Interessantes colocações, mas o entrevistado exagera ao dizer que a crise de 2008 definiu o capitalismo e até o século 21. As pessoas sempre tendem a magnificar o que vivem. Essa crise vai passar, e o século 21 vai ver coisas piores, e melhores, claro.
No plano conceitual, a crise falhou, até agora, em esclarecer as duas grandes tendências de nossa época, o keynesianismo estatizante e o liberalismo clássico. Todo mundo parece keynesiano até aqui, mas as sociedades vão pagar um alto preço por essa mania de querer almoço grátis.
Vamos precisar de um pouco mais de desastres keynesianos para que as futuras gerações aprendam que não existe almoço grátis...
Paulo Roberto de Almeida
John Micklethwait: "A crise vai definir o destino do século"
Rodrigo Turrer
Epoca, 13/08/2011
Nem o 11 de setembro, nem a guerra ao terror, nem a ascensão dos movimentos conservadores. Para o jornalista, historiador e editor-chefe da revista britânica The Economist, John Micklethwait, é a sucessão de crises econômicas que vai definir o século XXI. “A crise de crédito endureceu o debate sobre o futuro do capitalismo”, afirma Micklethwait. “A grande discussão agora é se queremos um Estado maior ou um Estado melhor.” Nesta entrevista a ÉPOCA, ele critica a forma como os Estados Unidos estão tratando seus problemas econômicos e diz que a falta de entendimento entre democratas e republicanos só tende a aumentar, principalmente com o fortalecimento do Tea Party. “São como duas placas tectônicas ideológicas: se movem em direções opostas e causam abalos.”
ENTREVISTA - JOHN MICKLETHWAIT
QUEM É
Historiador e editor-chefe da revista britânica The Economist
O QUE FEZ
Ex-diretor da sucursal de Nova York, assumiu a The Economist em 2006. A revista tem circulação de 1,4 milhão de exemplares
O QUE PUBLICOU
Cinco livros, entre eles The right nation (A nação direita) , sobre o conservadorismo americano, e God is back (Deus está de volta) , sobre grupos religiosos no mundo
ÉPOCA – Qual é o efeito da crise econômica dos últimos anos para o mundo?
John Micklethwait – A recente crise de crédito (de 2008) é o fato mais decisivo de nossos tempos. Ela vai definir o destino do século. Foi mais importante para o futuro do que o 11 de setembro, a guerra ao terror, o crescimento da direita ou qualquer outro evento social e político. Desencadeou uma série de crises que se retroalimentam: uma crise financeira, uma crise econômica, uma crise política e uma crise ideológica. É uma decorrência de outro grande evento dos últimos 25 anos: a globalização. A abertura permanente de mercados levou os países emergentes a dar um grande salto adiante.
ÉPOCA – Qual é exatamente a relação com a globalização?
Micklethwait – A crise de crédito demonstrou a fragilidade das economias dos países desenvolvidos. Teria sido diferente se não houvesse uma invasão das reservas dos emergentes nos mercados. Reservas geradas por duas décadas em que os países emergentes cresceram, não apenas no PIB. Esses países respondem por metade do consumo mundial de energia; aumentaram sua participação nas exportações de 20% para 43% e têm 75% dos celulares.
ÉPOCA – O que esses dados nos mostram?
Micklethwait – Há uma variedade de vozes nesses países que gritam por consumo. O mundo emergente continua mais pobre que os desenvolvidos, mas há uma mudança dramática na forma como encaramos o que o capitalismo pode fazer pelas pessoas. Nesta década, bilhões passaram da pobreza para a classe média. Gente que gasta, compra, paga educação para seus filhos. Tenho uma fé inabalável no poder da entrada desses bilhões de pessoas dos países emergentes na economia mundial. É uma das transformações mais notáveis do mundo, para a qual os desenvolvidos precisam atentar. Um fenômeno que pode alimentar uma discussão essencial.
ÉPOCA – Qual discussão?
Micklethwait – Sobre o tipo de governo que as pessoas querem. Países que estão se tornando ricos, como China e Índia, se perguntam qual tipo de Estado precisam ser para atender às demandas de seus cidadãos. Na Europa, perguntam de onde cortar para reduzir o Estado. A crise de crédito endureceu o debate vital sobre o futuro do capitalismo. Há muitas vozes aí, dos integrantes do Tea Party americano, que não admitem aumento de impostos, aos trabalhadores europeus, contrários a reformas. A grande discussão agora é se queremos um Estado maior ou um Estado melhor.
ÉPOCA – Esta crise pode acelerar um declínio americano?
Micklethwait – Não acredito. Os Estados Unidos são e continuarão a ser a única superpotência. Mas não são a única potência. Eles descobriram na última década que precisam negociar com outros países – e precisarão cada vez mais. O problema nos Estados Unidos hoje é a falta de lideranças. Eles carecem de políticos carismáticos e capazes de conduzir o país, nos dois lados de sua política.
ÉPOCA – O que podemos esperar dos Estados Unidos nos próximos anos?
Micklethwait – Vai demorar para eles saírem desta crise. O que poderia tirá-los do atoleiro seria uma revisão do Orçamento. Seria fantástico se eles entendessem que não podem sair da dívida contraindo mais dívidas. Só aumentar o teto e vender títulos não vai resolver. Os americanos precisam colocar dinheiro na economia para forçar uma retomada, mas consertar suas finanças com corte de gastos seria o primeiro passo.
“Os Estados Unidos continuarão a ser a única superpotência, mas descobriram que precisam negociar com outros países”
ÉPOCA – O recente racha no Congresso no caso do aumento do teto da dívida confirma o que o senhor escreveu sobre o aumento do conservadorismo americano?
Micklethwait – Confirma. No livro (The right nation) , mostramos como o conservadorismo moldou os Estados Unidos e como os movimentos conservadores se organizaram nos últimos 50 anos. Os impostos nos Estados Unidos são baixíssimos se comparados a outros países. Ainda assim, falar em aumento de taxas é uma heresia. O Tea Party é uma variação dessa tradição de direita, uma versão furiosa e exagerada, mas que faz parte da natureza americana. Chegaram longe por causa da organização da direita americana nos últimos 50 anos.
ÉPOCA – Houve outros momentos em que a direita estridente conquistou espaço e logo saiu de cena. Esse também pode ser o destino do Tea Party?
Micklethwait – A situação é diferente. Há uma mistura de ideologias diversas no Tea Party. O que elas têm em comum é uma fúria básica, visceral, contra o Estado, contra a ação do Estado sobre elas. É uma volta ao conservadorismo de Ronald Reagan (presidente americano de 1981 a 1989) , com elementos de (Barry) Goldwater (conhecido como “Senhor Conservador”, cinco vezes eleito senador pelo Arizona) . O Tea Party carrega um grupo esquecido por quem vive fora dos Estados Unidos: as pessoas sem filiação partidária que são conservadores sociais. São eleitores descontentes com a perda dos chamados “valores da família”, contrários ao aborto e ao casamento gay.
ÉPOCA – Essa direita pode tornar o embate entre as duas Américas ainda pior?
Micklethwait – Não acredito. Se você olhar para qualquer pesquisa nos últimos 30 anos, verá que um em cada três americanos se diz conservador, e um em cada cinco se diz liberal. Você tem esse contingente no meio, um grande centro que costuma se inclinar para um lado ou para o outro. A influência muda. Nas eleições presidenciais, o lado mais à esquerda se manifestou, e Barack Obama ganhou. Nas eleições legislativas, foi o lado à direita que fortaleceu o Tea Party.
ÉPOCA – Mas nunca houve um embate que travasse a política americana como o de agora, não?
Micklethwait – De fato, não. Mas existem duas Américas há muito tempo. É a teoria que defendo em meu livro: a América conservadora, em sua atual forma, emergiu nos anos 1960 e vem crescendo desde então. Não acredito que ela vá embora. A divisão entre os dois partidos é cada vez maior, como nunca se viu antes, e só deverá piorar nos próximos anos. São como duas placas tectônicas ideológicas: se movem em direções opostas, aumentam a distância entre si e causam abalos sísmicos na política nacional. Mas o Tea Party não é culpado por tudo de ruim na política americana.
ÉPOCA – Quem são os outros culpados?
Micklethwait – A equação é simples: os democratas querem aumentar impostos, e os republicanos querem cortar gastos. Desta vez, os republicanos foram intransigentes. Só que os democratas também não quiseram cortar gastos sociais exorbitantes, como o Medicare e a Previdência. Barack Obama nomeou duas comissões para avaliar o deficit e ignorou as conclusões de ambas. Os republicanos se comportaram mal, os integrantes do Tea Party pior ainda, mas os democratas não merecem elogios por sua atuação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.