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terça-feira, 15 de março de 2011

Partido Novo: um contraponto - Mansueto Almeida

O Partido Novo: faz sentido?
Blog do Mansueto Almeida
15/03/2011

Algum amigo empresário já havia me falado com entusiasmo dessa iniciativa de um grupo de empresários de criar um novo partido político, o Partido Novo, que teria como foco a melhoria da gestão pública e a defesa que cargos públicos sejam ocupados por pessoas com qualificações técnicas e comprometidas a seguir metas (ver matéria de hoje no Valor Econômico). Esse novo partido condena a politica como carreira profissional e tem como foco a melhoria da eficiência do setor público, trazendo para a gestão pública os princípios de eficiência comuns do setor privado.

A ideia parece ser muito boa, mas acho difícil que tenha sucesso por pelo menos quatro motivos.

Primeiro, eles partem de uma concepção ingênua que gestão pública é semelhante à gestão privada de uma empresa. Há uma grande literatura que mostra que isso não é verdade, mas essa ideia tem sido repetida ano após ano depois que David Osborne e Ted Gaebler escreveram o livro “Reinventing Government” no início dos anos 90. No setor privado, o indicador de sucesso é o lucro. A gestão da empresa é voltada para esse objetivo e os executivos da empresa se preocupam apenas com isso. O setor público não funciona dessa forma, já que o gestor público tem que atender a múltiplos objetivos e nem sempre tem o poder de definir o “core bussiness” da sua pasta, já que essas atribuições foram definidas por Lei pelo Congresso Nacional para atender demandas de grupos de pressão da sociedade. Além do mais, o gestor público tem que gastar grande parte do seu tempo, literalmente, “vendendo a imagem de sucesso” para que possa continuar com o apoio politico para se manter no cargo e fazer o que for possível dentro das limitações normais do setor público. (ver sobre isso o magnifico livro de James Q. Wilson, Bureaucracy: What Government Agencies Do And Why They Do It, 1989.)

Segundo, a suposta ineficiência do setor público na oferta de alguns serviços representa, na verdade, uma forma eficaz de servidores controlarem o acesso à serviços públicos cujos recursos não são suficientes para atender a demanda (ver sobre isso o livro Street Level Bureaucracy de Michael Lipsky,1983). Um bom exemplo disso são os serviços e saúde. Como se sabe, no Brasil, os serviços de saúde são universais. No entanto, dado os recursos limitados, as filas para marcar consultas e a fila de espera para internação e cirurgia na rede pública é uma forma de controlar a demanda de um serviço no qual os recursos são limitados. Se duplicássemos o orçamento do SUS e acabássemos com as filas, a demanda por serviços de saúde aumentaria e muitos que hoje utilizam o sistema privado passariam a utilizar o sistema público. Nem o melhor gestor privado do mundo conseguiria a proeza de acabar com as filas e reduzir os gastos. Há sim muita ineficiência a ser combatida, mas as filas pode ser mais um sintoma de racionar a oferta do que simples ineficiência.

Terceiro, empresários e profissionais liberais já têm mecanismos de participação política. As associações empresarias como IEDI, CNI, FIESP, etc. e associações setoriais (ABDIB, ABIQUIM, etc.) têm canais de acesso ao governo e também a políticos importantes que têm poder de definir agenda de votação no Congresso Nacional. Empresários têm uma agenda politica e demandam do governo politicas para o crescimento dos setores que representam, mesmo que essa politicas prejudiquem outros setores. Esse é o jogo político normal no Brasil e no resto do mundo, sendo que essa relação entre governo e elite empesarias pode ser positiva ou negativa. Quando o governo conversa com apenas uma única ou poucas associações, há um risco grande de conluio. Quando essa relação é aberta e traz para mesa grupos de pressão diferentes, inclusive aqueles que representam trabalhadores, essa relação tende a ser menos “rent-seeking” e mais pro desenvolvimento. O professor de ciência política do MIT, Ben Ross Schneider, tem um livro interessante sobre isso (Business Politics and the State in Twentieth-Century Latin America, 2004).

Por fim, o Partido Novo não quer ter nos seus quadros “pessoas viciadas no processo político”. Isso significa que esse partido já nascerá pequeno. Politica é uma atividade profissional e se o deputado ou senador não pertence a um partido com força política no Congresso Nacional, ele pouco poderá contribuir para a aprovação de novas leis. O presidente de uma comissão no Senado Federal, por exemplo, tem um grande poder para colocar em votação um projeto de lei em um momento que seus opositores não estão na sessão e o mesmo vale para o Presidente do Senado Federal. A presidência das comissões são determinadas pelo tamanho das bancadas e, assim, partidos muito pequenos acabam se aliando a outros maiores para conseguir alguma força política no Congresso. Adicionalmente, a distribuição de projetos de lei para um senador ou deputado ser o relator está longe de ser aleatório. Há um grande jogo de negociações e pressões por trás disso. Em resumo, políticos não profissionais correm o risco de cair no ostracismo como tem sido a praxe com excelentes técnicos bem intencionados que chegam ao Congresso Nacional.

Se esses empresários e profissionais liberais do Partido Novo querem contribuir para melhorar a gestão do estado, utilizem o seu poder financeiro para denunciar coisa erradas, usem o canal politico que dispõem para convencer deputados e senadores a adotarem uma agenda de reformas pró desenvolvimento, ajudem o governo a identificar boas práticas que possam ser replicadas.

Um partido politico sem políticos por um grupo que se considera independente é uma grande utopia. Não há uma solução técnica ótima para os grandes debates da sociedade. Não existe reforma política ótima, não existe reforma tributária ótima, nem tão pouco tamanho do estado ótimo. As soluções técnicas para os problemas do Brasil são soluções políticas. Se o Partido Novo não entender isso, ele pouco poderá contribuir para a melhoria da gestão pública como pretende.

3 comentários:

klauber C. Pires disse...

Concordo com o autor. O foco da luta política está mal-direcionado. O que devemos fazer é retirar atribuições do estado, e consequentemente diminuirmos a carga tributária.Este partido, eu creio, não prosperará.

Roberto Motta disse...

Prezado Paulo,

Como um dos fundadores do Partido Novo, gostaria de fazer alguns comentários sobre o post do Mansueto (em duas partes devido à limitação de espaço)

O Novo tem dois focos principais. O que geralmente ganha destaque é a melhoria da gestão pública. Mas o segundo foco é tão ou mais importante: a participação do cidadão comum na política. Propomos diversos mecanismos de incentivo e apoio, e de limitação à "profissionalização", para minimizar o risco de criarmos uma casta de políticos de carreira cujos objetivos são pessoais e divorciados das necessidades e anseios da população que os elegeu (qualquer semelhança é mera coincidência).

Isso não significa que tenhamos uma concepção ingênua das dificuldades, ou que não entendamos as diferenças, grandes e muitas, entre gestão privada e pública. Um funcionário de empresa privada tem enorme liberdade para ser criativo e empreendedor, pois pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Um funcionário público, ao contrário, só pode fazer o que a lei determina. A legislação que regula várias de suas atividades é tão complexa e arcana (exemplo: a lei 8.666 que regula licitações) que muitas vezes é melhor não fazer nada para não correr riscos (já que os órgãos de controle têm atuação incerta e política). As etapas de planejamento, empenho, liquidação e pagamento das despesas de um projeto público são, frequentemente, mais trabalhosas que o próprio projeto. E como estimular e incentivar, por exemplo, um policial militar que ganha menos de mil reais por mês ? Como lidar com desempenho ruim ou atos ilícitos, quando a Constituição dá estabilidade ao funcionário, e o processo de desligamento é demorado, complicado e oneroso ? A lista é enorme, e a conhecemos.

Permita-me discordar do seu segundo ponto do Mansueto, quando ele cita Lipsky para dizer que "a suposta ineficiência do setor público na oferta de alguns serviços representa, na verdade, uma forma eficaz de servidores controlarem o acesso à serviços públicos cujos recursos não são suficientes para atender a demanda ". Faço três observações. A primeira é que esse raciocínio, levado ao extremo, passa a ser a justificativa para qualquer falha do governo em prover os serviços básicos demandados pela população (e garantidos pela Constituição). Falta policial na rua ? É preciso ficar na fila 3 dias para matricular seu filho na escola pública ? São apenas formas de controlar a demanda. A segunda observação é que uma das funções mais importantes da gestão pública é justamente administrar a escassez - e que tipo de administração é essa que permite filas no SUS por falta de médicos, mas compra 42 poltronas de R$ 2.600 para os burocratas do STJ ? (Conforme processo STJ 8528/2007, apresentado pela ONG Contas Abertas).

Minha terceira observação é que, examinando Lipsky, vi que o foco do seu trabalho é o papel do funcionalismo operacional (“street level bureaucracy"). Ele diz que a política pública não pode ser compreendida apenas examinando as leis e políticas criadas nos altos gabinetes - ela na verdade é criada no encontro diário entre o servidor público, que opera com recursos limitados, e o cidadão em busca de serviços. No Brasil esse servidor (com honrosas exceções) é mal remunerado, mal treinado e sem recursos. Por isso nossa terrível experiência como cidadãos toda vez que precisamos de um serviço público. As filas no SUS não são uma “forma eficaz” de controle de demanda: são a única resposta – desesperada e cruel – que o servidor público pode dar quando não consegue atender aos cidadãos.

Roberto Motta disse...

(comentários sobre o post do Mansueto, Parte 2)

Mansueto diz que nosso plano de não ter em nossos quadros pessoas viciadas no processo político nos condena a nascer pequenos, e que "política é uma atividade profissional”. Nascer pequeno é o que acontece com a maioria das organizações, especialmente quando propõem novas idéias. Não faltam exemplos de organizações que nasceram minúsculas e se tornaram enormes pela força das idéias. Não temos a ambição do gigantismo. Nosso desejo é expressar uma visão da cidadania que é tão válida e legítima quanto qualquer outra: a de que os cidadãos brasileiros precisam ter uma participação mais direta na condução da sua história e no destino que é dado ao enorme volume de recursos arrecadado pelo Estado.

Nossa proposta não é um “partido sem políticos”, nem uma “solução técnica” para os grandes debates da sociedade. Nascemos sem políticos profissionais porque somos cidadãos comuns que querem participar politicamente, sem a tutela ou o “profissionalismo” negativo que caracteriza a política atual, insular e voltada para si mesma.

Acreditamos em uma menor carga tributária, acreditamos em leis melhores, acreditamos em uma justiça rápida e eficiente, acreditamos em um código penal que preserve os direitos de todos e que efetivamente proteja a sociedade, acreditamos em igualdade de oportunidades. Nada disso vai ser feito pelos políticos "profissionais" cuja preocupação principal é a próxima eleição, e que passam a maior parte do seu tempo no jogo político de gabinetes. Nosso melhor argumento é, sempre, o jornal do dia.

Nossa proposta não é, nem poderia ser, gerir a administração pública exatamente como se fosse uma empresa. O que propomos é eleger gestores públicos qualificados, que tenham acesso a técnicas e métodos já comprovados no mundo empresarial, e que vejam essa eleição como uma chance de servir ao país, e não de se adiantar interesses próprios. Essa sim, talvez seja uma concepção ingênua - mas nesse caso, temos orgulho dela.

Roberto Motta