Paulo Roberto de Almeida
Um amigo me perguntou: "Mas, afinal, qual a diferença entre o PT e os outros partidos?" Respondi assim:
Oi, meu caro! Grato pela oportunidade, e vamos lá:
1) Ao contrário da maioria dos meus amigos e conhecidos que ficaram decepcionados e indignados quando começaram a vir à tona os primeiros podres do governo lulopetista, não fiquei nem uma coisa, nem outra, porque já estava cansado de saber, por estudo e observação própria, que a esquerda não democrática É, SEMPRE FOI, NUNCA DEIXARÁ DE SER P-A-T-R-I-M-O-N-I-A-L-I-S-T-A: aqui, em Cuba, na antiga União Soviética e nos seus satélites do Leste europeu, na China, na Venezuela, enfim, em qualquer lugar do mundo seja qual for a época. E, se alguém ainda nutria dúvidas sobre isso, foi porque nunca se deu o trabalho de perceber quais os países que a petralhada sempre teve como modelos.
2) O lulopetismo inventou o patrimonialismo? Claro que não, assim como Ayrton Senna não foi o inventor do automobilismo... Aliás, patrimonialista (i. e., predadora dos recursos públicos para engordar o patrimônio pessoal ou familiar) é toda a nossa cultura política. Patrimonialismo significa sempre e necessariamente atraso e miséria? Não, o patrimonialismo apresenta versões modernizadoras (Marquês de Pombal, em Portugal; Getúlio Vargas e regime militar no Brasil; Pedro, o Grande na Rússia etc., etc., etc.). Agora, corrupto, sempre; base de um regime político e econômico em que o Estado é mais forte que a sociedade, fazendo da segunda refém do primeiro, sempre também.
3) TODOS OS PARTIDOS POLÍTICOS BRASILEIROS SÃO PATRIMONIALISTAS, porque patrimonialista é essa matriz socioeconômica e política comum a cada um deles. Mas, então, em que o lulopetismo se distingue deles? Tentarei esclarecer: os outros partidos que formam a 'base parlamentar aliada' de qualquer governo agem como quadrilhas relativamente independentes (é o grupo do deputado X na previdência, é a panelinha do senador Y no setor elétrico, é o 'esquema' do ministro ou governador Z nesta ou naquela estatal... Enfim, cada quadrilha roubando para enriquecer os clãs familiares e políticos encastelados nas cúpulas dos diferentes partidos, mas que, em razão desse mesmo caráter descentralizado da roubalheira, jamais teve força suficiente, muito menos projeto consistente, para substituir o regime democrático (com todos os defeitos e limitações deste) por um sistema mais monopolizador do poder, de tipo ostensivo (regimes de partido único, a exemplo de Cuba, URSS etc) ou disfarçado (como os governos do PRI mexicano durante sete décadas a fio -- uma única legenda com efetivo controle das alavancas do poder [na mão direita, o Diário Oficial; na esquerda, os sindicatos e movimentos sociais corrompidos e domesticados ], em torno da qual gravitam partidecos sustentamos pelas migalhas caídas da mesa do banquete da sigla hegemônica).
4) O lulopetismo foi o único a atrever-se a um projeto centralizado, tentacular, onipresente de corrupção a serviço da eternização no poder. Nas condições atuais do mundo e do Brasil, o modelo mais viável não seria o despotismo de partido único, mas sim o hegemonismo à la PRI mexicano.
Entendem a diferença? Para os outros clãs partidários e eleitorais, a corrupção era/é um fim em si; para o PT, um meio de eternizar-se no poder.
5) Liberais no Ministério da Fazenda, conforme o script esboçado na Carta ao Povo Brasileira (que prefiro chamar de documento sossega-banqueiro) que Lula divulgou em plena campanha de 2002, com texto de Antonio Palocci. Lembrar que, naquele momento, a tensão pré-eleitoral estava nas alturas, com o dólar encostando em 4 reais, justamente pelo temor do mercado de que Lula e PT, se/quando chegassem ao poder cumpririam tudo aquilo que prometiam desde a fundação do partido, isto é, a implantação de um regime socialista à la Cuba, ou Angola, ou qualquer outro modelo acalentado por amantes do totalitarismo como Zé Dirceu. Por isso, depois de ganhar aquela primeira eleição, a política econômica do primeiro mandato de Lula seria impecavelmente ortodoxa, fincada no tripé câmbio flutuante, metas inflacionárias e responsabilidade fiscal. Atribuo a manutenção do Meirelles durante oito anos à frente do Banco Central como fruto da superior compreensão do ex-pobre Lula de que as maiores vítimas da inflação são os pobres, que, ao contrário das classes média e alta, não podem se refugiar em aplicações financeiras indexadas; para o assalariado ou biscateiro pobre, num contexto de inflação alta, o dinheiro vira pó assim que é recebido...
6) No fundo, os lulopetistas jamais se converteram à economia de mercado, permanecendo fiéis ao besteirol intervencionista e estatizante que nem ao menos chega ser original, já que herdado das ditaduras estado-novista e militar. O disfarce liberal ortodoxo da política econômica do primeiro mandato não tardaria a ser abandonado, sob o estímulo de três fatores conjunturais: a maré de prosperidade ensejada pelo boom internacional dos preços das commodities agropecuárias e minerais; o advento da Grande Recessão mundial em 2008/2009, que reanimou as velhas e nunca preenchidas expectativas da esquerda de um colapso planetário e final do capitalismo; e a descoberta do pré-sal, que, na cabecinha dessa gente, soou como senha para mandar às favas a responsabilidade fiscal e todo aquele receituário econômico 'de direita'. E vamos enfiar cada vez mais grana no rabo de Joesleys e Eikes, que aventureiros como eles eram os grandes financiadores das campanhas do PT, além de fontes aparentemente inesgotáveis de propina. A esse trinômio, eu acrescentaria uma quarta eventualidade decisiva para compreender a regressão da política econômica na passagem do 1º para o 2º mandato de Lula: a derrocada do Palocci com o escândalo caseiro-gate. Ele era um dos únicos da cúpula lulopetista a compreender a superioridade infinita da economia de mercado sobre todos os modelos alternativos e, se tivesse a coragem e a lucidez de livrar-se do abraço sedutor, paralisante e delinquente do patrimonialismo, estaria em condições de liderar a transição do PT do socialismo populista, atrasado, para-bolivariano etc., rumo à socialdemocracia moderna, respeitadora das cláusulas pétreas da economia de mercado e do regime representativo.
Quem quiser saber mais, deve ler, do meu mestre e amigo ANTONIO PAIM, um dos maiores pensadores brasileiros vivos: Momentos Decisivos da História do Brasil; Marxismo e Descendência; O Liberalismo Contemporâneo (3ª edição); A Querela do Estatismo (2ª edição) e O Relativo Atraso Brasileiro e sua Difícil Superação; do saudoso diplomata, humanista e psicólogo junguiano José Osvaldo de Meira Penna: Em Berço Esplêndido e O Dinossauro; e, do historiador das ideias Ricardo Vélez Rodríguez (o mais brilhante discípulo de Antônio Paim): A Grande Mentira.
Um última observação sobre POPULISMO e PATRIMONIALISMO: nem todo patrimonialismo é populista, mas todo populismo é patrimonialista. Demagogos inescrupulosos como Lula exploram as fragilidades intelectuais e a imaturidade cívica de culturas políticas como a nossa, nas quais o entroncamento da herança contra-reformista ibérica com o positivismo de cunho religioso (ração ideológica da qual se fartaram o pensamento militar republicano e o caudilhismo gaúcho de Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Getúlio Vargas e Leonel Brizola) e o marxismo mais rastaquera formaram o caldo de cultura do coitadismo mais nocivo. Esses falsos messias sabem que, no Brasil e em Nuestra América de maneira geral, basta afetar e exibir esse falso sentimento de compaixão pelos pobres para receber de amplas parcelas da opinião pública, a começar pelos estamentos intelectuais e artísticos um amplo salvo conduto para saquear o erário é enriquecer à custa do suor do contribuinte.
Paulo Kramer é cientista político.
Este texto reproduz conversa do autor no WhatsApp.
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