Transcrevo, tal como recebi do Professor David Fleischer, da UnB:
Date: Monday, August 31, 2015, 10:35 PM
Repassando :De: Jorio
Dauster, embaixador e ex-presidente da Vale
Amigos,
Inconformado com o debate em curso sobre as saídas
para a crise política, exponho abaixo uma solução 100 por cento democrática
porque respeita a legitimidade dos votos dados em outubro passado à presidente
Dilma Rousseff mas devolve ao povo a decisão de mantê-la ou não até o fim do
mandato.
Agradeço seus comentários e peço que, se concordarem
com a ideia, a passem aos amigos. Abraços,Jorio Dauster
Para todos nós, a palavra “recall” traz à mente o
pedido público de devolução feito pelo fabricante de um produto defeituoso a
fim de que possam ser sanadas falhas que podem até representar risco de morte.
Poucos sabem, contudo, que o mesmo termo tem longa tradição jurídica,
significando a revogação do mandato de políticos através da manifestação direta
dos eleitores. Esse mecanismo de democracia participativa soma-se ao
plebiscito, ao referendo e à iniciativa popular, sendo também conhecido como
“voto destituinte”. Originado na Grécia, esse instrumento de manifestação da
vontade popular está inscrito na constituição de alguns países (inclusive na
Venezuela), mas tem sua aplicação mais intensa nos estados norte-americanos,
onde já serviu para derrubar dois governadores e inúmeros ocupantes de cargos
eletivos, inclusive prefeitos. Interessante observar que algumas de nossas
primeiras constituições estaduais republicanas adotaram tal mecanismo, como as
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Goiás. Mais recentemente, registram-se
algumas propostas de emenda constitucional no Senado que cuidam do recall além
de outras matérias, em especial as PECs 80/03, 73/05 (de autoria do ex-senador
petista Eduardo Suplicy), 8/2015 (senador Reguffe) e 21/2015 (senador Antonio
Carlos Valadares).
O recall político pode levar à destituição do
Presidente da República assim como o impeachment, mas dele se distingue por não
exigir uma acusação criminal, bastando a perda de confiança da maioria dos
eleitores no mandatário diante de sua inépcia ou incapacidade de governar. Por
outro lado, enquanto o impeachment é decido pelo Legislativo, no recall ocorre
a plena expressão da vontade popular. O que se tem hoje no Brasil seria um
caso típico de uso do recall: as pesquisas de opinião assinalam profunda
rejeição do Presidente da República e do partido que a apoia; manifestações de
rua reivindicam a mudança de comando inclusive por meios totalmente
inaceitáveis numa democracia madura; a base de apoio parlamentar do governo se
esfacela, gerando um clima de anomia institucional e potencializando a já grave
crise econômica.
Em contraste, como é natural até mesmo por seu
espírito combativo, a Presidente se diz disposta a resistir ás pressões e
invoca sua legitimidade com base nos 54 milhões de votos que recebeu em outubro
passado, enquanto o PT recorre às surradas teses da conspiração da direita
mancomunada com a imprensa “monopolista”. Não obstante, enquanto o povo
brasileiro aplaudiu o impeachment de Collor pela evidência da corrupção que
entrara até pelos portões da Casa da Dinda, é extremamente improvável que se
encontre um malfeito pessoal de Dilma Rousseff, com o que seu afastamento da
presidência, eliminada a hipótese também improvável da renúncia, haveria que
basear-se no crime de responsabilidade fiscal
caso o TCU rejeite suas contas.
Embora formalmente válida, tal acusação teria o grave
defeito político de ser de difícil compreensão por grande parte do eleitorado,
para o qual as tecnicalidades das “pedaladas” poderiam soar como meros
pretextos dos donos do poder. Consequentemente, a eventual destituição de Dilma
Rousseff por um impeachment fundamentado em regras de difícil entendimento,
sobretudo conduzido por um Parlamento que também não conta com a aprovação de
largas camadas da população, tenderia a gerar conturbações sociais e criar a
figura de mártires políticos com uma sobrevida política que hoje não
possuem. A solução 100% democrática para esse dilema estaria na adoção do
instituto do recall mediante a aprovação em regime de urgência de uma PEC que
simplificasse as propostas anteriores e se concentrasse exclusivamente na
revogação dos mandatos de Presidente da República e governadores.
A realização da consulta popular poderia basear-se em
decisão do Congresso Nacional, por voto qualificado de 3/5 dos senadores e
deputados em dois turnos de votação (similar à da adoção de reformas
constitucionais), e/ou por iniciativa popular, seguindo os preceitos do art. 13
da lei 9.709/1998 (subscrição por, no mínimo, um por cento do eleitorado
nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três
décimos por cento dos eleitores de cada um deles). Essa segunda via, da
iniciativa popular, é de fato a mais saudável, pois poderia, inclusive,
promover uma mobilização efetivamente democrática em substituição aos protestos
desorganizados de rua, com altos índices de risco social e pequena eficácia
política. Havendo vontade política e uma boa dose de bom senso, seria
perfeitamente possível que em janeiro de
2016, tendo a presidente completado um ano de mandato e após longo período de reflexão nacional, os eleitores
voltassem às urnas para dizer, por maioria absoluta, se querem ou não confirmar
a escolha que fizeram catorze meses antes. Sem traumas e sem cheiro de golpe
graças à livre manifestação da vontade popular. Ou, no linguajar futebolístico
tão em voga no país, decidindo a parada no gramado e não no tapetão.
Jorio Dauster, embaixador
e ex-presidente da Vale
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