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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Argentina: um calote que esta' saindo muito caro
Julgamento nos EUA pode jogar Argentina em nova crise da dívida
Por César Felício | De Buenos Aires
Valor Econômico, 26/02/2013
A corte de apelações de Nova York poderá provocar uma convulsão no mercado financeiro argentino na próxima quarta-feira. O tribunal de segunda instância começará a julgar o processo contra a Argentina movido por 14 fundos que compraram no mercado secundário US$ 1,33 bilhão em títulos da dívida do país que não entraram nas reestruturações de débitos de 2005 e 2010.
Se a corte confirmar a sentença do juiz de primeira instância Thomas Griesa, a Argentina terá que pagar os títulos pelo valor nominal e de maneira imediata. Caso contrário, todo o pagamento sob legislação americana da dívida renegociada, que teve desconto de 66%, ficará suspenso. A Argentina renegociou 91% de uma dívida de US$ 81 bilhões que deixou de ser paga com o colapso financeiro de 2001. Foi a maior reestruturação de dívida da história, até a renegociação da dívida da Grécia em 2012, que envolveu cerca de US$ 200 bilhões.
A conta da causa que começará a ser julgada no dia 27 poderá ficar muito maior para o Estado argentino. Há outros US$ 10 bilhões em títulos que não entraram nas reestruturações, segundo admite o próprio governo de Cristina Kirchner. Existe contestação desses valores na Justiça e agentes do mercado, como o Citibank, divulgaram estimativas de que a Argentina poderia ser obrigada a pagar até US$ 17 bilhões pelos papéis que não entraram nas renegociações.
O abismo financeiro não terminaria ainda: nas duas reestruturações já feitas, a Argentina havia garantido que ofereceria aos credores que aceitaram o desconto as mesmas condições dadas a qualquer outro pagamento que viesse a ser feito. Com as reestruturações, houve um desconto líquido de US$ 27 bilhões. Em tese, o desconto desapareceria caso a sentença fosse desfavorável.
A conta seria impagável para a Argentina, que dispõe de US$ 41,8 bilhões em reservas e programou gastar este ano US$ 4,6 bilhões com o serviço da dívida. Os potenciais efeitos catastróficos do processo beneficiam a defesa argentina. Preocupados com o efeito da sentença em outras reestruturações de dívida soberana, como a grega, o governo dos Estados Unidos e economistas como a ex-diretora do FMI Anne Krueger apresentaram manifestações à Justiça pedindo a revisão da sentença.
O clima de apreensão em relação à Argentina aumentou nos últimos dias. Na segunda-feira, o risco-país argentino, índice elaborado pelo J. P. Morgan, atingiu 1.132 pontos base, alta de 5,2% nos últimos 15 dias. O aumento do indicador encarece todas as captações externas na Argentina, públicas e privadas.
A hipótese mais otimista, com a qual o governo argentino trabalha, é que a Justiça americana obrigaria o país a pagar os credores que estão no processo, mas oferecendo as mesmas condições acertadas com os que entraram nas renegociações anteriores, o que implicaria um pagamento de US$ 400 milhões, caso o entendimento fique restrito à causa atual. Para isso, Cristina teria que pedir ao Congresso a suspensão da lei que impede novas renegociações.
O obstáculo para essa alternativa é que a maior parte dos títulos contestados está em mãos de fundos que os adquiriram com o propósito de judicializar o tema.
Os investidores que se dedicam a essa prática são frequentemente chamados de "abutres" (ou "vulture funds", em inglês) e se caracterizam por ter uma carteira diversificada. No caso do NML, formalmente registrado no Chipre mas de propriedade do financista Paul Singer, os títulos argentinos representam apenas 2% do portfólio e a disposição para negociar por parte dos credores é baixa. O NML é o maior credor na causa.
O cenário mais pessimista foi mencionado na noite da quinta-feira, durante o lançamento de um livro sobre o tema, pelo ex-secretário de Finanças Guillermo Nielsen, negociador da primeira reestruturação, em 2005. "Seria possível, e até mesmo fácil, a corte sentenciar contra a Argentina e evitar que isso se translade a reestruturações de outros países, pelas peculiaridades do nosso caso", afirmou Nielsen.
De acordo com Nielsen, o isolamento internacional que a Argentina vive pode influenciar no processo. Caso a Argentina seja derrotada no processo, cujo desfecho pode não sair na quinta, cabe ainda recurso à Suprema Corte, o que retardaria os efeitos da decisão pelo menos até o final do ano. A última instância nos EUA, contudo, raramente muda as decisões judiciais das instâncias intermediárias.
Valor Econômico - Disputa com fundos envolveu até dinossauro
Por César Felício | De Buenos Aires
Até mesmo o fóssil do "argentinossauro", o maior animal terrestre que já existiu no planeta, foi objeto das disputas judiciais entre o Estado argentino e os fundos que possuem créditos que não entraram nas renegociações das dívidas de 2005 e 2010. Em 2009, credores tentaram embargar cinco contêineres contendo restos de dinossauros, inclusive do mais famoso fóssil argentino, que haviam sido enviados para Rosenheim, na Alemanha, onde se realizava uma mostra sobre o tema.
Os restos dos animais pré-históricos só escaparam do bloqueio porque o governo argentino conseguiu convencer a Justiça alemã de que os fósseis pertenciam aos governos provinciais de Santa Cruz, Chubut e Buenos Aires, e não ao governo nacional, titular da dívida. Em 2010, a mesma ameaça pesou sobre o pavilhão argentino na Feira do Livro de Frankfurt, também na Alemanha.
Segundo levantamento publicado no livro "Os Abutres da Dívida", de Mara Laudonia, uma jornalista com livre trânsito junto à cúpula da equipe econômica argentina, existiam até o fim do ano passado 28 bens do país sob embargo. A lista diminuiu em dezembro, quando o Tribunal Internacional do Mar determinou a liberação da fragata "Libertad", que havia sido arrestada no porto de Tema, em Gana, a pedido do fundo NML.
A ameaça de embargo dos bens argentinos por credores levou a presidente Cristina Kirchner a restringir os voos do avião presidencial "Tango Uno" a determinados países e é uma das razões pela qual a estatização da empresa aérea Aerolineas Argentinas, sob administração do Estado desde 2008, jamais foi concluída. Os fundos de dívida conseguiram sentenças favoráveis em primeira instância, mas não têm sido bem-sucedidos em fazer prevalecer os embargos nos recursos judiciais.
A mais grave derrota que sofreram ocorreu em julho de 2011, quando a Corte de Apelações de Nova York entendeu que as reservas internacionais da Argentina são um bem soberano do país e não possuem uso comercial, não sendo portanto suscetíveis de embargo.
No processo movido pelo NML e outros fundos, os credores obtiveram na semana passada uma decisão judicial do juiz de primeira instância Thomas Griesa que pode indicar uma nova estratégia: Griesa determinou que o Banco de la Nación Argentina, estatal, divulgue a movimentação de todas as contas correntes do Estado argentino e das contas pessoais da presidente e do espólio de seu ex-marido e antecessor, Néstor Kirchner, em todos os países em que o BNA tem operação, inclusive o Brasil.
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