quinta-feira, 19 de maio de 2011

Machismo comercial: de volta aos velhos conflitos Brasil-Argentina?

Minhas observações sobre o estado atual das relações comerciais bilaterais:

A Argentina vem, há muito tempo, desrespeitando o espírito e a letra do Tratado de Assunção, ademais de contrariar todas as regras aplicadas a medidas de salvaguarda no plano do sistema multilateral de comércio.
A rigor, não caberiam medidas de salvaguarda dentro do bloco. Admitindo-se que seja direito da Argentina fazê-lo, ela deveria seguir o Código de Salvaguardas do antigo GATT, hoje administrado pela OMC, e cumprir todas as etapas e requisitos indispensáveis para fazê-lo, o que ela não fez.

De fato, a Argentina aplicou salvaguardas de maneira arbitrária, e ilegal, tanto do ponto de vista do Mercosul como no plano multilateral, e discriminou fortemente contra o ingresso de produtos brasileiros em seu mercado, chegando a propor o absurdo de um mecanismo de ajuste automático, uma espécie de cheque em branco que ela poderia sacar contra o Brasil quando desejasse.
O Brasil ainda negociou um mecanismo comercial bilateral (ao abrigo do ACE-14, e não do ACE-18, que é o TA na ALADI, como seria o normal), que apenas "legaliza" de forma canhestra suas arbitrariedades comerciais. Ao nao ter sido regulamentado o MAC, Mecanismo de Ajuste Competitivo (um nome que é uma paródia ao protecionismo argentino), ela passou a aplicar unilateralmente suas restrições ao comércio (geral, mas afetando mais fortemente o comércio bilateral).

Pois bem, tudo isso ocorreu com a conivência, a complacência, a leniência do governo brasileiro, tentando ser "generoso" e compreensivo com as dificuldades argentinas, e a pretexto de "salvar" o Mercosul, sem ver que isso na verdade contribuia para desmantelar profundamente o Mercosul.

O que deveria ter feito o governo brasileiro? Simplesmente demandado a Argentina sob os mecanismos de solução de controvérsias, reclamado das restrições abusurdas, ilegais, arbitrárias ao comércio bilateral, e solicitado um pronunciamento sob o PRotocolo de Olivos para eliminar essas restrições. Ao não obter satisfação -- o que seria previsível de ocorrer, já que a Argentina também abusou ilegalmente do Uruguai ao manter inacreditáveis restrições de fronteira, com a leniência brasileira, mais uma vez -- o Brasil simplesmente deveria ter introduzido uma petição contra a Argentina no mecanismo de solução de controvérsias da OMC, e obter reparações.
O que o Brasil fez agora foi "machismo comercial", ou seja, está cometendo os mesmos pecados que a Argentina.
Ora isso não é política comercial, mas apenas política, e da pior espécie.

Uma atitude correta seria solicitar uma conferência diplomática para revisar os procedimentos aplicáveis ao caso, de maneira geral e se constatado que os países não pretendem cumprir as regras do TA e as demais normas de política comercial, encetar um profundo processo de revisão do Mercosul, levando inclusive a negociação de novos instrumentos que substituam os atuais.

----------------------
Paulo Roberto de Almeida

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.