Mais um material que tinha permanecido inédito, por razões óbvias, desde 2006, mas em relação ao qual não existe mais motivo para eximi-lo de uma avaliação a posteriori, para ver se minha visão das relações bilaterais e de alguns problemas da agenda política interna e externa estava correta, ou necessitando de ajustes.
Acho que muito se mantem...modestamente
Política externa e política interna no Brasil
Uma visão para a Argentina
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de novembro de 2006
Respostas a perguntas colocadas por jornalista argentino
1) Com três dos maiores Estados do país (SP, MG, RS) governados pelo opositor PSDB e um cenário de negociação permanente no Congresso – onde a base governista é obrigada a construir alianças –, qual será a margem de atuação política do segundo governo Lula?
Paulo Roberto de Almeida: Independentemente das maiorias políticas que governam os estados federados, os governadores sempre são obrigados a encontrar um modus vivendi com o governo federal, em vista do enorme poder econômico da União na repartição das receitas tributárias, na definição de grandes projetos de obras públics, no encaminhamento, enfim, de uma miríade de questões econômicas que não teriam solução se os respeonsáveis políticos, tanto pelo lado dos estados, como pelo lado da União (ou seja, executivo federal), não se entendem. Nenhum governador, enquanto administrador, pode-se permitir viver em luta política contra o governo federal, isso seria extremamente prejudicial aos interesses do seu estado e dos seus cidadãos e simplesmente contra-producente no plano das suas responsabilidades governativas. Agora, enquanto líderes políticos ou dirigentes partidários, eles poderão vocalizar suas preferências por determinadas políticas – macroeconômicas ou setoriais – que se distinguem daquelas seguindas pelo governo federal, ou até manifestar, concretamente, oposição às medidas gerais adotadas pelo governo central. Mas isso faz parte do jogo político, e não vai ser diferente agora, no segundo mandato de Lula, do que já foi em épocas passadas ou ocasiões anteriores.
2) Qual será o vínculo entre a diplomacia do governo Lula e o projeto “bolivariano” do governo Chávez, que já enfrentou – por exemplo – dificuldades com o Brasil por causa do seu apóio à nacionalização dos hidrocarburos na Bolívia?
Paulo Roberto de Almeida: Não vejo nenhum tipo de vínculo entre a atual diplomacia brasileira, extremamente profissional, e qualquer outro projeto político continental, que se expresse por meio de “rótulos” ou simbologias, a não ser o desejo comum de desenvolver a região em bases próprias, em promover a prosperidade da América do Sul de forma mais homogênea, e contribuir, assim, para a constituição de um espaço econômico integrado, com exploração conjunta dos recursos existentes, com base em interesses comuns, definidos de maneira objetiva. A diplomacia brasileira é conhecida historicamente – e assim reconhecida no plano internacional – por seu pragmatismo e objetividade. Não creio que essas características imanentes da diplomacia brasileira venham a mudar.
3) No contexto do Mercosul, quais são as perspetivas da relação com a Argentina no segundo mandato do Lula, em especial a partir da entrada em vigência do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC) que tenta resolver as assimetrias entre as duas economias?
Paulo Roberto de Almeida: O Mercosul continua a ser o projeto estratégico que ele sempre foi, desde o início de sua concepção e implementação, inclusive, como se deve recordar, numa base puramente bilateral Brasil-Argentina. O MAC não tem tanto a ver com o Mercosul, pois se trata de um instrumento bilateral ou até unilateral, e sim com algumas dificuldades relativas ao comércio de bens no plano industrial, dificuldades essas derivadas da baixa competividade sistêmica das indústrias argentinas. Elas precisam se reconverter, se modernizar, enfim, se qualificarem competitivamente para que esse tipo de mecanismo, que em si mesmo é redutor do comércio, possa ser abandonado numa etapa de maior equilíbrio dos intercâmbios globais, de redução de assimetrias e de vantagens mútuas plenamente asseguradas pela intensificação da integração. As assimetrias não serão resolvidas pelo MAC, que apenas permite um espaço de acomodação temporária, e sim pelos investimentos produtivos na própria Argentina. O Brasil já passou por fases de readaptação industrial e de adequação aos novos requerimentos da competição global, o que eventualmente se traduziu em perdas de empregos setoriais, mas, ao fim e ao cabo, as indústrias brasileiras se tornaram mais modernas e eficientes.
4) Qual será o perfil da política económica do ministro Guido Mantega, se a comparamos com a atuação do ex ministro Palocci? Haverá mudanças neste setor da administração?
Paulo Roberto de Almeida: Como disse o próprio presidente Lula, não existe política econômica do ministro Guido Mantega, assim como não existia política econômica do ministro Palocci. Há, e deve continuar a haver, uma política econômica do governo, que é a do presidente Lula. Não creio, pessoalmente, que venhamos a incorrer em inflexões significativas em termos de escolhas básicas: responsabilidade fiscal, metas de inflação, flutuação cambial, superávit primário, abertura moderada à globalização, promoção dos esforços de integração na América do Sul, acordos comerciais com outros países em desenvolvimento, tudo isso deve continuar, nos mesmos moldes existentes, com algum reforço nos mecanismos indutores de maior crescimento.
Se houver mudanças, elas podem ser induzidas por dois fatores: alguma deterioração no quadro econômico mundial – que tem sido extremamente benéfico do ponto de vista brasileiro – e uma eventual deterioração no quadro fiscal brasileiro, atualmente pressionado por um grande volume de gastos estatais e poucos limites para a expansão das receitas e despesas, em virtude da inapetência da população, e dos empresários, por mais impostos. As escolhas, e elas podem ser dolorosas, em certos casos, terão de ser feitas pelo presidente.
5) Como definiria o senhor o vínculo do governo Lula com os Estados Unidos e como poderá evoluir nos próximos dois anos de administração republicana em Washington?
Paulo Roberto de Almeida: As relações poderiam ser designadas por uma única expressão: corretas. Existem concordâncias e divergências, nos planos multilateral, regional ou bilateral, entre os EUA e o Brasil, como é normal com qualquer país, parceiros mais ou menos chegados a Washington. Não será diferente com o Brasil. Existem perspectivas de cooperação na área energética, que me parecem extremamente promissoras.
A administração em Washington não será inteiramente republicana, pois ela terá de conviver com a maioria congressual democrática no Congresso, mas não creio que isso represente maiores diferenças do ponto de vista do Brasil. O grande temor brasileiro é por um recrudescimento do já exagerado protecionismo e subvencionismo agrícola dos EUA, mas isso não é característica republicana ou democrática. Creio que os lobbies protecionistas e subvencionistas são atuantes em ambos os partidos. Em outros termos, não deve haver grandes mudanças na agenda bilateral.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de novembro de 2006
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