quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Cuba: a falácia do embargo como produtor da miséria da ilha: Paulo Roberto de Almeida e Marcelo Teixeira

 Uma postagem feita na minha página no Facebook sobre a penúria de Cuba em matéria petrolífera – essencial para a geração de energia e para transportes –, agora reduzida apenas a pequenos fornecimentos do México, recebeu alguns comentários nas antípodas. Um dos grandes comentários, merece ser promovido abaixo, por ser significativo dos problemas estruturais cubanos, que NÃO TÊM NADA a ver com o embargo americano.

Cumprimento seu autor, Marcelo Aleixo, que conhece o que comenta. Acrescento apenas uma coisa: dizer que Cuba é "membro da OMC desde 1995" não traduz toda a realidade. Cuba é membro original do GATT-1947, abrigou a famosa conferência da ONU sobre comércio, emprego e desenvolvimento, em 1947-48 (que criou a primeira Organização Internacional do Comércio, o terceiro pé de Bretton Woods, mas que não foi aprovada na época) e continuou no GATT nas décadas seguintes, mesmo se tornando comunista em 1961.

Ou seja, o embargo é uma piada, pois Cuba pode comerciais com TODOS os demais membros da ONU, do GATT e da OMC, que SEMPRE VOTAM CONTRA o embargo, todos eles, pois todo mundo é contra a aplicação extra-nacional e unilateral de leis inernas. Cuba é POBRE pelo socialismo, nãio por causa do embargo, e só sobreviveu graças ao "mensalão" soviético, e depois graças aos petrodólares chavistas.

PRA.

This year Cuba’s oil imports have collapsed.
Source: Economist



Marcelo Aleixo:
É incrível a imaginação (ou a falta dela) de alguns para tentar justificar o injustificável, e buscam com ilógica achar um culpado dos problemas cubanos. Vemos isso quando resumem os problemas de Cuba ao embargo.
Antes da revolução de 1959, Cuba era um dos países mais ricos da América latina, e quando Fidel morreu era um dos mais pobres, com uma taxa de pobreza de 90%. Antes, estava em quinto no ranking de renda per capita, terceiro na expectativa de vida, com taxa de alfabetização de 76%, a quarta mais alta da América Latina, sendo que o Brasil só foi alcançar esse índice em 1980. Cuba ocupava a 11ª posição no mundo em número de médicos per capita. Hoje a ilha tem que importar cerca de 75% da comida que sua população consome, incluindo açúcar. Com o salário médio de Cuba gasta-se mais de 70% só com alimentação. Segundo dados do IBGE, as famílias com rendimento do salário médio brasileiro gastam cerca de 20% com alimentos. Cuba tem um salário mínimo de US$9. Foi Castro que iniciou o processo para eliminar a classe média e alta da sociedade, principalmente através de duas reformas agrárias. A segunda, mais radical que a primeira, incluiu a nacionalização das empresas americanas e a erradicação da propriedade privada sobre os meios de produção.
Logo depois da revolução os americanos reconheceram Fidel Castro como o novo líder daquela ilha, tanto que o revolucionário foi recebido por Richard Nixon nos EUA, até colocou flores no túmulo de George Washington em sessão solene, com direito à foto oficial apertando a mão do vice-presidente americano. Ou seja, não houve naquele momento uma questão de defender democracia ou alguma ideologia na ilha. Porém, em fevereiro de 1960 Cuba e União Soviética assinam um acordo comercial para a URSS comprar produtos cubanos e abastecer Cuba com petróleo bruto. O governo dos EUA determinou que empresas de petróleo americanas em Cuba parassem de refinar o petróleo soviético. Cuba então nacionalizou as refinarias americanas e desapropriou todas as propriedades dos EUA dentro da ilha, sem pagar por indenizações, e passou a discriminar as importações de produtos norte-americanos, dando motivos aos EUA declararem embargos, que contou com apoio da OEA e sem oposição da OMC.
Era uma questão comercial e de geopolítica, nada a ver com ideologia. Hoje alguns dizem que o atraso da ilha é por causa do embargo, não contam a história mais completa, e omitem que a limitação de comércio da ilha é apenas parcialmente com os EUA. Os cubanos podem fazer, e de fato o fazem, comércio internacional com muitos países, além do país ser membro da OMC desde 1995. Cuba importa cerca de 6% do PIB, índice próximo do que - na história recente - o Brasil tem comprado do exterior, país este que nem tem embargo algum. E, por vezes, esses mesmos que defendem o fim dos embargos contra Cuba, também defendem o protecionismo insano brasileiro, para manter o status quo. Ora, segundo essa lógica deles, se Cuba é um país atrasado por causa das sanções, que a levaram a tão baixo comex, então o Brasil é um país atrasado por proposições como as deles mesmos, que restringem o comex brasileiro. Mas, sabemos, lógica não é o forte deles.
Como disse Diogo Costa: "Antes de 1959, o problema de Cuba era a presença de relações econômicas com os Estados Unidos. Depois o problema se tornou a ausência de relações econômicas com os Estados Unidos". A sanção americana é obscena, como o despotismo do governo cubano também é, mas o embargo não é a raiz da pobreza cubana. Os cubanos, por exemplo, já compram vários produtos dos EUA, podem comprar outros produtos americanos pelo México, como podem comprar carros do Japão, eletrodomésticos da Alemanha, brinquedos da China, ou cosméticos e até implementos agrícolas do Brasil.
Por que não compram? Porque não têm como pagar. Não é um problema contábil ou monetário, pois o governo cubano emite moeda sem lastro nem vergonha, coisa que muitos dos mesmos que defendem o protecionismo brasileiro e o fim do embargo também defendem. O que falta é oferta. Cuba oferece poucas coisas de valor para o resto do mundo. Cuba é pobre porque o trabalho dos cubanos não é produtivo. Os pequenos produtores da ilha, que supostamente se beneficiaram das reformas agrárias, não têm liberdades. O Estado cubano lhes diz o que produzir, a que preço, e eles não podem sequer matar uma vaca da propriedade. Isso daria até 25 anos de prisão se desrespeitado. Pode-se fazer uma analogia entre o que ocorre em Cuba com o que aconteceu na Europa da Inquisição: toda pessoa que discorda do estabelecido pelo governo é reprimida, a casa é tomada e outras pessoas entram. O difícil para os socinhas e comunas conceberem é que produtividade é coisa de empresário capitalista. É o capital que deixa o trabalho mais produtivo. E é pelo empreendedorismo que uma sociedade descobre e realiza o melhor emprego para o capital e o trabalho.
Mesmo quando o governo cubano permitiu um pouco de empreendedorismo, restringiu a entrada de capital. Raúl Castro fez a concessão de quase 170.000 lotes de terra não cultivada para agricultores privados. Só que faltam ferramentas e máquinas para trabalhar a terra. A importação de bens de capital é restrita pelo governo de Cuba. Faltam caminhões para transportar alimentos. Os poucos que existem estão velhos e passam grande parte do tempo sendo consertados. Em 2009, centenas de toneladas de tomate apodreceram na ilha por falta de transporte, por causa destes fatores de controles excessivos e insano planejamento central da economia.
O modelo econômico cubano reside no fato de que, apesar de funcionar sob diretrizes socialistas e autossuficientes (segundo o governo local), depende quase exclusivamente, desde 1959, do que outros governos (vários capitalistas) podem ajudar. Segundo o economista cubano Carmelo Mesa Lago, Cuba recebeu mais ajuda da União Soviética e de outros países do que qualquer outro país da América Latina: US$ 65 bilhões em 30 anos.
E se mesmo com todas essas informações alguém ainda queira insistir que atualmente os problemas de Cuba são derivados dos embargos, exclusivamente ou não, devo lembrar também que os revolucionários não só deram motivos para as sanções, como também assim queriam, conforme foi declarado por Che Guevara no discurso de Argel, após repetir diversas vezes que o objetivo era “cortar todos os laços de Cuba com o capital internacional”, considerando isso um dos principais objetivos da revolução de 1959.

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