Não, nenhuma, o que desmente totalmente a afirmação do professor brasileiro neste artigo de opinião que é mais impressionista do que lógico.
Com efeito, o título do artigo, talvez dado pelo jornal, pretende que o acordo atual seria parecido com o que o Brasil e a Turquia "costuraram" há três anos. Ora, por enquanto não existe acordo nenhum, apenas intenção de retomar negociações. E um dos responsáveis iranianos afirma expressamente que aquele acordo não serve de base para os contatos e conversações atuais.
O resto do artigo é pura especulação acadêmica.
Folha de S.Paulo, 10/10/2013
DAWISSON BELÉM LOPES é professor de Política Internacional e Comparada na UFMG e autor de "Política Externa e Democracia no Brasil" (Ed. Unesp, 2013) / ESPECIAL PARA A FOLHA
Há pouco mais de três anos, Brasil e Turquia chegaram a um surpreendente acordo diplomático com o Irã.
Ancara aceitava estocar o urânio levemente enriquecido de Teerã, que receberia, em troca, matéria-prima para um reator nuclear de uso civil. Brasil e Turquia serviriam como avalistas da boa vontade dos aiatolás.
À época, o entendimento foi rechaçado pelos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. A então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, chegou a dizer que Brasil e Turquia estavam sendo enganados.
Agora, o atual secretário, John Kerry, defende o diálogo com Teerã.
Por que, afinal, a mudança de rumos?
Ora: é pouco crível que negociadores experientes como Celso Amorim (o chanceler brasileiro em 2010) e Ahmet Davutoglu (seu colega turco) pudessem costurar um arranjo com Teerã guiados pela ingenuidade --ainda mais sobre tema tão sensível.
Outro aspecto relevante é que, apesar de a representação internacional do Estado iraniano ter mudado recentemente --com a substituição de Ahmadinejad por Rowhani na Presidência--, o regime teocrático permanece.
A substituição de Clinton por Kerry também não significou ruptura com as linhas de política externa do governo Obama.
O novo posicionamento (não belicista) dos EUA em relação ao Irã, não muito distante daquela solução diplomática que Brasil e Turquia engendraram em 2010, pode sugerir algumas lições.
A mais importante: não se deve esperar tolerância das grandes potências com as ações políticas empreendidas por países intermediários (em termos militares e econômicos), como Brasil e Turquia.
A aquisição de credenciais para participar da gestão da ordem mundial não se dá de modo "natural". Emancipar-se e entrar para o "clube das potências" é um processo que envolve opções custosas --e não necessariamente pacíficas-- para o Estado.
Em regra, potências médias são recompensadas por se manterem coerentes com determinados compromissos previamente assumidos. Ou seja: a lógica da política internacional valoriza a acomodação ao status quo.
Assim, é razoável esperar por desencontros e divergências entre as políticas externas de uma nação já estabelecida --como os EUA-- e outra que, como o Brasil, busca ascender no "ranking" dos Estados soberanos.
Os atritos entre os dois países serão, presumivelmente, mais frequentes daqui por diante. E, em certo sentido, é até bom que isso aconteça.
Político próximo ao líder supremo diz que país mudou com Rohani no poder e esta é uma administração 'sensata'
JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE / GENEBRA
"O Irã mudou" e sabe que a construção de uma bomba atômica levaria o país a um "caminho destrutivo". As afirmações são de um dos principais nomes da política iraniana, Ali Larijani, presidente do Parlamento e um dos mais próximos do aiatolá Khamenei, líder supremo do país.
A menos de uma semana da reunião em Genebra que marcará a volta das negociações sobre o dossiê nuclear iraniano entre Teerã e o Ocidente, Larijani falou por mais de uma hora com um grupo restrito de meios de comunicação, entre eles o Estado. Ele confirmou a mudança de tom de seu governo.
O político afirmou que o acordo nuclear que o Brasil negociou com o Irã em 2009 não poderá ser usado como base de um novo entendimento. Mas garantiu que não existe um problema nas relações entre Teerã e Brasília.
Larijani chegou a ser candidato a presidente, em 2005, contra Mahmoud Ahmadinejad, mas ficou com apenas 5,8% dos votos. Foi chefe da Guarda Revolucionária e negociador-chefe para os temas nucleares.
O que pode sair das negociações da semana que vem?
Um pequeno grupo de países que estava usando sanções e ameaças optou por uma solução política. Se a vontade coletiva é de se ter uma solução política, então a solução será relativamente fácil.
As bases do acordo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs ainda podem servir de modelo para o processo?
A base de Lula era para ajudar a criar algo totalmente diferente. Naquele momento, precisávamos de combustível enriquecido em 20% para o reator. Essa necessidade foi atendida de outra maneira e o caso está encerrado. A Agência (Internacional de Energia Atômica) e certos países se recusaram a nos permitir abastecer de combustível e tivemos de abastecer a nós mesmos com o que produzimos. A negociação hoje é totalmente diferente.
Em que é tão diferente?
O Irã está demandando o reconhecimento de uso pacífico de energia nuclear. É parte de nossos direitos. O outro lado diz estar preocupado que o programa conduza a uma bomba. Concordamos que uma bomba será um caminho muito destrutivo. Portanto, as duas partes precisam chegar à fórmula para que as duas preocupações sejam atendidas. Não pode ser tão difícil.
O Brasil ainda teria espaço nas negociações?
O Irã daria as boas vindas a qualquer tipo de papel que o Brasil desempenhar.
Houve um distanciamento entre o Irã e o Brasil nos últimos anos?
Não de nossa parte. Temos muitos pontos em comum e nossas relações comerciais são importantes.
Como o sr. vê a posição dos EUA? Washington diz que quer negociar, mas insiste que respostas militares estão sobre a mesa.
Esses comentários são problemáticos para eles mesmos. Ninguém dá mais valor a essas ameaças dos EUA.
O governo americano já deu algum sinal para restabelecer a confiança?
Precisamos ser realistas. Por 50 anos, eles mantiveram uma política de opressão contra o Irã. Montaram golpes de estado e guerra. Não podem restabelecer confiança da noite para o dia.
O que o Irã exige dos EUA para restabelecer relações diplomáticas normais?
Que eles não sabotem as negociações. Mudanças ocorreram com os dois lados. Países que achavam que poderiam colocar pressão para que o Irã mudasse de posição entenderam que persistimos em nossos objetivos e temos hoje acesso maior à tecnologia nuclear para fins pacíficos. Uma nova administração chegou ao poder no Irã e, claro, tem seu próprio estilo de negociação. O Irã mudou.
Os ativos iranianos congelados por anos pelos americanos fariam parte dessas ações para criar confiança?
Não sei quanto há bloqueado pelo mundo. Mas é algo avaliado em mais de US$ 10 bilhões. Só peço aos americanos que não peguem uma parte do dinheiro.
Com a ligação entre os presidentes do Irã e dos EUA, parece haver uma chance real para um diálogo. Quais são as propostas concretas?
A retomada da negociação é de fato uma janela de oportunidades, mas as partes precisam usá-la. Se uma delas dormir no ponto, vamos perder. Precisamos ter um plano da direção a que vamos e eu garanto que esses planos existem. No encontro que teremos, não será uma noite para recitar poemas.
Países no Ocidente esperam obter do Irã um compromisso no que se refere ao máximo de atividades de enriquecimento de urânio. O sr. está preparado para aceitar isso?
Minha impressão é de que não estamos na posição zero nas negociações. Na questão de transparência, não há diferenças. Somos parte da AIEA. Até hoje há inspeções e câmeras em nossas instalações. Mas não podem ser feitas regras apenas para o Irã.
A situação econômica que vive o Irã pesou para que o país aceitasse voltar a negociar?
Os problemas enfrentados com a economia não tem qualquer relação com sanções. Tivemos problemas de gerência e isso já está sendo trabalhado.
Quais eram suas diferenças com o ex-presidente Ahmadinejad?
Não era uma competição. Mas tínhamos ideias diferentes. Acredito que a nova administração é sensata.
Como o sr. vê o que está ocorrendo no Egito?
Não estamos contentes. Uma grande revolução ocorreu no Egito. Mas algum tempo depois ela encontrou problemas. O exercício democrático começou e o experimento foi apoiado pelo Irã. Lamentavelmente, alguns partidos criaram problemas. Garanto que, no caso de Egito, Bahrein ou Síria, uma opção militar não é a resposta efetiva.
E a situação na Síria?
Não haverá solução da noite para o dia. O envolvimento de terroristas é algo preocupante. Eles entraram na Síria dos quatro cantos do mundo, mesmo da Europa. Criaram uma série de ilhas terroristas, trouxeram armas e cresceram. Se esse terrorismo continuar, vai ter repercussões globais. Se alguns países pararem de dar armas, então pode ser rapidamente solucionado. Os governos que ajudaram a radicalizar o conflito entenderam que uma solução militar não é possível.
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