O Brasil na “gaiola de ouro” do Estamento Burocrático
Paulo Roberto de Almeida
O “estamento burocrático” que Raymundo Faoro seguiu, desde a constituição singular do Estado português no século XIV, está representado nos tempos que correm, e no Brasil, por duas categorias especialmente privilegiadas: a alta magistratura (com ênfase nas cortes superiores, o mais próximo que temos dos aristocratas do Ancien Régime) e os militares de altas patentes das FFAA (o mais próximo que temos daqueles marechais engalados do velho czarismo e da Prússia militarista).
Abaixo ou ao lado dessas duas grandes categorias do estamento burocrático se estendem, se protegem, e se locupletam do Estado, diversas outras corporações de ofício, todas elas afanosamente ocupadas em extrair recursos dos trabalhadores — empresários e assalariados — do setor privado, que servem de vaca leiteira nessa gigantesca máquina de concentração de renda que é o Estado brasileiro.
O “grande capital” (como diriam os marxistas, e os petistas, mas estes menos instruídos que os primeiros), que é constituído pela fina flor da burguesia nacional — grandes banqueiros, grandes industriais, grandes ruralistas, todos eles agrupados nesses sindicatos de ladrões que constituem FIESP, CNA, CNI, Febraban e todas as demais associações setoriais —, alimenta, sustenta, financia essa máquina de extração de recursos do conjunto da população, ao apoiar os seus políticos de estimação e de cabresto a cada escrutínio eleitoral, em todos os níveis, da mais modesta câmara de vereadores até os mais poderosos senadores, mas sobretudo os chefes respectivos dos executivos, dos prefeitos aos governadores e ao presidente, passando pelos grandes candidatos a postos de comando nas grandes corporações do Estamento Burocrático.
Quem será o novo sociólogo weberiano que vai dar continuidade à obra seminal de Raymundo Faoro, atualizando a noção de Estamento Burocrático para os tempos atuais do Brasil?
Registre-se que essa conformação específica de Estado racional-legal acolhe e acomoda o velho patrimonialismo das formas tradicionais de dominação política e até consegue absorver e sobreviver a exercícios temporários de dominação carismática (ainda que farsante), como podem ser o lulismo, o bolsonarismo, o varguismo e outros oportunistas, demagogos e populistas, que por acaso apareçam.
Lamento terminar numa nota pessimista, mas acredito que essa nossa “gaiola de ouro” — que significa luxo para os privilegiados e miséria para grande parte da população — tem fôlego para continuar indefinidamente. O Brasil é um caso único na tipologia weberiana que consegue fazer um amálgama original dos tipos-ideais de dominação política, combinando sincreticamente suas formas mais modernas e as mais atrasadas também.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de julho de 2020
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