Ainda um texto antigo (2006) debatendo um problema perfeitamente atual: a incapacidade de o Brasil manter uma taxa de crescimento compatível com as necessidades e expectativas da população, e do próprio governo.
Existem muitas razões, mas elas podem ser resumidas assim: o Brasil cresce pouco, porque investe pouco, e o Brasil investe pouco porque tem pouca poupança, e o Brasil tem pouca poupança porque o governo perpetra despoupança, através todos os mecanismos perversos de extração de renda da sociedade. Existem muitos erros, também, de política econômica, mas estes são os báisicos, estruturais. Enquanto não nos convencermos que um Estado despoupador é uma receita para o desastre, não vamos crescer...
Paulo Roberto de Almeida
Paulo Roberto de Almeida
Durante
a campanha presidencial de 2006, e nos dias que se seguiram à vitória
do presidente-candidato, muito se falou sobre a intenção de fazer
o Brasil crescer mais, isto é, de ser acelerado o crescimento econômico.
Chegou-se a citar a cifra – não se sabe se mágica, ou apenas anódina,
em vista de taxas bem maiores nos demais emergentes – de 5% anual
como índice aceitável, ou até mesmo necessário, para o
crescimento do PIB.
Com
todo o respeito por promessas eleitorais ou mesmo por projetos de
governo, uma verdade inconveniente precisaria ser afirmada: o
Brasil, caso único entre os países emergentes, atende a todos os
requisitos para, justamente, NÃO crescer. A intenção deste breve
ensaio é a de demonstrar como e por que o Brasil não pode atender
aos objetivos proclamados de uma taxa mais rápida de crescimento
econômico, por uma razão simples: ele NÃO consegue crescer e a
causa está nos níveis elevados de despesas
públicas.
Em
economia não existem certezas absolutas, apenas relações matemáticas
que podem apresentar algum grau de correlação com a realidade, ou
seja, mesmo não sendo verdades científicas, elas podem ser
comprovadas empiricamente. Entre essas correlações encontram-se as
conexões entre taxas de investimento e taxas de crescimento, a relação
capital-produto (que varia muito setorialmente), os vínculos entre
a competitividade das exportações e a taxa de câmbio, efeitos
inflacionários da paridade cambial, aqueles sobre a demanda
agregada derivados das políticas monetária, fiscal e tributária,
bem como variações nos níveis de emprego em função de encargos
laborais compulsórios ou outras medidas (inclusive a taxação
sobre o lucro das empresas e a renda dos agentes privados).
Não
se sabe bem de onde foi tirada a cifra “mágica” de 5% de
crescimento, mas o que pode, sim, ser afirmado, é que, com uma taxa
de investimento anual inferior a 20% do PIB, é virtualmente impossível
fazer a economia brasileira crescer mais do que 3% ao ano. Se o
Brasil deseja crescer mais do que isso, vai ter de aumentar
consideravelmente o nível dos investimentos, o que não quer dizer,
necessariamente, a poupança doméstica – pois esta pode ser
suplementada pela poupança externa, ou até aumentar no bojo do próprio
processo de crescimento –, mas o certo é que o País precisaria
diminuir, muito e rapidamente, o nível da “despoupança”
estatal, que consome os recursos dos particulares no estéril jogo
das despesas públicas.
Uma
das evidências mais notórias da política econômica nas últimas
décadas, tal como demonstrada por exercícios feitos a partir de
estatísticas dos países da OCDE, é a que vincula o nível das
despesas públicas nacionais com as taxas de crescimento anual. Em
estudo sobre as causas dos diferenciais de crescimento entre as
economias da OCDE ao longo de 36 anos a partir de 1960, o economista
James Gwartney, da Florida State University (http://garnet.acns.fsu.edu/~jgwartne/),
demonstra a existência de uma correlação direta entre crescimento
econômico e carga tributária. A explicação para esse fenômeno
é tão simples quanto corriqueira: quanto maior o nível da punção
fiscal sobre a sociedade, menor é o incentivo para que os agentes
econômicos se disponham a oferecer uma contribuição positiva para
a sociedade; em contrapartida, quanto mais alta a carga tributária,
mais e mais recursos fluem dos setores produtivos para o aparato do
governo.
Para
aqueles ainda não convencidos por esta simples correlação matemática,
ou meramente empírica, recomenda-se uma consulta a este trabalho de
Gwartney, junto com J. Holcombe e R. Lawson: “The
Scope of Government and the Wealth of Nations”, The Cato Journal (Washington: vol 18, nr. 2, outono de 1998, p.
163-190; disponível no link: http://garnet.acns.fsu.edu/~jgwartne/scope_of_govt_gwartney.pdf).
A figura 2, à p. 171, contém a evidência da correlação
apontada: a taxa média anual de crescimento do PIB, entre 1960 e
1996, para os países de carga fiscal inferior a 25% do PIB foi de
6,6%, ao passo que o mesmo índice para os países com carga
superior a 60% do PIB foi de 1,6%.
Recentemente,
o economista Jeffrey Sachs, da Columbia University, enfatizou as
supostas virtudes do “modelo escandinavo” de desenvolvimento: em
um curto artigo, quase uma nota, “The
Social Welfare State, beyond Ideology” (Scientific
American, 16/10/2006, link: http://www.sciam.com/print_version.cfm?articleID=000AF3D5-6DC9-152E-A9F183414B7F0000),
ele afirma expressamente que “Friedrich von
Hayek was wrong” e que o modelo nórdico, baseado na forte
presença do Estado, é superior ao modelo anglo-saxão (que produz
mais crescimento do que o modelo econômico adotado na Europa
continental). Para azar de Sachs, um economista efetivamente
preocupado com a promoção do desenvolvimento na África, ele já
tinha sido desmentido previamente por um trio de belgas, Martin
De Vlieghere, Paul Vreymans e Willy De Wit, que assinaram
conjuntamente o artigo “The
Myth of the Scandinavian Model”, publicado
no The Brussels Journal (25/11/2005; link: http://www.brusselsjournal.com/node/510).
Uma
consulta à página do site da instituição que patrocinou o estudo
que fundamenta esse artigo, o think tank belga Work for All (http://www.workforall.org/html/faq_en.html),
traz comprovações aplastantes sobre o sucesso do modelo irlandês
de crescimento econômico – baseado, justamente, em baixas taxas
governamentais sobre o lucro das empresas e sobre o trabalho –, em
contraste com o medíocre desempenho das economias escandinavas ou
continentais, todas apresentando altos níveis de despesas. Ou seja,
a existência de um grande Estado indutor e de redes generosas de
proteção social estão, de fato, contribuindo para o lento declínio
dessas sociedades, outrora bem mais prósperas.
A
explosão de crescimento na Irlanda, a uma taxa superior a 5% ao ano
nas duas últimas décadas, continuou sustentada, mesmo quando o
desempenho econômico geral da UE começou a diminuir ao longo dos
anos 1990. Alguns argumentos tendem a fazer crer que as altas taxas
de crescimento experimentadas pela Irlanda, ou pela Espanha, em
determinados períodos, são devidas aos abundantes subsídios
comunitários, que irrigaram essas economias com pesados
investimentos em infra-estrutura ou diretamente em setores
produtivos. As evidências, porém, demonstram que a Irlanda – que
efetivamente recebeu transferências de Bruxelas a partir de seu
ingresso na então Comunidade Européia, em 1972, já que o país
ostentava então metade da renda per capita da média comunitária
– começou a crescer apenas a partir de 1985, quando ela reformou
inteiramente sua estrutura tributária, no sentido de aliviar a
carga sobre as empresas e o trabalho, e quando, justamente, os subsídios
europeus começaram a diminuir.
Outras
regiões deprimidas da Europa, como a Valônia belga, ou a Grécia,
receberam igualmente, subsídios generosos, com efeitos muito
limitados sobre as taxas de crescimento, em virtude, justamente, de
aspectos negativos em outras vertentes, entre eles o nível das
despesas governamentais. Um eloqüente gráfico comparativo entre o
desempenho da Bélgica e da Irlanda, inserido no site do think tank
(http://workforall.net/English/size_of_government.gif),
ilustra à perfeição que a elevação da taxa de crescimento da
Irlanda começou, precisamente, em 1985, quando o país reduziu sua
carga fiscal.
No
caso do Brasil, infelizmente, todos sabem dos níveis anormalmente
elevados da carga fiscal e das despesas públicas, que nos colocam,
inevitavelmente, na faixa dos países impossibilitados de crescer
mais de 3% ao ano. Como vem demonstrando, desde longa data, o
economista Ricardo Bergamini, o Brasil vive um verdadeiro “manicômio
tributário” (http://www.rberga.kit.net/ap/pr/pr39.html),
com uma profusão de impostos atingindo justamente os setores
produtivos. Adicionalmente, uma parte significativa da renda dos não
tributados diretamente, isto é, as faixas dos cidadãos mais
pobres, também é extraída compulsoriamente pelo Estado sob a
forma de impostos sobre os produtos e serviços, em níveis muito
elevados no Brasil, em comparação com outros países. Como resume
esse economista, o Brasil amargou sucessivas quedas no crescimento,
desde as fases de alta expansão do PIB, nos anos 1950 a 1980, até
os anos de relativa estagnação no período recente, como se pode
verificar na tabela abaixo:
Taxa
média anual de crescimento do PIB, 1952-2005 (%)
|
períodos |
1952/63 |
1964/84 |
1985/89 |
1990/94 |
1995/02 |
2003/05 |
média-ano |
6,99 |
6,22 |
4,39 |
1,18 |
2,33 |
2,60 |
Fonte: IBGE (elaboração Ricardo Bergamini: http://www.rberga.kit.net/) |
Evidências
adicionais sobre os problemas fiscais, tributários e de má alocação
dos recursos coletados pelo Estado brasileiro junto aos únicos
produtores de riqueza do país, que são os agentes econômicos
privados – empregadores e trabalhadores –, estão contidas num
livro que acaba de ser publicado sob a coordenação do economista Marcos
Mendes: Gasto Público Eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil (Rio
de Janeiro: Topbooks, Instituto Fernand Braudel, 2006). O capítulo
2 desse livro, assinado pelos economistas Cláudio D. Shikida e Ari
Francisco de Araújo Jr. (do Ibmec-MG) – “Por que o estado
cresce e qual seria o tamanho ótimo do estado brasileiro?”, p.
71-95 –, demonstra como o Estado vem crescendo exageradamente nos
últimos vinte anos, no Brasil, um período de apenas 2,5% de
crescimento médio anual do PIB (e de 1% de crescimento do PIB per
capita). Durante o mesmo período, a maior economia do planeta, os
EUA – que saíram de um PIB de 3 ou 4 trilhões de dólares para
alcançar a casa dos 13 trilhões de dólares –, mantiveram-se,
com algumas variações, em torno do mesmo patamar de carga fiscal,
de aproximadamente 29% do PIB (contando ainda com encargos reduzidos
sobre a folha de salários das empresas). A tabela abaixo resume
alguns dos dados apresentados nesse trabalho:
Carga
Tributária sobre o PIB, EUA e Brasil
(anos
selecionados, % do PIB)
|
Anos
|
EUA
|
Brasil
|
1964
|
27
|
17
|
1970
|
30
|
26
|
1980
|
30
|
24
|
1985
|
30
|
24
|
1988
|
31
|
22
|
1990
|
31
|
29
|
1993
|
30
|
26
|
1995
|
32
|
29
|
1998
|
30
|
33
|
2000
|
34
|
33
|
2002
|
30
|
36
|
2004
|
29
|
36
|
Fontes:
EUA: Tax Foundation (2004); Brasil: diversas, in
Shikida-Araujo Jr., op. cit., p. 94.
|
Com
base nas evidências disponíveis, Shikida e Araújo Jr. chegam à
conclusão de que o ponto “ideal” da carga fiscal, nas condições
brasileiras, não deveria ser superior a 32% do PIB. Registre-se,
apenas, que a média para os países emergentes situa-se em 28% do
PIB, sendo que países de maior crescimento ostentam taxas de 17%
(China) ou de 18% (Chile) do PIB, ao passo que os ricos países
europeus, que crescem abaixo de 3%, estão na faixa de 38% do PIB
(que é a ostentada atualmente pelo Brasil, mas com tendência a um
crescimento ainda maior), com picos acima de 50% para os já
referidos escandinavos (estes, que saíram de altos patamares de
renda per capita, vêem declinando lentamente, alinhando-se com as médias
“normais” dos países da OCDE).
Em
síntese, a única conclusão possível a ser retirada dessa abundância
de dados quantitativos e de análises qualitativas sobre as condições
objetivas e os requerimentos do crescimento econômico seria mesmo
esta: o Brasil é um país excepcionalmente bem preparado para NÃO
CRESCER. Verdades inconvenientes como estas merecem ser repetidas,
até que os principais decisores e a própria população tomem
consciência dos fatores impeditivos ao crescimento brasileiro e
resolvam contribuir para a construção de um consenso que se torna
cada vez mais necessário para a definição de uma agenda de
desenvolvimento nacional: ou o Brasil diminui o peso excessivo do
Estado sobre os cidadãos ativos e as empresas, ou o Estado
continuará a pesar sobre a taxa de crescimento do país. Não há
como escapar a essa verdade inconveniente...
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