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sexta-feira, 11 de março de 2011

As autocracias arabes, irreformaveis - Omar Ashour

Tal pai, tal filho
Omar Ashour
Valor Econômico, 11/03/2011

"O inimigo de ontem é o amigo de hoje. Foi uma verdadeira guerra, mas aqueles irmãos são homens livres agora". Assim falou Saif al-Islam Gadafi em março de 2010, referindo-se aos líderes do Grupo Combatente Islâmico Líbio (GCIL), uma organização armada que tentou assassinar seu pai, Muamar Gadafi, três vezes em meados dos anos 1990.

Isso pode parecer surpreendente. Há poucos dias, o mesmo homem prometeu aos líbios um "mar de sangue" se o regime de seu pai for derrubado. Na verdade, Saif al-Islam, um homem elegante, de fala mansa, pós-graduado pela London School of Economics, tornou-se agora o principal suspeito de enormes crimes contra a humanidade.

Pessoas como eu, que estudam as táticas de ditaduras árabes e as causas de sua permanência, estão menos surpresas, se é que se surpreenderam, com o rumo tomado pelos acontecimentos. Os regimes autoritários árabes, ao contrário de outros que deram lugar à democracia, são incapazes de se autorreformar; mas dominaram as táticas necessárias para prolongar o tempo de vida de seus envelhecidos déspotas.

A criação de um aparelho de segurança com tantas cabeças quanto uma hidra, assassinatos em massa de opositores (tanto reais como imaginários), tortura generalizada e censura e repressão sustentadas são algumas das táticas comuns usadas por Gadafi, pelo ex-presidente egípcio Hosni Mubarak, pelo ex-presidente tunisino Zine el-Abidine Ben Ali, pelo presidente sírio, Bashar al-Assad, e por outros autocratas árabes.

Mas o regime de Gadafi tornou-se um pária internacional principalmente devido a uma série de conspirações terroristas no exterior, não por crimes contra a humanidade cometidos contra os líbios. Interesses petrolíferos e a face "moderada" do regime, nos últimos anos, prolongaram com êxito sua vida.

O período "moderado" de Gadafi coincidiu com a ascensão de seu segundo filho, Saif al-Islam, e de sua irmã Ayesha, esta convertida em embaixadora da boa vontade das Nações Unidas. Saif cultivou uma reputação de "reformador": ele defendeu um processo de reconciliação nacional com grupos de oposição, supostamente liberalizou a mídia, deu apoio a iniciativas humanitárias e desenvolvimentistas e, mais importante, tornou-se um rosto com quem o Ocidente poderia dialogar.

Os árabes sabem há anos que seus governantes nunca farão reformas. É por isso que, para ter uma chance de recuperar o atraso em relação ao mundo livre e desenvolvido, muitos agora arriscam suas vidas para derrubar esses regimes.

As duas interfaces públicas dessas iniciativas foram a Líbia Amanhã e a Fundação Gadafi de Desenvolvimento. Por trás deles, no entanto, a Inteligência Militar Líbia, comandada por Abdullah al-Sanosi, estava dando apoio condicional e estabelecendo a orientação geral para as duas iniciativas.

As "reformas" propostas por Saif al-Islam incluíram a liberação de alguns presos políticos, especialmente aqueles que, como a LIFG, declararam sua lealdade ao regime de Gadafi. Mas passos concretos no sentido de promover transparência e responsabilidade governamental - como investigações sobre a riqueza petrolífera e os gastos do Estado, ou sérias investigações sobre crimes contra a humanidade -, permaneceram, todos, fora do âmbito de sua vontade e imaginação.

Apesar dos cuidados cosméticos das "reformas", facções de outros regimes, especialmente aquelas lideradas por irmãos de Saif al-Islam - Mutassim, al-Sa'adi e Khamis - os contestaram. Por trás dos irmãos, havia outras agências de segurança: as Forças de Segurança Interna, os Comitês Revolucionários e, em menor medida, o aparato de segurança Jamahiriya (Serviços de Inteligência Estrangeiro).

Quando visitei Tripoli em março de 2010 para uma conferência de "reconciliação nacional", as declarações contraditórias dadas por Saif al-Islam e por funcionários de segurança surpreenderam-me. O diretor das Forças de Segurança Interna, coronel Khaled al-Tuhami, outro principal suspeito dos crimes ora cometidos contra os líbios, recusou-se a chamar o processo de "reconciliação". Para ele, tratava-se de "arrependimento de heresia".

Dada a recente onda de insurreições, é mais evidente do que nunca que quaisquer iniciativas de "reformas" antes empreendidas no mundo árabe visavam exclusivamente apoiar ditaduras repressivas e escapar a punições por abuso criminoso de poder. O "debate" por reforma no seio desses regimes resumia-se a uma luta entre diferentes ramos dos aparelhos de segurança e militar sobre a melhor forma de preservar o status quo.

Os árabes, é claro, sabem há anos que seus governantes nunca farão reformas. É por isso que, para ter uma chance de recuperar o atraso em relação ao resto do mundo livre e desenvolvido, muitos deles estão agora arriscando suas vidas para derrubar esses regimes. O que está acontecendo hoje no mundo árabe é a história sendo escrita com o sangue, suor e lágrimas das vítimas de décadas de repressão violenta.

Quando indagado por um jornalista sobre o que gostaria de dizer a Saif al-Islam se o encontrasse novamente, respondi: "Espero vê-lo no Tribunal Criminal Internacional, ao lado de Mubarak e de Ben Ali". Milhões de árabes da minha geração e mais jovens provavelmente dariam a mesma resposta, se perguntados sobre o que deveria acontecer com os homens que controlaram seu presente e tentaram destruir seu futuro.

Omar Ashour é professor de política do Oriente Médio e Diretor do Programa de Estudos de Graduação sobre o Oriente Médio no Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade de Exeter. É autor de "The De-Radicalization of Jihadists: Transforming Armed Islamist Movements" (A desradicalização dos jihadistas: a transformação de movimentos islâmicos armados)

Copyright: Project Syndicate, 2011.

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