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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Um manifesto em favor de um criminoso: uma peticao "inassinavel"...

Recebi, de um correspondente de internet cuja identidade não vem ao caso, a petição abaixo transcrita, cujos termos repudio da maneira mais veemente.
Respondi, simplesmente, dizendo que não concordava em absoluto com os termos da petição, e que eu era a favor da extradição, imediata e legal, do referido criminoso.
Ainda assim, como sempre sou a favor de ideias, e de seu debate, mesmo as más -- como é manifestamente este caso -- transcrevo a petição, para rechaçar de modo formal seus termos e intenções, e logo exponho por que.
Devo dizer, em primeiro lugar, que considero a decisão do STF de autorizar a extradição do criminoso em questão lamentável, ao dar ao presidente da República a faculdade de se pronunciar, em última instância, sobre essa expulsão, cabendo-lhe então a palavra final num imbróglio jurídico que esses juízes, sempre decidindo politicamente, e não legalmente, meteram o país e nossa credibilidade internacional.
Ao STF é quem cabe a palavra final, em nosso sistema constitucional -- e suponho que em qualquer outro -- em matéria de legalidade e de constitucionalidade.
O STF, e o presidente então, confundem o Brasil com a figura do presidente, que nada mais é do que o representante temporário do Estado brasileiro.
Quem tem acordo de extradição com a Itália é o Brasil, não o STF, ou sequer o presidente da República, a quem cabe apenas cumprir a lei -- neste caso, um tratado bilateral -- e muito menos o STF, a quem cabe apenas e tão somente cumprir a lei, não ficar inventando filigranas jurídicas que só complicam o caso.
Volto a dizer: o comportamento do STF neste caso foi abaixo de lamentável, e o comportamento do ex-presidente, então, foi abaixo de reprovável, indigna de um país que pretende respeitar tratados internacionais.
Venho agora ao texto da petição em questão (quem desejar lê-la em primeiro lugar, vá mais abaixo).

Os peticionários são obviamente militantes de uma causa qualquer, neste caso a mais deplorável de todas, que é a de defender um criminoso, julgado e condenado, e refugiado ilegalmente no Brasil (para o que contribuiu também um simulacro de decisão política de um lamentável ex-ministro da (in)Justiça, que não se pejou de expulsar para uma ditadura dois legítimos refugiados comuns, não políticos.
Eles começam por dizer o seguinte:

"A situação atual constitui profundo desprezo a) à decisão do presidente da república pela não-extradição, b) ao estado democrático de direito e, sobretudo, c) à dignidade da pessoa humana."

Corrijo: (a) o presidente não tinha que decidir sobre extradição ou não-extradição; o caso pertencia à Justiça, que decidiu pela extradição, em cumprimento de um acordo; o presidente só tinha de aplicar a decisão da Justiça, ou seja, tomar as providências para cumprir a decisão do STF; este, de modo idiota, "decidiu" que cabia ao presidente ter a última palavra; ora, a decisão pertence a um tratado do qual o Brasil é signatário, não à pessoa do presidente;
(b) o que é, ou o que seja, um Estado democrático de direito não pode ser definido por um punhado de indivíduos, mas tem parâmetros claros, que são decididos em última instância pelo STF; este bando de tiranetes togados esqueceram-se disso e se auto-castraram;
(c) dignidade da pessoa humana não está em causa aqui, pois quem define isso é a lei e a Justiça, e os peticionários são unilaterais e enviesados em seu julgamento.

Continuam os peticionários politizados:

"No dia 31 de dezembro de 2010, o presidente da república decidiu negar o pedido de extradição de Cesare Battisti, formulado pela Itália. A legalidade e legitimidade dessa decisão são inatacáveis. O presidente exerceu as suas competências constitucionais como chefe de estado."

Errado, completamente. Não cabia ao PR negar ou autorizar o pedido de extradição; ele apenas tinha de cumprir o que determina a lei, que era responsabilidade do STF. Este atuou, repito, de maneira inaceitável, ao auto-eximir-se de cumprir um tratado, esquecendo as obrigações internacionais do Estado brasileiro e dando responsabilidade sobre o caso a um mero representante temporário do Estado, que por acaso (e para nossa vergonha) era o ex-presidente. A legalidade e a legitimidade dessa "decisão" são altamente questionáveis, aliás profundamente erradas, equivocadas no mais alto grau. O presidente não tinha nenhuma competência na interpretação da lei, de nenhuma lei, tampouco no caso da decisão em causa, apenas lhe cabia cumprir a lei. Luis Inácio pensou que era o Estado brasileiro... (aliás, ele pensa muito alto sobre si mesmo...).

Todo o resto da petição é de uma pobreza jurídica inacreditável, aliás inaceitável em qualquer fórum que se considere aliado do direito. Cesare Battisti nunca foi perseguido político; se trata de um criminoso que foi processado e condenado por um Estado democrático, que recorreu até as mais altas instâncias europeias e que perdeu em todas. Cabia ao Brasil apenas e tão somente extraditá-lo, inclusive porque entrou no Brasil ilegalmente, fraudulentamente.
O ex-ministro da (in)Justiça que concedeu-lhe o status de refugiado extravasou de suas competências e não tem autoridade moral para fazer o que fez, depois da expulsão de cubanos para uma ditadura totalitária.
Paulo Roberto de Almeida

Petição MANIFESTO PELO FIM IMEDIATO DA PRISÃO INSUSTENTÁVEL E INCONSTTITUCIONAL DE CESARE BATTISTI

Para: STF, Governo Federal

Os cidadãos abaixo assinados expressam total inconformidade com a decisão do ministro Cézar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, de manter preso o cidadão italiano Cesare Battisti e instam pela sua soltura imediata e inadiável, por ser de justiça. A situação atual constitui profundo desprezo a) à decisão do presidente da república pela não-extradição, b) ao estado democrático de direito e, sobretudo, c) à dignidade da pessoa humana. Imprescindível, portanto, virmos a público manifestar:

1. No dia 31 de dezembro de 2010, o presidente da república decidiu negar o pedido de extradição de Cesare Battisti, formulado pela Itália. A legalidade e legitimidade dessa decisão são inatacáveis. O presidente exerceu as suas competências constitucionais como chefe de estado. A fundamentação contemplou disposições do tratado assinado por Brasil e Itália, em especial o seu Art. 3º, alínea f, que obsta a extradição para quem possa ter a situação agravada se devolvido ao país suplicante, por “motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal”.

2. O presidente da república assumiu como razões de decidir o detalhado e consistente parecer da Advocacia-Geral da União, de n.º AGU/AG-17/2010. A decisão do presidente também condiz com os sólidos argumentos de cartas públicas e manifestos firmemente contrários à extradição, assinados por juristas do quilate de Dalmo de Abreu Dallari, Bandeira de Mello, Nilo Batista, José Afonso da Silva, Paulo Bonavides e Juarez Tavares, entre outros. A decisão também confirmou o refúgio concedido a Cesare Battisti pelo governo brasileiro, em janeiro de 2009, pelo então ministro da justiça Tarso Genro, que da mesma forma admitira o status de perseguido político dele.

3. Vale lembrar que o STF, em acórdão de dezembro de 2009, confirmado em abril de 2010, reafirmou (por cinco votos contra quatro) que a palavra final no processo de extradição cabe exclusivamente ao presidente da república – o que já constituía praxe na tradição constitucional brasileira e no direito comparado. Na ocasião, o ministro Marco Aurélio de Mello (um dos votos vencidos) fez uma observação cristalina: o extraditando está preso enquanto se decide sobre sua extradição.

4. Em conseqüência, Cesare Battisti permaneceu preso aguardando o posicionamento do presidente da república. Nesse ínterim, o governo italiano encabeçado pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi utilizou de intimidações jactantes e declarações despeitadas para pressionar as autoridades brasileiras e fazer de Battisti uma espécie de espetáculo circense, para salvar o seu governo da crise interna que notoriamente atravessa.

5. Causou perplexidade e repúdio, portanto, quando, tendo conhecimento da decisão do presidente da república, o ministro Cézar Peluso, presidente do STF, negou a soltura de Cesare Battisti. O Art. 93, inciso XII, da Constituição determina que “a atividade jurisdicional será ininterrupta” e o faz, precisamente, para contemplar casos de emergência, em que direitos fundamentais estejam ameaçados. Ora, o magistrado investido da jurisdição dispunha, em 6 de janeiro, de todos os elementos factuais e jurídicos para decidir sobre o caso. Porém, resolveu não agir, diferindo a decisão para (pelo menos) fevereiro, determinando nova apreciação pelo plenário da corte. Tal adiamento serviu a novas manobras dos interessados na caça destemperada a Battisti, num assunto que, de direito, já foi decidido pela última instância: o presidente da república.

6. A decisão em sede monocrática do ministro Cézar Peluso afronta acintosamente o conteúdo do ato competente do presidente da república. Se, como pretende o presidente do STF, o plenário reapreciará a matéria, isto significa que o presidente da república não deu a palavra final. Ou seja, o ministro Cézar Peluso descumpriu não somente a decisão definitiva do Poder Executivo, como também os acórdãos de seu tribunal, esvaziando-os de eficácia. Em outras palavras, um único juiz, voto vencido nos acórdões em pauta, desafiou tanto o Poder Executivo quanto o Poder Judiciário. O presidente do STF não pode transformar a sua posição pessoal em posição do tribunal. Não lhe pode usurpar a autoridade, já exercida quando o plenário ratificara a competência presidencial sobre a extradição.

7. A continuidade da prisão de Cesare Battisti tornou-se uma abominação jurídica. Negada a extradição, a privação da liberdade do cidadão ficou absolutamente sem fundamento. A liberdade é regra e não exceção. A autoridade judicial deve decretar a soltura, de ofício e imediatamente, como prescreve o Art. 5º, inciso LXI, da Constituição. Cesare está recluso no presídio da Papuda, em Brasília, desde 2007. Mantê-lo encarcerado sem fundamento, depois de todo o rosário processual a que foi submetido nos últimos três anos, com sua carga de pressão psicológica, consiste em extremo desprezo de seus direitos fundamentais. Significa ser cúmplice com uma prisão arbitrária e injustificada, absolutamente vergonhosa para o país, em indefensável violação ao Art. IX da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, dentre inúmeros tratados e documentos internacionais de que o Brasil é signatário.

Manifestamos a total inconformidade diante da manutenção da prisão de Cesare Battisti, mal escorada numa sucessão incoerente de argumentos e decisões judiciais, que culminou no ato ilegal e inconstitucional do ministro Cézar Peluso, ao retornar o caso mais uma vez ao plenário do STF.

Por todo o exposto, reclamamos pela liberdade imediata de Cesare Battisti, fazendo valer a decisão competente do presidente da república em 31 de dezembro de 2010.

Assinam:
Os signatários

6 comentários:

Pedro Scuro Neto disse...

Paulo. Teu comentário sobre o "manifesto" é a exposição mais clara, competente e corajosa sobre o assunto. Lendo, fico com a impressão que deu curto-circuito na consciência da nação brasileira como um todo. Parabéns, meu velho!

Anônimo disse...

Prof.

Posso estar contribuindo ainda mais, em termos de baboseira, por não ser um expert em direito internacional, mas não vi nenhuma manifestação deste nível, seja de uma pessoa ou grupo delas, ou até mesmo de nossa imprensa quando a Itália recusou extraditar o senhor Cacciola para o Brasil. Falei uma besteira muito grande?

Fabricio de Souza

Navega disse...

Eu como metade brasileiro e metade italiano fico chocado com o nível de dependência e degradação das instituições brasileiras. Não que as Italianas sejam as melhores do mundo.. O nosso digníssimo ex-presidente(Lula), utilizou-se do imbróglio jurídico causado pelo pedido de extradição concomitante ao pedido de refúgio. E o pior é que o parecer do CONARE era pela não concessão do refugio. E outro digníssimo(Ex-Min.Genro), em total dissonância cognitiva resolve conceder o refugio. O que gerou o mandado de segurança contra o ato manifestamente ilegal/imoral do ex-min. da justiça. Que chegou a ser ventilado como preliminar do pedido de extradição. Até hoje, do alto da minha ignorância e falta de experiência não consigo entender a razoabilidade jurídica disso... Enfim, o que ficou claro é que tínhamos um presidente que não dava a mínima para o Estado e suas instituições, e no último dia resolveu cometer um crime de responsabilidade. Cheguei até a pensar que seria uma jogada para atribuir carisma a nossa 1ª presidenta. Que viria e resolveria essa situação de algum modo até hoje não definido em lei, tratado ou qualquer coisa... Enfim... SOS!

Paulo Roberto de Almeida disse...

Pedro Scuro,
Não me cabe nenhum mérito por expor apenas fatos objetivos. Aliás, me surpreende que as pessoas confundam as coisas, ou seja, fatos com interpretações. Tratados são tratados, o Brasil é o Brasil, não é o sr. Luis Inácio, e regras são regras, apenas isso. Que os juízes políticos do STF confundam as coisas é extremamente preocupante, pois constatamos que esses malucos confundem as instituições e as regras com as pessoas. Isso é inadmíssivel numa democracia, que se baseia no chamdo "rule of Law', não na decisão de pessoas.
Esse juízes são lamentáveis...

Fabrício,
Confesso a você que não conheço suficientemente o caso Cacciola para opinar. De toda forma, considero que cada caso é um caso e deve ser julgado em seu mérito próprio. Nem sei se o Brasil chegou às últimas consequências jurídicas no caso Cacciola.

Navega,
Eu fico tão chiocado quanto você: a degradação das instituições chegou a tal ponto no Brasil, que as pessoas simplesmente não sabem mais apreciar um caso objetivamente, em função da legalidade, e personaluizam o debate: Battisti de um lado, Lula de outro, e a coisa fica dependendo de julgamentos subjetivos, no que, aliás, os juízes do STF ganham todos os prêmios.
Esses juízes que estão aí, com um ou outras exceção, são péssimos, ignorantes, vaidosos, alguns no limite do despreparo...
Paulo Roberto de Almei

paulo araújo disse...

Caro

No despacho em que Tarso Genro concede o direito de refúgio está evidente o embasamento teórico-jurídico retirado do intelectual nazista Carl Schmitt. Mesmo que de segunda mão, isto é, recorrendo ao apud, Genro cita literalmente Carl Schmitt em artigo escrito em 1934 (O Führer decide o Direito). O artigo foi encomenda da propaganda nazista e anunciava a adesão de Schmitt a Hitler. Nele, o jurista antiliberal defendeu a dissolução do Parlamento e do Judiciário como fontes do direito e, em nome da decisão, pediu a concentração dos poderes nas mãos do Führer.

Não foi por acaso, portanto, que o leninista Tarso Genro, no despacho, singelamente apresentou Carl Schmitt como mais um entre os “teóricos que não CREEM na democracia liberal”, ignorando, desse modo, que para teóricos os regimes de governo não são simples objetos de credo e sim objetos de crítica ou de adesão. Schmitt foi um crítico das democracias liberais antes de aderir ao nacional-socialismo.

Em seu despacho, Tarso partilha com Schmitt a noção que é central no pensamento do jurista de Hitler: no instante de perigo (o estado de exceção que teria afinal criminalizado Battisti) o soberano é absoluto para criar o direito sem mediações. Hans Kelsen, jurista defensor do normativismo lógico, respondeu assim contra Schmitt: é “uma notável audácia” afirmar que o poder executivo possuiria um poder neutro e moderador dos conflitos dos demais poderes do Estado. Para Kelsen tal formulação da soberania do executivo não seria novidade, mas uma outra vestimenta para o princípio absolutista do poder monárquico.

Lula decidiu o direito de Battisti seguindo rigorosamente o preceito schimittiano da soberania absoluta do executivo. Com a inestimável ajuda da maioria dos juízes do STF, Lula decidiu porque viu-se liberto da força normativa das leis e pairando acima da hierarquia que as organiza e lhes dá sentido.

Lula decide o direito e, no entendimento dos peticionários, "a legalidade e legitimidade dessa decisão são inatacáveis".

Veremos, a partir de fevereiro, se há juízes em Brasília.

Eduardo Rodrigues disse...

Parabéns, Paulo, por mais esse texto. Leio seu blog regularmente, e tento fazer com que fique mais conhecido do grande público, postando suas brilhantes opiniões em e-mails e redes sociais. Abraço. Rio, 30.1.11.