Abecedário da Política Brasileira
A:
ABIN: deveria alertar o governo para
candidatos corruptos a cargos públicos e para a invasão de prédios públicos
pelos neobolcheviques do MST, e não consegue fazer nem isso: o governo é
avisado pela imprensa de funcionários corruptos, e se surpreende quando seus aliados
paralisam algum ministério; melhor fechar a ABIN;
Aloprados: seres bizarros, que de vez em
quando ocupam a crônica política e policial, ao mesmo tempo, sem que daí
resulte nada de estranho (muito pelo contrário); continuam a postos, para
serviços mais sofisticados, espera-se...
América Latina: cenário habitual de
grandes discursos em favor da integração; todos os problemas são resultantes da
exploração imperialista (a China já prometeu corrigir esse pequeno problema);
Apedeuta: Supremo Mestre, Guia Genial dos
Povos, Líder inconteste das massas, Instinto Inato da Conciliação, etc., etc.,
etc.;
Argentina: o melhor sócio do Brasil no Mercosul:
permite um grande saldo no comércio bilateral, mesmo sem manipulações cambiais
no vizinho maior; relação estratégica e perfeito entendimento para a questão do
Conselho de Segurança da ONU;
B:
Base de apoio: diz-se do conjunto de
pessoas dispostas a ceder o seu voto por alguma outra compensação material,
geralmente direta (mas indireta também serve);
Bingo: já teve até CPI, mas continua
recrutando boas vocações; máquinas modernas, como em Las Vegas (enfim, não
temos coristas); ganhou do jogo do bicho;
Bolívia: território de certificação de
veículos usados, podendo ser legalizados se nenhum proprietário legal aparecer;
costumava desapropriar refinarias, antigamente;
Brasil: país surrealista situado a
centro-leste da América do Sul; segue a teoria de Galileu: se move, apesar de
tudo... (aos trancos e barrancos, como diria Darcy Ribeiro; ou então,
progredindo por fatalidade, como diria Mario de Andrade);
Buracos: depende de onde for: nas
estradas, costumam produzir buracos orçamentários ainda maiores; nos orçamentos
são tapados com previsões maiores de receitas;
C:
Câmara: parte do Congresso (vide abaixo);
são muitos e não conseguem se sentar ao mesmo tempo: segurança providencia
banquinhos de festa; ficam falando no discurso dos colegas, o que motivou a
mesa a pagar curso de reeducação;
Celular: produto perigoso; melhor ter
dois ou três: sempre tem orelhas à escuta...
Congresso: nos EUA, o centro real das
decisões políticas; no Brasil, o centro surreal das decisões políticas; alguns
já compararam a um bazar, mas deve ser maldade...
Contribuições: ao contrário dos impostos,
não precisam ser repartidas com os estados, daí sua multiplicação desde a
Constituição de 1988; também tem aquelas que vão para a caixinha dos políticos,
eventualmente declaradas segundo a legislação eleitoral (mas isso não é
obrigatório);
Corrupção: a impressão de que aumentou é
falsa: o governo assegura que o que aumentou foram as operações contra a
corrupção (que por um infeliz acaso, envolvem cada vez mais gente do governo);
Brasil não é campeão: deve ter pelo menos vinte países mais corruptos no mundo;
somos apenas os melhores nesse esporte;
Cotas: indispensáveis para realizar a
justiça social; dividem o país entre negros e o resto, sendo que o resto não
precisa de cotas, por ser maioria; agora, mais da metade da população
brasileira se define como sendo afrodescendente, o que pode atrapalhar um
pouco...
D:
Diplomacia: soberana, como deve ser; altiva
e ativa; de grande projeção internacional; império finalmente se dobra ao
charme indiscutível e à importância do Brasil;
Direitos Humanos: todo mundo tem seus
problemas, e não se deve politizar a questão;
Dívida: já houve um tempo em que era
impagável, sobretudo a externa, objeto dos xingamentos habituais dos patriotas;
hoje se convive muito bem com ela, já que permite um clima de harmonia entre
banqueiros e os militantes das boas causas;
E:
Estado: grande mãezona generosa, que
provê alimento, carinho e renda digna a todos os cidadãos; tudo no Brasil é
dever do Estado e direito dos cidadãos (mas esqueceram de dizer quem paga; ora,
quem paga é você, leitor!);
Estupidez: muito mais frequente do que se
imagina, mas que pode ser apresentada como esperteza, dependendo de quantos
amigos se possui nas colunas políticas dos jornais;
Evangélicos: bancada poderosa, que não
convém contrariar; todo candidato vira cristão evangélico em época de eleições
e adere à filosofia básica do credo; prometem corrigir os gays e menos gays,
mediante orações e preces ao divino; vão agora atacar os livros didáticos:
muito darwinistas para o seu gosto...
F:
Fiscal/Fiscalização: o que falta para
impedir definitivamente a corrupção no Brasil?: o governo já está
providenciando concurso para recrutar mais 15 mil fiscais, a serem distribuídos
por todo o Brasil; a corrupção vai aumentar (querem apostar?)
Fome: Desapareceu, depois do sucesso do
Fome Zero, que agora está sendo exportado para o mundo, via FAO e viagens do
Grande Líder; o Brasil, na verdade, teve tanto sucesso no combate à fome, que
agora luta com um problema de obesidade...
G:
Gaga: não temos Lady Gaga, mas temos
várias personalidades gagás, que ainda não perceberam que seu tempo já passou;
tem gente do arco da velha, que continua grudada no governo, pedindo cargos,
títulos, funções, prebendas; ou seja, teremos um governo que vai passar quatro
anos arrastando os pés...
Governo: entidade destinada ao bem comum
e à felicidade geral de seus integrantes;
H:
Hora do Brasil: programa atraente e bem
editado, com notícias importantes, equilibradas e focadas no interesse geral
dos brasileiros;
Horário Eleitoral Gratuito: ao contrário
do que diz o nome, não sai de graça, mas não convém suscitar isso para o
pequeno partido de patriotas que promete corrigir todos os males da nação;
I:
Ignorância: invocar sempre que surgir
algo inesperado, que não estava previsto ser revelado pela imprensa (ver
abaixo); a ignorância é permitida aos bebês, aos índios e aos políticos;
idiotas dispõem de um vale-brinde para alegar ignorância...
Inépcia: característica quase inexistente
entre nós, já que todos são tão bem preparados para os cargos públicos, e tão
impolutos (outro verbete a ser inserido), que a ABIN nem se preocupa mais em
levantar a ficha e verificar a capacidade do candidato ao cargo; a inépcia só
surge depois, quando o sujeito senta na cadeira decisória...
Imprensa: inimiga do poder, de todo
poder, por definição; mas pode-se também fazê-la trabalhar a favor, desde que
alimentada e vestida propriamente; democratas sinceros querem controlá-la para
evitar os abusos cometidos pelos jornalões conservadores e pelo Partido da
Imprensa Golpista (PIG); pode ser uma caixa de surpresa, daí a necessidade
manter boas relações nas redações;
Isonomia: princípio máximo organizador
dos salários, gratificações e prebendas: todo mundo deve ser remunerado
igualmente, pois o esforço é coletivo;
J:
Jejum: estado da oposição (catatônico, na
verdade); incompetente, seria a expressão;
Justificativa: costumava preceder as
medidas provisórias e explicar a sua razão de ser, além de especificar
precisamente o seu objeto; com a multiplicação de MPs, para variados assuntos,
nem sempre compatíveis entre si, perdeu sua razão de ser; tampouco é necessário
ter alguma, quando algum político é surpreendido por alguma denúncia da
imprensa (sempre malévola), ou pode-se usar uma genérica: “fiz o que todo mundo
faz”;
K:
Kilowatt-hora: medida de energia usualmente utilizada em
eletrotécnica; costumava ser muito barata no Brasil, mas acabou ficando muito,
cara já que é uma forma fácil de arrecadar recursos: ninguém consegue
sobreviver sem energia; governo aproveita dessa situação para assaltar o bolso
dos cidadãos e o caixa das empresas;
L:
Leituras: “Há uma diferença entre o Hitler e o Stálin que precisa ser devidamente
registrada. Ambos fuzilavam seus inimigos, mas o Stálin lia os livros antes de
fuzilá-los. Essa é a grande diferença. Estamos vivendo, portanto, uma pequena
involução, estamos saindo de uma situação stalinista e agora adotando uma
postura mais de viés fascista, que é criticar um livro sem ler”. (ex-Ministro da
Educação Fernando Haddad)
M:
Memória: brasileiros são singularmente
desprovidos de; esquecem o nome dos deputados votados no dia seguinte; um
escândalo é logo apagado da memória para dar lugar ao seguinte; só serve para
guardar nome de atriz de novela e de jogadores de futebol no caso dos mais
fanáticos;
Ministros: existem tantos que ninguém
consegue lembrar de todos os nomes, nem o (ou a) presidente; alguns são
incompetentes, mas são poucos, e estão ali por causa do partido, ou do
Apedeuta, ou por sua própria competência em outros assuntos (a ver); deveriam
atuar de forma coordenada, mas é difícil reuni-los todos...
N:
Neoliberal: ser desprezível, que quer
vender o Brasil aos especuladores, aplicando discretamente as regras do
Consenso de Washington; ideologia condenada e praticamente expulsa das
universidades brasileiras, que souberam resistir bastante bem a esse assalto à
razão e ao bem-estar coletivo; sobrevive em alguns redutos da direita, mas está
acuado e condenado ao desaparecimento;
O:
Orçamento: peça mais importante na vida
de uma nação, tão importante que o Brasil possuía três: o monetário, o fiscal e
o das estatais; mesmo unificado, agora, costuma ser objeto de revisão cuidadosa
(para cima) por parte dos congressistas, que são mais otimistas do que o
governo no volume de arrecadação; no Brasil ainda tem a jabuticaba do orçamento
aprovado e do contingenciado, solto aos poucos, ao saber da conjuntura
política...
P:
Parcerias Público-Privadas: governo
demorou quatro anos para aprovar e depois esqueceu; já existiam no Império,
foram esquecidas na República e renascidas na nova era de justiça social;
geralmente o público paga para companhias privadas, o que recomendaria passar
diretamente às privatizações (mas estas são condenáveis);
Partidos: forma moderna de organização
política, consistindo no agrupamento de pessoas ideologicamente afins para a
conquista do poder e a implementação de um programa de medidas visando ao bem
comum; no Brasil, existe um mercado secundário dos partidos políticos, e até um
supermercado de partidos, com grande oferta de modelos diversos nas estantes,
servindo basicamente aos mesmos fins;
Política: forma suprema do entendimento
humano, mais bem social; substituí a guerra, mas pode ser uma guerra por outros
meios; no Brasil se divide entre alta política, média política e baixa
política, sendo por vezes difícil distinguir entre as três;
Q:
Quadro: diz-se do militante partidário
que paga regularmente seu dízimo ao partido (mesmo se retirado do orçamento
público em virtude do aparelhamento generalizado do Estado); técnico
qualificado da burocracia estatal, recrutado mediante concurso, que todo
brasileiro espera fazer desde criancinha;
R:
Receita: o órgão mais importante do país;
está presente na vida de todo brasileiro, mesmo sem ele saber, sem perceber e
sem sentir; tem um único objetivo: aumentar a arrecadação, em qualquer tempo e
circunstância; cumpre bem o seu papel;
Risco: costumava estar associado à
classificação efetuada por agências especializadas em medir riscos não
comerciais; no Brasil são poucos os riscos incorridos em atividades mais
heterodoxas, digamos assim; tanto é que tem gente que nem se preocupa mais com
denúncias ou flagras da imprensa;
S:
Saúde: chegando perto da perfeição:
governo pensa em exportar o SUS para a OMS;
Senado: altas responsabilidades: senadores
deveriam controlar as operações financeiras externas, mas acabam controlando as
suas próprias; ótima editora e gráfica;
Socialismo: dura enquanto durar o
dinheiro dos outros; justiça social; todo mundo no Brasil é socialista,
inclusive os membros do Partido Liberal;
T:
Terras: depende de quais; se for de
grandes proprietários, do agronegócio, por exemplo, precisam ter sua
produtividade reavaliada para fins de reforma agrária; se forem públicas,
servem para integrar o programa de reforma agrária do governo (mas só se estiverem
bem localizadas) e ser distribuídas a pessoas perfeitamente incompetentes para
fazê-las trabalhar, que depois as venderão no mercado secundário, para gente
mais competente; também servem de justificativa para a existência de um partido
neobolchevique que diz que pretende fazer reforma agrária nas terras dos
outros; se forem compradas por estrangeiros, devem ser desapropriadas, em nome
da soberania, se ultrapassarem 2 mil ha.;
Tesouro: cuida bem do nosso dinheiro; de
vez em quando passa algum ao BNDES, que o repassa à Petrobras ou a outras
empresas dedicadas ao desenvolvimento nacional;
Torcedores: tribo de seres primitivos que
se dedicam a estranhos rituais, como xingar o juiz, obrigar a troca do técnico
após duas derrotas e, de vez em quando, massacrar algum torcedor adversário
desavisado ou distraído; existem alguns que pensam...
Trem-bala: ao contrário do nome, ainda
não conseguiu demonstrar suas qualidades, salvo aquela bem brasileira de
multiplicar orçamento, correções e aditivos, mas tudo isso de forma antecipada,
antes mesmo de sair do país; aí está sua grande qualidade: subiu de preço numa
rapidez impressionante, nunca antes vista neste país e em qualquer outro...
U:
Universidades: se forem públicas, são
templos do saber; se forem privadas, são tabajaras, mas ainda assim merecedoras
de recursos públicos para realizar a inclusão educacional; produzem muitas
teses (infelizmente não muitas patenteáveis);
V:
Veado: antigo animal do jogo do bicho;
deu lugar a animais mais vistosos, atualmente, todos orgulhosos de sua condição;
fazem até paradas;
Vida pública: a mais nobre das ocupações;
por vezes vem misturada à vida privada, mas ninguém liga muito para isso;
pequenos desvios são ignorados; grandes desvios são até elogiados, como
esperteza política;
X:
Xis da questão: No Brasil, existem
milhares de técnicos de futebol e outros milhões que proclamam, orgulhosa e
sabiamente: “O problema do Brasil é... (este aqui)”, e aí soltam justamente a
expressão fatídica, o tal de “xis da questão”, que, uma vez resolvido,
converterá a pátria-mãe num mar de tranquilidade, num paraíso de benefícios
sociais, para sempre redimido de outros “xizes” das questões;
Y:
Yoani Sanches: incomoda a esquerda no
Brasil, que queria continuar apoiando a ditadura dos irmãos Castro e
apresentar todos os dissidentes como agentes do império; uma blogueira
independente destrói a propaganda pró-Castro de idiotas consumados (e
desonestos) como Frei Beto e Emir Sader;
W:
Walt Disney: fundador do grande império
da ideologia americana, o mais cultuado, atualmente, pelas classes médias
brasileiras, que estão indo duas vezes por ano a Disney World, graças à
valorização do real e à desvalorização da moeda americana;
Z:
Zebra: animal muito comum no futebol e na
política, mas possui conotações diferentes (e talvez roupas diferentes) quando
está na segunda condição;
2 comentários:
Adorei este tragicômico dicionário.
Spot on!
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