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sexta-feira, 3 de julho de 2020

O Itamaraty humilhado - Guilherme Amado

O ITAMARATY HUMILHADO

Na semana passada, Ernesto Araújo solicitou ao órgão que fossem recolhidos os principais feitos de sua gestão. Não tem sido fácil. Saltam aos olhos o que o Brasil perdeu neste um ano e meio: influência, respeito, espaço

GUILHERME AMADO
Revista Época, 03/07/2020 - 03:00

Ernesto Araújo tenta escapar da caça aos olavistas na Esplanada.
O Itamaraty sob Araújo teve aproximação cega com Trump e perdeu influência na América Latina e na Europa.

Ernesto Araújo chegou ao momento de maior fragilidade de seu um ano e meio no comando da chancelaria brasileira. Sob pressão do núcleo mais racional do governo, em parte formado pela equipe econômica, em parte pelos militares da reserva e da ativa com cargos no governo, Araújo disparou na semana passada um e-mail para as secretarias do Itamaraty solicitando que fossem recolhidos com os diversos departamentos e divisões os principais feitos de sua gestão. O objetivo é preparar um dossiê positivo para levar a Bolsonaro e calar as críticas de que os excessos ideológicos do chanceler estão atrapalhando a agenda brasileira no exterior. Não tem sido fácil, segundo diplomatas incumbidos de fazer o levantamento. Saltam aos olhos, mesmo entre sua equipe mais próxima, o que o Brasil perdeu neste um ano e meio: influência, respeito, espaço. Ganhou atritos desnecessários com a China, o Irã e os países árabes, em nome de uma aproximação cega, sem benefícios claros, com os Estados Unidos e com Israel. Perdeu importância na América Latina. Tudo isso e um tanto mais têm sido usados contra Araújo pelos mesmos que celebram a disposição de Bolsonaro de colocar alguém menos aloprado no Ministério da Educação. Derrubado Weintraub, o próximo tentáculo olavista a ser cortado é o chanceler. E ele não tem muito tempo para tentar reverter isso.
Até hoje perdura no Itamaraty a dúvida sobre se Ernesto Araújo teve um tremendo senso de oportunidade, ao perceber antes de muitos a enorme chance de vitória que a extrema-direita teria em 2018 ou se ele é de fato um true believer em tudo que escreve e diz. O artigo “Trump e o ocidente”, publicado ao fim de 2017, em que o chanceler faz uma defesa da política externa trumpista, cita de maneira positiva o filósofo fascista Julius Evola e namora teses olavistas, foi sua melhor vitrine. Aquelas foram as linhas que despertaram o interesse de Eduardo Bolsonaro, o filho de Bolsonaro que queria ser embaixador nos Estados Unidos, mas admitiu em uma entrevista não saber quem foi Henry Kissinger. Correndo em páreos com adversários sem muita bagagem — o assessor internacional de Bolsonaro, Filipe Martins, é um influenciador digital de 30 e poucos anos —, Araújo se tornou um dos mais extremistas da Esplanada, transformando o Itamaraty em um órgão cada vez mais de governo e menos de Estado.

Nesse período, um dos momentos em que o Itamaraty mais foi humilhado em nome do extremismo foi quando a Fundação Alexandre de Gusmão, o braço de estudos do Itamaraty, organizou transmissões ao vivo com militantes olavistas investigados no Supremo Tribunal Federal no inquérito das fake news e no dos ataques às instituições democráticas.
Mas a humilhação também se dá na atividade fim do Itamaraty. O chanceler articulou a saída do Brasil de fóruns regionais como a Unasul e a Celac; encerrou as atividades de sete embaixadas na África e no Caribe, abertas nos anos do PT, em nome do projeto de dar ao Brasil mais influência na ONU; mudou posições históricas do Brasil em organismos multilaterais para agradar aos Estados Unidos; e afastou o país do primeiro time europeu, privilegiando Hungria e Polônia, também governadas pela extrema-direita e com quem as relações comerciais brasileiras têm pouquíssima complementaridade. Bolsonaro, aliás, até hoje não visitou oficialmente a Europa.

“DESDE COLLOR, TODOS OS PRESIDENTES ELEITOS FORAM RECEBIDOS EM PELO MENOS TRÊS PAÍSES EUROPEUS COM HONRAS DE CHEFES DE ESTADO”
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O ex-capitão foi somente à Suíça, no Fórum Econômico Mundial de 2019, o que não equivale a uma visita de Estado.
A voz brasileira hoje também não tem mais a força que tinha na América Latina. O Brasil era o único capaz de fazer pontes entre todos os matizes ideológicos do continente. Na questão venezuelana, vai se tornando claro que não haverá saída sem o grupo de Nicolás Maduro, com quem o Brasil cortou relações e consequentemente a capacidade de influenciar os rumos do país.
As relações com a Argentina estiveram em seu pior momento quando Bolsonaro se meteu na eleição daquele país e, diante da vitória de Alberto Fernández, cogitou ser o primeiro presidente brasileiro na história recente a não ir à posse presidencial. A missão brasileira em Buenos Aires está em seu momento de maior inércia. Nada de efetivo avança sob Araújo, que privilegia a diferença ideológica aos interesses de dois parceiros históricos.

Bolsonaro, entretanto, foi muito aos Estados Unidos. Esteve mais com Donald Trump do que na maioria dos estados do Nordeste e do Norte. A adesão cega aos americanos rendeu problemas com a China, o Irã e, de concreto, a deportação de centenas de brasileiros detidos como imigrantes ilegais. O presidente e sua família colaram sua imagem à de Trump de uma maneira que, caso o republicano seja derrotado por Joe Biden em novembro, hoje uma hipótese factível, o Planalto terá dificuldade para reconstruir a relação com a Casa Branca.
Mas a realidade não parece ser a dimensão de atuação do chanceler. Na reunião ministerial de 22 de abril, aquela cujo vídeo veio à público, o chanceler disse acreditar no nascimento de uma nova ordem global após a pandemia, em que o Brasil seria um dos protagonistas. “Eu estou cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições, tem a oportunidade de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial”, disse.

O Itamaraty deverá fazer, por ordem do chanceler, uma série de tuítes contando os tais feitos. A lista deverá falar em aumento do número de parceiros comerciais. Entretanto, alguns diplomatas vêm pontuando que houve uma redução de 20% nas exportações brasileiras de 2018 para 2019, de US$ 58 bilhões para US$ 46 bilhões. Araújo também quer que seja incluída como conquista uma maior aproximação com o Golfo Pérsico. Mas, nesse meio-tempo, houve uma crise com o Irã, em janeiro, devido ao respaldo brasileiro ao ataque americano que matou o general iraniano Qassem Soleimani. Países do Golfo Pérsico que compõem a Liga Árabe também se indispuseram com a disposição do governo para trocar a embaixada em Israel de Jerusalém para Tel-Aviv.
Fora os tuítes, as transmissões ao vivo também têm sido uma maneira de ele tentar driblar as críticas. Para constrangimento de muitos, tem convocado os diplomatas a participar com ele das gravações. Há duas semanas, assim foi com os diplomatas André Simas e Ricardo Canto, do Departamento Econômico do Itamaraty, chamados para uma live sobre o papel do ministério na retomada econômica pós-pandemia. Dirigindo-se aos dois, perguntou, de maneira debochada: “Queria fazer uma pergunta para meus colegas. Diante de tudo isso que estamos conversando, o que vocês acham de alegações que existem por aí de que a nossa política externa prejudica nossos interesses comerciais e econômicos? Queria pedir a opinião de vocês, muito sincera e franca”. A resposta, claro, não teve críticas.

Mas, se quiser convencer quem pressiona Bolsonaro por sua degola, o chanceler terá de fazer mais do que colher afagos de subordinados.
Com Eduardo Barretto e Naomi Matsui

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Um comentário:

Maria disse...

Olá ! belo post. Quando você puder me visite.
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