Muito realista a entrevista com o presidente da GM para a América do Sul, "dentro de lo que cabe", como diriam os espanhóis, pois ele esconde o essencial: que o Brasil tem impostos demais, porque tem um Estado grande demais para a sua economia.
Claramente, o tipo de arranjo "contratual" que a sociedade fez consigo mesmo, através de sua nova Constituição, em 1988 (e já emendada dezenas de vezes), o chamado "pacto social", com distribuição de benesses estatais para todos e cada um (e cada vez mais), não cabe dentro do PIB, ou seja, as despesas são maiores do que a capacidade contributiva da economia.
Isso a sociedade precisa entender, mas o presidente da GM não é "obrigado" a nos criticar pela nossa esquizofrenia jurídica-constitucional, e pela nossa ingenuidade econômica.
Dentro do que cabe dizer, portanto, ele diz as coisas certas, mas está sempre querendo medidas setoriais que beneficiem a sua indústria, isso é certo.
Ou seja, ele também adora stalinismo industrial, como a maior parte dos nossos capitalistas.
Os companheiros tentaram fazer isso durante todo o tempo.
Enquanto tinha dinheiro chinês, deu para fazer.
Agora acabou e eles não têm mais nada a oferecer.
Está na hora de colocá-los para fora, e não só porque se equivocaram em política econômica.
O fato é que eles roubaram demais.
Só por isso, já merecem cadeia.
Paulo Roberto de Almeida
Entrevista: Jaime Ardila
"A classe C, como consumidora de
carros, saiu do mercado"
De homem público a executivo do setor
privado
* Economista, o colombiano Jaime Ardila,
de 60 anos, já trabalhou no Banco Central e no Ministério da Indústria e
Comércio da Colômbia. Foi para a GM em 1984 e, em 2007, assumiu a presidência
da GM Brasil; três anos depois, a da GM América do Sul.
O Estado de S.Paulo, 26/07/2015
Segundo o executivo, crise também
afetou o perfil de compra das classes A e B
Principal responsável pelo crescimento
contínuo das vendas de carros novos por quase dez anos, até atingir o recorde
de 3,8 milhões de unidades em 2012, a classe C já não faz mais a festa da
indústria automobilística. "Como consumidora de carros, praticamente saiu
do mercado", diz o presidente da General Motors América do Sul, Jaime
Ardila. Segundo ele, quem compra carro hoje são as classes A e B, mas mesmo
estas mudaram o padrão de consumo. Em entrevista, o executivo colombiano, que
está no Brasil há oito anos, fala que o mercado brasileiro deve cair 20% em
2015 e só começará a se recuperar no fim
de 2016.
Qual sua avaliação sobre a situação
econômica do País?
As projeções feitas por analistas
independentes de uma redução do PIB de 2% para o ano é realista e coloca a
economia num patamar difícil para o próximo ano. Esperávamos uma recuperação
mais rápida, mas vai levar mais tempo. Significa que o próximo ano terá um
crescimento muito pequeno, abaixo de 1%. É lógico que um adiamento do ajuste
fiscal pode postergar a recuperação também. Fico preocupado de ver que o ajuste
pode levar mais tempo do que esperávamos.
O ajuste está correto?
Esperávamos que o governo cumprisse a
meta de 1,1% de superávit, mas já foi dito que não será possível. Isso pode
adiar a recuperação. Precisamos de um ajuste fiscal profundo e rápido, que é
muito melhor do que um pequeno e lento.
O cenário político atrapalha?
Pode atrapalhar a economia por duas
razões simples: a primeira, a de tornar ainda mais difícil a recuperação dos
investimentos externos e internos. E também porque toma muito mais difícil a
aprovação das medidas econômicas no Congresso.
É hora de continuar subindo juros?
As cifras de inflação mostram que os
aumentos que estão sendo feitos são necessários e não vejo uma recuperação
econômica possível sem uma rápida redução da inflação. Quantas altas de juros
ainda precisa para reduzir a inflação? Não sei. Minha impressão é que estamos
chegando ao limite necessário, porque a economia está praticamente num cenário
de recessão.
Por que o mercado de carros caiu tão
rapidamente? É efeito da crise ou de um esgotamento de consumo?
A indústria automobilística é pró-cíclica.
Cresce mais rápido quando a situação econômica é boa e piora muito mais quando
é ruim. Eu já esperava que, com a situação econômica difícil, para a indústria
seria ainda pior. Isso é o normal nos ciclos econômicos. Porém, há dois fatores
que complicam ainda mais. O primeiro é a queda forte na confiança dos
consumidores - o medo de perder o emprego. Temos também um esgotamento do
modelo, em razão do alto endividamento das famílias. As pessoas não têm mais
condições de comprar carros. E fica ainda mais difícil com a inflação alta.
Isso faz com que a queda nas vendas seja maior do que esperávamos.
O que o sr. esperava inicialmente?
Começamos o ano com cenário de vendas de
3,2 milhões de veículos. No primeiro trimestre, ajustamos para 3 milhões. Hoje,
prevemos 2,8 milhões (queda de 20% ante 2014). E acreditamos que só na segunda
metade de 2016 começará uma recuperação.
É a pior crise do setor?
Eu não falaria que é a pior da história,
pois já tivemos situações muito difíceis, com queda da demanda de 20%, 30%. O
que é diferente hoje é que a capacidade da indústria é muito maior. Todos
fizeram investimentos baseados numa projeção de mercado que não se cumpriu.
Temos capacidade em excesso e trabalhadores em excesso, o que complica mais a
situação.
O excesso é resultado de investimentos
em ampliação e da vinda de novas fábricas ao País. Ninguém percebeu que não
havia demanda para tudo isso?
Devo falar, com humildade, que a GM
percebeu, pois fomos uma das poucas empresas que avaliou que não era o momento
de construir novas fabricas. Estivemos perto de tomar uma decisão, mas ao final
vimos que era prudente aguardar. Mas, quando você tem um mercado de quase 4
milhões de veículos ninguém quer ficar de fora. Aí chegam os concorrentes novos
e eu não posso culpá-los por instalarem fabricas aqui porque o Brasil era e
continua sendo um mercado interessante. O que me surpreendeu foram os
investimentos de alguns concorrentes tradicionais, que já conheciam bem o
mercado. Mas o Brasil vai crescer de novo. Continua sendo um dos maiores
mercados do mundo.
A indústria estava viciada na redução
do IPI?
Incentivos precisam ser temporários para
ter impacto. Quando o mercado se acostuma, começa a incorporar nas expectativas
e nos preços e o impacto desaparece. Foi o que ocorreu com o IPI. Desse ponto
de vista, a resposta é sim: acho que a indústria se acostumou a um incentivo
que, por natureza, ia ser temporário. Porém, também acho que os impostos na
indústria automobilística são muito altos e em algum momento será preciso rever
isso. Estou ciente de que não é o momento, seria uma irresponsabilidade fiscal
pedir isso hoje. Mas vai chegar o dia em que o govemo vai ter de procurar fazer
receita fiscal em outras áreas e reduzir de forma permanente o IPI e outros
impostos, pois como está hoje é exagerado.
As montadoras já demitiram neste ano
7,6 mil trabalhadores e 0 sr. diz que ainda há excesso. Cortes vão continuar?
Já demos férias coletivas e lay-off.
Estamos fazendo o possível para evitar demissões. Agora tem o Programa de
Proteção do Emprego, que acho muito interessante. Para tentar minimizar o
desemprego, o lay-off e o PPE são ferramentas apropriadas. A GM fará uso delas
até onde for possível. Mas não posso esconder que temos trabalhadores demais. O
que eu faço com os trabalhadores se não tem demanda? Inevitavelmente temos de
tomar uma decisão.
Então haverá mais cortes?
No geral, não sei o que vai ocorrer, pois
cada empresa toma suas decisões. Mas acho que ainda tem um grupo muito
significativo de trabalhadores em excesso. Para a demanda que temos hoje é
evidente que a indústria, incluindo fornecedores, ainda tem de passar por um
ajuste.
A GM tem mil trabalhadores em lay-off
e demitiu cerca de 400 trabalhadores no ABC. Ainda não foi suficiente para
reduzir o excesso?
Neste momento não temos novos planos de
cortes. O que temos são planos de usar as ferramentas existentes, ou seja
o lay-off e o PPE. Porém, temos de decidir o que fazer com o pessoal que está
em lay-off. Vamos nos inscrever no PPE, porque não é eficiente para uma empresa
fazer cortes e depois na recuperação ter de recontratar. A prioridade será o
pessoal do lay-off, mas provavelmente não para todos.
Como a matriz vê o cenário brasileiro?
Faz sentido investir num mercado que opera com 50% da capacidade?
Nossa perspectiva continua sendo de longo
prazo. O Brasil é um mercado fundamental para a GM. No nosso negócio não dá
para parar de investir, se não fica atrasado tecnologicamente. Sem dúvida vamos
manter investimentos em produto e tecnologia. Mas claro que estamos preocupados.
A situação está pior do que imaginávamos quando fizemos o orçamento para o ano.
Está quanto pior?
Perdemos 27% em vendas no primeiro
semestre e 34% da receita no segundo trimestre em relação ao ano passado. Mas
temos suficiente caixa para continuar financiando os investimentos e não
precisamos de empréstimos.
No passado recente, foi a classe média
emergente que garantiu o crescimento das vendas, com a compra do primeiro carro
zero, com crédito longo. E hoje, quem compra carro?
A classe C, como consumidora de carros,
praticamente saiu do mercado. Hoje, a imensa maioria da classe C não tem
condições de comprar carro novo por causa da alta de juros, aumento da inflação
e do endividamento. É aí que está a queda da demanda. As mais de 20 milhões de
novas pessoas que tínhamos na classe C, e que foi a fonte fundamental de
crescimento da indústria, está comprando cosméticos, alimentos - até mudando
para marcas mais baratas -, mas não está comprando carros. A imensa maioria das
vendas hoje é para as classes A e B. E mesmo nessas classes há mudanças de
comportamento. Por exemplo, estamos vendendo muito bem Onix e Prisma (mais
populares). Não duvido que muitos desses clientes, em condições normais, iriam
comprar carros de maior porte, mas por enquanto estão se conformando com Onix e
Prisma.
Mas as vendas de modelos premium
seguem crescendo...
Os ricos estão assustados com a crise,
mas não sofreram impacto.
A exportação é saída para o setor?
Hoje ainda não, mas pode se tornar fonte
de crescimento importante nos próximos dois anos se forem cumpridas condições
que têm a ver não só com o patamar do câmbio, que está mais equilibrado, mas
com a redução de custos. Temos custos na área trabalhista, tributária, de
logística e de infraestrutura muito altos, que dificultam a competição no
mercado internacional.
O Inovar-Auto ajuda ou atrapalha?
Ele é um fato. No próximo ano, será
avaliado quem cumpriu as metas. Os investimentos que precisavam ser feitos para
cumprir a regulamentação já ocorreram, com um impacto em custos importante.
Estamos preparados para o Inovar. O que eu espero é que fiquemos aí. Acho que
seria inapropriado pensar em outra fase, o Inovar 2, porque as empresas e o
consumidor não estão em condições de assumir novos custos.
O sr. acha que o excesso de capacidade
se deve ao Inovar-Auto, que exigiu a produção local?
Trazer investimentos era o propósito,
além de melhorar a qualidade do meio ambiente e reduzir o consumo de
combustível. O aumento de capacidade foi uma consequência que na época ninguém
tinha condições de prever.
Por que as empresas estão reajustando
preço dos carros?
Comparado com a inflação e a desvalorização
do real, os reajustes foram pequenos. Não compensam nem a metade dos aumentos
de custos que já tivemos.
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