ISTOÉ
O papel de Temer
Com ou sem Dilma na Presidência, o vice Michel Temer torna-se peça fundamental para assegurar a governabilidade do País
Mario Simas Filho e Josie Jeronimo
Revista IstoÉ, 25/07/2015
Durante uma conversa rápida e acima de tudo tensa, o vice-presidente, Michel Temer, mostrou como trabalha para buscar a governabilidade do País no momento em que as pesquisas revelam que seis em cada dez brasileiros clamam pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. A conversa se deu na Base Aérea de Brasília, na sexta-feira 17. Temer preparava-se para embarcar rumo a São Paulo, quando foi abordado pelos presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, ambos do PMDB e na alça da mira da Operação Lava Jato. Mais irritado do que de costume e com um tom de voz acima do habitual, Cunha disse ao vice-presidente que iria naquele momento anunciar o rompimento com o governo. Lamentou que o Palácio do Planalto não o protegia das ações do juiz Sérgio Moro e antecipou que não pouparia esforços para colocar na pauta do Legislativo o impeachment de Dilma Rousseff. Temer interpretou o gesto como uma armadilha: Cunha teria preparado o cenário para colocar o vice-presidente como co-protagonista do rompimento com o governo e na declaração de guerra à presidente. Mostrando irritação, a resposta dada pelo vice-presidente traduz o pragmatismo político de Temer. Logo depois de dizer que o rompimento com o governo era um gesto isolado de Cunha e não o caminho escolhido pelo PMDB, ele afirmou ter um compromisso com a Constituição e não com o Código Penal. Lembrou aos interlocutores que não se furtará a ocupar o lugar da presidente caso um processo absolutamente constitucional leve ao impeachment. Mas, em seguida, advertiu que, se vier a se concretizar o afastamento da presidente e sua promoção ao comando do País, a postura será a de buscar convergências capazes de retomar o crescimento e não colocar a máquina governamental como instrumento de proteção ou a serviço de um ou outro grupo político.
Temer sabe da importância do PMDB e de sua atuação para a governabilidade do País, seja como vice-presidente, como substituto de Dilma se vier o impeachment ou como aliado de um novo presidente caso tanto Dilma como ele venham a ser afastados do poder em razão de falcatruas nas contas eleitorais do PT. Como vice, não abre mão da lealdade, ocupa espaço na articulação política do governo e vem trabalhando de uma maneira que o credencia, caso necessário, a ocupar o poder sem que o País mergulhe em uma crise institucional. Temer navega com facilidade pelas mais variadas legendas e setores da sociedade. E quanto mais a Lava Jato agrava a crise política, mais aumenta a importância do vice. Não é à toa que nos últimos meses o Palácio do Jaburu, sede da Vice-Presidência da República tem se transformado em destino principal de diversas romarias. Cansados das negativas, indiferença e rispidez da presidente Dilma Rousseff, parlamentares da base, governadores, ministros petistas, representantes de associações empresariais e sindicais, militares de alta patente, presidentes de órgãos do Judiciário e, até mesmo, integrantes da oposição buscam o gabinete de Michel Temer para suprir a falta de diálogo da Presidência. Somente nas duas primeiras semanas de julho, Temer recebeu 77 parlamentares, acomodados nos intervalos das agendas com governadores, empresários e representantes do Judiciário. A muitos deles, o vice tem dito que, caso o governo se inviabilize politicamente, não será ao lado de Cunha e Renan que ele buscará a recomposição nacional. Ele pretende aglutinar quadros como o ex-senador Pedro Simon, os ex-ministros do STF Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa, e o empresário Josué Gomes, filho do ex-vice-presidente José Alencar. “Em nenhum instante ele fala em impeachment, mas deixa muito claro que caso venha a governar, seja agora ou em 2018, pretende fazer um governo que não fique refém de Cunha ou de Renan”, disse na manhã da quinta-feira 23 um dos interlocutores do vice-presidente.
Enquanto tenta promover a articulação política do governo, na condição de principal líder do PMDB, Temer trabalha para apresentar ao País uma nova alternativa de poder, uma vez que já anunciou que a legenda pretende ter candidato próprio em 2018. Sob seu comando, o programa nacional do partido que vai ao ar em cadeia de rádio e tevê no dia 28 de setembroirá repetir o slogan “não são as estrelas que me guiam, são as escolhas que vão me levar” e em seguida dirá: “As escolhas falam por nós”. Na prática, uma espécie de declaração de independência em relação ao PT. Nada impede, porém, que a separação, a princípio marcada para 2018, seja antecipada. Outra demonstração de alternativa real de poder está agendada para o dia 15 de outubro, com o primeiro Congresso Nacional do Partido, que levará o nome de Congresso Compromisso. Ali, o PMDB apresentará ao País um novo estatuto e 15 propostas concretas para o Brasil. Para elaborar esse tipo de carta de intenções, Temer tem se reunido com empresários, sindicalistas, representantes do agronegócio, membros do Judiciário e líderes de diversos partidos, inclusive da atual oposição como o DEM e o PSDB. Emissários do vice-presidente conversam semanalmente com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Há alguns desses interlocutores Temer já manifestou que o PMDB deve lançar candidato próprio em 2018, mas que abrirá mão de disputar a eleição caso venha a ocupar a Presidência em razão de um impeachment de Dilma. Nesse cenário, afirma que chamara Lula, Marina Silva, Aécio Neves e outros presidenciáveis e dirá a eles para que construam suas candidaturas enquanto permitam que o governo trabalhe para recolocar o País nos trilhos, sem abrir mão do combate à corrupção.
Sem o poder da caneta presidencial, o vice costuma mais ouvir do que falar e assim vem conquistando a confiança de parlamentares e empresários. Atualmente, Temer tem priorizado o setor produtivo da Construção Civil e do Varejo, áreas que sofrem fortemente os impactos da crise econômica. Nas próximas semanas pretende abrir a agenda para os movimentos sindicais. A todos esses interlocutores o vice repete como se fosse um mantra que o País precisa avançar independentemente do combate à corrupção, que, segundo ele, deve ser implacável. “O problema não é combater a corrupção, mas precisamos tratá-la nas páginas policiais e não pautar a política pelos crimes ou pelos criminosos”, afirma Temer a vários líderes que o procuram. Na semana passada, o trabalho de Temer pela manutenção da governabilidade ultrapassou as fronteiras. Reportagem da revista Economist com o título “The Power Behind the Throne” (O poder por trás do trono”), diz que o vice-presidente faz o papel de primeiro-ministro e se reúne com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com mais frequência do que a própria presidente Dilma. A revista afirma ainda que, no governo atual, é o PMDB quem dá as cartas em Brasília. A Economist cita a estagnação econômica, a alta da inflação e a Operação Lava Jato para explicar por que, agora mais do que nunca, a presidente precisa do PMDB. A reportagem lembra que o PMDB tem mais cadeiras no Congresso e mais integrantes do que qualquer outro partido, incluindo os principais rivais da política brasileira, PT e PSDB.
O papel de Temer ganhou destaque no exterior depois de sua atuação em Nova York, onde permaneceu da segunda-feira 20 até a quarta-feira 22. Temer deu palestra em evento com advogados americanos e alunos da Universidade de Cornell e teve encontros reservados com empresários do setor de infra-estrutura. A agenda oficial de Temer nos Estados Unidos incluiu, ainda, almoço com 30 representantes de grandes grupos de investidores financeiros como Pimco, Goldman Sachs, JP Morgan e Nomura. Juntas, as empresas gerenciam fundos em dezenas de países que atingem cifras de U$ 14 trilhões, valor sete vezes maior do que o Produto Interno Bruto do Brasil. O objetivo era o de reconquistar a confiança desses investidores. Temer tentou relativizar a crise política e econômica do País e chamou de “alegria cívica” as manifestações populares que tomam as ruas para pedir a saída da presidente Dilma Rousseff. A ida do presidente da Câmara, Eduardo Cunha para a oposição foi chamada de uma “crisezinha política”, que, segundo Temer, não interfere na instabilidade institucional. “Na verdade, até uma crisezinha política existe, mas crise institucional é que não existe. Esses acidentes ou incidentes que acontecem de vez em quando não devem abalar a crença no País”, disse, para logo em seguida afirmar que se vier a ocupar o governo não abrirá mão do ministro Joaquim Levy.
A maior visibilidade ao pragmatismo político de Temer se deu exatamente na semana em que foi constatada a impopularidade recorde da presidente Dilma. Na terça-feira 21, pesquisa CNT/MDA apontou que o governo tem a pior avaliação registrada desde 1999. Dilma Rousseff tem apenas 7,7% de avaliação positiva dos brasileiros. Em março, o percentual era de 10,8%. A queda demonstra a resposta das ruas ao desgaste sofrido pelo governo devido às denúncias de corrupção, flagrantes de irregularidades, falhas na administração pública e alta inflacionária. De acordo com a pesquisa, 70,9% dos entrevistados consideram o governo ruim ou péssimo. A pesquisa questionou, também, a opinião dos brasileiros em relação a um pedido de impeachment de Dilma. A saída da presidente foi apoiada por 62,8% dos consultados.
Os números negativos do governo e a radicalização política em torno do afastamento de Dilma exigem que o País seja pacificado. É nessa direção que o desafio de manter a governabilidade se impõe. Em outro momento emblemático da história do Brasil, na esteira do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, a celebração de um pacto nacional foi necessária para restaurar a tranquilidade institucional e fazer o País voltar a andar. A condução desse processo, na ocasião, coube ao vice de Collor, Itamar Franco. Em dezembro de 1992, Itamar convocou uma reunião com todos os líderes e presidentes de partidos e estabeleceu um governo de unidade nacional. Os frutos seriam colhidos mais adiante, em 1994, com a criação do Plano Real, que proporcionou a estabilidade da moeda e o fim da inflação. As duas conquistas foram fundamentais para abrir caminho para as políticas de distribuição de renda e inclusão social – iniciadas nos governos de FHC e aprimoradas nas gestões de Lula.
A fama de pacificador atribuída a Michel Temer remonta ao início da década de 90. Em 1992, ele assumia a Secretaria de Segurança de São Paulo, depois de ser procurador-geral do Estado, com uma missão das mais espinhosas: a de tentar resolver a profunda crise no setor ocasionada pela chacina dos presos do Carandiru. Em seu primeiro ato como secretário, Temer convocou a sociedade civil para participar da política de segurança. Arejou o gabinete. Recomendou à secretária que marcasse quantas audiências fossem necessárias por dia, mesmo que ele tivesse que madrugar em sua sala de trabalho. Pela primeira vez, representantes de entidades ligadas aos direitos humanos conquistaram assento no Conselho da Polícia Civil. O cenário encontrado por Temer na secretaria de Segurança Pública era desolador. Registrava-se 1421 mortes de civis em conflitos com a PM. Para alterar o quadro, reforçou as corregedorias e ordenou que agentes envolvidos em crimes contra civis fossem deslocados para áreas administrativas, depois de passarem por exames psiquiátricos. Em um ano, reduziu drasticamente as mortes para não mais que 350. Ganhou o respeito da população e a admiração da tropa. 23 anos depois, Temer se considera mais maduro, viu sua liderança extrapolar os limites do Estado de São Paulo, mas continua a apostar em uma arma fortíssima para romper as resistências: o diálogo. Arma essa que parece não existir no arsenal da presidente Dilma Rousseff.
Os empreiteiros...e os políticos
A Operação Lava Jato atingiu seu ponto de ebulição, na semana passada, com a condenação, pela Justiça Federal do Paraná, de três ex-integrantes da cúpula da empreiteira Camargo Corrêa. Dalton Avancini e Eduardo Leite – então presidente e vice, respectivamente – foram sentenciados a 15 anos e 10 meses de prisão. João Ricardo Auler, que presidiu o conselho de administração da companhia, pegou 9 anos e seis meses de cadeia. Como Avancini e Leite fizeram delação premiada, poderão cumprir a pena em regime domiciliar. Foi uma sentença dura e exemplar. A primeira contra o grupo de empreiteiros que integrou o chamado “clube do bilhão”. Eles acertavam preços em licitações da Petrobras, superfaturavam obras e desviavam recursos para pagar políticos. Os empreiteiros condenados também terão de pagar multa de R$ 50 milhões.
A punição contra os corruptores jogou ainda mais lenha na fogueira das investigações do Petrolão, alimentando novas críticas dos advogados dos executivos que se queixam da diferença da condução dos processos na Justiça Federal em Curitiba em relação ao trâmite no Supremo Tribunal Federal. Para a defesa dos investigados, o açodamento na prolação das sentenças decorreria de vícios do processo, com restrição de direitos dos réus, prisões preventivas e uso de delações como instrumento de prova. Se para os advogados o Supremo é mais cauteloso, para os investigadores é apenas “lento”. Seja como for, a Justiça deve ser isonômica. Mas, por enquanto, os políticos – considerados os beneficiários finais do esquema – parecem desfrutar de um privilégio, embora aleguem que não deveriam ser condenados com base apenas nas afirmações dos delatores. Foro privilegiado não deveria significar excesso de direitos aos políticos que os detém por lei. O que deveria mudar é tão somente a instância de julgamento, não a maneira como tratar os seus processos. Não é o que aparenta até agora.
Essa diferença ficou evidente no pedido de indiciamento de Marcelo Odebrecht, dono da maior construtora do País. Em relatório preliminar, a Polícia Federal acusou o executivo de obstrução à Justiça, corrupção e lavagem de dinheiro, com o pagamento de propina a executivos da Petrobras no exterior. Além disso, a PF anexou ao documento o conteúdo de inúmeras mensagens obtidas no celular de Marcelo, em que são citados nomes de políticos do mais alto escalão da República associados a repasses de valores de propina. Há até menção à existência de recursos de uma conta na Suíça que teriam sido usados para bancar a campanha de reeleição de Dilma Rousseff em 2014. Fatos gravíssimos que deveriam ser apurados imediatamente pelo procurador-geral Rodrigo Janot. Se Janot arquivou o pedido de investigação de Dilma baseado na delação de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, sob a alegação de que os fatos mencionados por ele eram anteriores ao mandato presidencial, agora tal argumento já não seria cabível. O executivo da UTC, Ricaro Pessoa, já havia envolvido a campanha de 2014 de Dilma no Petrolão em seu depoimento. Pessoa afirmou ter sido pressionado por emissários do governo a doar R$ 7,5 milhões para a campanha à reeleição. Caso contrário, contratos firmados por ele com a Petrobras correriam risco. E, agora, Janot? A PF ainda tenta decifrar as mensagens de Marcelo, repletas de códigos e siglas. Dependendo do contexto, elas podem ter efeito devastador sobre as já investigadas contas eleitorais de Dilma. O uso na campanha de dinheiro vindo do exterior pode, em último caso, levar à cassação do mandato da presidente.
No início do mês, o doleiro Alberto Youssef revelou em mais um depoimento ter sido procurado por um emissário do PT para trazer do exterior R$ 20 milhões. Agora, a PF pode ter encontrado outro indício na mesma direção. Em uma das mensagens no telefone de Marcelo Odebrecht o empresário alerta: “Dizer do risco da cta suiça chegar na campanha dela”. Há também mensagens que remetem à campanha do prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e outros políticos como Fernando Pimentel, governador de Minas e José Serra, senador tucano. Os ministros Aloizio Mercadante e Edinho Silva também são mecionados. Com base nos achados da PF, Moro deu prazo até segunda-feira 27 para que a defesa de Marcelo Odebrecht esclareça todas as menções a políticos, assim como as supostas operações bancárias no exterior e repasses para campanhas eleitorais. Na sexta-feira 24, o juiz decretou nova prisão de Marcelo e diretores da Odebrecht, agora sob a acusação de que seriam os operadores de contas na Suiça que abasteceram o Petrolão. Os políticos que teriam se favorecido com essas operações permanecem em liberdade. São fatos como estes que caracterizam o qiue os advogados tratam como dois pesos e duas medidas nos processos da Lava Jato.
Enquanto isso, em Brasília, exibindo um rito distinto, quem pediu explicações a Sérgio Moro foi o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF. Atendendo a uma reclamação formal do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, Lewandowski determinou a Moro que não profira sentença até prestar esclarecimentos sobre o ocorrido durante depoimento de Julio Camargo, delator que citou Cunha como beneficiário de uma propina de R$ 5 milhões em contratos de navios-sonda. Moro tem dez dias para explicar porque não suspendeu o depoimento de Camargo quando este citou o parlamentar, que só pode ser julgado pelo Supremo. Em suas alegações, o peemedebista acusou o juiz da 13ª Vara de Curitiba de usurpar a competência do STF. Moro rebateu alegando que não pode “silenciar testemunhas ou acusados na condução do processo”. O depoimento do delator corroborou acusações feitas anteriormente pelo doleiro Alberto Youssef. Camargo disse que foi abordado por Cunha de forma amistosa, dizendo-se “merecedor de 5 milhões de dólares”, em referência a um suposto débito do executivo da Setal com o lobista Fernando Baiano, ligado ao PMDB. No mesmo depoimento, Camargo explicou que não falou antes sobre a propina de Cunha com medo de retaliações a sua família. O peemedebista reagiu com fúria às acusações, atribuindo-as à uma manobra política do governo Dilma para desqualificá-lo. Decidiu então romper com o governo e amplificou a crise.
Petrolão no exterior
Empreiteiras que negociam acordos de leniência com a CGU revelam pagamento de propina em obras de hidrelétricas no Peru e na Nicarágua. Um dos empreendimentos só andou depois da promessa de doação para campanha da Dilma em 2014
Interessadas no perdão administrativo do governo para continuar firmando contratos com o poder público, empresas que negociam acordos de leniência com a Controladoria-Geral da União (CGU) já ofereceram preciosas informações sobre o esquema de desvio de verbas em obras fora do País envolvendo empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato. Segundo relatos de executivos da UTC e da Engevix à CGU, integrariam o braço internacional do Petrolão um empreendimento da Queiroz Galvão em parceria com a Eletrobrás na Nicarágua - a hidrelétrica de Tumarín, que começou a sair do papel este ano - e o projeto da usina de Inambari, no Peru, de responsabilidade da OAS. Seguindo modo de operação já identificado pela Lava Jato, as duas obras teriam sido negociadas com superfaturamento de preços a fim de garantir margem suficiente para o pagamento de propina a políticos.
A hidrelétrica da Nicarágua foi orçada inicialmente em U$S 800 milhões e já custa U$S 1,1 bilhão. O BNDES entrou com U$S 342 milhões do total da obra. A negociação entre o governo nicaraguense e a Queiroz Galvão se estendeu por dois anos. Os representantes do poder público não concordavam com os termos apresentados pela empreiteira. O conflito só teria sido foi resolvido, de acordo com informações prestadas por representantes da UTC e Engevix, graças à intervenção direta da presidente Dilma Rousseff, em março de 2014. A participação do governo brasileiro na solução da questão ocorreu - segundo relato dos mesmos emissários das empresas que buscam o acordo de leniência - após a empreiteira ter se comprometido a fazer uma doação de campanha ao PT. O diretório da legenda e a campanha de Dilma receberam R$ 6,5 milhões da Queiroz Galvão em 2014.
As irregularidades em consórcios do setor elétrico formados por empreiteiras do clube da Lava Jato e estatais brasileiras no exterior são, por enquanto, a única contribuição às investigações que a delação no âmbito empresarial produziu. No acordo de leniência, as empresas pleiteiam perdão administrativo e não têm motivos para produzir novas provas contra si. A confissão de crimes ainda não detectados pode ser administrativamente perdoada pela CGU, mas outras instâncias têm poder de investigar as irregularidades relatadas no âmbito da leniência. Por isso, na maior parte dos casos, as empresas têm informado superfaturamento em obras já pagas ou concluídas, situações que do ponto de vista de preservação dos cofres públicos acrescenta muito pouco. Informações sobre investimentos internacionais com vícios do esquema de corrupção, porém, podem livrar as empreiteiras de investigações internas e agradaram à equipe responsável pelos acordos. Os empreendimentos energéticos ainda estão em fase inicial e podem ajudar o País a poupar milhares de reais que abasteceriam outra modalidade do Petrolão.
A Engevix tenta costurar um acordo com a CGU desde março. Na semana passada, foi a vez da UTC propor à controladoria adesão aos termos da leniência. Ambas participaram de consórcios de empreendimentos no Peru e têm informações sobre os bastidores das negociações que envolvem a construção da hidrelétrica de Inambari e de Tumarín, na Nicarágua. O projeto da OAS se arrastava por causa de questões ambientais peruanas, mas no ano passado o governo assumiu as conversas para destravar o empreendimento que receberá investimentos de U$S 4 bilhões.
O setor jurídico da Eletrobrás está preocupado com o avanço das investigações no ramo de energia. Como a estatal está presa às empreiteiras investigadas pela Lava Jato por cláusulas contratuais, advogados buscam elementos para enquadrar o comportamento das empresas em ações que configurem quebra de ética empresarial para revisar consórcios já formados em outros países. Apesar de a estatal do setor elétrico estar se protegendo para evitar continuar projetos com empreiteiras envolvidas na Lava Jato, a direção da Eletrobrás foi diretamente citada nas investigações da Polícia Federal. O depoimento de delação premiada do dono da UTC, Ricardo Pessoa, colocou o diretor da Eletrobrás, Valter Cardeal, no centro das investigações. Pessoa afirmou que ele cobrava doações de campanha em troca de acertos contratuais.
A oposição tentou, na última semana, convocar Cardeal para prestar esclarecimentos na Comissão de Minas e Energia, mas a base do governo conseguiu evitar o comparecimento do diretor da Eletrobrás. Em março, quando ainda estava na base de apoio do governo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atendeu pedido do Planalto e barrou a instalação da CPI do Setor Elétrico. Agora, oficialmente rompido com o Planalto, Cunha sinaliza que pode apoiar a criação da CPI. A julgar pelas informações repassadas pelos diretores da UTC e Engevix a autoridades da CGU, a investigação promete ser mais um motivo de preocupação para o governo da presidente Dilma Rousseff.
As opções a Janot
Para proteger as investigações da Lava Jato, o Ministério Público apresenta nomes alternativos ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, temendo possível rejeição no Senado ao seu nome
Diante do temor de que a recondução de Rodrigo Janot à Procuradoria-Geral da República seja rejeitada pelo Senado, o Ministério Público apresenta novas alternativas a presidente Dilma Rousseff – a quem cabe decidir, a partir de uma lista tríplice, o nome do futuro chefe dos procuradores. São elas: os subprocuradores-gerais Carlos Frederico Santos, Mario Bonsaglia e Raquel Dodge. Santos está no Ministério Público Federal desde 1991 e é considerado, entre os três, o opositor mais ferrenho ao atual procurador. Ele já foi procurador-chefe da Procuradoria da República no Amazonas e em Roraima. Já Raquel Dodge ganhou notoriedade por ter denunciado 38 pessoas investigadas na Operação Caixa de Pandora. Ela atua na área criminal e é considerada oposição moderada à atual gestão. Mais próximo de Janot aparece Bonsaglia, também membro do MPF desde 1991. Procurador regional da República, em São Paulo, ele é considerado alinhado com as ideias do atual procurador-geral. Representaria o voto pela continuidade.
A eleição interna acontecerá no próximo dia 5 de agosto e os três nomes mais bem votados serão submetidos a presidente Dilma. Apesar de não ser obrigatório, os últimos presidentes têm mantido o ritual de indicar o nome que reúne o maior número de votos para ocupar o cargo. Depois, o indicado passará por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, na sequência, pela apreciação no plenário da Casa.
Atualmente, nove dos 27 senadores titulares vêm sendo investigados pela Procuradoria-Geral. O senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB –RJ), figuram entre os principais desafetos de Janot. O clima hostil no Congresso se intensificou depois da deflagração da Operação Politeia, que implicou além de Collor os senadores Fernando Bezerra Coelho (PTB-PE) e Ciro Nogueira (PP-PI). Em sessão do dia 14 de julho, Collor fez um contundente discurso contra Janot e recebeu o apoio de Renan, também enredado na Lava Jato. “Repudio a aparatosa operação policial. Fui submetido a um atroz constrangimento”, declarou na tribuna. O fato de o voto ser secreto joga ainda mais contra a recondução de Janot. Segundo um parlamentar influente no Congresso, o procurador “cutucou onças com vara curta” e corre risco real de ter seu nome rejeitado, caso seja indicado por Dilma.
Não convenceu
Defesa do Planalto abusa de artifícios retóricos e mantém a tendência de reprovação das contas de Dilma no TCU
Na noite de quarta-feira 22, o governo entregou sua defesa no processo das pedaladas fiscais em tramitação no Tribunal de Contas da União. Buscando evitar a rejeição de suas contas de 2014, que pode levar a uma ação por crime de responsabilidade, a presidente Dilma Rousseff recorreu a ginásticas retóricas, em 1.013 páginas de texto, para tentar convencer os ministros da corte que não contrariou a lei ao manobrar o orçamento a fim de distorcer a dura realidade contábil do governo. As impressões iniciais dos ministros não foram nada boas. Conforme apurou ISTOÉ, a tendência de reprovação das contas de Dilma está mantida no julgamento que deve ocorrer na segunda quinzena de agosto. No plenário do TCU, o governo pode até perder por unanimidade, já que, segundo ministros ouvidos por ISTOÉ, o Planalto não foi capaz de derrubar os principais pontos que sustentaram o voto produzido pelo ministro José Múcio. Considerado impecável pelo tribunal, o texto serviu de base para o relatório do colega Augusto Nardes, para quem a presidente ao lançar mão das pedaladas fiscais praticou uma afronta à lei de responsabilidade fiscal.
No calhamaço entregue ao TCU pelo advogado-geral da União, Luis Adams, o principal argumento de Dilma para explicar as manobras fiscais foi que a mesma estratégia teria sido adotada nos governos de Fernando Henrique Cardoso e em administrações estaduais sem que nenhum gestor fosse penalizado. A alegação foi considerada frágil. O Planalto também tentou descaracterizar as manobras feitas em 2014 como “operações de crédito”, tese esta já bastante debatida e derrubada pelos ministros do TCU anteriormente. A defesa de Dilma sustenta que os bancos públicos não emprestaram dinheiro à União, e sim prestaram um “serviço” ao pagar as despesas do governo. Segundo um ministro ouvido por ISTOÉ, não há menor chance de essa ideia prosperar. Já o argumento da Presidência contra os indícios de desrespeito à lei de Responsabilidade Fiscal resume-se a um princípio do direito. “Se não está explicito na lei, não é crime”. Na defesa encaminhada ao TCU, o governo alega que até hoje o Senado não definiu critérios do marco legal da LRF e por isso “não há parâmetro juridicamente válido” para determinar se as pedaladas fiscais ferem as regras. Talvez esse seja o trecho mais polêmico do documento e que pode render discussão na corte.
Na quinta-feira 23, Augusto Nardes pediu urgência para a análise da defesa do governo. A tendência é que as contas sejam apreciadas em plenário na semana seguinte aos protestos organizados por movimentos em favor do impeachment, marcado para 16 de agosto.
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