Lógica perversa |
João Luiz Mauad |
O Globo, 23/09/2011
Ainda
no início de agosto, quando do lançamento do Plano Brasil Maior, já era
possível imaginar as reais intenções do governo e apaniguados em termos
de “política industrial”. Embora o objetivo oficial do plano fosse
“aumentar a competitividade da indústria nacional, a partir do incentivo
à inovação tecnológica e à agregação de valor”, tudo mais fazia crer
que iríamos mesmo descambar para velhas políticas protecionistas, que,
na prática, são exatamente o oposto do que normalmente chamamos de
competitividade.
Dentre os vários sinais embutidos
no escopo do plano, um era clamoroso: a nomeação de 14 representantes
da dita sociedade civil para compor o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Industrial (CNDI), que será o “nível superior de
aconselhamento institucional do Plano”. Entre os empossados, estavam
empresários, sindicalistas e presidentes de entidades de classe, porém,
sugestivamente, não havia um representante sequer do grupo mais
interessado: os consumidores (porque pagam a conta).
Pois
bem, foram necessários apenas 45 dias para que o governo cedesse ao
forte lobby e resolvesse aumentar as alíquotas do IPI para veículos
importados, decisão que o jornal inglês “Financial Times” avaliou como
possível início de uma guerra comercial. Pensando bem, esta talvez seja
mesmo a definição mais adequada para uma decisão que foge completamente à
lógica econômica mais elementar. Resta saber quem serão os vencedores e
os perdedores.
Durante as guerras — não as
metafóricas, mas as reais —, a primeira coisa que os exércitos procuram
fazer é inutilizar as linhas de suprimento do inimigo. É absurdo,
portanto, que em tempos de paz os nossos próprios governos façam
exatamente aquilo que um eventual inimigo faria em tempo de guerra:
obstruir a livre circulação de mercadorias.
A
prosperidade de uma nação se mede não pelo dinheiro em circulação, mas
pela quantidade de produtos e de serviços disponíveis para consumo, a
preços acessíveis. Quanto mais abundante for o mercado, não importa a
proveniência dos bens, maior será o conforto dos cidadãos. O comércio em
geral é uma consequência lógica dos processos de especialização e
divisão do trabalho. Quanto mais amplo for este processo, melhor para
todo mundo. O fim de toda a atividade econômica é o consumo. O trabalho,
portanto, é apenas o meio utilizado para alcançarmos aquele fim.
O
foco da política econômica no trabalho e na produção, e não no consumo,
está na raiz da maioria dos problemas econômicos criados pela
intervenção dos governos na economia. É a oferta que deve estar voltada
para as necessidades e anseios do consumidor, e não o inverso. Fazer do
consumidor um mero instrumento para beneficiar empresas é estupidez.
A
malfadada política nacionalista, apelidada de "substituição de
importações", executada no passado através de reservas de mercado, cotas
e tarifas de importação, controles de câmbio e desvalorizações
periódicas da moeda, foi a principal responsável pelo retardamento
técnico da nossa indústria. Progresso tecnológico exige investimentos
maciços em pesquisa e desenvolvimento, fato que só ocorre em ambientes
competitivos, onde as empresas brigam incessantemente pelas menores
fatias do mercado, vale dizer, para satisfazer o consumidor. A lei de
reserva de mercado para a informática ainda é o melhor exemplo de como
esse tipo de política é contraproducente.
Ademais,
a própria premissa de que se estaria preservando empregos domésticos
através do aumento de tarifas alfandegárias é falsa, pois o dinheiro
gasto a mais por um automóvel, para benefício de algumas poucas
empresas, deixará de irrigar tanto a poupança (geradora de novos
investimentos) quanto o consumo de outros bens e serviços - cuja
produção gera empregos para outras categorias de trabalhadores.
Em
resumo, a ação do governo acarretará os seguintes resultados:
transferência forçada de renda dos consumidores para meia dúzia de
empresários; proteção de uma indústria ineficiente; manutenção de alguns
empregos num determinado setor, em detrimento de outros tantos em
outros setores; redução de novos investimentos.
Será
que a boa política econômica deve incentivar a escassez e a carestia,
no lugar de facilitar a abundância e os preços baixos? Qual é a
racionalidade dessas leis, que operam dentro de uma lógica perversa
segundo a qual todos nós (consumidores) devemos ser forçados a sustentar
empresas nacionais cujo maior “mérito” é dispor de um lobby agressivo e
muito bem articulado?
JOÃO LUIZ MAUAD é administrador de empresas.
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Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
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