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França volta às urnas com Macron na liderança das pesquisas
A França volta às urnas neste domingo (24/04) para escolher quem vai ocupar a Presidência pelos próximos cinco anos: o atual ocupante do cargo, Emmanuel Macron, ou a veterana de disputas presidenciais Marine Le Pen. É uma repetição do duelo do segundo turno de 2017, que novamente coloca frente a frente dois projetos antagônicos: a visão cosmopolita pró-europeia do liberal Macron e o ultranacionalismo eurocético da extremista de direita Marine Le Pen.
Cinco anos atrás, tanto Macron quanto Le Pen sacudiram o mundo político ao chegarem ao segundo turno. Foi a primeira vez desde a fundação da 5ª República francesa, no final dos anos 1950, que a disputa ocorreu sem a presença de forças tradicionais da política do país: conservadores e socialistas.
O cenário se repete agora em 2022, mas agora Macron, 44 anos, já não pode se apresentar como uma novidade independente e renovadora. Como presidente, ele foi capaz de mostrar bons números na economia, mas também acumulou desgaste ao promover impopulares reformas pró-mercado.
Já Le Pen, 53 anos, está em sua terceira disputa presidencial. Nesta campanha, ela baixou o tom de parte da agenda xenófoba e extremista do seu grupo político, focando mais em aspectos socioeconômicos, algumas vezes se apropriando de bandeiras da esquerda. A estratégia ajudou a ampliar seu eleitorado, mas um segundo olhar revela que seu programa continua com os mesmos velhos elementos de extrema direita.
Os dois candidatos também transformaram a reta final da campanha num embate de duas diferentes visões de "anti". Le Pen agitou seu eleitorado para fazer do segundo turno um referendo "anti-Macron". Já o presidente fez apelos para barrar uma vitória da extrema direita de Le Pen.
O desgaste de Macron e a ampliação do eleitorado de Le Pen, somado à apatia de parte do eleitorado - especialmente o jovem - e a perspectiva de alta abstenção no segundo turno, levantaram o temor durante a campanha de que a França, a segunda maior economia da UE, acabe sendo palco de um novo terremoto político internacional, como ocorreu com a vitória de Donald Trump nos EUA, em 2016, e a aprovação do Brexit no Reino Unido, em 2015.
No entanto, as últimas pesquisas mostram que Macron deve ser reeleito - quebrando um ciclo de insucessos que vem afetando presidentes franceses desde 2002. Um levantamento divulgado na quinta-feira mostrou que ele deve vencer com 15 pontos de vantagem, com 57,5% dos votos, contra 42,5% de Le Pen. Outra pesquisa divulgada nesta semana apontou vantagem de 11 pontos para o atual presidente. O instituto brasileiro Atlas, por sua vez, indicou na sexta-feira uma vitória mais magra para Macron, com 6,6 pontos de vantagem.
No primeiro turno, Macron foi o mais votado dos 12 candidatos na disputa, obtendo 27,85% dos votos, seguido de Marine, com 23,15% dos votos e que só ficou pouco à frente do terceiro colocado, o independente de esquerda Jean-Luc Mélenchon (21,95%).
A ofensiva de Macron
Nas duas semanas de campanha do segundo turno, Marine Le Pen, do partido Reagrupamento Nacional (RN), foi ficando cada vez mais distante da liderança de Macron, do partido A República em Marcha. Os primeiros levantamentos logo após o primeiro turno apontavam uma disputa mais acirrada, com os dois rivais chegando a aparecer empatados tecnicamente.
Mas Macron conseguiu ampliar sua liderança, cedendo em alguns projetos de reforma impopulares. Ele, por exemplo, fez um pequeno recuo nos planos de aumentar a idade de aposentadoria. Ainda tratou de focar em temas que sua campanha vinha ignorando, como a perda do poder de compra e o meio ambiente, como forma de cultivar o eleitorado ecologista e a classe trabalhadora, tentando ainda se afastar da pecha de "presidente dos ricos".
O chefe de Estado também aumentou sua presença em eventos de campanha, depois de permanecer ausente em boa parte do primeiro turno por causa da guerra na Ucrânia. Ele fez várias visitas a redutos de Le Pen e a áreas periféricas nas quais Mélenchon se saiu bem no primeiro turno. Além disso, Macron se pintou como o único contraponto possível ao radicalismo de Le Pen, multiplicando críticas contra a rival e seu programa, tentando conscientizar os eleitores sobre os riscos de o país passar a ser governado pela extrema direita.
O ponto alto dessa última estratégia ocorreu no único debate do segundo turno, no qual Macron destrinchou os planos de Le Pen e adotou uma postura combativa, deixando Le Pen na defensiva. No embate, ele ainda explorou os laços da rival com a Rússia, incluindo um empréstimo milionário que o RN obteve de um banco russo em 2014 e advertiu que a proposta de Le Pen de proibir o uso do véu islâmico em público provocaria uma "guerra civil". Todas as pesquisas apontaram que Macron se saiu melhor do que a rival no debate.
Le Pen não diminui desvantagem, mas deve conseguir votação recorde
Herdeira de um clã político que há décadas assombra a França, Marine Le Pen exibiu nesta campanha o produto de um longo e intenso trabalho de suavização da sua imagem radical.
Ao longo da corrida, ela tentou oferecer uma versão de populismo acessível, focando especialmente em temas sociais, como diminuição de impostos e aumento de salários e aposentadorias. Em 2017, ela já havia dado os primeiros passos dessa estratégia, mas sua campanha continuava mais explicita no combate à imigração e na defesa de um "Frexit".
Desta vez, a linguagem usada nas agendas anti-imigração, anti-União Europeia, anti-Otan e anti-islã passaram a ser abordadas em vocabulário menos direto. Em vez de "Frexit", ela fala em "renegociar tratados" com a UE. A saída completa da Otan se tornou "saída do comando unificado da Otan", entre outros subterfúgios. "É um programa de saída da Europa, embora ela não o diga claramente", afirmou Macron antes do primeiro turno.
A campanha do segundo turno, de fato, acabou expondo um pouco da velha Marine Le Pen. No debate desta semana, ela foi confrontada por Macron sobre seu plano de proibir a exibição do véu islâmico e planos populistas de convocação de referendos para contornar a Assembleia Nacional e implementar projetos nativistas.
Le Pen ainda tentou salvar algo do seu mau desempenho no debate, acusando Macron de ter agido de forma "arrogante" no duelo e afirmando que os "franceses [também] sofreram com essa arrogância e desprezo nos últimos cinco anos".
Mas a estratégia dupla de vitimização e suavização do discurso mostrou seus limites quando o segundo turno se aproximou. Nas duas semanas de campanha, Le Pen viu sua distância em relação a Macron aumentar, falhando em conquistar uma fatia decisiva dos indecisos e dos eleitores de Mélenchon.
Ainda assim, os levantamentos apontam que a candidata deve conquistar mais de 40% dos votos válidos - um recorde para a extrema direita francesa e um contraste e tanto com o massacre eleitoral sofrido pelo pai de Marine, Jean-Marie Le Pen no segundo turno de 2002. Nunca a direita radical chegou tão perto de conquistar o cargo mais alto da França.
O enfraquecimento da "frente republicana"
Assim como ocorreu em 2017, Macron, no papel de antagonista de Le Pen, conseguiu apoio de vários adversários moderados. Quase todos os principais candidatos derrotados no primeiro turno pediram apoio para o atual presidente. Os principais jornais da França também manifestaram apoio a Macron em editorais.
E, de novo, assim como ocorreu em 2017, houve uma notável exceção: Jean-Luc Mélenchon, o independente de esquerda que mais uma vez, por uma pequena margem, viu frustrados seus planos de chegar ao segundo turno.
Mélenchon repetiu sua estratégia de se limitar a pedir para que seus apoiadores não votem na extrema direita, sem endossar a candidatura de Macron. Na prática, deixando aberta a porta para que seus eleitores votem em branco/nulo ou não compareçam às urnas.
A nova recusa de Mélenchon em apoiar Macron e um crescente desinteresse dos jovens em votar - uma pesquisa apontou que 41% das pessoas na faixa dos 18 aos 24 anos não compareceram ao primeiro turno - demonstraram fissuras profundas na estratégia de "cordão sanitário" ou "frente republicana", quando praticamente todo o espectro político deixa as diferenças de lado e se une em torno de um moderado para derrotar uma força extremista.
Se em eleições passadas a presença de um radical no segundo turno era garantia de vitória certa para um moderado, desta vez o pleito demonstrou um cenário mais cinzento. Em 2002, o conservador Jacques Chirac derrotou no segundo turno o extremista Jean-Marie Le Pen por uma vantagem colossal de 64 pontos percentuais. Em 2017, Macron nunca se viu realmente ameaçado por Marine Le Pen e terminou vencendo com uma vantagem de 32 pontos.
Desta vez, a vantagem mais magra de Macron em pesquisas, a organização de protestos "Nem Macron, nem Le Pen" - como o que ocorreu na Sorbonne logo após o primeiro turno - e a sinalização da possibilidade de uma alta abstenção, demonstram que uma parte dos eleitores se cansou do ritual de votar no "menos ruim" - como definiu uma jovem estudante desiludida em entrevista à RFI. É uma posição que levantou críticas de alguns observadores, por servir, na prática, como uma complacência não intencional com a extrema direita.
Diante do risco de desinteresse de parte do eleitorado e o temor sobre os efeitos que uma surpresa no pleito possa causar na UE, os primeiros-ministros de Portugal, António Costa, da Espanha, Pedro Sánchez, e o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, expressaram apoio público à reeleição de Macron, apontando para os riscos de uma Le Pen no Palácio do Eliseu. O ex-presidente Lula também divulgou mensagens de apoio a Macron.
O próprio presidente francês, mesmo numa situação mais confortável nos últimos dias após ampliar sua vantagem, advertiu na quinta-feira: "Nada está garantido".
Ainda que a "frente republicana" tenha perdido força, Macron ainda deve se beneficiar de um sentimento de rejeição da extrema direita entre uma parte decisiva do eleitorado. Segundo pesquisa Ipsos, 39% dos eleitores que pretendem votar em Macron neste domingo têm como principal motivação impedir uma vitória de Le Pen, e não necessariamente endossar o programa do presidente. Apenas 25% afirmaram compartilhar das ideias de Macron. No caso de Le Pen, 42% dos seus eleitores afirmaram concordar com seu programa.
Mesmo os desiludidos eleitores de Mélenchon começaram a se mover para apoiar Macron, num apoio que deve ser decisivo. Uma pesquisa apontou que 54% dos seus eleitores pretendem votar no atual presidente para barrar Le Pen. Outros 23% devem se abster ou optar pelo branco/nulo. Paradoxalmente, pelo menos 23% dos eleitores do esquerdista disseram que estariam dispostos a votar na extremista de direita Le Pen. De certa forma, o segundo turno acabou se transformando mais uma vez em um referendo sobre a possibilidade de um membro da família Le Pen finalmente assumir o poder.
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