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segunda-feira, 27 de julho de 2015

O Estado Fascista do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

O Estado Fascista do Brasil

 Colunas Dom Total, 16/07/2015

O fascismo, reduzido à sua expressão mais simples, é quando o Estado manda em você, e você sequer tem consciência disso, uma vez que tal interação passa quase despercebida, já foi embutida pela sociedade. O contrário do fascismo é, obviamente, uma sociedade libertária, onde cada um usa de seu livre arbítrio para guiar-se na vida e nas atividades cotidianas. Tomados nesse entendimento ideal-típico mais simples possível, é claro que ambos os conceitos não expressam nenhuma sociedade concreta, nossa contemporânea, mas eles podem ajudar a situar os casos nacionais num ou noutro extremo desse espectro que leva do fascismo explícito ao libertarianismo utópico. Em outros termos, uma sociedade será tanto mais fascista, ou tendencialmente libertária, quando os comportamentos típicos dos indivíduos se aproximarem do inferno dirigista a cargo do Estado, ou da mais plena liberdade pessoal, sem interferência estatal.

Sem adentrar na consideração de abstrações sociológicas, pode-se tentar extrair exemplos de como as sociedades se situam em torno de um ou outro modelo de organização social. Tomemos os casos típicos dos Estados Unidos e do Brasil, e mesmo, numa configuração mais ampla, o das sociedades anglo-saxãs, de um lado, e o das sociedades latino-americanas, de outro, estas uma extensão do molde ibérico original. Qualquer pessoa sensata reconheceria que os EUA se aproximam bem mais do modelo libertário do que modelo fascista, e que, inversamente, o Brasil é um típico caso de corporatismo, ou seja, um clássico modelo tendencialmente fascista.

Exemplos abundam, num e noutro sentido. Vou tentar ficar em casos práticos, da vida diária, e que portanto influenciam o modo de vida, para melhor ou para pior, de milhões de pessoas. Sabe-se, por exemplo, que normas industriais são padrões adotados pelas indústrias para facilitar o uso e a disseminação de bens de consumo durável que possam gozar de ampla aceitação entre os consumidores, como uma tomada elétrica de parede, utilizável indistintamente para os mais diferentes aparelhos. As normas são adotadas progressivamente e voluntariamente pelas indústrias, e passam a ser, a partir de certa extensão de aceitação e uso, um componente da vida diária ao qual sequer se presta atenção. Já as regulações são típicos decretos estatais que impõem, por via de um instrumento legislativo, o uso exclusivo e obrigatório de um determinado padrão, estabelecido burocraticamente, e não por livre disposição das indústrias.

No caso das já citadas tomadas elétricas, é sabido, também, que o Brasil, depois de conviver durante décadas com a mais simples tomada, a de dois furos redondos (de acordo com normas industriais de corrente elétrica estabelecidas naturalmente ao longo de toda a história da indústria elétrica), passou a adotar a famosa tomada de três pinos, nas quais o terceiro se referia ao pino de segurança (ou de aterramento), e que os dois redondos originais foram complementados por fissuras verticais chatas, aproximando-se do padrão típico em uso universal nos EUA.

Pois bem, essa norma adaptada ao Brasil pelo seu caráter praticamente universal, foi alterada anos atrás pela imposição de um novo padrão, uma regulação absolutamente exótica determinada pelo Inmetro como de uso compulsório pelas indústrias consistindo de três pinos redondos em linha, mas com o central em superposição, formando um pequeno arco. Os leitores já pararam para pensar nos custos imensos, impossíveis de serem mensurados, mas se situando na casa das centenas de bilhões de reais (traduzidos nos orçamentos familiares e empresarias de 200 milhões de brasileiros e de centenas de milhares de empresas), que resultaram dessa imposição absolutamente fascista do Estado brasileiro? A totalidade da população sofreu com a medida, que, por outro lado, deu benefícios e lucros fantásticos, até hoje, às poucas dezenas de milhares de empresas que se dedicam à fabricação de tomadas de aparelhos e de parede (e de adaptadores, claro).

Eu poderia multiplicar os exemplos do mesmo tipo, como o fato de, por determinação da Anvisa, as farmácias terem sido proibidas de comercializar produtos típicos de padaria, como chicletes e refrigerantes. Qual grave atentado à saúde dos consumidores adviria da liberdade concedida às farmácias de comercializarem quaisquer produtos que são normalmente encontrados nas padarias? Penso, penso, e não encontro nenhum motivo sensato para justificar a medida, a não ser o comportamento tipicamente fascista dos burocratas da Anvisa. Que tal o comportamento dos burocratas da Ancine, impondo cotas obrigatórias de exibição de filmes nacionais, se substituindo autoritariamente às preferências dos frequentadores das salas de cinema? Para mim, isso é típico do fascismo ambiente no Brasil.

A diferença básica entre as sociedades anglo-saxãs e as ibéricas é que, nas primeiras tudo o que não estiver formalmente proibido na legislação está ipso facto liberado para a iniciativa privada dos indivíduos, ao passo que nas segundas tudo o que não estiver devidamente autorizado pelo poder público está automaticamente proibido aos particulares. Esta é a diferença entre a liberdade e o fascismo. Pense nisso, caro leitor, na próxima vez que for à farmácia, usar algum aparelho elétrico ou sair para ir ao cinema. Veja o que está acontecendo com a plataforma Uber, uma simples atualização tecnológica das relações contratuais entre motoristas e passageiros. Lamente viver em um Estado fascista.

Paulo Roberto de Almeidaé doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984). Diplomata de carreira desde 1977, exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior. Trabalhou entre 2003 e 2007 como Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Autor de vários trabalhos sobre relações internacionais e política externa do Brasil.

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