A verdadeira tragédia grega foi o seu gasto público
A
Grécia foi à bancarrota não porque, como dizem os entusiastas do novo governo
eleito, pagou taxas de juros "usurárias" sobre sua dívida, mas sim porque se
endividou despreocupadamente para que seus políticos pudessem gastar como se
não houvesse amanhã.
Vamos aos números.
Se
levarmos em conta o valor total de juros pago pelo governo grego em relação ao
estoque total de sua dívida, temos que, desde 2006, não houve nenhum ano em que
a Grécia tenha pagado mais do que 4,5% de juros sobre sua dívida total.
Isso
dificilmente pode ser classificado como "usura", principalmente quando se leva
em conta que a inflação de preços média na Grécia desde 2006 foi de 2%, o que
significa que o estado grego jamais pagou juros reais superiores a 2,5% ao ano.
[Nota do IMB: a título de comparação, o governo brasileiro pagar taxas
superiores a 10% sobre sua dívida total, e as taxas reais sempre estiveram
acima de 4,5%].
Com
efeito, no ano de 2013, a Grécia pagou sobre sua dívida pública total taxas de
juros nominais inferiores até mesmo às da Alemanha: em concreto, os gregos
pagaram 2,28%, sendo que os alemães pagaram 2,62%.
Gráfico 1: taxa de juros média sobre a
dívida pública, 2006-2013 Fonte:
Eurostat
E
não é só: em 2013, a Grécia foi o quarto país da zona do euro a pagar as
menores taxas de juros sobre sua dívida pública:
Gráfico 2: taxa de juros média sobre a
dívida pública em 2013 Fonte: Eurostat
Em
que pese todo o bombardeio propagandístico sobre juros usurários contra a
Grécia, ninguém deveria se surpreender com os resultados acima, pois foi em
2012 que a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI) aprovou um
segundo plano de resgate para a Grécia, pelo qual o governo grego obteve
condições de financiamento extremamente benéficas.
O principal culpado: o descontrole do gasto
público
Antes
da crise, o volume total da dívida pública grega era de 250% das receitas do
governo (2,5 vezes maior). Na Alemanha,
a título de comparação, esse valor era de 150%. (1,5 vez maior).
No
entanto, após a crise, o valor grego pula para 350%, chegando a superar 400% (4
vezes maior) no ano de 2011. Vale notar
que tanto o resgate quanto as medidas de "austeridade" começaram a ser
implantados na Grécia apenas no ano de 2010, só que em 2009 o governo já tinha
um volume de dívida pública totalmente descontrolado.
Gráfico 3: relação entre dívida pública e
receitas do governo, 2006-2013 Fonte:
Eurostat
E
o que fez aumentar essa dívida pública?
Enquanto
a Alemanha conseguiu manter constante, em termos reais, seu gasto público por
habitante entre 1996 e 2008, a Grécia o aumentou em nada menos que 80%.
Gráfico 4: gasto público real por habitante,
1996-2013 Fonte: Eurostat
A
hipertrofia do estado grego simplesmente não possui similares na Europa,
especialmente se levarmos em conta como ele se financiou: a Grécia não apenas
foi um dos países que mais aumentou seu gasto público, como também foi o que
recorreu com mais obsessão ao
endividamento para financiá-lo.
Gráfico 5: aumento da dívida pública entre
1996 e 2008 Fonte: Eurostat
Como
consequência desse enorme crescimento do endividamento (e não como consequência
de altas taxas de juros), o gasto anual com os juros sobre todo esse estoque de
dívida superou, até o segundo pacote de resgate, o valor de 12% das receitas do governo (em 2011, antes do resgate, o total
de juros pago por ano era 17% maior do que as receitas). Compare isso à Alemanha, cujos gastos com
juros se mantiveram estáveis em 6% de todas as receitas.
Gráfico 6: total de juros pagos em relação
às receitas do governo, 2006-2013
Fonte: Eurostat
Vale
enfatizar: o problema não foi a taxa
de juros que a Grécia pagou sobre sua dívida pública, mas sim o enorme volume de sua dívida pública, o
que elevou sobremaneira o valor absoluto
dos juros pagos.
Matemática
básica: 50% de 10 euros são 5 euros, 1% de 1 bilhão de euros são 10 milhões de
euros. Uma taxa de juros baixa não fará
com que seus gastos totais com juros sejam baixos se você deve muito dinheiro.
Sendo
assim, a responsabilidade pela situação financeira grega deve ser atribuída a
quem gerou esse elevado volume de endividamento: os políticos gregos e todos
aqueles que aplaudiam e que foram beneficiados pelas políticas de endividamento
do governo (antes e depois da crise).
O
fato é que o grosso da dívida pública grega foi emitido antes que a Grécia
fosse socorrida pela Troika: 90% da dívida pública grega do ano de 2010 já
havia sido emitida antes de 2010.
Nem
sequer é possível culpar as políticas de suposta austeridade ("suposta" porque
um governo sob austeridade genuína não pode aumentar impostos; é como dizer que
um trabalhador que está praticando austeridade pode aumentar seu salário):
mesmo que o governo grego tivesse sido capaz de manter o mesmo volume de
receitas de 2007 (algo muito difícil em meio a uma forte recessão), o tamanho
de sua dívida pública em 2011 em relação às suas receitas seria de 391% (comparado
aos 403% que realmente foram, e aos 180% da Alemanha), e o peso dos juros em
relação às receitas totais teria sido de 15,8% (em relação aos 17,1% que
realmente foram, e aos 5,8% da Alemanha).
Portanto,
é necessário honestidade: o governo da Grécia não quebrou por causa da Troika e
o governo da Grécia não está financeiramente na lona por causa da Troika. O governo grego está quebrado como consequência
das políticas ilustradas nos gráficos 4 e 5.
Enquanto
a Alemanha estabilizou seu gasto real por habitante (isto é, descontando a
inflação de preços) entre 1996 e 2007, a Grécia o aumentou em mais de 80%, e
recorreu ao mero endividamento para financiar a maior parte dessa brutal
expansão do seu gasto público. O governo
chegou a um ponto em que simplesmente não mais consegue pagar nem mesmo as
prestações dessa dívida.
A composição do gasto público grego
À
luz dessa hipertrofia estatal, era óbvio que ao governo grego não restava outra
solução senão cortar muito intensamente seus gastos caso quisesse sobreviver
financeiramente. Mas será que mesmo isso
foi feito?
O
gráfico abaixo mostra a composição do gasto público grego. O gasto com educação, políticas sociais e
saúde disparou de 24,6% do PIB em 2004 para 31,1% do PIB em 2012. Ou seja, não só os gastos do governo grego se
concentram nos "gastos sociais", como também esta foi a rubrica que mais
aumentou em termos relativos desde 1996.
Gráfico 7: composição do gasto público da
Grécia, 1996-2012 Fonte: Eurostat
Sim,
é verdade que, desde 2009, com as seguidas quedas do PIB, o fato de os gastos
sociais terem subido em relação ao PIB não significa que eles aumentaram em
termos absolutos, uma vez que o PIB vem se contraindo desde 2009. No entanto, o que isso realmente significa é
que os gastos que menos foram reduzidos proporcionalmente foram justamente aqueles
que mais cresceram até 2009: os gastos sociais.
Conclusão
A
conclusão é fragorosa e deve servir de lição: sim, um país pode quebrar por
gastar excessivamente com "políticas sociais".
Não
é questão de ideologia, mas sim de contabilidade.
Mais
ainda: para evitar essa quebra, é imprescindível que ele tenha de cortar de
maneira intensa todos os gastos voltados às políticas sociais.
No
entanto, longe de ter aprendido a lição e de assumir a culpa pelo próprio
desastre, o novo governo grego não apenas aponta o dedo para terceiros, como
ainda promete voltar a aumentar maciçamente o gasto público (estão prometendo
mais benefícios sociais, energia gratuita para 300 mil gregos, e mais moradias
populares).
É
óbvio, portanto, que não entenderam nada.
A
questão é simples: quem não pode pagar indefinidamente, não pode gastar
indefinidamente.
O sonho do governo grego: espoliar permanentemente os pagadores de impostos da União Europeia
A
economia grega, que já estava mal, paralisou-se completamente desde a chegada
do novo governo ao poder no início de 2015.
Só
que o Syriza chegou ao poder prometendo a quadratura do círculo: haveria mais
gastos públicos e menos impostos, e ainda continuariam recebendo todos os
benefícios repassados pela União Europeia.
Obviamente,
sob este arranjo, alguém teria de arcar com a fatura e este "alguém" escolhido
foram os demais pagadores de impostos europeus: estes não apenas não receberiam
de volta o dinheiro que, por meio de seus governos, emprestaram para a Grécia,
como também, além deste calote (chamado eufemisticamente de "reestruturação da
dívida"), deveriam continuar emprestando indefinidamente para o governo grego,
para que o país pudesse se manter na zona do euro.
Segundo
os integrantes do Syriza, a Grécia não tem como pagar suas dívidas, o que faz
com seja imprescindível uma profunda reestruturação da mesma. Mais
especificamente, o governo queria alargar os prazos de vencimento, reduzir as taxas
de juros que incidem sobre a dívida total, e até mesmo simplesmente reduzir o
valor total da dívida, o que significa um calote parcial da mesma.
A
realidade, no entanto, é que boa parte do discurso sobre a insustentabilidade
da dívida total da Grécia é infundada.
Nas economias modernas, caracterizadas por governos expansivos e moedas
inflacionárias, o principal da dívida pública nunca é quitado; tudo é
refinanciado. A dívida não se paga; ela
é rolada.
Sendo
assim, o custo de o governo estar endividado depende exclusivamente das taxas
de juros que o estado paga sobre o conjunto de sua dívida pública.
Em
2011, a Grécia tinha de pagar juros equivalentes a 7,3% do seu PIB. Esta era, de fato, a carga mais alta da
Europa e dificilmente era sustentável.
No entanto, houve uma reestruturação da dívida grega — orquestrada pela
Troika — em 2012, o que fez com que o país conseguisse reduzir o fardo dos
juros para 4% do PIB.
Embora
tal valor não seja baixo, ele tampouco é insustentável. Com efeito, países como Irlanda, Itália e
Portugal — que até o momento ainda não pediram reestruturações de suas dívidas
— estão enfrentando custos financeiros muito maiores que os da Grécia.
Gráfico 1: total de juros que incidem sobre
a dívida pública em relação ao PIB, 2013
Fonte: Eurostat
E,
se levarmos em conta que o PIB da Grécia está no subsolo (
já caiu
30% desde seu pico), e que certamente está muito abaixo do que poderia ser
caso houvesse uma liberalização e uma estabilização econômica, é difícil
concluir que a reestruturação de sua dívida seja uma absoluta e inexorável
necessidade.
Gráfico 2: vencimento médio da dívida
pública em 2013 (anos) Fonte: OCDE
O
mesmo ocorre com a taxa média de juros sobre a dívida, que é a quarta mais
baixa da zona do euro. É, inclusive,
mais baixa do que a da Alemanha.
Gráfico 3: taxa média de juros sobre a
dívida pública em 2013 Fonte: Eurostat
Em
outras palavras, os cidadãos europeus estão, por meio de seus impostos,
subsidiando o governo grego. Seus impostos
estão sendo utilizados para estender crédito ao governo grego, por meio da
Troika, a condições bem mais vantajosas do que a que eles próprios
usufruem. É como se você se endividasse
a 10%, me emprestasse e me cobrasse 5%: você, obviamente, está perdendo
dinheiro com essa operação.
E
o governo grego ainda quer mais privilégios.
Então,
se não há muita margem nem para aumentar os prazos do vencimento da dívida
grega (que já são os maiores da União Europeia) e nem para reduzir as taxas
médias de juros, o que mais pode ser feito em termos de reestruturação da
dívida? A única hipótese que resta é um
calote da dívida.
Quanto
a isso, convém lembrar que a dívida do governo grego em mãos de credores
privados já foi submetida, em 2012, a uma
redução de
53,5% do seu valor nominal. E, se a isso somarmos o alargamento do
prazo de vencimento e a redução dos juros incidentes sobre a dívida total, a
dívida grega já sofreu uma redução de nada menos que
75% do seu valor nominal.
Sendo
assim, por que os pagadores de impostos da União Europeia devem conceder ao
governo grego mais uma rodada de privilégios?
Para
completar o ultraje, vale lembrar que o governo grego é um dos mais perdulários
da União Europeia.
Seus gastos
totalizam nada menos que 58,5% do PIB.
Esse valor é maior até que o da Dinamarca (57,2% do PIB), da França
(57,1%) e da Suécia (52,8%). Será que é
realmente impossível o governo grego cortar gastos? Reduzir um gasto público que chega a
soviéticos 58,5% do PIB é impor "
austeridade draconiana"?
No
entanto, convém não dramatizar a questão do calote. Toda e qualquer pessoa que investe nos
títulos da dívida pública de um país tem de estar ciente de que, em algum
momento, esta pode ser caloteada pelo estado emissor, sem que o investidor
possa forçar o estado e lhe pagar (uma vez que a soberania estatal impede que
ele seja forçado a executar seus próprios contratos). Sendo assim, a amortização da dívida pública
no prazo acordado se torna uma mera questão de boa fé. Nada
mais do que isso.
Por
outro lado, do mesmo modo que os investidores devem arcar com a
responsabilidade de ter concedido crédito a um governo que a qualquer momento
pode calotear impunemente sua dívida, o governo grego também terá de aceitar as
consequências de decretar um calote unilateral em sua dívida: no caso, será
impossível continuar financiando seu déficit público.
A
plataforma do Syriza não é simplesmente a de não pagar as dívidas do governo
grego; além de dar o calote, o novo governo grego também quer continuar
recebendo empréstimos para aumentar de maneira substantiva seus gastos (prometeram
mais benefícios sociais, energia gratuita para 300 mil gregos e mais moradias
populares) sem ter de aumentar impostos.
Ou
seja, ele não quer pagar sua dívida, mas quer continuar emitindo dívida e sendo
livremente financiado.
Essa
quadratura do círculo é impossível, obviamente.
Se o Syriza de fato optar pelo calote, aí sim é que ele terá de enfrentar
uma verdadeira austeridade. Sem acesso
ao financiamento de credores externos, o governo grego não mais poderá incorrer
em déficits; ele só poderá gastar exclusivamente aquilo que arrecadar por meio
de impostos. Logo, e ironicamente, a
"asfixiante ultra-austeridade" contra a qual o Syriza diz lutar irá realmente
ocorrer caso o partido dê o calote. E a
Grécia terá de vivenciar essa austeridade por vários anos, até que o governo
eventualmente recupere sua credibilidade perante os investidores estrangeiros.
Em
suma, se o Syriza não quer pagar a dívida do governo grego, não pague.
Mas que sofram as consequências. Assim como os gregos têm o direito de
votar
em quem quiserem, os demais pagadores de impostos da União Europeia
também têm
o direito de não mais financiar o perdulário e caloteiro governo grego.
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E se a Grécia sair do euro?
Sempre
que um país passa por problemas econômicos, surge um grupo de
economistas dizendo que tudo pode ser corrigido caso o governo
simplesmente desvalorize ...
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E se a Grécia sair do euro?
Sempre
que um país passa por problemas econômicos, surge um grupo de economistas
dizendo que tudo pode ser corrigido caso o governo simplesmente desvalorize a
moeda — isto é, deprecie sua taxa de câmbio.
Não obstante não
seja possível
encontrar um só exemplo de país que tenha saído da pobreza e se tornado
próspero depreciando sua moeda em relação às outras, tal "solução" segue
impavidamente em voga. A desvalorização da moeda é uma panacéia que
ainda atrai muitos
"pensadores" e continua sendo uma ideia extremamente popular entre
alguns
círculos de economistas.
Aproveitando
o momento, façamos um exercício mental para analisar as prováveis consequências
da desvalorização. Vamos utilizar a
Grécia como exemplo.
Suponhamos
que a Grécia, que hoje faz parte da zona do euro, conseguisse de alguma forma
voltar a emitir um Novo Dracma, e que essa nova moeda se desvalorizasse rapidamente,
passando de um dracma por euro para dois dracmas por euro em um curto período
de tempo (um mês, talvez), o que representaria uma desvalorização de 50%.
Vamos
também supor que o governo utilize seus poderes coercivos para estipular que todas as obrigações existentes em euro,
tais como títulos e contratos trabalhistas, para todas as pessoas e entidades
na Grécia, sejam unilateralmente convertidas em dracmas na relação de 1 dracma para 1 euro.
O
dracma agora é uma moeda independente e com câmbio flutuante, e sua taxa de
câmbio está relativamente estável perto de 2 dracmas por euro (uma taxa até
bastante otimista).
Sendo
assim, o valor total da dívida do governo da Grécia, em termos de euro,
cai 50% (repetindo: a moeda se desvalorizou 50% em relação ao euro, mas
todos os passivos foram convertidos de euro para dracma à taxa de 1 para
1).
Consequentemente, as dívidas de todos os outros devedores na
Grécia, tais como empresas, bancos e pessoas físicas, também são reduzidas em
50% em termos de euro. (Se uma empresa
devia 100 milhões de euros, agora ela deve 100 milhões de dracmas. Mas como 1 dracma vale 0,50 euro, 100 milhões
de dracmas são 50 milhões de euros.)
A
princípio, isso não é um grande benefício para os endividados gregos, dentre
eles o governo, pois a renda deles, denominada em dracmas desvalorizados,
também caiu 50% em valores de euro.
Tanto a dívida quanto a receita tributária do governo foram
simultaneamente desvalorizadas, e o mesmo ocorre com os salários das pessoas e
suas dívidas.
No
entanto, não vai demorar muito para que as receitas tributárias, as
receitas
das empresas e os salários das pessoas comecem a subir (em termos
nominais) em
decorrência tanto da inflação monetária que agora o governo grego poderá
causar (ao sair do euro e adotar uma moeda própria, o governo está mais
livre para inflacionar a moeda) quanto da grande inflação de preços que
será causada pela desvalorização da moeda.
Como
consequência de tudo, os calotes nas dívidas diminuirão. O declínio nos calotes irá permitir que os
bancos gregos, até então descapitalizados por causa de empréstimos ruins,
readquiram alguma saúde financeira. Para
completar, os ativos estrangeiros dos bancos gregos (como títulos do governo
alemão ou empréstimos feitos a empresas italianas e espanholas) irão dobrar de
valor em termos de dracma, o que irá melhor seus balancetes consideravelmente.
Com
a redução dos calotes, as falências corporativas também irão diminuir, o que
significa menos desemprego. Trabalhadores
gregos, cujos salários foram reduzidos à metade em termos de euro, agora estão
mais "competitivos" (isto é, recebem menos) que os de Portugal, Espanha e
Itália.
Por
outro lado, as empresas gregas voltadas exclusivamente para o mercado
interno não
usufruirão grandes benefícios, pois os trabalhadores gregos não serão
capazes
de comprar muita coisa com seus salários desvalorizados. Por causa da
súbita desvalorização cambial, o poder de compra dos gregos despencou. O
custo dos bens e serviços importados
dobrou, o que reduz ainda mais a renda disponível dos trabalhadores.
Tudo o que foi produzido no país e que não foi consumido (pois a renda
real da população caiu), será transformado em excedente exportável.
Aqueles
assalariados mais bem pagos da Alemanha e da Inglaterra, que querem escapar de
seus respectivos invernos e estão à procura de uma praia (ou mesmo de um local
barato para viver quando se aposentarem), trocarão a Espanha pela Grécia e
aproveitarão todas as ofertas sendo oferecidas em dracmas desvalorizados.
Sendo
assim, a Grécia vivenciará um forte aumento nos negócios e nas
contratações relacionadas ao turismo e, talvez, ao setor de exportação. Por causa disso, a economia parecerá estar
melhorando, e as receitas tributárias do governo estarão aumentando, ao menos
em termos nominais de dracmas. Os preços
ao consumidor subirão aproximadamente 20% no primeiro ano da desvalorização, e
os economistas aplaudirão efusivamente, pois a
deflação de preços "foi superada".
Principalmente
por ter começado com valores pequenos em decorrência da crise, a bolsa de
valores da Grécia irá disparar. Mas ela
teria de subir pelo menos 100% apenas para se manter com o mesmo valor em
termos de euros.
Esse
cenário parece palatável, não?
Mas
há outros fenômenos ocorrendo. O que
acontecerá com todos os bancos alemães e franceses que fizeram empréstimos para
empresas gregas? O que acontecerá com
todos aqueles títulos do governo grego em posse dos bancos alemães? Os títulos e os empréstimos agora valem
apenas 50% de seu valor de face em termos de euro. Os bancos alemães e franceses terão de ser
socorridos, e milhões de correntistas alemães e franceses darão esse socorro
compulsório por meio de uma redução em suas contas bancárias (exatamente como
ocorreu no Chipre).
Os
destinos turísticos na Espanha e no sul da Itália perderão clientes e, como
consequência dessa súbita perda de receitas, começarão a dar calotes em suas
dívidas. As indústrias de cimento e
naval de outros países europeus não conseguirão concorrer contra as importações
baratas da Grécia, e também começarão a dar calotes em suas dívidas. O desemprego nestes países irá subir.
O
trabalhador grego agora tem um novo emprego, mas seu salário, reduzido à metade
em termos de euro, não mais compra tudo aquilo que antes ele conseguia
comprar. Os preços internos aumentam continuamente, e,
embora seu salário também aumente em termos nominais, ele não acompanha a subida
dos preços. Os pensionistas gregos são
os mais afetados, principalmente aqueles cuja poupança estava nos bancos gregos
(e não em outros países da zona do euro).
Ao passo que seus semelhantes na França e na Alemanha tiveram uma perda
de 20% em suas contas bancárias (
20% é o total de títulos gregos em posse dos bancos europeus),
os poupadores gregos descobrirão que agora
compram aproximadamente 50% menos com sua poupança (por causa da
desvalorização cambial e da inflação de preços crescente na Grécia).
O
sistema tributário grego certamente não será ajustado de acordo com a
desvalorização. A consequência será a de
que, com rendas nominais maiores, uma maior fatia dos ganhos será tributada. E o resultado final é que pessoas com renda
real mais baixa — e até então isentas — também terão de pagar imposto de
renda. Isso gerará um grande fardo sobre
toda a economia, o qual poucos serão capazes de identificar. Tradicionalmente, a culpa será atribuída aos
altos preços da energia importada.
Após
algum tempo — talvez alguns anos —, os salários dos trabalhadores gregos já
terão subido, em termos nominais, o bastante para acabar com aquela "vantagem
comparativa" inicial. Os impostos reais
mais altos começarão a introduzir uma persistente obstrução na economia grega.
Adicionalmente,
o sistema financeiro grego já se tornou deficiente e inconfiável. Após a desvalorização, ninguém mais está
disposto a conceder mais empréstimos em dracmas. Afinal, quem vai querer
correr o risco de ter seus ativos subitamente desvalorizados novamente? As taxas de juros domésticas já subiram e
estão altas, e o volume de empréstimos está baixo.
Grandes empresas ainda conseguem tomar
empréstimos em euros, mas isso não estará disponível para famílias e pequenas
empresas. As famílias, que já foram
prejudicadas uma vez, não irão manter sua poupança nos bancos gregos. O mais provável é que elas descubram maneiras
informais de poupar e investir sem recorrer ao sistema financeiro. Já as famílias mais sofisticadas irão
simplesmente utilizar os bancos alemães (mesmo porque os mais ricos já
retiraram quase todo o seu dinheiro dos bancos gregos), e sua poupança e seu capital jamais
retornarão à Grécia.
Por
tudo isso, a economia grega apresentará uma baixa criação de capital, um
ambiente de investimentos totalmente distorcido, no qual apenas as
grandes
corporações conseguem financiamento, e uma baixa criação de empregos. A
economia volta a se estagnar. Consequentemente, o governo volta a
incorrer
em déficits orçamentários, uma vez que as receitas tributárias começam a
cair e
as demandas por serviços assistencialistas cresceram. Como o governo
não mais consegue se endividar
em dracmas — só a taxas de juros proibitivas —, ele terá de se endividar
em euros.
Mas isso também será difícil, pois o governo já se
mostrou inconfiável. A única opção
restante será aumentar ainda mais os impostos.
À
medida que essas dificuldades vão se acumulando, alguns economistas acreditarão
ter encontrado a solução: desvalorizar novamente! Essa ideia ganhará o imediato
apoio dos grandes exportadores e do setor de turismo, os quais adorariam voltar
a ter uma "vantagem competitiva" em termos de mão-de-obra barata.
Como esses setores já haviam se beneficiado
economicamente antes, eles se tornaram mais politicamente influentes. Por outro lado, os setores que foram
prejudicados pela desvalorização, como as empresas que dependem de importações
e as voltadas exclusivamente para o mercado doméstico, já perderam toda a sua
influência política. Sendo assim, o
sistema político passa a ser guiado apenas pela ideia de mais desvalorizações.
Com
a imposição de novas desvalorizações, todo o ciclo se reinicia: o setor
exportador e o setor turístico ganham um impulso temporário, mas todo o
restante dos trabalhadores gregos perde poder de compra, e seu custo de vida
sobe. A inflação de preços dá outro
salto. O imposto de renda continuará não sendo corrigido pela inflação — pois o governo precisa de todas as receitas
possíveis —, o que gerará um confisco cada vez maior da renda real das pessoas
e empresas, o que, por sua vez, prejudicará ainda mais os investimentos.
Já
os outros países da zona do euro muito provavelmente não ficarão passivos
perante os setores exportador e turístico gregos. É provável que imponham pesadas tarifas sobre
as importações e também sobre a conversão de euros em dracmas.
A
conclusão é que a desvalorização funciona apenas por algum tempo, e é benéfica
apenas para poucos setores muito específicos — e ainda assim apenas no curto
prazo.
Em
termos gerais, a desvalorização da moeda prejudica toda a população, pois esta
é roubada do seu poder de compra, é submetida a uma grande inflação de preços, e acaba ficando sem acesso a bens importados
de maior qualidade.
Um
governo que desvaloriza sua moeda está, na prática, fechando suas
fronteiras
aos bens estrangeiros, isolando sua população (e prejudicando
principalmente a fatia mais pobre, agora proibida de comprar produtos
estrangeiros mais baratos), reduzindo sua renda, e
destruindo enormemente seu padrão de vida.
Economista
que realmente acredita que desvalorizar a moeda é o caminho para a
prosperidade
está, na prática, dizendo que uma sociedade formada por uma minoria
exportadora
e rica e por uma maioria que não tem nenhum poder de compra é o arranjo
ideal. Está dizendo que uma redução compulsória da renda total da
população
representa prosperidade e enriquecimento. Não faz absolutamente nenhum
sentido.
O
que
aconteceu com a
Argentina em 2002, quando a súbita desvalorização do peso fez com
que fosse quase impossível para muitas mães comprarem leite para seus
filhos, pode perfeitamente acontecer com a Grécia em 2015. É muito
difícil uma desvalorização da moeda passar impune.
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