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sexta-feira, 13 de maio de 2011

Los hermanos en guerra comercial: full retaliation now?

Parece que vamos entrar numa "drôle de guerre", como os franceses se referiam à guerra europeia nos seus primeiros oito meses, ou seja, limitada à invasão da Polônia pelos exércitos hitleristas, uma tensão na frente ocidental e amplo acordo entre as duas ditaduras xipófagas, de Hitler e Stalin, que se encarregaram de desmembrar a Polônia.
Entre o Brasil e a Argentina não vai se chegar a tanto, mas continuarão as escaramuças pelos próximos dias. Vai ser gozado assistir à próxima cúpula do Mercosul...
Paulo Roberto de Almeida

Engarrafamento na fronteira
Para retaliar Argentina, Brasil suspende importações de automóveis de todo o mundo
Eliane Oliveira, Janaína Figueiredo (Correspondente) e Aguinaldo Novo (O Globo)

Com a arma apontada para a Argentina, o Brasil suspendeu do processo de licenciamento automático as importações de automóveis prontos de todo o mundo na terça-feira. Com isso, o desembaraço desses produtos, antes imediato, agora ocorrerá em até 60 dias. Foi uma resposta ao protecionismo dos argentinos, que poderão deixar de vender ao mercado brasileiro algo em torno de US$5,2 bilhões ao ano, segundo estimativas de técnicos do governo brasileiro.

Como a medida é considerada uma salvaguarda - prevista na Organização Mundial do Comércio (OMC) -, pelas leis internacionais de comércio a restrição teve de ser estendida a todos os fornecedores, para não ser caracterizada como discriminatória. Além da Argentina, haverá reflexos nas compras de veículos de México, China, Europa, Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão, o que pode dar um alívio à balança comercial, tendo em vista o forte crescimento das importações de veículos.

O governo Cristina Kirchner divulgou ontem à noite nota oficial, assinada pela secretária de Indústria, Débora Giorgi, na qual afirma que "a aplicação de licenças não automáticas para o setor de automóveis foi adotada de forma intempestiva e sem aviso prévio, afetando assim 50% do total do comércio bilateral". A Casa Rosada havia recebido na véspera a carta enviada pelo ministro de Indústria e Comércio Fernando Pimentel.


A secretária afirmou que quando a Argentina aplicou, em fevereiro, 200 novas licenças não automáticas, "informou o Brasil dez dias antes do anúncio oficial, e a medida entrou em vigência somente 30 dias depois". Para ela, esse comportamento "atenta contra o diálogo natural entre os sócios majoritários do Mercosul".

Autopeças e vinhos podem ser incluídos
Segundo fontes da secretaria, a Casa Rosada foi informada de demoras na entrada de veículos da Toyota e da Mercedes Benz no Brasil. Para o governo Kirchner, disseram fontes, estão por trás da medida os "poderosos industriais de São Paulo".

Conforme antecipou O GLOBO na semana passada, as autoridades brasileiras estão irritadas com a Argentina, que mantém sob o regime de licença não automática 600 itens, a maioria exportada pelo Brasil. Por isso, decidiram retaliar.

A balança comercial automotiva (veículos e autopeças) brasileira vem se deteriorando: até 2008 era superavitária em US$10 bilhões, mas em 2010 teve déficit de US$6 bilhões. De 2005 até agora, a exportação de veículos passou de 30% para 14% da produção nacional. Segundo o Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), no primeiro trimestre deste ano as importações de automóveis subiram quase 50%. As compras oriundas da Argentina cresceram 40%; as da Coreia do Sul, 46%; e as da Alemanha, mais de 75%.

O governo tomou a medida, que provocou a retenção de caminhões na fronteira entre os dois países, sem confirmá-la oficialmente. Mas um alto funcionário avisou que, "em princípio", as licenças deixam de ser automáticas para automóveis, dando a entender que, se não houver uma resposta positiva dos vizinhos, outros itens, como autopeças, vinhos e lácteos, podem ser incluídos na nova regra.

Segundo técnicos envolvidos no assunto, até o fim da tarde de ontem, não houve contatos entre autoridades de primeiro escalão dos dois países. Debora Giorgi tentou falar por telefone com Pimentel, que não a atendeu e repassou a ligação à secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres.

Para a Argentina, o superávit de US$4 bilhões registrado pelo Brasil no comércio bilateral confirma a necessidade de manter o protecionismo - motivado pela queda do superávit fiscal, de US$16,8 bilhões em 2009 para US$12 bilhões no ano passado.

Risco de faltar veículos é pequeno
Representantes das montadoras minimizaram o impacto da medida, e alguns disseram ter o compromisso informal do governo de que ela só seria aplicada à Argentina, de onde vêm o Siena (Fiat), o Agile (GM) e o Space Fox (Volks). A Anfavea, que representa as montadoras, diz que a medida não vai interromper as importações, apesar de elevar a burocracia. Sobre um possível prejuízo aos consumidores afirma que, sem o teor oficial da medida, não seria possível avaliar. Para o consultor Luiz Carlos Augusto, da Jato Dynamics do Brasil, esse risco seria pequeno devido à elevada oferta de veículos.

A Abeiva, que reúne as importadoras de veículos, não comentou a decisão. Mas representantes de algumas empresas disseram ter recebido "a garantia" de que as compras de outras regiões não seriam afetadas.

- Fizemos hoje um teste, e só houve mesmo problema na alfândega com a Argentina - disse um empresário.

'Mais de 20 anos sem essa medida'
RENATO BAUMANN

BRASÍLIA. Para o economista Renato Baumann, ex-representante da Cepal no Brasil, as ações para dificultar a importação de carros são "medidas de gaveta". Hoje no Ipea e na UnB, ele alertou para o risco de problemas com outros países, a não ser que a lentidão no desembaraço se aplique, informalmente, só a carros argentinos.

Não é um passo muito grande frear importações do mundo todo apenas para atingir a Argentina?
RENATO BAUMANN: Aparentemente, a medida é para atingir a Argentina, e o governo brasileiro não poderia agir de forma mais direta, para não ferir as normas internacionais de comércio. Há mais de 20 anos não se toma esse tipo de medida de gaveta, em que se misturam decisões administrativas e demora na liberação de mercadorias para limitar importações. Mas acredito que haja algo mais, pois as importações de automóveis, de forma geral, têm crescido bastante nos últimos anos. Seria também uma forma de tampar o ralo na balança comercial.

O governo brasileiro agiu certo em relação aos argentinos?
BAUMANN: O governo argentino não cumpriu o prometido de normalizar o desembaraço das mercadorias brasileiras. Não dá para dizer o que isso pode significar a médio prazo, pois há um componente político novo. É possível até que a medida seja revogada nas próximas horas, pois quanto mais tempo vigorar, maior o impacto.

Como fazer para evitar a ira dos outros países?
BAUMANN: Como é uma medida administrativa, pode significar que o fiscal, lá na ponta, seja orientado a agilizar o desembaraço para veículos de outras nacionalidades, demorando mais com os argentinos. Espero que haja um entendimento, pois se a Argentina decidir retaliar, será o pior que poderá acontecer. (Eliane Oliveira)

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Medida é atentado a diálogo, diz Argentina
Ariel Palacios e Marina Guimarães - CORRESPONDENTES
O Estado de S.Paulo, 13/05/2011

Débora Giorgi, ministra da Indústria do país vizinho, reage e afirma que o Brasil está agindo de "forma intempestiva e sem aviso"

BUENOS AIRES - Em um comunicado emitido na noite de ontem, a ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, criticou as medidas brasileiras que dificultam a entrada de automóveis argentinos no Brasil e acusou o Ministério do Desenvolvimento brasileiro de "atentar contra o diálogo natural" dos dois sócios comerciais.

Famosa por suas posições duras em relação ao Brasil, a ministra afirmou que, "com a aplicação de licenças não automáticas para o setor automotivo, o Ministério do Desenvolvimento do Brasil está agindo de forma intempestiva e sem aviso, afetando 50% do comércio bilateral".

A ministra, conhecida como "Senhora Protecionismo", sustentou que ficou sabendo da medida brasileira por meio dos empresários argentinos. "Quando a Argentina aplicou em fevereiro passado 200 posições novas em licenças não automáticas, o governo argentino informou o Brasil dez dias antes do anúncio oficial e a medida só entrou em vigência 30 dias depois."

Ontem a Associação de Fabricantes de Automotores (Adefa) disse que a medida causou surpresa porque não houve nenhuma informação nem para as montadoras no Brasil nem na Argentina, tampouco para o governo.

Débora Giorgi também disse que as medidas "repercutem sobre um setor, como a cadeia automotiva, onde a Argentina possui um déficit crescente, que no primeiro trimestre de 2011 foi de US$ 1 bilhão e duplicou o volume do mesmo período de 2010".

A ministra, autora de várias medidas protecionistas contra produtos brasileiros, afirmou que "esse tipo de comportamento (do ministério) atenta contra o diálogo natural dos dois maiores sócios do Mercosul". "E, fundamentalmente, afeta o compromisso de equilibrar a balança comercial que as duas presidentes assumiram, para conseguir uma industrialização harmônica."

A decisão do governo brasileiro é um duro golpe às montadoras instaladas na Argentina, "meninas dos olhos" do governo de Cristina Kirchner. Analistas consultados pelo Estado em Buenos Aires indicaram que a medida mostraria que a "paciência estratégica" do Brasil com a Argentina, ao longo dos oito anos do governo Lula, teria acabado.

Destino. "O Brasil é o destino por excelência das vendas argentinas de veículos. Por isso, parece que é uma retaliação encoberta", disse ao Estado o economista Mauricio Claverí, da consultoria Abeceb. "Sem dúvida, é a forma de retaliar que mais tem efeito sobre o governo Kirchner."

"Em 2009, quando o Brasil retaliou barreiras argentinas com a aplicação de medidas contra alimentos argentinos, o efeito foi rápido e o governo Kirchner cedeu. No caso das exportações automotivas, que são o "coração" das vendas ao exterior, a resposta deve ser ainda mais rápida." Na sequência, Claverí usou uma expressão tipicamente argentina para dizer que o conflito não chegará a um ponto sem retorno: "La sangre no llegará al río (o sangue não chegará ao rio)".

Em 2010, do total de 457 mil veículos exportados pela Argentina, 370 mil foram enviados ao Brasil, o equivalente a 81% das vendas do setor ao exterior. Em dinheiro, foram US$ 5,3 bilhões, de um total de US$ 6,584 bilhões exportados ao Brasil.

Segundo a Adefa, as exportações de automóveis já estão sendo barradas na fronteira por causa do licenciamento não automático anunciado pelo governo brasileiro. "Algumas empresas já foram afetadas pela medida. Elas contavam com licenças automáticas quando fizeram os embarques, mas ao chegar à fronteira as autoridades brasileiras não liberaram a entrada", disse o secretário executivo da Adefa, Fernando Canedo.

Canedo não quis identificar queis seriam as empresas atingidas, mas a Agência Estado apurou com fontes do mercado que seriam a Mercedes-Benz, a Toyota e a General Motors. "Hoje são apenas três, mas nos próximos dias serão todas as montadoras", disse a fonte.

PARA ENTENDER
Ao longo da última década, o setor automotivo argentino saiu do inferno em direção ao paraíso. O fundo do poço ocorreu em 2002, em meio à maior crise econômica, social e financeira da Argentina, quando a produção automotiva foi de apenas 90 mil unidades, a marca mais baixa desde 1960. Mas desde 2003, o setor começou uma recuperação persistente, em grande parte por causa do mercado brasileiro. Em 2010, o país produziu 724 mil unidades.

Uruguai se diz cansado de barreiras
Ariel Palacios - BUENOS AIRES
O Estado de S.Paulo, 13/05/2011

O governo do presidente uruguaio José Mujica, cansado das constantes violações do espírito de livre comércio do Mercosul, propôs aos dois principais sócios - o Brasil e a Argentina - que os países do bloco avisem com 15 dias de antecedência as eventuais aplicações de medidas protecionistas.

No pedido, que misturou ironia com frustração pela falta de cumprimento das normas de livre comércio, o governo do Uruguai destacou que se trata de "15 dias úteis antes de sua entrada em vigência" e os anúncios não somente deveriam incluir as tradicionais licenças não automáticas, mas também "medidas de qualquer tipo".

Para evitar que em Buenos Aires e Brasília os governos interpretem de forma incorreta o pedido uruguaio, o diretor nacional de Indústrias, Sebastián Torres, detalhou as barreiras que deveriam ser avisadas com antecedência: "As cotas, as disposições sobre etiquetados, os requisitos técnicos, medidas sanitárias ou fitossanitárias, a exigência da apresentação de qualquer tipo de certificado para autorizar uma importação e critérios-valor".

Em fevereiro passado o Uruguai foi pego de surpresa por uma saraivada de medidas protecionistas do governo argentino, que aplicou barreiras a 585 produtos fabricados no país. Segundo o Uruguai, "a aplicação de medidas não alfandegárias impede o livre comércio".

O governo uruguaio quer que o Mercosul defina o assunto até a cúpula que o bloco do Cone Sul realizará em Assunção, Paraguai, nos dias 23 e 24 de junho.

Nessa cúpula - que promete ser agitada pelo ressurgimento dos conflitos comerciais -, os países-sócios celebrariam de forma atrasada os 20 anos da criação do Mercosul, que completou duas décadas em março passado.

De quebra, Hugo Chávez promete insistir com a aprovação da entrada da Venezuela como sócio pleno. A entrada oficial do país foi aprovada pelos parlamentos do Uruguai, Argentina e Brasil. Ainda depende do Senado paraguaio, onde a oposição - que tem a maioria - se recusa a aceitar o país no bloco.

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