Sobre a nova Lei de Segurança em Hong Kong: uma visão macro histórica
Paulo Roberto de Almeida
Hong Kong perdeu temporariamente uma parte de suas liberdades, pela atuação do PCC em sua fase neo-leninista. Mas não devemos nos desesperar por isso.
Até 2047, quando Hong Kong voltar integralmente à soberania da RPC, muita coisa pode ocorrer, entre elas até a possibilidade de que a China se torne menos autoritária e mais democrática do que ela é hoje, ou seja, se torne mais parecida com HK do que HK com a China atual, que ainda conserva velhos traços de “despotismo oriental” que foram uma quase constante em sua longa trajetória de grande civilização.
Anseios de liberdade são inevitáveis na trajetória conhecida da maior parte dos povos da humanidade, que, cada vez mais, dispõem de mais educação e de maior prosperidade material.
A China não é exceção a isso. Já é uma nação mais capitalista, em sua essência, do que várias democracias de mercado do Ocidente. Muito mais capitalista, por exemplo, do que o Brasil, e está conseguindo retirar a maior parte da sua população da pobreza, colocando-a numa modesta condição de classe média.
Trata-se de uma realização extraordinária no tempo histórico de sua implementação, para um país que até 40 anos atrás tinha uma renda per capita quase “africana”.
O seu regime comunista tem apenas 70 anos, menos do que três gerações, o que significa um pequeno parênteses apenas, numa história mais do que milenar, ao longo da qual o povo e a cultura da China foram absolutamente extraordinários de energia, criatividade e até humanidade, no sentido filosófico do termo.
Quando a maior parte das sociedades ocidentais ainda era formada por nações em consolidação, com muitas lutas tribais, conflitos feudais e regimes baseados na violência arbitrária, a China já estava organizada sob a forma de um Estado “weberiano-tecnocrático” relativamente ordeiro. Pouco mais de 800 anos atrás, quando a Inglaterra ainda não havia chegado à Magna Carta, o Império do Meio, com os seus mandarins, já tinha ultrapassado essa fase de um João Sem Terras determinar extração arbitrária de recursos da população. Muitos imperadores foram derrocados e novas dinastias criadas, antes que a Inglaterra decapitasse um rei absolutista.
Não se deve interpretar a história da China nos moldes culturais conhecidos em nossa tradição ocidental, muito influenciados pelas concepções greco-romanas de organização política e social e pela tipologia weberiana sobre as formas de dominação política. Existem variadas formas de organização política — nem todas democráticas, no sentido ocidental da palavra —, assim como existem diferentes tipos de economia de mercado, nem todos caracterizados pelo capitalismo especificamente ocidental, estudado justamente por Weber.
Mesmo Braudel está muito vinculado às economias de mercado historicamente mediterrâneas, depois se desenvolvendo na Europa setentrional e, com grande sucesso, no mundo anglo-saxão.
Um pouco mais de modéstia analítica e de alguma paciência “estratégica” com os caminhos sempre tortuosos da História podem nos ajudar a interpretar de maneira msis sensata certos desenvolvimentos conectados à trajetória da China contemporânea, uma grande civilização, que ainda tem muito mais coisas a oferecer à Humanidade do que apenas formas evoluídas do velho “despotismo oriental”.
Mirem menos o PCC e o atual governo da RPC e mais a extraordinária energia e criatividade do povo chinês, sua cultura e civilização historicamente grandiosas.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de julho de 2020
PS.: Recomendo a leitura de muitos ricos e interessantes ensaios sobre a China no blog de Carmen Lícis Palazzo, aue muito mais do que eu conhece profundamente a história daquela grande civilização: carmenlicia.org.
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