Não se espere essa criação de comércio ou de emprego como anunciado: não vai haver nada disso, mas simples permanência do imobilismo nas políticas comerciais dos países, ou seja. continuidade do mercantilismo habitual.
Paulo Roberto de Almeida
OMC fecha seu primeiro acordo em 20 anos
Jamil Chade
Blog Estadão, 7/12/2013
Principais questões, porém, foram adiadas para 2014
GENEBRA - Pela primeira vez em quase 20 anos, a Organização Mundial do Comércio (OMC) chega a um acordo e evita um colapso do sistema multilateral. O entendimento abre caminho para a injeção de US$ 1 trilhão na economia mundial ao desbloquear processos aduaneiros e, segundo economistas, criaria 21 milhões de postos de trabalho. Mas, acima de tudo, salva a credibilidade da OMC e evita que governos se lancem apenas em negociações regionais.
Sem superar as principais dificuldades, o acordo fechado em Bali hoje adiou em pelo menos mais um ano qualquer decisão sobre o que fazer com os subsídios agrícolas dos países ricos e a pressão de EUA e Europa para que os Brics abram seus mercados. Nos próximos doze meses, governos chegarão a um entendimento que a Rodada Doha será revista, depois de mais de uma década de impasse.
Ainda assim, o tom era de comemoração, justamente pelo significado político do tratado. Em Bali, todos sabiam que um fracasso significaria o enterro da entidade. “Pela primeira vez em nossa história, chegamos a um acordo”, declarou o diretor da entidade, o brasileiro Roberto Azevedo, que teve de conter suas lágrimas. “A OMC entrou em uma nova era. Pela primeira vez em quase 20 anos, temos um acordo. As luzes estão acesas na OMC”, disse Michael Froman, o representante da Casa Branca para o comércio. O processo quase naufragou depois que Cuba se recusou a assinar o acordo, arrastando o processo até as primeiras horas de sábado.
Em Bali, o acordo começou a ganhar forma já na sexta-feira depois que Índia e EUA superarem suas diferenças e se entenderam em postergar uma solução permanente para a questão da segurança alimentar e acertaram um pacote mínimo. Ficou também adiado em pelo menos mais um ano qualquer decisão sobre o que fazer com os subsídios agrícolas dos países ricos e a pressão de EUA e Europa para que os Brics abram seus mercados. Nos próximos doze meses, um planejamento será realizado para debater como superar o impasse nas demais áreas.
O entendimento foi fechado depois que a madrugada de quinta-feira para sexta havia terminado com um colapso. O governo da Índia se recusava a abrir mão de seus subsídios aos pequenos produtores agrícolas, insistindo que a medida teria um impacto social desastroso num país com 600 milhões de pobres. Americanos e europeus, porém, insistiam que permitir que os indianos e outros emergentes continuassem a subsidiar, o que significaria abrir o caminho para que eles financiassem suas exportações nos próximos anos.
O acordo acabou atendendo às pressões da Índia e estipulou que emergentes poderiam manter seus subsídios agrícolas, sem que fosse questionada nos tribunais da OMC até que uma solução definitiva seja encontrada. Mas, enquanto isso, um grupo de trabalho seria criado para encontrar uma solução.
Os indianos se comprometeram a não aplicar esses subsídios a novos programas e emergentes ainda aceitaram em notificar a OMC caso o teto estabelecido seja ultrapassado. Pelas regras, os países emergentes poderiam subsidiar sua agricultura em até 10% do seu valor total.
Diplomatas indianos deixaram claro que manter esse direito ia muito além da defesa dos agricultores locais. O pacote de ajuda é o pilar centro da proposta do governo de Nova Delhi para obter um terceiro mandato nas eleições gerais de 2014. “Estamos muito felizes. É um grande dia, é histórico”, declarou Anand Sharma, ministro do Comércio da Índia. “É uma vitória para a OMC e para a comunidade global chegar a uma decisão madura”, insistiu.
Um último obstáculo veio de Cuba, que insistia em cobrar uma solução ao embargo americano à ilha, uma demanda que era apoiada por Venezuela, Equador e outros latino-americanos. A rejeição obrigou a entidade a entrar por sua segunda madrugada de negociações, com governos sem saber o que fazer para convencer Havana. Pressionada, acabou também cedendo já nas primeiras horas da manhã depois que uma linguagem de texto foi apresentada que agradava tanto a Cuba quanto aos americanos.
Com o acordo, o pacote que estava sobre a mesa foi destravado. Isso permitiu que os governos aprovassem um texto em que se comprometem a desburocratizar suas aduanas, reduzir os trâmites para as importações e acelerar a liberação de produtos. Cálculos apresentados pela OMC aponta que essas medidas, se implementadas, economizariam US$ 1 trilhão em custos anuais na economia mundial.
Segundo a OMC, isso aumentaria o comércio mundial de US$ 22 trilhões a US$ 23 trilhões. A implementação dessas medidas, porém, continua sem uma definição clara e também terá de ser negociada em 2014 e especialistas contestam os números apresentados pela entidade.
Nesse caso, o acordo era visto como sendo de interesse acima de tudo de americanos e europeus, na busca por reduzir custos para exportar seus produtos a países emergentes e aos mais pobres. Por anos, o Brasil deixou claro que esse ponto não era de seu interesse e nem seria prioridade num acordo. Ontem, o governo insistiu que o Brasil tem muito a ganhar com o acordo.
Mas o Itamaraty sai de Bali com o que considera ser uma vitória que vai bem além dos números do comércio. O governo não disfarçava o medo de que, com um colapso, a OMC fosse abandonada pelas grandes potências que, por sua vez, fechariam acordos comerciais entre elas. O temor era de que essas iniciativas reformulassem as regras do comércio mundial, desta vez sem a influência ou participação do Brasil ou de outros países emergentes.
Até o papa Francisco, em um raro comentário sobre o comércio, alertou para o risco do colapso da OMC e a proliferação desses acordos regionais. A administração de Barack Obama havia alertado: não ficaria esperando pela OMC para sempre. Além de lançar um projeto de um acordo de comércio da Europa, os americanos tentam fechar um tratado também com os países do Pacifico.
Não por acaso, o Brasil abandonou uma série de demandas que vinha fazendo durante a última década, se afastou dos países emergentes considerados como mais radicais, entre eles a Argentina, e atuou nos bastidores de forma intensa para ajudar Azevedo a construir um consenso.
Futuro – Mas se o acordo foi comemorado, o motivo era muito mais a sobrevivência da OMC que um real impacto imediato do tratado. Todos os temas sensíveis que há 12 anos vem sendo discutido sequer foram levados para Bali.
Um deles é o subsídios para as exportações de produtos agrícolas do países ricos. Em 2005, a OMC fechou um entendimento de que eles seriam eliminados ao final deste ano. Mas o prazo foi prorrogado de forma indefinida. Para Pedro Camargo Neto, ex-negociador brasileiro, a ausência desse tema na agenda de Bali foi um “erro”.
“O acordo é pifio para a agricultura”, disse. “O Brasil abandonou seu posto de lider agricola dos países em desenvolvimento optando por ser o facilitador do consenso de Bali. Agora o Brasil é bom moço de Genebra”, acusou. “Se alguém venceu foi a India. Conseguiu introduzir um tema novo quando os subsidios a exportação na agenda desde 1986 ficou de lado. Os desenvolvidos também venceram com facilitação de negócios e continuarão com a agenda paralela de grandes acordos regionais e bilaterais”, denunciou.
No texto final aprovado, os governos apenas indicaram que concordam em manter o assunto em debate, quando a OMC retorna para Genebra para continuar as negociações em 2014. Outro ponto sem uma solução é o volume de dinheiro que países ricos dão a seus produtores em apoio doméstico. Nesse ponto, o debate ainda estaria longe de um acordo.
Os países ricos se queixam de que continuam sem ter um acordo para que as grandes economias emergentes – Brasil, Índia e China – abram seus mercados para produtos industrializados. Sem uma queda nas tarifas de importação desses governos, americanos e europeus já deixaram claro que se recusam a fechar qualquer compromisso no setor agrícola.
Pelo acordo, as partes mais difíceis do pacote serão estudadas pelos próximos doze meses para seja recomendado aos governos o que deve ser feito com elas.
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