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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Carta Capital e o Departamento de Propinas da Odebrecht - Alguma explicacao Mino Carta?

Um jornal, uma revista, um periódico, dedicado ao grande público, vive normalmente de publicidade, de assinaturas, de venda no varejo para simpatizantes e curiosos, ou de doações de ricos mecenas, que gostam de se promover, ou até fazer benfeitorias não identificadas.
Uma outra categoria, revistas científicas, ou publicações acadêmicas, podem receber verbas públicas ou apoio de entidades de fomento, mas esse tipo de ajuda raramente se traduz em propaganda do ou para o apoiador, ou submissão a interesses que não a do conselho editorial do veículo, e de toda forma cada colaboração publicada submete-se à revisão crítica de pareceristas anônimos, que julgam e avaliam a qualidade do material.
Em qual categoria entrariam as matérias da Carta Capital, beneficiadas por essas "doações" do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, ou seja, do Departamento de Propinas, como é vulgarmente conhecido esse "serviço" de boas intenções e de operações paralelas da companhia mais corrupta do Brasil? Como Mister Capital, aliás Mino Carta, explicaria que o seu jornal, manifesta e visivelmente empenhado na defesa e na promoção do governo companheiro se revela agora um recipiendário de dinheiro roubado do povo brasileiro, através de fraudes, fralcatruas, superfaturamento, desvios, roubos deliberados, enfim, ações criminosas?
Os editores, segundo a matéria do Globo, "negam a participação de Mantega na operação e dizem que não sabiam que o dinheiro havia saído do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht."
Ingênuos inocentes, trapalhões ignorantes, ou indivíduos de má-fé?
Paulo Roberto de Almeida

Odebrecht emprestou verba à ‘Carta Capital’ a pedido de Mantega
Financiamentos no valor de R$ 3,5 milhões foram feitos pelo departamento de propinas da empreiteira
por Guilherme Amado
O Globo, 13/12/2016 

O jornalista Mino Carta no Sem Censura, da TV Brasil

BRASÍLIA — A Construtora Norberto Odebrecht fez dois empréstimos para a Editora Confiança, responsável pela revista “Carta Capital”, no valor total de R$ 3,5 milhões, entre 2007 e 2009, a pedido do então ministro da Fazenda, Guido Mantega. A operação foi feita pelo Setor de Operações Estruturadas, o departamento da empreiteira que geria as propinas pagas. As informações constam de um dos anexos da delação premiada do executivo Paulo Cesena, que presidia até o mês passado a Odebrecht Transport, mas foi, antes disso, diretor financeiro da construtora.

Cerca de 85% do empréstimo já teriam sido quitados pela editora, de acordo com Cesena, por meio de eventos que tiveram o patrocínio da Odebrecht.

Cesena disse que recebeu a ordem de fazer um aporte de recursos para a Editora Confiança, em 2007, diretamente de Marcelo Odebrecht, então presidente da holding e atualmente preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba e também delator da Lava-Jato

“Marcelo Odebrecht me chamou para uma reunião em sua sala, no escritório em São Paulo, e me informou que a companhia faria um aporte de recursos para apoiar financeiramente a revista ‘Carta Capital’, a qual passava por dificuldades financeiras. Marcelo me narrou que esse apoio era um pedido de Guido Mantega, então ministro da Fazenda”, afirmou Cesena à Lava-Jato.

Em seguida, o delator disse ter entendido que se tratava de algo de interesse do PT.

“Entendi que esse aporte financeiro tinha por finalidade atender a uma solicitação do governo federal/Partido dos Trabalhadores, pois essa revista era editada por pessoas ligadas ao partido”, afirmou.

Marcelo Odebrecht também pediu a Cesena que contribuísse com a revista para que eles organizassem suas finanças e concebessem um plano de negócios sustentável. Marcelo temia que pudessem vir novos pedidos de dinheiro.

O presidente da holding teria orientado Cesena a procurar o jornalista Mino Carta, diretor de redação da publicação, e o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, consultor editorial da “Carta”, para que fosse negociado o apoio financeiro.

A primeira reunião, no segundo semestre de 2007, ocorreu na sede da editora, na capital paulista. Cesena disse terem participado do encontro Mino Carta, Belluzzo e a diretora administrativa da editora, Manuela Carta. Nessa conversa, Cesena afirmou terem sido mencionados apenas pontos relacionados ao plano de negócios da revista e iniciativas para aumentar as vendas.

Nos encontros posteriores, apenas com Manuela, Cesena comunicou-lhe que o empréstimo seria de R$ 3 milhões, por meio de um mútuo (empréstimo feito entre duas pessoas jurídicas), a ser pago em três anos, e que seriam cobrados juros à taxa de Certificado de Depósito Interbancário (CDI), acrescidos de 2% ao ano.

Cesena afirmou que a operação foi feita por meio do Setor de Operações Estruturadas, comandado por Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho, também delator na Lava-Jato. Embora tenha afirmado que não saberia detalhar, Cesena disse ter a informação de que “a operação e o pagamento à ‘Carta Capital’ se deu na forma de mútuo oriundo do caixa dois da Construtora Norberto Odebrecht”.

O segundo empréstimo teria ocorrido em 2009, solicitado por Belluzzo, desta vez no valor de R$ 500 mil. Novamente, após receber autorização de Marcelo Odebrecht, o apoio financeiro foi feito por meio do departamento da propina.

A Editora Confiança já teria honrado R$ 3 milhões da dívida, por meio de patrocínios que a Odebrecht deu a eventos da “Carta Capital” de 2010 a 2012.

“Em uma das reuniões que tive com Manuela Carta, a mesma apresentou-me o planejamento de eventos que a editora iria promover e questionou-me acerca do interesse em patrociná-los e que usaria esses recursos para amortizar o mútuo”.

Entre as provas, Cesena entregou e-mails, planilhas demonstrando a alocação de recursos e notas fiscais mostrando o patrocínio aos eventos da “Carta”.

Manuela Carta diz que o delator se expressou mal e que não houve empréstimo, mas um acordo de publicidade que previa um adiantamento de verbas. Segundo ela, tudo já foi quitado, com páginas de publicidade e o patrocínio da Odebrecht a eventos. Ela citou o apoio da empreiteira aos encontros chamados “Diálogos Capitais” e “Fórum Brasil”, e a um encontro com a presença do economista Paul Krugman.

— Temos tudo contabilizado — disse Manuela.

Belluzzo diz que procurou Marcelo Odebrecht e que foi firmado um acordo financeiro:

— Estávamos numa situação difícil e fizemos um mútuo que carregamos no nosso balanço por muito tempo, porque a revista estava precisando de financiamento. Está tudo no balanço da empresa, não tem nada escondido — disse ele.

Depois, segundo ele, foi negociado que o pagamento seria feito por meio de páginas de publicidade na revista. Manuela e Beluzzo negam a participação de Mantega na operação e dizem que não sabiam que o dinheiro havia saído do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht.
http://oglobo.globo.com/brasil/odebrecht-emprestou-verba-carta-capital-pedido-de-mantega-20635961#ixzz4SkYbo2dI

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Politica brasileira: Mino Carta compara Lula a um cao, ou a uma fera...

Aliás, faz mais do que isso: ameaça o Brasil com o despertar da besta fera, o monstro que vai assustar uma inexistente direita e escorraçar uma suposta conspiração das elites contra o governo do poste que ele mesmo designou assim e o elegeu, para continuar governando por procuração.
Mino Carta acha que os problemas atuais foram causados por "décadas" de procastinação, o que além de ofender a inteligência dos que o leem, destoa dos dados empíricos disponíveis.
Jornalista vendido faz assim.
E por que coloco seu artigo aqui?
Porque é um sinal de desespero dos companheiros, a verem suas perspectivas se esvairem.
Paulo Roberto de Almeida

Cuidado com ele
Recado ao senhores: se Lula entrar na briga, vai provar sua condição de líder do povo brasileiro
Mino Carta, Editorial
Carta Capital, 18/05/2015

A situação de caos que o País vive precipita um grande equívoco e duas urgências. Destas, uma investe Dilma Rousseff. Esgota-se o tempo que lhe sobra para tentar rever posturas, orientações, escolhas.
Não esqueço a última vez em que estive com ela, em companhia de Sergio Lirio e André Barrocal, para entrevistá-la às vésperas das últimas eleições. Impressionou-me o isolamento da presidenta sobrepujada pelo álgido cenário fascistoide transplantado para o Trópico no Palácio da Alvorada, enorme redoma de solidão. A outra urgência diz respeito a Lula. O ex-presidente chegou a uma peremptória encruzilhada e tem de escolher a saída que mais lhe convém.
Recordo o dia, mais ou menos recente, em que ouvi de Lula a seguinte frase: "Um presidente considera-se bem-sucedido quando se reelege, e digno da excelência quando elege seu sucessor". Inviável o impeachment de Dilma sonhado por muitos opositores, é difícil,, nas circunstâncias atuais, deixar de imaginar um final melancólico para o segundo mandato da presidenta. Se for assim, ela não fará seu sucessor.
Como observava Mauricio Dias em sua Rosa dos Ventos, na edição passada, faltam para a sucessão quadros potáveis no governo e no PT. Resta mirar em Lula. A própria oposição ajusta a alça. Eis o verdadeiro inimigo, antes de qualquer outro. O que a elite brasileira mais teme é a volta por cima do ex-presidente. O ex-operário, de novo!? Vaias e panelaços que de uns tempos para cá lhe são reservados, além de patéticos, não escondem o medo, e não exagero no emprego da palavra. Resta ver se Lula pretende, ou não, transformar o Brasil em uma infinda Vila Euclydes.
Ele pode, é o único, verdadeiro líder do povo brasileiro, se quiser, enche as praças. Ao longo de dois mandatos realizou avanços importantes, inferiores a meu ver, àqueles que poderia e deveria realizar. Bastou, contudo, para deixar a Presidência com altíssima aprovação, nunca dantes navegada. O que pretende a partir deste momento não está claro. Evidente é sua irritação. Não contemplo somente os comportamentos midiáticos, as acusações de envolvimento em escândalos variados, os apupos do preconceito elitista, como prova seu discurso no evento da CUT promovido em São Paulo dia Io de maio. De fato, abala-se também a críticas ao governo Dilma, a rigor as primeiras públicas.
Estamos na encruzilhada e o equívoco seria a consequência, a depender da escolha de Lula ao determinar seu caminho. Se decidir, em lugar da aposentadoria, pela disputa do poder, assistiremos a um imperioso retorno à ribalta, mesmo que agora não seja seu objetivo descer à liça em 2018. Quanto ao equívoco, suponho ser geral, da oposição, da chamada elite, da mídia, bem como do PMDB, do próprio PT, e do governo que o partido haveria de sustentar.
Lula tem todas as condições, e mais algumas, de reassumir uma liderança avassaladora, em parte abandonada para deixar espaço a Dilma Rousseff. Quem supõe que, ao sabor do dito petrolão, da tibieza governista e do martelar midiático, Lula esteja encurralado, engana--se além da conta. Quem se ilude, corre o risco de, como se diz, cutucar a fera com vara curta.
O Brasil vai mal, graças a um acúmulo de erros e desmandos, de resto encadeados no decurso das décadas de sorte a se tornarem mal endêmico, mas o jogo, o trágico enredo que entrega o País ao caos, não está encerrado. Diz um antigo provérbio italiano: non destar il cane che dorme. Não desperte o cão que dorme.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Dani Rodrik: entrevista sobre politicas economicas - Carta Capital

Entrevista / Dani Rodrik


Entrevista Dani Rodrik condena as políticas de austeridade, prevê o fim dos milagres econômicos e diz que nações como o Brasil levam vantagem
A EDUARDO GRAÇA, DE BOSTON
Um dos mais respeitados professores da Universidade Harvard, titular de Política Econômica Internacional da Escola John F. Kennedy, o economista de origem turca Dani Rodrik integra um grupo consistente (e crescente) de analistas críticos aos programas de austeridade adotados na Zona do Euro. "O que acontece na Europa é um assalto à democracia", define.
Autor de Has the Globalization Gone Too Far (1997), One Economics, Many fíecipes (2007) e The Globalization Paradox (2011), Rodrik concedeu a entrevista a seguir em seu escritório em Cambridge antes da polêmica sobre o erro de cálculo cometido pelos economistas Carmen Reinhart e Keneth Rogoff em estudo a respeito da relação entre endividamento e crescimento econômico, na verdade um libelo em defesa das políticas de austeridade preconizadas por conservadores e aplicadas na Europa com os resultados até aqui conhecidos. Um dia antes da entrevista, o acadêmico postara, no entanto, o seguinte comentário no Twitter sobre o lançamento de Austerity: The History of a Dangerous Idea, do diretor dos programas de graduação em Relações Internacionais e Estudos de Desenvolvimento da Universidade de Brown, Mark Blyth: "Foi preciso um cientista social para denunciar a insanidade das políticas econômicas baseadas o na austeridade".
Segundo o economista, a era dos "milagres econômicos" passou, o crescimento das economias tende a ser mais lento, mas os países com forte mercado interno e projetos de inclusão social estão em melhor posição para avançar. "O Brasil segue como uma dessas nações", afirma.
Rodrik será o principal palestrante do 1o Fórum de Economia promovido por CartaCapital. O seminário acontece na terça-feira 7, no Hotel Renaissance, em São Paulo, a partir das 9 da manhã. Após sua exposição, o economista responderá a perguntas do ex-ministro Delfim Netto e de Luiz Gonzaga Belluzzo, consultor editorial de CartaCapital.
Carta Capital: O senhor escreveu há um ano que países como Brasil, Índia e Coreia do Sul estão em posição melhor do que os demais para enfrentar os novos desafios econômicos globais. Continua a ter a mesma opinião sobre o Brasil?
Dani Rodrik: Sim. Obviamente o Brasil não teve um ano bom em termos de crescimento econômico. Mas não acho que deveríamos ser obcecados com variações anuais do PIB. Deveríamos, na verdade, estar prontos para crescimentos menores globais nas próximas décadas. O contexto global será menos propício a expansões econômicas significativas, se compararmos com o cenário dos últimos 25 anos. Mesmo países cujas economias vão relativamente bem experimentarão ventos bravios. Nesse contexto, países com grande mercado interno, que investem na inclusão social e se beneficiam mais de um dinamismo real de sua economia do que da súbita entrada de capital e dos humores do mercado, no âmbito de uma democracia robusta, estarão em melhor posição para atravessar os tempos duros. O Brasil, há um ano e hoje também, segue como uma dessas nações."
CC: Não se pode julgar a economia de um pais por um ano ruim, como o senhor diz. Mas há a percepção neste momento de que o Brasil deixou de ser um favorito do mercado. 0 senhor vê razão para essa mudança?
DR: Os humores das finanças globais e dos investidores internacionais variam muito. A pergunta aqui é: como os investidores brasileiros, os empresários brasileiros, os industriais brasileiros, veem a economia nacional? Tenho certeza de que eles terão uma série de queixas, mas eu pediria que refletissem sobre essa questão de forma global. Eles estariam em situação melhor na Rússia, na Turquia, na Venezuela?
CC: O índice de desemprego no Brasil bateu um recorde histórico de baixa e a inflação se mantém em patamar um pouco incômodo. Economistas do País defendem aumentar o desemprego para conter os preços. O que o senhor acha?
DR: Discordo completamente dessa linha de raciocínio. As políticas sociais implantadas pelo Brasil nas últimas décadas são importantíssimas, por vários aspectos. Primeiramente, elas são uma resposta coerente às demandas sociopolíticas da sociedade brasileira. Elas também constroem paulatinamente legitimidade para o modelo democrático brasileiro. Esses são dois objetivos de suma importância. Além disso, elas fortalecem as credenciais econômicas do Brasil. Repito: há um novo cenário econômico global em que o peso do mercado doméstico é cada vez maior. Quanto mais consumidores, quanto maior a classe média, mais diversa e saudável sua estrutura econômica será. A estratégia de crescimento econômico brasileiro precisa necessariamente passar pelo fortalecimento dessa nova classe média. É claro que toda essa transformação precisa se darem um cenário fiscal sustentável, mas não vejo os níveis de dívida no Brasil ingovernáveis. A não ser que o Brasil cresça muito, mas muito pouco mesmo nos próximos anos, não vejo sinais no horizonte que justifiquem essas medidas.
CC: Segundo o senhor, chegamos ao fim da era dos milagres econômicos e de agora em diante o crescimento será fruto de um investimento cada vez maior em capital humano. O Brasil tem um grave problema educacional. É um empecilho, não?
DR: Sim. Crescimento econômico como aquele registrado no Brasil e outros países nos anos 60 e 70 não haverá mais. Foi uma espécie de crescimento sem grande esforço. Você poderia colocar um trabalhador rural com pouquíssima educação em uma fábrica de sapatos e, imediatamente, triplicar a produtividade e o lucro. Só era necessário algum capital de investimento para as fábricas. No Brasil, esse investimento, como sabemos, deu-se com uma alta carga protecionista. Esse caminho acabou. O tipo de trabalho que gera cresci mento hoje necessita muito mais especialização e consistência de investimento de capital. Além disso, exige uma série de regulamentações e instituições muito mais sofisticadas do que no passado. O crescimento não será imediato e precisará, em sua maioria, vir do setor privado em cooperação com os setores públicos. Vejo cada vez menos uma demarcação clara de onde se é públ ico, onde se é privado.
CC: Um dos tópicos debatidos no mais recente encontro dos chamados BRICS, na África do Sul, foi a criação de um Banco Mundial dos países emergentes. Também se falou de uma opção ao FMI. Qual o significado dessas iniciativas?
DR: São propostas inegavelmente importantes e que podem ter um impacto na economia global. Mas gostaria de ver o foco dos BRICS na geração de novas ideias e novas estratégias de desenvolvimento voltadas especificamente para mercados emergentes. Os BRICS deveriam deixar de se pautar pelo mercado financeiro e pelos fluxos de capitais e investimentos. A economia global não precisa de mais instituições de financiamento. Da perspectiva dos mercados emergentes, é preciso mais e melhores ideias. Precisamos do enfraqueci mento da hegemonia das instituições criadas pelos países desenvolvidos, inclusive desta em que estamos, Harvard, em oferecer ideias que os demais necessariamente discutem, seguem, aplicam. Já é tempo de os BRICS terem confiança para contribuir de forma decisiva no universo do pensamento econômico e social. Não precisamos de mais um fundo de investimentos, e sim de linhas de pensamento diversificadas daquelas do "centro".
CC: Como o senhor vê o efeito do impasse ideológico entre democratas e republicanos na maior economia do planeta?
DR: O efeito dessa bata lha é extrema mente debilitante para a economia norte-americana. E é muito difícil para um observador local não se mostrar pessimista ante essa disputa ideológica divorciada da realidade, dos fatos. Por outro lado, precisamos levarem conta a longa tradição política americanado pragmatismo. Essa característica possibilita certa margem de movimentação distante do asfixiamento ideológico de Washington. Desde os anos 80, os Estados Unidos eram vistos como um paraíso fundamentalista do livre-mercado. No dia a dia, você percebe o pragmatismo no tamanho da intervenção do Estado, em níveis federal, estadual e local, na economia do país, em colaboração com o setor privado. Vê-se esse pragmatismo na prática, por exemplo, no estabelecimento de uma política industrial nacional, com incentivos a novos empreendimentos e a projetos inovadores. Minha esperança é de que a tradição do pragmatismo fale mais alto do que o impasse ideológico.
CC: Qual o papel das escolas de pensamento econômico dos EUA nesta guerra de ideias que atravanca o crescimento da economia americana?
DR: Criticam-se os economistas por não termos visão estratégica, por nos tornarmos tecnocratas, menos visionários. Talvez isso seja bom. Economistas visionários tendem a causar mais danos do que avanços. O último grande visionário americano foi Milton Friedman, um senhor economista, que conseguiu mudar a política econômica global de forma decisiva, e de forma positiva em vários aspectos. Mas sua visão de um sistema de mercado em competição com o governo, da impossibilidade de um ser o complemento do outro, do Estado compreendido como inimigo do mercado, ainda nos custa muito nos dias de hoje. Espero que os economistas sejam os generais de um exército no rumo certo, mas não os vejo necessariamente como os lideres da batalha.
CC: O senhor escreveu recentemente no,Twitter, ao receber o livro Austerity: The History of o Dangerous Ideo, de Mark Blyth, que "precisávamos de um cientista social para nos falar da insanidade das políticas econômicas de austeridade" É esta a palavra correta, insanidade?
DR: E difícil encontrar outra. E uma ilusão, baseada em atitudes morais e políticas independentes da economia. A economia é clara. Quem continuar a argumentar em favor de uma política econômica baseada em austeridade fiscal nos Estados Unidos, por exemplo, o fará por questões morais - quem pegou emprestado deve pagar, é sua vez de sofrer, similar à lógica dos alemães em relação aos espanhóis e gregos na Comunidade Europeia - ou por uma concepção política oportunista, a de se usar o momento econômico para diminuir o papel do Estado. É o uso político-ideológico da crise econômica.
CC: O senhor acredita na inevitabilidade do tão falado declínio político e econômico dos EUA?
DR: Declínio é um exagero e o futuro dos Estados Unidos passará pelo resultado dessa luta entre o pragmatismo e as ideologias conflitantes das quais falávamos há pouco. Mas sou otimista em relação ao futuro americano, especialmente se comparado com o Japão e a Comunidade Europeia. As novas descobertas de petróleo e gás natural são um fator importante. O país seguirá um farol de inovação, diversidade e liberdade para o restante do planeta.
CC: Os BRICS falam em incrementar transações comerciais sem passar pelo dólar. O senhor crê que a moeda americana deixará de ser a unidade monetária padrão para negócios planetários no futuro?
DR: Essa transformação é inevitável. O papel do dólar será diminuto, mas ele seguirá como uma das mais importantes moedas internacionais, fundamental para as reservas de muitos países. Esse declínio não terá, porém, grande relevância para a economia internacional.
CC: O avanço militar da China e as tensões com seus vizinhos do Pacífico, mais do que a redução do ritmo de crescimento do país, podem ser um complicador para o cenário econômico global?
DR: Politicamente, o avanço chinês representa a dissolução do cerco de segurança norte-americano no Pacífico e é reflexo do fim da ordem americano-europeia global. E um novo mundo onde a China não é apenas uma potência econômica, mas política e militar. O mistério é como a China exercerá sua influência global. Logo após a Segunda Guerra Mundial, a hegemonia americana deu-se pela projeção de seu poder baseado em um sistema democrático interno. Foi, de certa forma, um exercício de poder liberal. Obviamente, quando impuseram a visão americana em instituições criadas nos acordos de Bretton Woods, o beneficiário maior foram os Estados Unidos. Mas regras de transparência, de não discriminação, foram princípios que beneficiaram todo o planeta. O receio é que os princípios chineses ignorem a ideia global, valorizem a falta de transparência, o aumento da burocracia, os acordos caso a caso, o que não beneficiaria a comunidade internacional. Brasil e índia, os dois países democráticos dos BRICS, são peças importantíssimas nesse tabuleiro. Quando Brasil e índia usam seu poderio econômico de forma global, é importante perceber se eles estão de fato projetando os valores de suas vibrantes democracias. Para o futuro da economia global, seria fundamental que o fizessem.
CC: Em seu mais recente livro, O Paradoxo da Globalização, o senhor defende a impossibilidade de países serem ao mesmo tempo democracias modernas, contarem com uma economia globalizada e manterem um senso de soberania nacional. O que observamos na Espanha, Portugal, Grécia e Chipre é a ausência de democracia nas decisões econômicas praticadas pelas lideranças desses países?
DR: Sem dúvida, o que acontece na Europa hoje é um assalto à democracia. Quando elaborei esse tripé, há mais de dez anos, não poderia adivinhar a crise da Comunidade Europeia, um exemplo vivo do que propus. O que vemos nesses países é a entrega do poder decisório democrático a Bruxelas e Berlim, que não representam o destino dos cidadãos espanhóis, portugueses, cipriotas e gregos. E algo semelhante ao século XIX, quando a política econômica estava em piloto automático, imposta pelas regras do padrão-ouro, não importando os índices de desemprego, a deflação ou o sofrimento dos trabalhadores rurais. Não havia como o Estado se mover. O mesmo se vê agora na Zona do Euro.
CC: O estabelecimento de governos tecnocratas, como as experiências de Grécia e Itália, é uma solução possível para a crise?
DR: Não. São experiências temporárias, não soluções de longo prazo. A democracia também serve a uma função econômica. Tecnocratas deslocados dos eleitores não são garantia alguma de estabelecimento de políticas que levem em conta o desejo da maioria. Você apenas joga com a sorte. A questão europeia é saber qual das três pontas do tripé se manterá. As economias da periferia continuarão a se submeter à ideia de que só há uma regra econômica possível, manter-se na Zona do Euro, seguindo as regras de Berlim e Bruxelas, como se estivessem no século XIX? Ou a Comunidade Europeia será mais parecida com os EUA, terá um caráter mais federativo, em que o peso da realidade local será levado em conta? Infelizmente, essa janela para a grande transição europeia, neste momento, parece-me improvável, pois exigiria enorme investimento institucional e grande desapego de lideranças. A outra opção é a saída de alguns países da Zona do Euro, mais provável hoje.
CC: Quais os impactos na economia mundial do encolhimento da Comunidade Europeia?
DR: Seja qual for a solução encontrada, a Zona do Euro continuará a complicar o cenário econômico global. A saída de Grécia e Chipre, por exemplo, da Zona do Euro, após o choque inicial, pode ser boa tanto para a Comunidade Europeia quanto para a economia global.

domingo, 8 de maio de 2011

Indulging with himself - a view from Harvard (Amorim na Carta Capital)

O mais recente dos colunistas regulares da Carta Capital volta a escrever sobre política internacional, desta vez desde Harvard. As potências ocidentais sempre devem algo à consciência universal, claro, pelo fato de também matarem inocentes. Que horror não é mesmo? Elas deveriam ficar quietas, e esperar que os ditadores desaparecem da face da terra por morte natural. Também, a pretexto de que suas ações acabam atingindo civis inocentes, elas deveriam deixar que os próprios ditadores eliminem as resistências...
O compasso moral é inatacável...
Paulo Roberto de Almeida

O panorama visto de Harvard
Celso Amorim
Carta Capital, 7 de maio de 2011

Da ampla janela do escritório/mansarda que me foi atribuído na Harvard Kennedy School enxergo o topo de outros edifícios que fazem parte do complexo da universidade. A forma abobadada e o colorido dos campanários fazem lembrar cúpulas que se veem em outras paragens, meridionais ou mesmo orientais (Maetternich dizia que o Oriente começava na Rnnweg, na saída de Viena).

Tudo isso dá um ar pacífico e multicultural à paisagem, conducente à reflexão e ao debate. É verdade que esta atmosfera leve não se reflete sempre nos temas dos debates, em geral concentrados em situações nada tranquilas, como as duas guerras em que este país está envolvido e em outros conflitos potenciais. A Líbia, embora muito presente no noticiário, surge menos nas discussões, possivelmente em razão do seu baixo valor estratégico, apesar da tragédia humanitária que a intervenção da Otan não diminuiu em nada, como bem assinalou o ministro Antonio Patriota.

Há neste país uma não disfarçada perplexidade com as mudanças imprevistas em operação no mundo, em especial no Oriente Médio. A estratégia dos EUA para essa região há anos está baseada em conceitos, como o de “árabe moderado” (por oposição a árabe fundamentalista ou radical, supõe-se), que hoje já não têm sustentação na realidade. Na verdade, nunca tiveram. O que significa ser um árabe moderado? Ou ser um árabe radical? A derrubada de Hosni Mubarak pela revolução popular tornou o paradigma de “líder árabe moderado”, que ele mais que ninguém encarnava, definitivamente obsoleto. A mudança no Egito, como assinalei desde o início – em que pese a brutalidade de outras situações, inclusive em tradicionais aliados dos EUA, como o Bahrein e o Iêmen –, é o fato de maior impacto geopolítico na questão que é chave para todas as outras: o conflito Israel-Palestina.

O acontecimento de maior relevo dos últimos dias, por suas implicações de médio e longo prazo, é o acordo entre as lideranças do Fatah e do Hamas. A reconciliação entre as duas facções antagônicas, resultado direto das outras mudanças na região, principalmente no Egito, mas, de forma paradoxal, também na Síria, é a única via para se chegar a uma paz duradoura entre árabes e israelenses. Claro, isso exigirá uma evolução por parte do Hamas, que terá de aceitar a existência do Estado de Israel, um fato da história que nenhuma ideologia pode pretender apagar. Já o governo israelense tem de compreender – e, quanto mais rápido o fizer melhor para todos, sobretudo para Israel – que um acordo que venha abarcar todos os segmentos representativos da população palestina terá muito mais possibilidade de ser um acordo durável. Isso era verdade antes das atuais mudanças. A expectativa de que Tel-Aviv pudesse chegar a um entendimento com a Autoridade Palestina, que somente controlava, ainda assim parcialmente, uma parte do território, que depois fosse imposto à outra facção (expectativa, diga-se de passagem, também nutrida pelos negociadores da Autoridade Palestina), sempre foi, a meu ver, ilusória.

Hoje, com um governo egípcio onde a opinião popular – inclusive aquela, muito ponderável, da Irmandade Muçulmana – terá em qualquer circunstância mais influência, em que a ilusão torna-se mera fantasia. Goste-se ou não, é essa a realidade que terá de ser enfrentada, não só por Israel, mas por qualquer potência que pretenda ter influência na região. E que ninguém se iluda, neste particular, com a situação na Síria. Todos (ou ao menos todos aqueles que se consideram democratas e progressistas, no Brasil e alhures) desejamos um desfecho que ponha fim à brutal repressão que Bashar al-Assad desencadeou (contrariando expectativas de muitos que, inclusive no Ocidente, viam nele um líder modernizador e aberto ao diá-logo que lutava para se libertar do aparato herdado do pai).

Mas um governo mais democrático em Damasco não significará necessariamente um governo mais fácil de lidar do ponto de vista de Washington e de Tel-Aviv, ao menos de acordo com a estratégia seguida até aqui. A maior repressão empreendida pelo pai de Bashar foi contra a Irmandade Muçulmana. Diferentemente dos filmes de mocinho e bandido, que parecem constituir a lente pela qual uma parte da opinião pública e, infelizmente, dos próprios tomadores de decisão, vê o mundo, a realidade é mais complexa.

Por falar nisso, passou despercebida, creio, da nossa mídia uma interessantíssima análise do ex-presidente sul-africano Thabo M’Beki sobre o ocorrido na Costa do Marfim. Para o ex-mandatário, mediador do conflito, antes dos trágicos episódios que culminaram com o bombardeio por helicópteros franceses – devidamente autorizados pela ONU, ao que parece – à residência presidencial, a história é bem diferente daquela contada pela mídia ocidental. Segundo M’Beki, os grandes perdedores teriam sido a ONU e a União Africana. Os ganhadores, naturalmente, os defensores de interesses coloniais e neocoloniais. Vale conferir.

NR: A coluna de Amorim foi escrita no sábado 30, antes da morte de Bin Laden. O fato não altera, porém, o teor das análises

Celso Amorim é ex-ministro das Relações Exteriores do governo Lula. Formado em 1965 pelo Instituto Rio Branco, fez pós-graduação em Relações Internacionais na Academia Diplomática de Viena, em 1967. Entre inúmeros outros cargos públicos, Amorim foi ministro das Relações Exteriores no governo Itamar Franco entre 1993 e 1995. Depois, no governo Fernando Henrique, assumiu a Chefia da Missão Permanente do Brasil nas Nações Unidas e em seguida foi o chefe da missão brasileira na Organização Mundial do Comércio. Em 2001, foi embaixador em Londres.

Artigos anteriores:

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Dizer que o apoio à resolução da ONU contra o Irã não afetará a percepção que se tem da nossa postura internacional é tapar o sol com a peneira.