O término de um mandato presidencial sempre é uma boa ocasião
para se efetuar um balanço das coisas boas e das menos boas que
transcorreram durante o período. Por deformação de ofício, mas também
por inclinação pessoal, tenho feito esse tipo de avaliação ao final e até no início de novos mandatos, num terreno que por acaso é o meu pelas últimas três décadas, pelo menos:
os das relações internacionais do Brasil e da política externa dos
governos que se sucederam desde o final dos anos 1970 (em plena
ditadura, portanto), até a atualidade. Uma lista nominal de todos os ensaios de avaliação que escrevi a esse respeito ao longo dessas décadas seria provavelmente enfadonha, mas talvez possa ser útil aos que manifestem o desejo, e o interesse, de conhecer, ainda que seletivamente, o que produzi de mais relevante nessa área. Por isso, permito-me enumerar os mais representativos desse tipo de produção ao final deste breve ensaio.
Mas
o que me motiva a novamente realizar o mesmo tipo de exercício é a
publicação recente, no calor dos debates eleitorais, de dois ou três
artigos dentro da linha do continuísmo diplomático, ou seja, escritos
deliberadamente com a intenção de “provar” que a política externa
companheira, em curso desde o primeiro dia do regime lulo-petista – que
entrou para a história como a era do “Nunca Antes”, que aliás serviu de
título a meu livro mais recente – é a única suscetível de defender a
soberania do Brasil, e que ela deve ser preservada com todo o ativismo e
altivez que supostamente a caracterizam (segundo a figura de estilo, pro domo sua,
de um ex-chanceler). Como eu acho que esses artigos nada mais são do
que propaganda enganosa a serviço do partido no poder, publicidade
encomendada travestida de análise acadêmica, resolvi apresentar aqui outros elementos de discussão, ao alinhar alguns argumentos em favor de uma outra visão, que pelo menos tem a vantagem, sobre essas, de oferecer uma perspectiva “interna” da diplomacia companheira, e sem que ninguém me tivesse encomendado tal tarefa. Ni Dieu, ni maître, como diria um anarquista; e eu: nem mestre, nem patrão.
Primeiro: distinguir a política externa da diplomacia, stricto sensu
Cabe distinguir, primeiramente, entre política externa e diplomacia – que são assemelhadas mas não devem ser confundidas –, para, a partir daí, fazer uma avaliação de ambas ao longo do período recente. A primeira não se distinguiu muito, ou praticamente
nada, da política externa conduzida nos dois mandatos do presidente
Lula, ou seja, significou uma continuidade conceitual, em suas grandes
linhas, ainda que tenha representado certa
diminuição no ímpeto para novas iniciativas e no impulso para projeções
exageradas no plano internacional. A segunda, a diplomacia, foi
certamente diferente, ainda que ambas tenham apresentado
forte ênfase na chamada diplomacia presidencial, ou seja, o
envolvimento direto do chefe de Estado com certos temas, embora com
certa diminuição na intensidade das ações, como aliás ocorreu na
transição de uma para outra política externa. Foram estilos diferentes, digamos assim, na maneira de conduzir a política externa e a diplomacia: um pouco diferentes entre si, mais na forma do que no conteúdo, ainda que continuassem pertencendo e aderindo, ambos, aos mesmos princípios e modos de funcionamento.
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