Diplomacia ambiental
Trabalho do Irice e de professores da USP oferece informação para que, a partir de 2023, o meio ambiente seja colocado no centro da política externa.
Rubens Barbosa, O Estado de S.Paulo
12 de abril de 2022 | 03h00
Professores da Universidade de São Paulo (USP), depois de um intenso trabalho coordenado pelo Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), concluíram um levantamento dos compromissos assumidos pelo Brasil em 18 acordos ambientais e de mudança de clima e o grau de cumprimento pelos sucessivos governos brasileiros desde 1992 até o momento.
Os acordos foram reunidos em quatro grupos: mudanças climáticas (Acordo de Paris, Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio e Protocolo de Montreal); natureza (Comércio e Pesca, Comércio e Biodiversidade e Comércio e Manejo Sustentável e Florestas); químicos (Convenção de Minamata sobre Mercúrio, Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, Convenção de Roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado, PIC, Aplicado a Certos Agrotóxicos e Substâncias Químicas Perigosas Objeto de Comércio Internacional); e resíduos sólidos (Convenção da Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação).
Este trabalho original é especialmente oportuno, porque o tema do meio ambiente entrou definitivamente na agenda global. Diante das atitudes do atual governo, são crescentes as ameaças de prejuízo ao setor do agronegócio pela possibilidade de boicote de consumidores e pela influência da política ambiental sobre as negociações comerciais. As declarações e algumas políticas oficiais estão acarretando uma rápida deterioração da percepção externa sobre o Brasil. Para esclarecer objetivamente o que está ocorrendo, torna-se importante uma série de ações para permitir que saiamos da atual posição defensiva.
As percepções críticas no exterior têm como foco a Amazônia. Os ilícitos sem efetiva repressão, como as queimadas, o desmatamento e o garimpo, são alvo de condenação no mundo inteiro. Informações recentes sobre autorizações do governo para a exploração de ouro em territórios proibidos, em unidades de conservação e terras indígenas, e sobre a ação de facções criminosas na região mostram o agravamento do problema. As diferenças quanto à gestão do Fundo Amazônico determinaram a suspensão da cooperação internacional com a Alemanha e a Noruega para ajudar no combate desses ilícitos.
Em vista da posição de alguns poucos setores do agronegócio, ainda há acusações de destruição da floresta pela expansão da agricultura e da pecuária na Amazônia. Isso apesar dos esforços da maior parte das empresas do agronegócio pela conservação do meio ambiente, como, por exemplo, no passado, nos compromissos com a soja e a carne, e, mais recentemente, no monitoramento, rastreabilidade e certificação dos produtos agropecuários para indicar o compromisso com a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente.
Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, houve uma proliferação de acordos de gestão de recursos naturais entre países: hoje o meio ambiente já é a segunda área com maior número de acordos internacionais no mundo (atrás apenas de comércio internacional). O acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia inovou, ao incluir capítulo sobre Desenvolvimento Sustentável, com novos compromissos que o Brasil deverá cumprir e que serão verificáveis por nossos parceiros europeus. O descumprimento dos dispositivos do acordo poderá acarretar boicotes e mesmo a restrição de importação de produtos agrícolas nacionais.
A falta de uma completa e independente informação interna dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos brasileiros nas últimas décadas agrava a percepção externa crescentemente negativa sobre as atuais políticas ambientais e cria uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial o agronegócio.
Neste contexto, o objetivo do trabalho que consumiu dois anos de pesquisa feita pelos professores da USP é oferecer uma análise isenta do cumprimento dos referidos acordos por meio de um rigoroso processo de exame da legislação (leis, decretos, regulamentos) e de políticas com impacto no meio ambiente e na mudança de clima.
O resultado da pesquisa é único no sentido de que nem o governo nem as organizações não governamentais dispõem de um levantamento tão completo e atualizado de tudo o que o Brasil fez ou deixou de fazer nesta área que hoje se transformou numa questão central para muitos governos, como na União Europeia, nos EUA e, cada vez mais, na China.
Segundo refletido no trabalho, o Brasil não está mal na foto e o levantamento poderá ser um instrumento valioso para o governo e para o setor privado na defesa do interesse nacional e na recuperação da credibilidade perdida. Fica muito claro, contudo, que ainda há muito a ser feito para recolocar o Brasil como um protagonista de fato nas discussões bilaterais e nos fóruns internacionais. O trabalho também oferece informação para que, a partir de 2023, o meio ambiente seja colocado no centro da política externa, para demonstrar o comprometimento do Brasil com a questão ambiental. Os resultados deste levantamento estão publicados no site disponível no portal Interesse Nacional (interessenacional.com.br), que acaba de ser lançado, com artigos, entrevistas e análises sobre o lugar do Brasil no mundo.
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PRESIDENTE DO IRICE, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,dinheiro-nao-e-capim-acorda-brasil,70004035810
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