Segundo elas, a diplomacia não pode ser considerada exempta das políticas de Estado, como se os diplomatas e o Itamaraty pairassem acima do governo, e fossem indiferentes à sorte (e às opções) do governo, ou dos governos, que são os entes concretos que dão sentido e materialidade à tal de "política de Estado" que elas acreditam não existir fora das políticas de governo.
Os diplomatas seriam assim traidores ao governo, se pretendem colocar-se à margem, ou acima, como prefeririam provavelmente os diplomatas, dessas disputas mesquinhas da política partidária, ou seja, do mundo real.
Compreendo que elas estejam incomodadas em que o Itamaraty não conduza uma defesa mais enfática do governo, mas vamos ser claros. Elas não estão pretendendo que o Itamaraty defenda políticas de governo na área externa; elas estão provavelmente pretendendo que o Itamaraty defenda o governo de acusações internas de malversação de recursos públicos de um suposto "golpe" que estaria sendo perpetrado por uma oposição derrotada nas urnas, sem motivos reais, e portanto o Itamaraty deveria estar propagando a tese do "golpe" no contexto externo, nos órgãos regionais (quase todos dominados por bolivarianos) e nos foros internacionais.
Compreendo a frustração de duas engajadas na tal de diplomacia ativa e altiva, cuja principal característica foi implementar uma danosa diplomacia Sul-Sul, defender ditaduras de todos os quilates, sobretudo as da própria região, e tornar obscuros vários eventos nos quais essa diplomacia foi involuntariamente envolvida (Bolívia, Venezuela, Cuba, Angola, Honduras, e outros mais), e distorcer completamente as principais prioridades da anterior política externa, como uma integração regional baseada não na fantasmagoria da integração social, mas nos objetivos bem claros desses processes: abertura econômica e liberalização comercial.
Ninguém há de negar, atualmente, que o Brasil esteja enfrentando a mais grave, a maior, a mais danosa crise econômica, política, moral, de toda a sua história, e a diplomacia dos governos lulopetistas também foi responsável pela diminuição do prestígio da nossa diplomacia, isso desde o início, mas principalmente nesta atual gestão desastrosa.
Logo depois que o Brasil votasse contra, na ONU, a resolução rejeitando a invasão russa na Crimeia, um embaixador europeu de importante país disse que, se o Brasil ainda tinha a esperança de ser admitido num CSNU renovado e ampliado, com essa opção, ele podia esquecer essa pretensão. Eu apenas diria que não foi o Brasil que votou a favor da Rússia, e contra o direito internacional, nem o Itamaraty. Foi o governo, e mais exatamente o seu partido. Mas, como sempre, os companheiros confundem partido e governo.
As professoras também devem achar que partido do governo deve poder implementar as suas políticas partidárias, qualquer que seja a postura da diplomacia profissional.
É contra isso, justamente, que um serviço profissional deve se posicionar, expressando sua postura baseada em critérios de interesse nacional (que elas acreditam que são muito difusas, para serem consideradas) e de direito internacional.
Paulo Roberto de Almeida
Diplomacia
Itamaraty e o impeachment: equidistância pragmática?
O que significa a escolha por uma postura "rigorosamente institucional"
da cúpula diplomática com relação ao processo de afastamento de Dilma
Rousseff
por Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais
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publicado
29/04/2016 17h32
Xavier Granja Cedeño
Por Leticia Pinheiro e Maria Regina Soares de Lima
Carta Capital, 29/04/2016
Com destaque na mídia nacional, circulou a notícia de que o Itamaraty pretendia adotar uma "postura rigorosamente institucional" com relação ao processo em curso de impeachment da Presidente Dilma.
Traduzida pelo próprio articulista, esta postura implicaria que a
cúpula diplomática não iria "denunciar um 'golpe' no exterior".
Tal comportamento não constitui surpresa para quem acompanha a
política externa tendo em vista o tradicional apego daquela instituição
ao princípio da "não ingerência" em assuntos domésticos até hoje
aplicado, até onde se tem notícia, a eventos na esfera internacional.Sua aplicação ao campo doméstico do próprio Brasil revela uma narrativa também tradicional na casa de Rio Branco de considerar a política externa como uma política de Estado e não de governo. Quais as implicações desta crença?
Em primeiro lugar, cabe sublinhar que, diferentemente do suposto que ancora este entendimento, afirmamos que toda política de Estado nasce como política de governo. E, da mesma forma que esta transformação se deve a um processo político, assim será sua eventual negação como política de Estado.
Dito isto, a primeira e mais óbvia implicação desta crença equivocada de que a política externa estaria vinculada a interesses nacionais autoevidentes e/ou permanentes, é o Itamaraty se colocar em um lugar muito particular na estrutura institucional e política brasileira, acima da "pequena política" dos partidos e dos grupos de interesse.
E, por extensão, desconsiderando que no regime presidencialista e democrático é o presidente o responsável pela formulação da política externa que, por sua vez, resulta de coalizões, barganhas, disputas e acordos entre representantes de interesses diversos, cabendo ao Ministério das Relações Exteriores a sua condução por delegação da presidência. Aliás, ordenamento a que estão sujeitos todos os demais ministérios.
A dependência constitucional de todos os ministérios à Presidência da República se manifesta no próprio ato presidencial de escolha e eventual demissão dos ocupantes de suas respectivas chefias.
Ademais, é preciso atentar para um suposto presente nesta postura, qual seja, a de que haveria uma separação estanque entre burocracia e política, pertencendo o Itamaraty ao primeiro campo. Assim, com base na tese de que à esfera política caberia a definição das prioridades e rumos e à esfera administrativa caberia apenas sua implementação, o Itamaraty não teria poder de agencia.
No entanto, é justamente em virtude de sua ampla e reconhecida autonomia reforçada pela especialização dos seus quadros e pela ausência de um controle vertical de suas atividades, que torna esta instituição um fortíssimo grupo de poder estratégico, fazendo com que a recusa em se assumir como ator político leve a opinião pública a desconhecer que tanto sua ação, como sua inação constituem-se, em última análise, em escolhas políticas.
Segundo esta mesma matéria do jornal Valor, a postura do Itamaraty é consensual entre os embaixadores mais experientes que não desejam colocar em questão o "prestígio da Casa de Rio Branco" em uma "disputa que julgam ser política e partidária". Arguir pela justeza da posição de neutralidade porque a disputa é política e partidária reforça a separação estanque entre burocracia e política acima aludida, com a qual não compartilhamos.
À parte isso, não custa lembrar que o alegado prestígio da Casa de Rio Branco defendido pelos tais embaixadores não foi adquirido tão somente pela história institucional da Casa, mas também - e principalmente – pela natureza das decisões e políticas dos governos que as deliberaram, conduzidas com profissionalismo e competência pelo Itamaraty.
Exemplo disto é que o giro do chanceler Vieira pela África às vésperas da votação do impeachment na Câmara dos Deputados, buscava justamente resguardar o protagonismo que a região adquiriu na agenda da política externa brasileira por determinação de um governo do qual a administração agora sob ameaça de impeachment é sucessora, e não como decorrência de uma orientação particular da Casa de Rio Branco.
Se o chanceler hoje a defende como se fosse uma política de Estado é porque a mesma nasceu como política de um determinado governo com mandato popular e soberano para tanto.
Por fim, mesmo que não tenha sido esta a intenção, a justificativa alegada para que o Itamaraty se mantenha distante deste processo, qual seja, a percepção de que seria uma disputa política e partidária, acaba por legitimar a razão específica para se arguir pela ilegalidade do processo de impeachment, isto é, a de que se trata de um processo político e partidário.
Se estas são razões legítimas a endossar um processo de impeachment nos regimes parlamentaristas, no presidencialismo apear do poder alguém eleito pelo voto majoritário só pode ocorrer quando existem ponderáveis razões jurídicas e legais.
*Leticia Pinheiro é Pesquisadora IESP/UERJ. Maria Regina Soares de Lima é Pesquisadora Senior IESP/UERJ. Integrantes do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.
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