Um legado de desunião
O que foi feito do Brasil e o que cabe fazer no Brasil
Paulo Roberto de Almeida
O Brasil de 2014 se
apresentava como um país profundamente dividido quando ele começou a sentir os
primeiros efeitos da crise autoconstruída que se manifestaria com especial
acuidade em 2015. Mas o Brasil de 2013 também já tinha sido dividido, assim como
o mesmo Brasil dos anos anteriores, recuando no tempo até treze anos atrás aproximadamente.
Foi naquele momento que o país começou a ser formalmente dividido em categorias
sociais distintas – retoricamente separado entre “eles” de um lado, “nós” do
outro – numa caracterização totalmente artificial, mas que valia de discurso
político em diferentes circunstâncias, não apenas nas conjunturas eleitorais.
Esse tipo de discurso, na
verdade, vigorava desde antes de 2003, mas passou a ser exercido em toda a sua
exuberância a partir desse ano, quando chegou ao poder o partido salvacionista,
maquiavelicamente envelopado na falsa retórica da “esperança que venceu o medo”.
O discurso da separação era tradicional no partido segregacionista, na
agremiação da luta de classes, no movimento maniqueísta que pretendia o resgate
da profunda desigualdade social que sempre dividiu o país desde tempos
imemoriais.
O discurso da separação
exibia certa legitimidade, já que tinha fundamento nos dados da realidade
brasileira, mas nas fileiras do partido segregacionista o argumento era defendido
com ódio, com despeito, com desejos de vingança, mas sobretudo com a decisão de
integrar um projeto de poder. Assim foi feito, e o Brasil mudou. Mudou para
melhor? Talvez, pelo menos no plano da distribuição de alguns benefícios
monetários a contingentes consideráveis de brasileiros desfavorecidos, não
necessariamente porque eles constituíssem um exército de necessitados
absolutos, mas porque eram uma parte assessória, mas importante, do mesmo
projeto de poder.
O Brasil chegou a 2015
menos dividido do que se esperava, uma vez que parte considerável da cidadania
decidiu romper com a mística fraudulenta da separação dos brasileiros entre
“nós” e “eles”, ainda que para isso tenham contribuído duas crises simultâneas:
a econômica, derivada dos equívocos acumulados por uma gestão particularmente
inepta dos assuntos econômicos, e a política, que dela emergiu por que a
sociedade que despertou do pesadelo da fraude separatista levou lideranças
políticas a divergirem do partido hegemônico, convertido em partido das
minorias. O legado de desunião semeado durante anos pelo partido segregacionista
ainda produz efeitos no país, mas já não tem o poder de paralisar a cidadania e
de determinar a agenda política. Ele sempre foi incapaz de unir, mas escondia
esse fato sob a coberta do resgate social, que lhe serviu durante anos como
retórica de legitimidade política. Isso agora acabou.
O Brasil de 2015 tem de
recompor seu discurso político, seu tecido social, e as bases de funcionamento
da governança, a começar pela restauração dos fundamentos econômicos que o
coloquem novamente no caminho do crescimento, depois do imenso descalabro
provocado pela inépcia dos segregacionistas. Não será uma tarefa fácil, nem
pelo lado da eliminação dos desequilíbrios e desajustes econômicos, nem pela
correção dos fundamentos morais da governança política, profundamente abalada
pela gigantesca fraude causada por um partido composto por dirigentes
eticamente delinquentes, e que ainda têm contas a ajustar com a justiça, mas
sobretudo com a história.
O que falta fazer no
Brasil é a recuperação do sentido moral da atividade política e a restauração
da crença cidadã numa governança responsável. Para que isso seja feito, os
anões morais precisam ser afastados do poder e banidos da política, abrindo
espaço a que novas lideranças possam reconstruir o país segundo princípios que
já figuram em sua carta maior, mas que foram vilmente ignorados e vilipendiados
pelos delinquentes políticos que assaltaram o poder treze anos atrás. Os
brasileiros estão prontos para banir a retórica da desunião, o discurso da
separação, o apelo ao ódio de classes sociais e as falsas divisões regionais. A
quase totalidade da cidadania disso já se convenceu: ela vai dar o empurrão
final na classe política para que esta cumpra o seu dever.
A longa travessia do
deserto dos homens e mulheres de bem, dos cidadãos simplesmente sensatos, está
próxima do final. Um último esforço e o Brasil vai conseguir superar o legado
da desunião.
Assim espero...
Em voo, Atlanta-Brasília, 2839: 7 de julho de 2015, 2
p.
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