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quarta-feira, 12 de outubro de 2022

A ameaça nuclear de Putin deve ser levada a sério? - Markian Ostaptschuk (DW)

 

A ameaça nuclear de Putin deve ser levada a sério?

Markian Ostaptschuk
há 28 minutos

Moscou já advertiu que pode usar armas nucleares. Se retórica não bastar para conter contraofensiva ucraniana, ameaça pode ser posta em prática – mas com consequências catastróficas também para Rússia, avaliam analistas.

Desde o fim de setembro, tropas ucranianas têm executado contra-ataques bem-sucedidos nas regiões de Kharkiv, Donetsk, Lugansk e Kherson. As tensões aumentam no Kremilin, enquanto no mundo crescem as preocupações sobre o uso de armas nucleares por parte dos russos, algo que o presidente Vladimir Putin vem ameaçando desde o início da guerra na Ucrânia.

Citando fontes da Otan, o jornal britânico The Times informou que a Rússia estaria preparando testes com armas nucleares no Mar Negro. Além disso, começou a circular na internet um vídeo mostrando um trem militar russo em direção à fronteira com a Ucrânia, e supostamente ligado à 12ª direção central do Ministério da Defesa da Rússia, responsável pelo arsenal nuclear do país.

A escalada nuclear russa

Gerhard Mangott, professor de Relações Internacionais da Universidade de Innsbruck, na Áustria, não subestima o risco de um possível uso de armas nucleares pela Rússia. O trem militar, bem como o deslocamento do submarino K-329 Belgorod, pode significar um "recado nuclear".

"A Rússia mostra à Ucrânia e aos governos ocidentais que não está somente apta, mas também possivelmente disposta a usar armamentos nucleares", diz Mangott. "Neste momento, isso serve principalmente como um elemento dissuasivo. O objetivo é sinalizar que a Ucrânia não deve continuar com a ofensiva e que o Ocidente não deve seguir apoiando a Ucrânia com armas."

Se as ameaças russas não impedirem a contraofensiva ucraniana, Putin poderia avançar para uma próxima fase. "Como uma mensagem radical de 'parem a ofensiva', a Rússia poderia testar uma arma nuclear tática sobre o Mar Negro ou na Península de Kamchatka [no extremo oriente russo]", afirma o professor.

No entanto, se explosões de armas nucleares em áreas desabitadas não surtirem efeito e a Ucrânia continuar a atacar e a retomar territórios, a Rússia poderia, segundo Mangott, usar armamentos estratégicos em regiões povoadas na Ucrânia.

O especialista militar e ex-coronel da Bundeswehr (Forças Armadas da Alemanha) Ralph Thiele também acredita que Putin poderia partir para uma próxima fase. Segundo ele, se uma bomba nuclear russa arremessada sobre áreas desabitadas não surtir efeito de dissuasão em Kiev, Moscou poderia passar a mirar alvos políticos e econômicos na Ucrânia.

"Pode ser uma explosão que transmita um impulso eletromagnético a uma área de centenas de quilômetros quadrados, e destrua tudo que funciona por meio de eletricidade: carros, televisores, satélites, computadores, centrais de energia. Essa é uma possibilidade", diz Thiele.

Como o Ocidente reagiria?

A maioria dos especialistas internacionais concorda que mesmo um teste com armas nucleares poderia gerar consequências desastrosas para a Rússia. "Mesmo que seja um teste, que por si só já violaria o Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares, ratificado pela Rússia, isso resultaria em severas sanções econômicas e financeiras", diz Gerhard Mangott.

O conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, também alertou para possíveis "consequências desastrosas". Em entrevista à rede CBS no final de setembro, ele disse que funcionários do alto escalão do governo americano deixaram isso claro para o Kremlin, de forma "direta e confidencial, nos mais altos níveis".

Para Mangott, a resposta dos EUA e da Otan provavelmente será também militar. O ex-diretor da CIA (Agência Central de Inteligência americana) David Petraeus disse que Washington e seus aliados estão preparados para destruir todo o exército russo em território ucraniano e afundar toda a frota no Mar Negro.

Esse hipotético ataque, segundo Mangott, seria assimétrico, ou seja, com uso de armas convencionais. "Putin não é informado apenas sobre como o Ocidente reagirá ao uso de uma bomba nuclear, mas também que a Rússia ficará globalmente isolada, e que China e Índia igualmente condenarão tal medida."


A China pode ajudar?

Até o momento, a China vem adotando uma posição neutra em relação à guerra na Ucrânia. Ao mesmo tempo, muitos especialistas concordam que Pequim poderia ajudar a impedir que Putin lance um ataque nuclear. Para Ralph Thiele, o Ocidente deveria fazer mais para tornar a China uma aliada estratégica.

"Putin depende da China. Com um maior envolvimento de Pequim, o mundo teria a oportunidade de obter um cessar-fogo como um primeiro passo", diz o especialista militar.

Contudo, para Thiele, o Ocidente não deveria pressionar a China a aderir às sanções contra a Rússia. Isso não seria vantajoso para Pequim. A China está interessada em acabar com a guerra na Ucrânia, principalmente por razões econômicas, afirma ele. O país também não quer que o conflito se transforme numa guerra nuclear.

"Nossos políticos querem manter a China fora da Europa porque acreditam que será difícil lidar com a China econômica e geopoliticamente no futuro. Mas acho que temos que engolir o sapo menor, que é suportar a desagradável e forte presença da China na Europa", afirma Thiele.

O "sinal vermelho" de Putin

Se as advertências americanas terão um efeito de dissuasão para os russos, isso dependerá do desenvolvimento dos combates na Ucrânia, diz Gerhard Mangott. Para o professor, o "sinal vermelho" para Putin poderia ser a tentativa, por parte do exército ucraniano, de retomar a Crimeia– ilegalmente anexada por Moscou em 2014.

"Não consigo imaginar que ele [Putin] ficaria parado assistindo à Ucrânia retomar a Crimeia. Isso colocaria sua posição em perigo imediato e provocaria sua queda. A grande questão é se Putin, para evitar a derrota, teria sangue frio e obsessão suficiente para ir ao extremo de usar uma arma nuclear", diz Mangott.

"Acredito que Putin tem sangue frio e é obcecado o suficiente. Mas há pelo menos um pingo de esperança de que a sua ordem [para o uso das armas] não seja cumprida por aqueles que devem implementá-la."

Mesmo com as ameaças, atualmente não há sinais de que o governo russo tenha decidido utilizar armas nucleares, afirma o especialista.

"Ainda não chegamos a esse ponto. Também não estamos na fase em que a Rússia corre o risco de perder essa guerra de maneira catastrófica. No entanto, a cada derrota que o país sofre nos campos de batalha, a cada reconquista ucraniana de áreas ocupadas por russos, cresce a possibilidade de isso acontecer."

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Eleiões 2022: voto em Bolsonaro é mais emocional do que racional - Philipp Lichterbeck (Deutsche Welle)

O que leva eleitores a votar em Bolsonaro?

Coluna Brasil

Deutsche Welle, 19/09/2022

Apoiadores do presidente quase não têm respostas plausíveis sobre a sua escolha. São movidos sobretudo por emoções, fake news e ideais conservadores vendidos como cristãos. 

Há um fenômeno nesta campanha eleitoral: quando eleitores de Jair Bolsonaro são questionados sobre os motivos de sua escolha, geralmente não lhes ocorre nenhuma resposta plausível.

Ouvem-se com frequência frases como: "ele representa o povo" ou "ele é um patriota". Quando se pergunta o que de concreto Bolsonaro fez pelo povo, obtém-se, na maioria das vezes, o silêncio como resposta. São comuns respostas como: "ele construiu estradas e levou água para o Nordeste". Outros dizem que ele acabou com a corrupção – porém, quando se menciona o escândalo dos pastores no Ministério da Educação ou a compra de 51 imóveis com dinheiro vivo pela família Bolsonaro, às vezes admitem que talvez possa ter havido corrupção.

Alguns também admitem não saber o que Bolsonaro fez pelo Brasil, mas que isso não importa. Eles votariam em Bolsonaro de qualquer jeito, ele seria o "mito", aquele que representa o Brasil e que acredita em Deus.

Deus é uma resposta frequente para a pergunta sobre a motivação para votar no presidente. Durante um evento eleitoral no 7 de Setembro em Copacabana, um casal de Nova Iguaçu afirmou que Bolsonaro representa os valores cristãos que eles também defendem. Quais seriam esses valores? A primeira resposta é "a família": homem, mulher e filhos. A família, porém, não é um valor cristão. Valores cristãos são fé, amor, esperança, misericórdia, justiça, amor ao próximo. Família, ao contrário, é um ideal conservador que se vende como cristão.

De eleitores do Bolsonaro, ouve-se também frequentemente que ele é o único que pode derrotar Lula – o ladrão que quase arruinou o Brasil. Não é um argumento para Bolsonaro, mas contra Lula. Como o esperado, há também muitas fake news, por exemplo, de que Lula quer instaurar o comunismo, fechar igrejas ou que a "ideologia de gênero" seja ensinada nas escolas.

Para resumir, não se ouvem respostas convincentes sobre as razões de votar em Bolsonaro. Com os outros candidatos é diferente. Quem vota no Lula muitas vezes cita motivos pessoais, por exemplo, a influência positiva de políticas sociais em sua própria vida ou o fato de que pela primeira vez alguém da família pôde ir para a universidade. Motivos políticos também são citados, como o desejo de mais direitos para trabalhadores informais. Quem vota no Ciro Gomes argumenta sobre a terceira via, que quer acabar com a polarização. Ciro representa uma política fiscal e econômica sensata e equilibrada. Quem defende Simone Tebet usa argumentos parecidos, mas espera uma política econômica mais liberal.

Pode-se, portanto, constatar que os eleitores de Bolsonaro tomam uma decisão mais emocional que racional. Muitos brasileiros se identificam com o que ele representa – como o anticomunismo, o machismo ou a loucura por armas. O agronegócio, que nunca cresceu tanto e recebeu créditos tão baratos como no governo Lula, gosta da hostilidade de Bolsonaro ao MST e aos indígenas.

Bolsonaro conseguiu uma façanha. Ele transmitiu à sua base a impressão de que as instituições, a imprensa e a elite intelectual não falam mais a verdade. E de que ele, ao contrário, se atreve a proferir a verdade – rude, mas autêntico e sem floreios. A imagem do agente simples e franco a serviço do Brasil, excluído do establishment, é com certeza um dos motivos para a popularidade de Bolsonaro. Mas não é um bom motivo.

Pois, com demasiada frequência, eleitores votam contra os próprios interesses. Os republicanos nos Estados Unidos mostraram como conquistar eleitores brancos e pobres dos estados sulistas, que antes votavam nos democratas, com temas que mexem com as emoções, como aborto e casamento gay. Esses eleitores deixaram, de repente, de votar no partido que prometia melhorar sua situação econômica e passaram a votar no partido antiaborto. Bolsonaro também obteve sucesso com uma manobra semelhante, especialmente entre os evangélicos, que muitas vezes pertencem às camadas mais pobres da população. Ele costurou seu sucesso com conceitos emocionais, como Deus, nação, família e liberdade. São as palavras que ele repete em todos os eventos de campanha – enquanto evita conteúdos políticos concretos, possivelmente porque estes não existem.

Assim como o trumpismo, o bolsonarismo é um movimento sustentado pelo sentimento de que algo não está certo, de que a sociedade perdeu as estribeiras. Sua inquietação se volta contra mudanças sexuais, a ascensão dos pobres, a educação "muito liberal" ou a suposta "ameaça socialista". Em 2018, Bolsonaro conseguiu unir esses ressentimentos quando o Brasil se encontrava numa crise profunda. Tempos de crise são bons momentos para extremistas, e Bolsonaro agarrou essa oportunidade.

Mas agora a receita não parece funcionar mais. Um chefe de Estado precisa oferecer mais do que palavras emocionais, mas vazias.

No final, é exatamente como Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação de Bolsonaro, disse há alguns dias: "O bolsonarismo é uma farsa (...) que usa religião para enganar." 

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Qual a importância da região reconquistada pela Ucrânia? - Roman Goncharenko (Deutsche Welle)

Qual a importância da região reconquistada pela Ucrânia?
Roman Goncharenko
Deutsche Welle, 15/09/2022


Em poucos dias, a Ucrânia conseguiu retomar da Rússia grandes áreas a leste da cidade de Kharkiv. Izyum, um entrocamento de transporte próximo à região do Donbass, é considerada particularmente importante.
São números que ainda surpreendem quem vive na Ucrânia: desde 6 de setembro, o Exército ucraniano reconquistou mais de 6 mil quilômetros quadrados e mais de 300 localidades na região de Kharkiv, com uma população total de cerca de 150 mil, afirmou a vice-ministra da Defesa da Ucrânia, Hanna Maljar, nesta terça-feira (13/09).
Em decorrência, liberou-se quase todo o território no norte e leste da região de Kharkiv que fora rapidamente ocupado e mantido pelos russos no início da invasão, em 24 de fevereiro. Para a Ucrânia, essa contraofensiva é o segundo grande sucesso desde o final de março, quando a ofensiva russa em Kiev falhou – e Moscou retirou suas tropas que estavam ao norte da capital.
A princípio, Moscou ficou em silêncio por dias – e, depois, finalmente, classificou a retirada precipitada como um "reagrupamento". Porém, para Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, isso não significa um alívio: por se localizar próxima à fronteira com a Rússia, a cidade é bombardeada quase todos os dias pelos russos – e, recentemente, cada vez mais. Mas, para as áreas mais a leste, o fim da ocupação russa tem uma importância estratégica.
Izyum: a porta de entrada para a região do Donbass
Localizada no sudeste da região de Kharkiv, com cerca de 50 mil habitantes antes da invasão russa, Izyum é a cidade mais importante que a Ucrânia conseguiu reconquistar. A estratégica rodovia M-03 que passa pela localidade conecta Kharkiv com Sloviansk, na região vizinha de Donetsk. São apenas 50 quilômetros de Izyum a Sloviansk, que é a porta de entrada para o Donbass.
Desde o início da guerra no Donbass, em 2014, essa rodovia se tornou uma das principais vias da Ucrânia. Por meio dela, a Ucrânia abastecia suas tropas na região, a partir de Kharkiv.
A Rússia tenta cercar as tropas ucranianas perto de Sloviansk, também no norte, mas até agora não obteve sucesso. Houve combates pesados na área durante todo o verão europeu, a recaptura de Izyum aliviou as tropas ucranianas no Donbass e tornou possível continuar a ofensiva mais a leste.
Izyum não é importante apenas como entroncamento rodoviário. Uma fábrica de armas da estatal Ukroboronprom, localizada na cidade, é a única que produz vidros ópticos na Ucrânia. No local são fabricados a maioria dos dispositivos de visão noturna para a tecnologia militar ucraniana, incluindo os principais tanques e veículos blindados.
Além disso, partes do sistema de controle a laser para mísseis antitanque ucranianos dos tipos Stuhna e Korsar são produzidos na fábrica de armas em Izyum. Ambos os sistemas são usados na guerra.
Kupiansk: entroncamento ferroviário na fronteira russa
Não menos significativa é a cidade de Kupiansk, segundo entroncamento ferroviário mais importante da região de Kharkiv. Ela está localizada no norte, a apenas 40 quilômetros da fronteira com a Rússia.
As forças de ocupação russas usavam Kupiansk para transportar suprimentos para o front perto de Izyum. No lado russo, uma nova base militar foi construída nos últimos anos perto da cidade de Valuyki, quase na fronteira com a Ucrânia.
Kupiansk está localizada à margem do rio Oskol. Como resultado da contraofensiva ucraniana, as tropas russas recuaram para a sua margem oriental. Cerca de 60 mil moravam na cidade antes da invasão.
Durante a ocupação, uma "administração civil-militar" controlada por Moscou foi instaurada no local. A ofensiva ucraniana forçou os russos, primeiro, a se deslocarem para Vovchansk, perto da fronteira e, depois, para Belgorod, na Rússia.
Esta "administração" planejava realizar nos próximos meses um "referendo" para se unir à Rússia, a exemplo de outros territórios ocupados. Agora, esses planos foram interrompidos.

Balakliya: depósito de armas e campo de gás
Balakliya foi uma das primeiras cidades reconquistadas na região de Kharkiv. Com cerca de 27 mil habitantes antes da guerra, o lugar é menor que Izyum e Kupiansk, mas não está longe da estratégica rodovia M-03, no caminho de Kharkiv para Izyum.
Em 2017, Balakliya ganhou as manchetes na Ucrânia e no exterior quando um depósito de munições explodiu. De acordo com alguns relatos, ela já abrigou o maior depósito de munição do país, descrito como um legado da União Soviética. Na época, as autoridades em Kiev afirmaram que o depósito foi alvo de sabotagem.
O entorno de Balakliya é importante para o abastecimento de gás da Ucrânia, já que o campo de Shebelinka, o maior da Ucrânia, está localizado na área. Devido à proximidade das frentes de batalha, a produção estava em perigo. Quase metade do gás da Ucrânia é produzido na província de Kharkiv.

Ucrânia conseguirá manter os territórios recapturados?
Após o sucesso dos últimos dias, a Ucrânia está tentando avançar ainda mais para o leste e liberar outras regiões. No entanto, a velocidade diminuiu significativamente. A questão central nas próximas semanas provavelmente será se se conseguirá manter os territórios já reconquistados.
Os observadores não descartam a possibilidade de a Rússia se reorganizar e atacar novamente o norte. O líder tchetcheno Ramzan Kadyrov, cujas tropas são notórias na guerra da Ucrânia, anunciou que o território perdido seria trazido de volta ao controle de Moscou.
No entanto, tal não será fácil para o Exército russo: a Ucrânia está atualmente tentando avançar no sul, na região de Kherson, e conseguiu recapturar cidades menores.
Devido a sua proximidade com a Crimeia anexada, a Rússia aparentemente considera Kherson muito mais importante do que Kharkiv, e por isso tem enviado reforços para a região.

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Eleições 2022: Lula já ganhou no 1o. turno: o que Bozo está esperando para dar o golpe? (Deutsche Welle)

Lula oscila para cima e pode ganhar no 1° turno, aponta Ipec

há 28 minutos

Deutsche Welle, 12/09/2022

Ex-presidente passa de 44% para 46% em nova pesquisa, enquanto Bolsonaro permanece estagnado com 31%. Rejeição a Bolsonaro e reprovação do governo também oscilaram para cima.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continua na liderança da disputa pela Presidência nas eleições de outubro, segundo a pesquisa do Instituto Ipec, divulgada nesta segunda-feira (13/09).

Os números demonstram oscilações dentro da margem de erro, de dois pontos percentuais para mais ou para menos, mas também sugerem uma consolidação da preferência dos eleitores, a três semanas das eleições.

Segundo a sondagem divulgada nesta segunda, Lula oscilou positivamente, chegando a 46% das intenções de voto, em comparação aos 44% registrados no levantamento anterior, do dia 5 de setembro.

Os números sugerem que uma vitória de Lula no primeiro turno das eleições é possível.

Jair Bolsonaro (PL) manteve os mesmos 31% da pesquisa da semana passada, quando tinha oscilado um ponto para baixo.

Nos votos válidos, que não consideram brancos e nulos, Lula aparece com 51%, contra 35% de Bolsonaro.

Nos votos totais, em terceiro lugar, aparece o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), com 7% (queda de 1 ponto), seguido da senadora Simone Tebet (MDB), que manteve os mesmos 4% da pesquisa anterior.

Felipe D'Ávila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil) continuam com 1% cada. Vera Lúcia (PSTU), Constituinte Eymael (PDC), Sofia Manzano (PCB), Léo Péricles (UP), e Padre Kelmon (PTB) foram citados mas estiveram abaixo de 1% das intenções de voto.

Pablo Marçal (Pros) não constou na pesquisa por sua candidatura ter sido indeferida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) , Brancos e nulos somam 6% e não sabem/não opinaram, 4%.

Segundo turno

No caso de um eventual segundo turno, Lula aparece novamente como favorito na disputa com Bolsonaro. De acordo com o Ipec, o petista venceria com 53% dos votos – oscilando 1 ponto para cima desde a última pesquisa – enquanto Bolsonaro ficaria com o mesmo número registrado há uma semana, 36%.

O Ipec revelou que 80% dos eleitores dizem estar decididos sobre em quem vão votar nas eleições de outubro.

Rejeição e avaliação do governo

Metade do eleitorado (50%) diz não votar em Bolsonaro de jeito nenhum (contra 49% do levantamento anterior), enquanto Lula é rejeitado por 35% (36% há uma semana). Ciro Gomes tem 17% de rejeição, enquanto o nome de Simone Tebet foi rejeitado por 7% dos entrevistados.

A avaliação do governo Bolsonaro oscilou negativamente, dentro da margem de erro da pesquisa; 59% dos entrevistados reprovam a maneira como o presidente governa o país, enquanto 35% aprovam. No dia 5 de setembro, a reprovação à administracao do presidente era de 57%, e a aprovação, 38%.

O número dos que dizem não saber avaliar permaneceu inalterado, com 5%.

O Ipec ouviu 2.512 pessoas entre os dias 9 e 11 de setembro em 158 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais para cima ou para baixo, levando-se em conta um nível de confiança de 95%.

Datafolha

A pesquisa mais recente do Datafolha, divulgada no dia 9 de setembro, também colocou Lula como favorito. O petista apareceu com 45% das intenções de voto, contra 34% de Bolsonaro.

Em seguida aparecem Ciro Gomes (PDT), com 7%, Simone Tebet (MDB), com 5%. No caso de um eventual segundo turno, o petista venceria com 53% dos votos, e Bolsonaro ficaria com 39%, segundo o Datafolha.


quinta-feira, 2 de junho de 2022

Isolado, Brasil perde credibilidade em cúpula ambiental de Estocolmo - Deutsche Welle

 O Brasil retrocedeu  50 anos, meio século, na temática ambiental. O governo atual trouxe o país e a sua diplomacia de volta aos tempos da ditadura militar, que é muito apreciada pelo chefe de governo.

Isolado, Brasil perde credibilidade em cúpula ambiental de Estocolmo
Deutsche Welle
02/06/22 - 07h58

De protagonista na diplomacia climática a pária internacional, país aprofunda isolamento em reedição da histórica conferência de meio ambiente de 1972, na capital sueca.Cinco décadas após sediar a primeira reunião da história sobre meio ambiente e inserir o tema no mundo diplomático, Estocolmo volta a ser palco de discussões a partir desta quinta-feira (02/06), sob um clima mais sombrio.

Em 1972, a então Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, o primeiro grande evento da ONU, trazia à tona as primeiras evidências de que o estilo de vida, principalmente dos países ricos, causava estragos de dimensões planetárias. A poluição, vista como um lado negativo da industrialização acelerada, era considerada o maior problema na época.

A reedição da conferência na capital da Suécia em 2022, batizada de Estocolmo+50, se situa num contexto mais desconfortável. Passados 50 anos, o diagnóstico atualizado da saúde do planeta vai muito além da poluição: mudanças climáticas e perda da biodiversidade e de espaços naturais entram na lista como ameaças graves ao bem-estar da humanidade.

Embora esteja sob a sombra da guerra na vizinha Ucrânia e todos os seus impactos, como a insegurança alimentar, num mundo que ainda tenta superar a pandemia de covid-19, a reunião tenta recuperar o espírito pioneiro de 1972 e busca um lugar na história do movimento ambiental.

Pelo menos dez chefes de Estado devem comparecer; Jair Bolsonaro não estará entre eles. O Brasil deverá ser representado pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e a secretária de Amazônia e Serviços Ambientais, Marta Lisli Giannichi.

A expectativa de que a delegação brasileira cause qualquer boa impressão é baixa. “O Brasil do governo Bolsonaro é completamente obtuso em relação à importância ambiental, o que gera isolamento e consome o capital diplomático importante que o país tinha no plano internacional”, analisa Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores, em entrevista à DW.

Política do isolamento
O isolamento internacional parece ter sido opção do governo Bolsonaro quando o debate se volta para o meio ambiente. Em outras reuniões da ONU, como a Assembleia Geral de 2019, ele criticou o empenho de outros países em iniciativas que visam a preservação da Amazônia e a extensão de terras destinadas aos povos indígenas.

Naquele primeiro ano de seu mandato, Bolsonaro via sua imagem derreter junto à opinião pública à medida que a Amazônia sofria uma das mais severas temporadas de queimadas. A grande repercussão do desastre ambiental foi descrita como “ataques sensacionalistas” pelo presidente, que afirmou na plenária ter “um compromisso solene com a preservação do meio ambiente”.

Mas não é o que mostram os dados observados por satélite e divulgados anualmente há três décadas pelo sistema de monitoramento operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Nos três primeiros anos da gestão Bolsonaro, a alta do desmatamento da maior floresta tropical foi de 52,9% em comparação com os anos anteriores.

“O Brasil perdeu credibilidade, está numa posição defensiva. Não é uma questão ideológica, é uma questão de número. Não tem como negar o aumento do desmatamento, estimulado tacitamente pelo governo, e o desrespeito aos direitos indígenas”, comenta Fábio Feldmann, ambientalista com longo histórico de atuação.

Nenhum porta-voz do governo federal respondeu aos pedidos de entrevista da DW Brasil.

Do protagonismo à pária
Meses antes da conferência em Estocolmo, publicações que apontavam o abismo para o qual caminhava a humanidade influenciavam a opinião pública e os rumos das conversas durante o evento.

Entre os exemplos estão o livro This endangered planet, de 1971, escrito por Richard Falk, e o relatório Limits to growth, de 1972, coordenado pelo Clube de Roma, que projetava que o crescimento econômico e populacional contínuo esgotaria os recursos da Terra e levaria ao colapso global até 2070.

Era o começo da compreensão da crise ambiental – que evoluiu bastante até os dias atuais, analisa Feldmann, amparada pela produção de conhecimento científico na área. “Em 1972 havia uma certa dificuldade dos países de entender a questão ambiental, era um tema novo, por isso houve naquela época essa linha de que tudo se tratava de uma conspiração”, argumenta.

Essa teoria, adiciona, não se sustenta em 2022, como tenta manter Bolsonaro. “É impossível negar a realidade hoje. O governo não controla mais toda a informação, a sociedade civil também monitora o desmatamento e os indicadores ambientais, e os cientistas comunicam bem à sociedade os dados que produz”, pontua.

O cenário atual parece aquele visto há 50 anos, quando o Brasil vivia uma ditadura militar, era alvo de críticas por violações dos direitos humanos e tinha péssimos indicadores ambientais e sociais. Ao mesmo tempo, chamava atenção pelas riquezas naturais, como a biodiversidade e reserva de água potável.

“A partir de Estocolmo, consolidou-se a percepção internacional de que o Brasil não parecia capaz de preservar esse extraordinário patrimônio. Isto se fortaleceu ainda mais nos anos subsequentes, agravando-se na segunda metade dos anos 80 em razão da repercussão da intensificação das queimadas na Amazônia”, escreve o diplomata André Aranha Corrêa do Lago, no livro Conferências de desenvolvimento sustentável.

Naquela ocasião, o posicionamento brasileiro foi visto como bastante atrasado, e chegou-se a falar que o país tentava boicotar a conferência. O Brasil tentava convencer outros países em desenvolvimento de que a reunião em Estocolmo era uma estratégia para impedir a industrialização das nações mais atrasadas – e mais pobres.

“O país não compreendeu a conferência, interpretou de maneira incorreta. Não conseguia entender que a crise ambiental havia chegado para ficar”, opina Feldmann.

O legado de Estocolmo
Mas tudo mudou depois da Rio 92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), cujo processo de candidatura ocorreu quando o Brasil retornava ao regime democrático.

O empenho do país em sediar o evento se devia principalmente à deterioração de sua imagem no exterior, narra Corrêa do Lago em seu livro. Esse fato “vinha sendo acompanhado com preocupação pelo Itamaraty e, principalmente, por suas repartições na Europa e nos EUA, onde o Brasil se tornara o grande alvo de grupos ambientalistas e da imprensa”, diz um trecho.

Ministro à época, Celso Lafer afirma que o sucesso da Rio 92 consagrou o tema ambiental de grande peso na agenda internacional. “Ela foi a menos governamental das grandes conferências diplomáticas. Não teve nada de improvisação; muitos documentos foram preparados”, detalha.

Para Feldmann, um dado em particular ressalta a mobilização que o debate causou na capital fluminense: “Foram 102 chefes de Estado que compareceram ao Rio de Janeiro. Em Estocolmo, em 1972, foi apenas uma, a primeira-ministra da Índia, Indira Gandhi.”

Em resposta à desconfiança da primeira reunião na Suécia, o corpo diplomático brasileiro é apontado como o mais atuante para que o desenvolvimento dos países mais pobres não fosse impedido diante das questões ambientais. Nascia o conceito de desenvolvimento sustentável, que se firmou nas conferências seguintes da ONU.

“Diante da gravidade do problema, o copo parece muito vazio. Mas do ponto de vista do que se avançou desde então, está meio cheio”, classifica Lafer, mencionando entre os legados a criação de órgãos como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Apesar de as ações para frear a degradação ambiental em todo o planeta ainda estejam longe da efetividade necessária, Feldmann vê a reedição de Estocolmo como uma celebração. “Ainda precisamos de muito avanço, mas toda essa mobilização em torno da pauta ambiental só reforça o legado da conferência histórica de 1972”, opina.

https://www.istoedinheiro.com.br/isolado-brasil-perde-credibilidade-em-cupula-ambiental-de-estocolmo/


domingo, 24 de abril de 2022

Se Macron perder, a culpa caberá a Mélenchon, e será terrível para a França, para a UE, para a Ucrânia - Jean-Philip Struck (Deutsche Welle)

 POLÍTICAFRANÇA

França volta às urnas com Macron na liderança das pesquisas

há 5 horas

País repete disputa de 2017. De um lado, o pró-europeu Macron. Do outro, a nacionalista de extrema direita Marine Le Pen. Levantamentos indicam que presidente deve vencer, mas com vantagem menor do que cinco anos atrás. 

https://www.dw.com/pt-br/fran%C3%A7a-volta-%C3%A0s-urnas-com-macron-na-lideran%C3%A7a-das-pesquisas/a-61571313?maca=bra-GK_RSS_Chatbot_Mundo-31505-xml-media

A França volta às urnas neste domingo (24/04) para escolher quem vai ocupar a Presidência pelos próximos cinco anos: o atual ocupante do cargo, Emmanuel Macron, ou a veterana de disputas presidenciais Marine Le Pen. É uma repetição do duelo do segundo turno de 2017, que novamente coloca frente a frente dois projetos antagônicos: a visão cosmopolita pró-europeia do liberal Macron e o ultranacionalismo eurocético da extremista de direita Marine Le Pen.

Cinco anos atrás, tanto Macron quanto Le Pen sacudiram o mundo político ao chegarem ao segundo turno. Foi a primeira vez desde a fundação da 5ª República francesa, no final dos anos 1950, que a disputa ocorreu sem a presença de forças tradicionais da política do país: conservadores e socialistas.

O cenário se repete agora em 2022, mas agora Macron, 44 anos, já não pode se apresentar como uma novidade independente e renovadora. Como presidente, ele foi capaz de mostrar bons números na economia, mas também acumulou desgaste ao promover impopulares reformas pró-mercado.

Já Le Pen, 53 anos, está em sua terceira disputa presidencial. Nesta campanha, ela baixou o tom de parte da agenda xenófoba e extremista do seu grupo político, focando mais em aspectos socioeconômicos, algumas vezes se apropriando de bandeiras da esquerda. A estratégia ajudou a ampliar seu eleitorado, mas um segundo olhar revela que seu programa continua com os mesmos velhos elementos de extrema direita.

Os dois candidatos também transformaram a reta final da campanha num embate de duas diferentes visões de "anti". Le Pen agitou seu eleitorado para fazer do segundo turno um referendo "anti-Macron". Já o presidente fez apelos para barrar uma vitória da extrema direita de Le Pen.

O desgaste de Macron e a ampliação do eleitorado de Le Pen, somado à apatia de parte do eleitorado - especialmente o jovem - e a perspectiva de alta abstenção no segundo turno, levantaram o temor durante a campanha de que a França, a segunda maior economia da UE, acabe sendo palco de um novo terremoto político internacional, como ocorreu com a vitória de Donald Trump nos EUA, em 2016, e a aprovação do Brexit no Reino Unido, em 2015.

No entanto, as últimas pesquisas mostram que Macron deve ser reeleito - quebrando um ciclo de insucessos que vem afetando presidentes franceses desde 2002. Um levantamento divulgado na quinta-feira mostrou que ele deve vencer com 15 pontos de vantagem, com 57,5% dos votos, contra 42,5% de Le Pen. Outra pesquisa divulgada nesta semana apontou vantagem de 11 pontos para o atual presidente. O instituto brasileiro Atlas, por sua vez, indicou na sexta-feira uma vitória mais magra para Macron, com 6,6 pontos de vantagem.

No primeiro turno, Macron foi o mais votado dos 12 candidatos na disputa, obtendo 27,85% dos votos, seguido de Marine, com 23,15% dos votos e que só ficou pouco à frente do terceiro colocado, o independente de esquerda Jean-Luc Mélenchon (21,95%).

A ofensiva de Macron

Nas duas semanas de campanha do segundo turno, Marine Le Pen, do partido Reagrupamento Nacional (RN), foi ficando cada vez mais distante da liderança de Macron, do partido A República em Marcha. Os primeiros levantamentos logo após o primeiro turno apontavam uma disputa mais acirrada, com os dois rivais chegando a aparecer empatados tecnicamente.

Mas Macron conseguiu ampliar sua liderança, cedendo em alguns projetos de reforma impopulares. Ele, por exemplo, fez um pequeno recuo nos planos de aumentar a idade de aposentadoria. Ainda tratou de focar em temas que sua campanha vinha ignorando, como a perda do poder de compra e o meio ambiente, como forma de cultivar o eleitorado ecologista e a classe trabalhadora, tentando ainda se afastar da pecha de "presidente dos ricos".

Emmanuel Macron faz discurso em palanque
Emmanuel Macron multiplicou eventos de campanha no segundo turnoFoto: Ludovic Marin/AFP

O chefe de Estado também aumentou sua presença em eventos de campanha, depois de permanecer ausente em boa parte do primeiro turno por causa da guerra na Ucrânia. Ele fez várias visitas a redutos de Le Pen e a áreas periféricas nas quais Mélenchon se saiu bem no primeiro turno. Além disso, Macron se pintou como o único contraponto possível ao radicalismo de Le Pen, multiplicando críticas contra a rival e seu programa, tentando conscientizar os eleitores sobre os riscos de o país passar a ser governado pela extrema direita.

O ponto alto dessa última estratégia ocorreu no único debate do segundo turno, no qual Macron destrinchou os planos de Le Pen e adotou uma postura combativa, deixando Le Pen na defensiva. No embate, ele ainda explorou os laços da rival com a Rússia, incluindo um empréstimo milionário que o RN obteve de um banco russo em 2014 e advertiu que a proposta de Le Pen de proibir o uso do véu islâmico em público provocaria uma "guerra civil". Todas as pesquisas apontaram que Macron se saiu melhor do que a rival no debate.

Le Pen não diminui desvantagem, mas deve conseguir votação recorde

Herdeira de um clã político que há décadas assombra a França, Marine Le Pen exibiu nesta campanha o produto de um longo e intenso trabalho de suavização da sua imagem radical.

Ao longo da corrida, ela tentou oferecer uma versão de populismo acessível, focando especialmente em temas sociais, como diminuição de impostos e aumento de salários e aposentadorias. Em 2017, ela já havia dado os primeiros passos dessa estratégia, mas sua campanha continuava mais explicita no combate à imigração e na defesa de um "Frexit".

Desta vez, a linguagem usada nas agendas anti-imigração, anti-União Europeia, anti-Otan e anti-islã passaram a ser abordadas em vocabulário menos direto. Em vez de "Frexit", ela fala em "renegociar tratados" com a UE. A saída completa da Otan se tornou "saída do comando unificado da Otan", entre outros subterfúgios. "É um programa de saída da Europa, embora ela não o diga claramente", afirmou Macron antes do primeiro turno.

A campanha do segundo turno, de fato, acabou expondo um pouco da velha Marine Le Pen. No debate desta semana, ela foi confrontada por Macron sobre seu plano de proibir a exibição do véu islâmico e planos populistas de convocação de referendos para contornar a Assembleia Nacional e implementar projetos nativistas.

Marine Le Pen
Marine Le Pen aprofundou em 2022 sua estratégia de "desdiabolizar" o Reagrupamento NacionalFoto: Michel Spingler/AP Photo/picture alliance

Le Pen ainda tentou salvar algo do seu mau desempenho no debate, acusando Macron de ter agido de forma "arrogante" no duelo e afirmando que os "franceses [também] sofreram com essa arrogância e desprezo nos últimos cinco anos".

Mas a estratégia dupla de vitimização e suavização do discurso mostrou seus limites quando o segundo turno se aproximou. Nas duas semanas de campanha, Le Pen viu sua distância em relação a Macron aumentar, falhando em conquistar uma fatia decisiva dos indecisos e dos eleitores de Mélenchon.

Ainda assim, os levantamentos apontam que a candidata deve conquistar mais de 40% dos votos válidos - um recorde para a extrema direita francesa e um contraste e tanto com o massacre eleitoral sofrido pelo pai de Marine, Jean-Marie Le Pen no segundo turno de 2002. Nunca a direita radical chegou tão perto de conquistar o cargo mais alto da França.

O enfraquecimento da "frente republicana"

Assim como ocorreu em 2017, Macron, no papel de antagonista de Le Pen, conseguiu apoio de vários adversários moderados. Quase todos os principais candidatos derrotados no primeiro turno pediram apoio para o atual presidente. Os principais jornais da França também manifestaram apoio a Macron em editorais.

E, de novo, assim como ocorreu em 2017, houve uma notável exceção: Jean-Luc Mélenchon, o independente de esquerda que mais uma vez, por uma pequena margem, viu frustrados seus planos de chegar ao segundo turno.

Mélenchon repetiu sua estratégia de se limitar a pedir para que seus apoiadores não votem na extrema direita, sem endossar a candidatura de Macron. Na prática, deixando aberta a porta para que seus eleitores votem em branco/nulo ou não compareçam às urnas.

A nova recusa de Mélenchon em apoiar Macron e um crescente desinteresse dos jovens em votar - uma pesquisa apontou que 41% das pessoas na faixa dos 18 aos 24 anos não compareceram ao primeiro turno - demonstraram fissuras profundas na estratégia de "cordão sanitário" ou "frente republicana", quando praticamente todo o espectro político deixa as diferenças de lado e se une em torno de um moderado para derrotar uma força extremista.

Se em eleições passadas a presença de um radical no segundo turno era garantia de vitória certa para um moderado, desta vez o pleito demonstrou um cenário mais cinzento. Em 2002, o conservador Jacques Chirac derrotou no segundo turno o extremista Jean-Marie Le Pen por uma vantagem colossal de 64 pontos percentuais. Em 2017, Macron nunca se viu realmente ameaçado por Marine Le Pen e terminou vencendo com uma vantagem de 32 pontos.

Desta vez, a vantagem mais magra de Macron em pesquisas, a organização de protestos "Nem Macron, nem Le Pen" - como o que ocorreu na Sorbonne logo após o primeiro turno - e a sinalização da possibilidade de uma alta abstenção, demonstram que uma parte dos eleitores se cansou do ritual de votar no "menos ruim" - como definiu uma jovem estudante desiludida em entrevista à RFI. É uma posição que levantou críticas de alguns observadores, por servir, na prática, como uma complacência não intencional com a extrema direita.

Protesto
Protesto "Nem Macron, nem Le Pen" na Universidade Sorbonne. Apatia dos jovens acendeu alertas na FrançaFoto: picture alliance / abaca

Diante do risco de desinteresse de parte do eleitorado e o temor sobre os efeitos que uma surpresa no pleito possa causar na UE, os primeiros-ministros de Portugal, António Costa, da Espanha, Pedro Sánchez, e o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, expressaram apoio público à reeleição de Macron, apontando para os riscos de uma Le Pen no Palácio do Eliseu. O ex-presidente Lula também divulgou mensagens de apoio a Macron.

O próprio presidente francês, mesmo numa situação mais confortável nos últimos dias após ampliar sua vantagem, advertiu na quinta-feira: "Nada está garantido".

Ainda que a "frente republicana" tenha perdido força, Macron ainda deve se beneficiar de um sentimento de rejeição da extrema direita entre uma parte decisiva do eleitorado. Segundo pesquisa Ipsos, 39% dos eleitores que pretendem votar em Macron neste domingo têm como principal motivação impedir uma vitória de Le Pen, e não necessariamente endossar o programa do presidente. Apenas 25% afirmaram compartilhar das ideias de Macron. No caso de Le Pen, 42% dos seus eleitores afirmaram concordar com seu programa.

Mesmo os desiludidos eleitores de Mélenchon começaram a se mover para apoiar Macron, num apoio que deve ser decisivo. Uma pesquisa apontou que 54% dos seus eleitores pretendem votar no atual presidente para barrar Le Pen. Outros 23% devem se abster ou optar pelo branco/nulo. Paradoxalmente, pelo menos 23% dos eleitores do esquerdista disseram que estariam dispostos a votar na extremista de direita Le Pen. De certa forma, o segundo turno acabou se transformando mais uma vez em um referendo sobre a possibilidade de um membro da família Le Pen finalmente assumir o poder.