country, and logging the Amazon’s trees for timber, then converting that cleared land to expand the boundaries of soy fields and cattle pastures in order to sell more to China has become, in Bolsonaro’s mind, part of the country’s manifest destiny.
He has mostly ignored the global outcry to save the Amazon, which is critical to fighting climate change due to its ability to store massive amounts of carbon emissions. He has also cut the budget of the government’s environmental protection agency, hamstringing its ability to police the jungle, and sent the army in to finish paving the more than 800 miles of a highway bisecting the region, meant to facilitate the transport of grain to China through the Amazon basin. Deforestation rates in the Amazon reached a 10-year high in 2019 and jumped a staggering 183 percent between December 2018 and December 2019.
Meanwhile, China — a signatory to the Paris agreement on climate change — has kept quiet over its contribution to the crisis. When it comes to Brazil, Beijing has put its food security priorities ahead of its environmental commitments and chosen to do business with no questions asked.
Yet Bolsonaro’s bet on China may backfire. Meat prices in Brazil haveskyrocketed domestically, fueling inflation. That’s a worrisome trend in a country where churrasco (barbecue) is almost a religion and where inflation sparked massive demonstrations in 2013 that threatened to derail then-President Dilma Rousseff’s bid for a second term. Experts and officials agree that the rising cost of beef at home is a direct consequence of record beef sales to China, where a devastating swine flu that has halved its pig population has led many Chinese to buy more beef as a replacement protein.
This hasn’t just come at the expense of Brazilian consumers. In some cases, it has even come at the cost of Brazilian sellers. Powerful Chinese state-owned enterprises recently bullied Brazilian exporters, renegotiating contracts at the last minute and pushing them to sell meat at a loss.
Now, Bolsonaro’s ambitious trade plans with China might face further jeopardy. Brazil had benefited from the trade war between the United States and China, stepping in to sell more soy and beef to the Asian superpower as U.S. farmers got cut out. But the boom times may be over, with the new trade deal essentially a purchase agreement with a pledge from Beijing to buy $36 billion worth of agricultural products from the United States this year, much of it soy, and $43 billion the next.
In order to honor its commitment, China has no choice but to pivot back to the United States. As a result, Bolsonaro’s staunchest supporters — farmers — may face a soy surplus this season, just when the harvest is forecast to reach an all-time high. In January, Brazil’s soy exports dropped more than 26 percent from the same period last year.
The coronavirus also looks set to severely hit China’s domestic growth and, in turn, demand for Brazilian food commodities. With many workers still under quarantine and on unpaid leave across the country, appetite for expensive, imported beef will — and already has — start to wane.
Bolsonaro now faces a dilemma. He can take a step back from the vagaries of Chinese demand and do what his admirers claim he’s good at: learning from his mistakes and changing course. He can work on preserving the Amazon; environmentalists say it is possible to develop the region sustainably. Or, he can double down on his partnership with China — and put Brazil’s, and the world’s, future prosperity at risk.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Amazonia: alerta do comandante do Exercito, em 2015

Esta matéria, da agência do Senado, é de 13/08/2015, ou seja de três anos atrás...

Comandante do Exército adverte sobre 'déficit de soberania' na Amazônia


O general Eduardo Villas Bôas em audiência no Senado (13/08/2015)

O Brasil tem um déficit de soberania sobre a Região Amazônica. A advertência foi feita por ninguém menos que o comandante do Exército Brasileiro, general Eduardo Villas Bôas, em recente audiência pública realizada pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, para analisar o controle de fronteiras e o combate ao tráfico de drogas e armas na região. Na ocasião, ele destacou a necessidade de se ter uma maior atenção com a atuação das ONGs internacionais que operam no País e ressaltou a ameaça representada pelo projeto do "corredor ecológico" proposto pelo governo da Colômbia.

De acordo com Villas Bôas, os militares estão apreensivos em relação a situações que limitam a autoridade do País em relação a questões estratégicas para o desenvolvimento da região, além de atender às aspirações dos brasileiros - em especial os da população da Região Amazônica. Como exemplo, citou o plano do "Corredor Triplo A" propos to ao Congresso de seu país pelo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, para a criação de uma zona de preservação ecológica dos Andes até o Oceano Atlântico, que, se implementada, poderá "esterilizar" 1,35 milhão de quilômetros quadrados dos territórios da Colômbia, Brasil e Venezuela. A intenção é apresentar o projeto para a análise da 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-21), a ser realizada em Paris, em dezembro (ver mapa - Alerta Científico e Ambiental, 30/04/2015).


Mapa do Corredor Triplo A proposto pelo governo da Colômbia

O general lembrou que a Amazônia representa 62% do território brasileiro e a eventual criação do "corredor" inviabilizaria a exploração de recursos naturais avaliados em mais de 23 trilhões de dólares, como reservas de minérios raros e biodiversidade. Ele aproveitou para se posicionar contra as propostas de se manterem os recursos naturais amazônicos "congelados" para sempre, e disse acreditar ser possível conciliar a preservação ambiental com o uso racional das riquezas da região. Para ele, tal condição configura um "déficit de soberania": "Esse déficit de soberania, esse processo todo é como combater fantasmas, porque a gente não sabe de onde vêm, o que são, o que fazem e quais são os seus objetivos, mas o resultado geral a gente pode verificar (Agência Senado, 16/07/2015)."

A proposta do "Corredor Triplo A" foi concebida pela ONG britânica Gaia International, cuja filial colombiana é a Fundación Gaia.
Além disso, Villas Bôas criticou o modelo atual de demarcação de terras indígenas, com grande concentração na Amazônia, inclusive, em áreas com forte concentração de riquezas minerais: "Não sou contra unidades de conservação em terras indígenas. (.) mas temos que compatibilizar esse objetivo com a exploração dos recursos naturais."

A falta de projetos que permitam que a exploração das riquezas naturais amazônicas seja feita de forma organizada e com fiscalização, observou, é um problema que tem provocado o contrabando ilegal desses mesmos recursos. Como exemplo, citou o caso da exploração ilícita de diamantes cor-de-rosa em terras indígenas de Rondônia, que continuam sendo extraídos e exportados sem qualquer controle. "Isso é uma hemorragia; são riquezas que o país perde, que sai pelas estruturas de contrabando, e o país não se beneficia em nada com isso", questionou.

O comandante também expôs a situação do narcotráfico na região amazônica, e observou que o Brasil é usado como corredor de passagem de cocaína para o exterior, por fazer fronteira com os três maiores produtores da droga no mundo: Colômbia, Peru e Bolívia. Villas Bôas informou que foram identificadas e destruídas pequenas plantações de coca no interior de nosso território, e que há informações da ação de traficantes brasileiros e mexicanos na Amazônia: "Já foi detectada a presença de cartéis mexicanos, aqui, na Colômbia e no Peru. O cartel mexicano tem um modus operandi extremamente violento, e essa violência já começa a transbordar para o nosso lado."

Já o tráfico de armas, é mais presente em fronteiras no Sul do país, afirmou.
Para proporcionar um monitoramento mais efetivo das fronteiras, principalmente na Amazônia, está sendo implantado o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), desenvolvido pelo Exército e composto de sistemas de comunicação, radares e veículos aéreos não tripulados (Vants), com 70% de tecnologia nacional. O sistema começou a ser implantado em Mato Grosso, com previsão de conclusão em todo o País para 2023, embora possam haver atrasos, devido aos cortes orçamentários do governo federal, observou Villas Bôas.

O sistema pode recuperar o investimento realizado em dez anos, contribuindo para uma economia de mais de R$ 13 bilhões em gastos com segurança, nesse período.

É de extrema relevânci a uma autoridade com a responsabilidade do comandante do Exército venha a público denunciar o caráter danoso do radicalismo ambientalista-indigenista praticado pelo aparato internacional de ONG que, há mais de duas décadas, colocou o Brasil na sua alça de mira. Aguardemos para observar as repercussões relevantes na cúpula do governo federal, principalmente, no tocante às propostas que serão apresentadas na COP-21.
Para comandante do Exército, soberania sobre a Amazônia enfrenta 'déficits'

Em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), nesta quinta-feira (16), o comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, alertou para riscos de enfraquecimento da soberania do Brasil sobre a parte nacional da Amazônia. Contraditado pelos senadores, ele esclareceu que não se referia a am eaças à integridade territorial, mas a situações que limitam a autoridade do país sobre decisões estratégicas para o desenvolvimento equilibrado da região, buscando atender os interesses do país e, principalmente, da população dos estados amazônicos.

- Isso se caracteriza muito bem como os 'déficits de soberania' que nós estamos admitindo dentro da Amazônia - conceituou.

O comandante citou como exemplo de iniciativa capaz de comprometer a autoridade do país a recente proposta do presidente da Colômbia, Luiz Manoel dos Santos, ao Congresso de seu país. Segundo ele, Santos sugeriu a criação de um corredor ecológico na Amazônia continental, do Andes até o Oceano Atlântico, compreendendo a Amazônia brasileira. O objetivo é levar a ideia - chamada "tríplice way" - para análise da próxima reunião da Conferência de Mudanças Climáticas (CoP 21).

Riquezas intocadas

De acordo com o general, a intenção é manter toda a extensão do corredor intocado, sem exploração de suas riquezas, como contribuição para deter as mudanças climáticas. Pelo projeto, esse corredor seria implantado em até cinco anos. Antes, registrou que a Amazônia se estende por 830 mil quilômetros quadrados, em área de nove países, inclusive o Brasil (com 62% de todo o território). As riquezas são estimadas em mais de US$ 230 trilhões, com reservas de minérios raros e rica biodiversidade.

O comandante informou que a proposta de criação do corredor tem origem na Fundação Gaia, organização não-governamental instalada na Colômbia e vinculada à entidade Gaia Internacional, a provedora dos recursos para os estudos. Disse que a ideia fundamental é a de que os recursos naturais da Amazônia devem ficar congelados para sempre. Ao contrário disso, ele defendeu ao longo da exposição que é possível conciliar a preservação e o uso racional das riquezas na região.

- Esse processo [radicalismo pela preservação] é como combater fantasmas, porque a gente não sabe de onde vêm, quem são, o que fazem e quais são seus reais objetivos - comentou.

O general Villas Bôas foi convidado para audiência em decorrência de requerimento apresentado pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que também presidiu os trabalhos. O objetivo foi debater as questões da Amazônia, como a situação do controle das fronteiras, ameaças do tráfico de drogas e armas, além do nível de coordenação com as forças militares dos países limítrofes.

Reservas indígenas

O comandante do Exército fez também restrições ao modelo de reservas indígenas, concentradas sobretudo na Amazônia. Julgou questionável a "coincidência" do estabelecimento de reservas em áreas com forte concentração de riquezas minerais, o que procurou demonstrar com a apresentação de mapas das reservas indígenas e de jazidas minerais já identificadas.

- Não sou contra unidades de conservação em terras indígenas. Ao contrário, temos que ter desmatamento zero, temos que proteger nossos indígenas, mas temos que compatibilizar essa objetivo com a exploração dos recursos naturais - defendeu.

Sem projetos para que a exploração das riquezas seja feita de modo equilibrado, sob controle e fiscalização, o general disse que tudo passa a acontecer clandestinamente. Como exemplo, citou os veios de diamantes cor-de-rosa nas terras indígenas Roosevelt, em Rondônia. Disse que os diamantes continuam sendo extraídos e saindo ilicitamente do Brasil.

- Isso é uma hemorragia; são riquezas que país perde, que sai pelas estruturas de contrabando, e o país não se beneficia em nada com isso - criticou.

Narcotráfico

De acordo com o general, o país ainda não é produtor de cocaína, mas está sendo usado como corredor de passagem de droga para o exterior. Isto, além de representar grande mercado consumidor, o segundo do mundo depois dos Estados Unidos. Até o momento, Villas Bôas disse que foram detectados e erradicados pequenos pl antios dentro do país. Porém, já teriam sido captados sinais preocupantes de articulações de narcotraficantes do país e mesmo do México. Quanto ao tráfico de armas, esclareceu que essa atividade é mais presentes em fronteiras da Região Sudeste e Sul.

Por parte das Forças Armadas, segundo o general, a resposta para aumentar a proteção das fronteiras, inclusive na Amazônia, é a implantação do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron). Desenvolvido pelo Exército, o sistema envolve radares, sistemas de comunicação e veículos aéreos não tripulados (Vant), com 70% de tecnologia nacional.

Explicou que o Sisfron começou a ser implantado pelo Mato Grosso do Sul, com previsão de conclusão em 2023, ao fim de dez anos. No entanto, admitiu que o projeto pode atrasar, em razão de cortes orçamentários. Segundo o comandante, mesmo se o sistema tivesse apenas 1,5% de eficácia, poderá contribuir em dez anos para uma economia de R$ 13,5 bilhões em gastos com segurança, recuperando todo o investimento.

Com grande participação de senadores, a audiência foi concluída com a promessa de apoio para incremento de recursos que permitam acelerar a implantação do Sisfron.

Fonte: Agência Senado
 

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Amazonia subtraida: uma lenda renitente (e idiota)

Fazem mais de dez anos que circulam boatos em torno de uma suposta internacionalização da Amazônia (o que aliás seria bom, pois a Amazônia só foi "desenvolvida", de verdade, quando ela era internacionalizada, no ciclo da borracha. Depois voltou à sua modorra habitual).
Uma matéria do G1, pelo repórter Daniel Buarque, retoma a história dessa fraude monumental, que reproduzo logo abaixo.
Em meu site, pode ser encontrado um dossiê dessa lenda da internet.
Divirtam-se...
Paulo Roberto de Almeida

Mapa da Amazônia dividida é mentira deliberada, diz diplomata brasileiro
Daniel Buarque
G1, em São Paulo, 12/08/2010

Mapa adulterado da floresta circula na rede há uma década.
Governos dos EUA e do Brasil já investigaram e detectaram a montagem.

O falso mapa de livro didático que circula desde o ano 2000 com boato sobre a internacionalização da Amazônia

Na origem de um longo debate em que os brasileiros acham que os Estados Unidos querem invadir a Amazônia, e os americanos acham que o Brasil é paranoico está uma lenda urbana de mais de uma década, espalhada pela internet e reciclada periodicamente com popularidade surpreendente. Trata-se da história de que escolas dos EUA usam livros didáticos de geografia com um mapa da América do Sul adulterado, em que a região a amazônica aparece como “território internacional”. Por mais que a história já tenha sido desmentida oficialmente uma dúzia de vezes, muitos brasileiros ainda mencionam este caso sem saber exatamente se era verdade ou não, e até políticos brasileiros volta e meia pedem explicações oficiais do Ministério das Relações Exteriores sobre o assunto.

Desde as primeiras menções ao caso, ainda no ano 2000, representantes diplomáticos brasileiros nos Estados Unidos começaram a investigar as origens do que aparecia como mais um boato, uma lenda da internet. O diplomata Paulo Roberto de Almeida, que então trabalhava como ministro conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington, averiguou rapidamente que a história circulava em listas universitárias de discussão, mas que suas bases factuais eram frágeis, praticamente inexistentes. Logo em seguida, ao pesquisar em bases de dados e examinar os materiais disponíveis, concluiu por uma montagem feita no próprio Brasil.”"Esta 'notícia' aparentemente tão alarmante não tem base", diz, em um longo dossiê que publicou sobre os boatos. "Posso, sem hesitar, afirmar que os Estados Unidos não querem amputar um pedaço da nossa geografia nas escolas do país e que os supostos mapas simplesmente não existem."

Em entrevista concedida nesta semana ao G1, direto de Shangai, na China, Almeida confirma o que já tinha constatado anos atrás: reiterou que os boatos lançados a esse respeito sempre foram nacionais, criados inteiramente no Brasil. Segundo ele, os americanos nunca tiveram nada a ver com o caso e, de certa forma, foram vítimas dele, tanto quanto os milhares de brasileiros enganados. “É preciso deixar claro que o mapa não é uma questão estrangeira. Ele foi feito por brasileiros e para brasileiros”, disse. “É uma construção, uma mentira deliberada”, completou. Segundo ele, que investigou o caso enquanto viveu nos Estados Unidos, é possível traçar a origem desses rumores a grupos de extrema direita militar no Brasil, interessados em preservar a soberania brasileira sobre a Amazônia, "supostamente ameaçada por alguma invasão estrangeira. Neste caso, recorreram à fraude deliberada para reforçar seu intento", explicou. Curiosamente, disse, a causa acabou abraçada pela extrema esquerda antiamericana, e a histórica cresceu com a ajuda da internet.

É preciso deixar claro que o mapa não é uma questão estrangeira. Ele foi feito por brasileiros e para brasileiros. É uma construção, uma mentira deliberada"
Paulo R. de Almeida, diplomata brasileiro

Almeida é doutor em Ciências Sociais, mestre em Planejamento Econômico e diplomata, autor de mais de uma dúzia de livros sobre o Brasil e relações internacionais, como "Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas". Em sua página pessoal na internet, ele reproduz seu dossiê sobre o caso, trazendo inclusive trechos da comunicação formal do então embaixador Rubens Antonio Barbosa negando a existência do mapa, que havia sido publicada no boletim da "Ciência Hoje" em maio do mesmo ano. A carta do embaixador, de junho de 2000, acusa um site brasileiro de criar a história. "Tudo parece ter originado, não de uma suposta 'conspiração americana' de desmembrar a floresta tropical amazônica, mas de desinformação 'made in Brazil' por setores ainda não identificados."

Repercussão
A negativa oficial não foi suficiente, e o caso continuou crescendo e chegou até mesmo ao Congresso Brasileiro. Primeiro foi a Câmara de Deputados, que em junho de 2000 fez um requerimento formal pedindo ao ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, informações a respeito da "matéria veiculada na internet na qual o Brasil aparece em mapas dividido." Depois disso, em 2001, foi no Senado. A página na internet do Senado traz um pronunciamento do senador Mozarildo Cavalcanti, do PFL de Roraima, de 29 de novembro de 2001, em que chama a internacionalização da Amazônia de "processo inteligentemente armado para anestesiar as camadas formadoras de opinião e evitar reação". Depois de ler todo o texto da denúncia que circulava pela internet, o senador apelou ao ministro das Relações Exteriores para que investigasse a fundo o assunto o "atentado à soberania do país".

A ideia é tão hilária que me sinto bobo de falar sobre ela."
Anthony Harrington, ex-embaixador dos EUA no Brasil

Segundo o diplomata brasileiro ouvido pelo G1, o mapa se transformou em um refúgio para quem busca teorias da conspiração. "Quem quer acreditar, acredita em qualquer coisa", disse Paulo R. Almeida, explicando o porquê de o caso continuar tão popular mesmo depois de ser rebatido com fatos. "Os americanos nem deram atenção ao caso, foram pegos de surpresa e de forma involuntária. Só o Brasil dá importância a esta invenção."

Resposta americana
Logo que o caso surgiu, no ano 2000, Anthony Harrington, então novo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, tentou dar uma resposta oficial e final ao assunto. "Existem aqueles no Brasil que acreditam que os Estados Unidos querem dominar o mundo. Eles vêm o Tio Sam como o grande abusador. Típico desta forma de pensar é a crença de que os Estados Unidos têm um plano secreto de invadir a Amazônia em nome de salvar a Floresta Tropical. A ideia é tão hilária que me sinto bobo de falar sobre ela. Mas em nome de seguir adiante, de permitir que americanos e brasileiros possam passar aos assuntos sérios que enfrentamos juntos, deixe-me deixar isso claro: A Amazônia pertence ao Brasil. Sempre vai pertencer. E o mito de que os Estados Unidos invadiria é simplesmente ridículo. Ponto Final."

Segundo o embaixador, os americanos são fascinados pela floresta, tanto quanto a maioria das pessoas em todo o mundo, mas o interesse do país é apenas em colaboração com o Brasil, ajudando a desenvolver a região de uma maneira que seja inócua para o meio ambiente e faça justiça aos formidáveis recursos naturais que os brasileiros possuem. "A idéia de que tropas americanas possam intervir na Amazônia é ridícula. Sinceramente, não merece comentários."

Mesmo assim foi preciso voltar a tocar oficialmente no assunto, e a própria Embaixada Americana no Brasil manteve por algum tempo uma página de desmentido da história do mapa no ar. A página não existe mais no mesmo endereço. Entretanto, o site America.gov, que traz informações sobre política externa dos Estados Unidos e é produzido pelo Departamento de Estado, mantém no ar o texto do desmentido e os argumentos. A data da divulgação é de 2005, cinco anos depois do início da propagação do mito e três após a reportagem no principal jornal dos Estados Unidos.

Rebatendo o mito
A resposta oficial diz que o e-mail forjado surgiu em 2000. "Não há indicação de que tal livro exista. A Biblioteca do Congresso dos EUA, com mais de 29 milhões de livros e outros materiais impressos, não tem registro dele. O banco de dados online do centro de estudo WorldCat, o maior banco de dados de informação bibliográfica, com mais de 47 milhões de livros, não tem registro do livro. Tal livro também não é encontrado em buscas na internet na Amazon e no Google" .

O primeiro argumento usado para refutar a veracidade do livro é gramatical: "Muitos erros de grafia, gramática, tom inapropriado e linguagem" que são evidentes para um falante nativo de inglês. A resposta oficial do governo americano, apesar de ter demorado quase meia década, parte na mesma direção do embaixador brasileiro Rubens Antonio Barbosa, indicando que o trabalho aparenta ser uma invenção "made in Brazil" para criar "desinformação". O Birô Internacional de Programas de Informação continua seu texto apontando que "alguns dos erros de grafia nesta falsificação indicam que o falsificador era um falante nativo de português", diz, citando exemplo como a palavra "vegetal", que aparecia na mensagem original no lugar de "vegetable".

A criação da 'Prinfa' foi um presente para o mundo todo visto que a posse destas terras tão valiosas nas mãos de povos e países tão primitivos condenariam os pulmões do mundo ao desaparecimento e à total destruição em poucos anos"
Texto falso divulgado junto com lenda urbana sobre livro didático

O mapa
Esta duradoura mentira circula há anos pela rede trazendo a imagem de um suposto mapa de livro de geografia usado nas escolas dos Estados Unidos em que aparece um pedaço da Amazônia como sendo um território sob “responsabilidade dos Estados Unidos e das Nações Unidas”. Esta área, que inclui partes do Brasil e de outros países da região, teria sido renomeada, ainda nos anos 1980, para Finraf (Former International Reserve of Amazon Forest), traduzida, na mensagem de alerta que dizia se tratar de uma história real, para Prinfa (Primeira Reserva Internacional da Floresta Amazônica).

A mensagem, que circulou por e-mails e blogs, é sempre a mesma. Um “alerta”, algo “para ficar indignado”, incluindo uma página copiada do suposto livro “An Introduction to Geography”, onde aparece o referido mapa do Brasil “amputado” e um texto sobre a “reserva internacional”.

O texto do livro é preconceituoso e ofensivo, e foi traduzido de um inglês pobre para um português cheio de erros de grafia e gramática: “Desde meados dos anos 80 a mais importante floresta do mundo passou a ser responsabilidade dos Estados Unidos e das Nações Unidas. (...) Sua fundação [da reserva] se deu pelo fato de a Amazônia estar localizada na América do Sul, uma das regiões mais pobres do mundo e cercada por países irresponsáveis, cruéis e autoritários. Fazia parte de oito países diferentes e estranhos, os quais, em sua maioria, são reinos da violência, do tráfego de drogas [sic], da ignorância, e de um povo sem inteligência e primitivo. A criação da Prinfa foi apoiada por todas as nações do G-23 e foi realmente uma missão especial para nosso país e um presente para o mundo todo visto que a posse destas terras tão valiosas nas mãos de povos e países tão primitivos condenariam os pulmões do mundo ao desaparecimento e à total destruição em poucos anos” .

Para dar credibilidade à história, a mensagem alega que a fonte da informação foi um jornal, sem muitos detalhes sobre a publicação do caso. Mesmo sem uma base de informação mais forte, a história se espalhou pelo Brasil e ganhou atenção até nos próprios Estados Unidos, onde foi rechaçada repetidas vezes, como em 2002, quando foi ironizada pelo "New York Times" como "claro, pura imaginação. A imaginação brasileira" . O título da matéria era algo como "No fundo do Brasil, uma viagem de paranoia".

Ainda em 2010, o Google tem mais de 1.200 retornos para a busca internacional pela sigla Finraf. Traduzindo a sigla para Prinfa, são mais de 3.000 páginas registrando alguma informação a respeito dessa história. São dezenas de blogs pessoais, páginas de jornais de diferentes lugares do Brasil, perguntas em fóruns. Muitos já tratam o assunto como mito, lenda urbana, e dizem que o mapa se tornou apenas uma curiosidade na internet. Não faltam, entretanto, as páginas que ainda reproduzem o assunto (algumas com datas tão recentes quanto 2009) com tom indignado e alegando se tratar de uma denúncia real.

Saiba mais:
* Medo de intervenção na Amazônia é 'paranoia', dizem americanos
* Americanos cogitaram ‘tomar a Amazônia’ no século XIX, revela livro
* Detetive virtual: Textos na internet sobre a Amazônia são falsos

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Mitos amazonicos, paranoias brasileiras...

Antes de Henry Ford, se acreditava que os EUA queriam conquistar a Amazônia para "exportar" os negros americanos. Depois dele vieram outros iludidos com as "fabulosas riquezas" da selva, apenas para enterrar dinheiro no mato, como fizeram o próprio Ford e Keith Daniel Ludwig nos anos 1970.
Bem depois surgiram os boatos em torno da "internacionalização" da Amazônia, uma fraude que contou com a ativa colaboração de militares de extrema direita e militantes bocós de extrema esquerda, numa pouco santa aliança em torno de montagens deliberadas de mapas e supostos livros americanos (tenho um dossiê sobre isso no meu site).
O livro abaixo é sério e demonstra como os homens mais bem assessorados do planeta podem cometer as piores bobagens com base em informações erradas, mas animados por uma vontade irracional de crer em alguns mitos sem fundamento.
Paulo Roberto de Almeida

Um sonho de sociedade perdido no meio da floresta
Por Anamarcia Vaisencher
Valor Econômico, 10/08/2010 – p. D12

Amazônia: Henry Ford não conseguiu levar para a selva seu ideal do "american way of life"

Fordlândia - Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva
Greg Grandin. Tradução de Nivaldo Montingelli Jr. Rocco. 397 págs., R$ 56,00

Henry Ford pretendia harmonizar agricultura e indústria num projeto que garantiria a segurança americana

A Amazônia ainda carrega a herança deixada por Henry Ford como desdobramento de sua tentativa de implantar na selva um espaço de racionalidade econômica chamado Fordlândia. E com a inestimável colaboração local de governantes, políticos, lobistas e gente que atuava na sombra, como Jorge Dumont Villares (sobrinho de Alberto Santos Dumont), articulador do plano que induziu Ford a pagar por terras que provavelmente teria recebido de graça do governo para implantar seu ambicioso projeto.

Muito se disse e escreveu sobre a tentativa de Ford de levar para a Amazônia, ali no vale do Tapajós, um "american way of life" que ele próprio idealizara. Mas "Fordlândia", de Greg Grandin, professor de história da Universidade de Nova York, não é um relato comum. Apoiado em farta documentação e pesquisa, o encadeamento de fatos proporciona uma leitura de reveladora substância.

Se fosse possível simplificar a aventura fordiana, ela teve menos a ver com a necessidade de assegurar o fornecimento de borracha para a fabricação de pneus e uso em outras partes de automóveis, no imenso complexo industrial de River Rouge, nos Estados Unidos, do que com aquilo que o autor chama de "pastoralismo americano" de Ford - uma concepção de sociedade em que as atividades agrícola e industrial estariam em salutar equilíbrio, sem predomínio de uma sobre a outra, numa espécie de simbiose entre terra, mão de obra, recursos, fabricação, finanças e consumo. "Com um pé na indústria e outro na agricultura, a América estará segura", sentenciava Ford. Fordlândia seria um lugar que permitiria antecipar essa convergência. Ele preservava, porém, uma visão quase onírica da realidade corrente em seu país, pois em 1928 se declarava "otimista" em relação ao ano seguinte, "certo de que a nova fábrica de River Rouge, localizada em Dearborn, sua cidade natal, perto de Detroit, seria capaz de atender à demanda" (por seu novo modelo de carro, agora da série A, depois do T).

Em janeiro daquele ano, Ford aproveitou a inauguração do imenso complexo de River Rouge - que integrava praticamente todo o processo de fabricação do automóvel, desde a produção de aço - para anunciar que logo voaria até a Amazônia para inspecionar sua plantação de seringueiras, no vale do Tapajós. O látex era o único recurso natural que Ford não controlava. Grandin não deixa em branco o paradoxo que seria a semente da falência do megalomaníaco projeto no qual Ford despejou vários milhões de dólares. De um lado, o pioneiro que havia aperfeiçoado a linha de montagem e dividira o processo de fabricação em componentes cada vez mais simples, concebendo-o para tornar um produto reproduzível infinitamente, com o primeiro indistinguível do milionésimo. Do outro, a Amazônia, dona de si mesma, reino da natureza avassaladora.

Ford tinha mais de 60 anos quando fundou Fordlândia (hoje Belterra, e esquecida durante 39 anos após a derrocada do projeto), localizada a leste de Santarém e a 726 quilômetros de Manaus. O lugar era definido por alguns visitantes como um "oásis", um verdadeiro "sonho do Meio-Oeste", nas palavras do major Lester Baker, adido militar dos Estados Unidos, com luz elétrica, telefone, máquinas de lavar, vitrolas, refrigeradores, piscinas e até campo de golfe.

Grandin lembra que hoje, como há 80 anos, ainda são necessárias cerca de 18 horas em um lento barco fluvial para chegar a Fordlândia, a partir da cidade importante mais próxima. Não bastasse isso, "os primeiros anos do local foram marcados por desperdício, violência e vícios" - em suma, tudo que o antissemita, admirador do nazismo e antissindicalista ferrenho mais abominava. Entre as incongruências do projeto, o fato de que não batia com a realidade porque, em 1925, quando Ford e o amigo Harvey Firestone pensavam em entrar no ramo da borracha, a prosperidade da hevea brasiliensis já chegara ao fim. Graças, inclusive, à ação de Henry Wickam, que passara pela Amazônia mais de meio século antes para piratear sementes de seringueira que levaria para Londres e que constituiriam a base genética das plantações britânicas em suas colônias.

Justiça seja feita: já nas primeiras décadas do século XX, Ford falava em reciclagem de resíduos para evitar desperdícios e em uma futura carroceria de automóveis inteiramente feita de plástico à base de soja.

A aventura fordiana não teve (não tem ainda) um final feliz. Mais de meio século depois de a Ford Motor Company abandonar sua propriedade de um milhão de hectares na Amazônia (novembro de 1945), por lá - mesmo a título de isca turística - ainda se espera por Henry Ford. Os "barões da borracha" retomariam o poder, mas perderam uma guerra maior para a importação de látex de Cingapura. Quanto a Ford, que "ajudou a liberar o poder da industrialização para revolucionar as relações humanas, passou a maior parte do resto da vida tentando colocar o gênio de volta na garrafa, conter o rompimento que ele mesmo provocara (...)". Ou seja, segurar as forças do capitalismo.

Manaus foi o retrato em branco e preto das "desenfreadas" forças do capitalismo. A cidade só se recuperou no fim dos anos 1960, quando o regime militar transformou-a numa zona de livre comércio. E, também graças à isenção de impostos, Manaus "tornou-se o empório nacional do Brasil", e uma zona de montagem (semelhantes à das maquiladoras mexicanas), descreve o autor. Uma cidade da Belíndia onde, ao lado de luxuosos condomínios, proliferam palafitas. "Uma paisagem dramática de desigualdade em um dos países mais desiguais do mundo. Em comparação, ela torna desprezível a distância que separava os lares dos gerentes americanos daqueles dos brasileiros", como reportava a imprensa. Citando artigo publicado no "Los Angeles Times" em março de 1993, Grandin sintetiza: "A tentativa de reproduzir a América na Amazônia levou à terceirização da Amazônia pela América".

De algum modo, Manaus se recuperou. Fordlândia também. "(...) Mas a ironia mais profunda está atualmente em exibição no local da tentativa mais ambiciosa dele [Henry Ford] de realizar sua visão pastoralista. No vale do Tapajós, três elementos importantes da visão de Ford - madeira, com a qual esperava lucrar, encontrando ao mesmo tempo maneiras de conservar a natureza; estradas que, para ele, uniriam as pequenas cidades e criariam mercados sustentáveis; e a soja, na qual investiu milhões, esperando que a produção industrial pudesse reviver a vida rural - tornaram-se os principais agentes da ruína da Amazônia, não só de sua flora e fauna, mas também de muitas de suas comunidades."