Dilma
e a diplomacia petista
Opinião
O ESTADO DE S.PAULO, 30
Setembro 2014
O vexame que a presidente Dilma Rousseff fez o País passar perante uma
audiência mundial, ao utilizar a tribuna da ONU para fazer campanha eleitoral,
não resultou apenas de reles cálculo marqueteiro. É a consequência natural de
uma visão distorcida do que vem a ser o interesse nacional, deliberadamente
confundido com o interesse do partido ao qual Dilma pertence. Logo, ao defender
na ONU as supostas realizações da era lulopetista, como se elas qualificassem o
Brasil no cenário internacional, Dilma sacramentou a diplomacia partidária que
vem carcomendo a credibilidade brasileira. Essa crença de que a política
externa do País não pode ser "apenas uma política de Estado" foi
reafirmada pela presidente, com essas exatas palavras, em entrevista à revista
Política Externa, a propósito de seus planos para as relações exteriores, caso
seja reeleita.
Na conversa, Dilma afirmou que "aprisionar a política externa em um
só modelo" - isto é, a diplomacia de Estado, e não de partido -
"denota uma atitude conservadora por parte dos que não querem mudar
nada". Para ela, as estratégias diplomáticas são, "antes de
tudo", uma "escolha da sociedade, que se faz periodicamente por meio
de eleições". Com isso, a presidente reafirma, com a maior clareza
possível, que a política externa legítima é aquela ditada pelo partido vencedor
das eleições - e os que a isso se opõem são desde logo
"conservadores" que "não querem mudar nada".
É evidente que o partido legitimado pelas urnas pode e deve implementar
seu programa nos diversos aspectos da administração pública, aí incluída a
atuação internacional. No entanto, isso é muito diferente de obrigar a
diplomacia brasileira a atuar como braço do PT, alinhando o Brasil a países
párias e a ditaduras, somente porque estes compartilham da ideologia
companheira, e amarrando o País a compromissos que o impedem de fazer acordos
comerciais que o tornariam mais competitivo no mercado internacional. A julgar
pelo entusiasmo com que Dilma defendeu esse modelo na entrevista, no entanto,
pode-se esperar que ele seja até mesmo aprofundado no eventual segundo mandato.
Indiferente à realidade, em autêntico estado de negação, Dilma disse que
as "novas prioridades da política externa brasileira produziram resultados
extraordinários" - orgulhando-se do desastroso desempenho comercial de seu
mandato, que recentemente obrigou o governo a incluir a exportação fictícia de
plataformas de petróleo para ajudar a conta a fechar no azul. Na construção da
triunfante narrativa petista, Dilma diz que essa performance "extraordinária"
não se deve apenas à demanda internacional por commodities, "mas
fundamentalmente porque o Brasil, com sua nova política externa, adaptou-se bem
às profundas mudanças que ocorreram, e ainda ocorrem, na geoeconomia e na
geopolítica mundiais".
Tal "adaptação" resumiu-se ao aprofundamento das chamadas
relações "Sul-Sul" -
A despeito dessa megalomania companheira, no entanto, Dilma dá pouca ou
nenhuma importância para a diplomacia formal, e o maior exemplo disso é o
contínuo sucateamento do Itamaraty. São abundantes as reclamações de diplomatas
a respeito das restrições orçamentárias - causadas em parte pelo fracasso da
estabanada política de multiplicação de representações diplomáticas promovida
pelo governo Lula.
Além disso, enquanto reivindica para o Brasil um lugar entre os
protagonistas globais, Dilma descuida dos rituais mais elementares das relações
internacionais. Só isso explica o chá de cadeira que a presidente está dando a
28 embaixadores estrangeiros que estão há meses esperando que ela os receba
para lhe apresentar suas credenciais, formalidade necessária para que eles
sejam reconhecidos oficialmente como representantes de seus países.
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