Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Poucas vezes se tem uma leitura tão enviesada da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia quanto neste artigo. A tentativa é a de evitar a "vilanização de Moscou", inclusive na tentativa canhestra de colocar dúvidas sobre os crimes de guerra de soldados russos. O NYTimes chegou a identificar os pelotões russos e até o nome do comandante envolvidos naquele massacre de civis indefesos.
O ridículo se torna ainda maior quando se fala da "consequente escalada do conflito como parte da contenção da Rússia pelas forças da OTAN lideradas pelos EUA."
Como diria o ex-chanceler e atual conselheiro presidencial de Lula, Celso Amorim, as fotos de Bucha são "apenas fotos". Os acadêmicos seguiram fielmente a sua dica. Tudo é parte da mídia suspeita do Ocidente...
Paulo Roberto de Almeida
O massacre de Butcha, a Guerra na Ucrânia e o poder multimidiático
Diego Pautasso Colégio Militar de Porto Alegre
Rafael Algarte
Estudos Internacionais: revista de relações internacionais da PUC Minas:
O massacre de Bucha, ocorrido em abril de 2022, foi atribuído imediatamente ao exército russo. Esse evento ainda obscuro precisa ser compreendido como parte do conflito russo-ucraniano, cuja origem vai além da chamada Operação Especial iniciada em fevereiro de 2022. Assim, o objetivo do trabalho é analisar como foi tratado pela mídia o massacre de Bucha tomando metodologicamente por base veículos de mídia ocidentais (New York Times, Herold e ANSA) e não-ocidentais (Russia Today, Al Jazeera, CGTN e Xinhua). O argumento central é que o poder multimidiático ocidental produz uma narrativa voltada à vilanização de Moscou e consequente escalada do conflito como parte da contenção da Rússia pelas forças da OTAN lideradas pelos EUA.
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PRA: Costumo recomendar leitura dos textos que posto neste meu quilombo de resistência intelectual. Desta vez NÃO recomendo.
O autor é um especialista na temática do pós-Guerra Fria, com os vieses ideológicos que são típicos na academia. Importante são as informações objetivas sobre os avanços materiais e os progressos econômicos e sociais realizados pela China nas últimas décadas.
Descarto completamente as considerações iniciais sobre a "imposição de políticas neoliberais" pelos EUA a outros países, "fragilizando suas estruturas industriais", pois isso não faz nenhum sentido, sendo apenas o reflexo dessa animosidade ideológica contra um inexistente "neoliberalismo", típico na retórica de acadêmicos progressistas. Descarto igualmente as considerações finais sobre a nova Guerra Fria e suas consequências geopolíticas, pois são meras especulações de quem se dedica ao assunto, mas atua nessa questão como astrólogo amador.
Como sempre afirmei, meu blog serve para debates inteligentes a partir de coisas relevantes, e esta matéria preenche vários dos meus requisitos, mas me preservo quanto ao direito de formular observações e comentários iniciais ao que posto.
Paulo Roberto de Almeida
China, a nova globalização e o Brasil pasmado
Nova potência ascendente, China aposta em novos arranjos geopolíticos, fora dos domínios dos EUA e em tecnologias transformadoras. Momento é histórico, similar ao declínio dos impérios europeus, mas diplomacia brasileira fecha os olhos
Em esforço para compreender em profundidade a China, Outras Palavras publica série de textos do cientista político e geógrafo brasileiro Diego Pautasso, que estuda o país asiático há 15 anos. Uma entrevista com o autor pode ser vista aqui.
Para fechar a série, abordaremos o panorama recente da história das relações internacionais, de forma a iluminar os atuais descaminhos da ordem global. Inicialmente, é preciso destacar que os EUA conseguiram consolidar sua hegemonia após as Guerras Mundiais, a partir da conformação das estruturas de poder vigentes ainda hoje no âmbito multilateral. E, apesar da bipolaridade e rivalidade com a URSS no período da Guerra Fria, os interesses de Washington triunfaram em escala internacional.
Com o colapso do campo soviético, abriram-se margens para a ascensão de narrativas marcadas mais por desejos do que pela objetividade analítica. Tanto os discursos do ‘fim da história’ e do mundo unipolar ignoravam tendências à multipolarização; quanto aqueles que anunciavam o recorrente declínio dos EUA – desde a década de 1970 – ignoravam seu persistente poder econômico e geopolítico.
Dessa forma, o desaparecimento da URSS permitiu a Washington potencializar seus interesses em escala global, ao menos num primeiro momento. De um lado, reafirmou a imposição das políticas neoliberais a diversos desses polos ascendentes, cujo resultado foi a fragilização de parte de seus parques industriais, o estreitamento dos direitos sociais, a eclosão de recorrentes crises financeiras e a potencialização das instabilidades político-institucional. De outro, redefiniu os parâmetros de suas escaladas intervencionistas a partir da agenda de combate ao terrorismo e ao fundamentalismo e/ou sob pretexto de defesa da democracia, do meio ambiente, do livre mercado e dos direitos humanos. Sem falar nas contumazes instrumentalizações de embargos e sanções econômicas, intervenções militares “humanitárias” ou políticas de regime change e revoluções coloridas – novas formas para as velhas práticas de covert actions e golpes de Estado.
O que os entusiastas da unipolaridade não esperavam era o irrefreável e avassalador processo de desenvolvimento chinês, com importantes desdobramentos geoeconômicos e geopolíticos. Embora o PIB per capita estadunidense ainda seja bastante superior ao chinês, em 2050, segundo a PwC, a China terá nada menos do que 20% do PIB mundial medido em PPP, ante 12% dos EUA. Em termos de produção manufatureira, a China já responde por 28% da manufatura global, tão grande quanto a dos EUA, do Japão e da Alemanha juntos. Em função do peso da sua economia, a China é a principal parceira comercial de 130 países do mundo – o que suscita progressivo efeito gravitacional.
Em 2019, na condição de segunda maior economia do mundo em PIB nominal, a China (U$S 14,1 trilhões) já correspondia a quase Japão, Alemanha, Índia e Reino Unido juntos, com somatório de U$S 14,7 trilhões. Graças ao seu desempenho, a economia chinesa tem contribuído com cerca de 25 a 35% do crescimento mundial na última década (o dobro da participação dos EUA). A China tem 40% do mercado global de contêineres (ante 18% dos EUA), e 7 dos 10 principais portos marítimos mundiais (o maior dos EUA é o de Los Angeles, o 17º). Alguns dados são ainda mais surpreendentes: a China usou mais cimento entre 2011 e 2013 do que os EUA em todo o século XX. Em 2019, a China produziu 996,3 milhões de toneladas de aço bruto, enquanto os EUA produziram 87,9 milhões. O mercado chinês tem ainda uma classe média de cerca de 350 milhões de pessoas (maior que a dos EUA desde 2015), em franco processo de expansão.
O e-commerce chinês deste ano detém números quase quatro vezes maiores do que o estadunidense. Também neste ano, a China está chegando à marca de 900 milhões de usuários de Internet. E são mais de 35 mil km de trens de alta velocidade cortando o país, além de uma notável modernização infraestrutural. Em 2018, a China superou os EUA em número de patentes registradas, e já forma anualmente cerca de quatro vezes mais profissionais nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática do que seu rival. A trajetória explicita os ritmos e volumes distintos e superiores com os quais a China vem liderando outros tantos segmentos – como destacamos no artigo sobre inovações em energias sustentáveis.
Assim, a China tem atuado para reformar e/ou influenciar as estruturas hegemônicas introduzidas, construídas e potencializadas historicamente sob a liderança de Washington, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC). E, simultaneamente, Pequim tem promovido novos arranjos econômicos multilaterais, tais como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) dos BRICS e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB); o Sistema de Pagamento Internacional da China, alternativo ao Swift; o China UnionPay, ao invés das bandeiras Visa e Master, e o Centro de Avaliação de Crédito Universal, em detrimento a Moodys ou Standard & Poors; áreas comerciais como a Parceria Regional Abrangente, entre outras. Nesse mesmo sentido, o governo chinês move-se na direção da concertação diplomática, equalizando instrumentos tais como os BRICS, a Organização da Cooperação de Xangai (OCX), o Fórum de Bao para a Ásia e, sobretudo, a Nova Rota da Seda – a mais acabada demonstração do que chamamos de projeto chinês de globalização, alternativo ao paradigma do Consenso de Washington.
Voltando à história. Mais do que refletir a existência de um mundo bipolar, a Guerra Fria foi também o período de consolidação da hegemonia internacional estadunidense, sob a égide de uma estratégia de contenção ao polo rival socialista, anti-sistêmico. Cada vez mais, os noticiários e analistas ressuscitam o termo, mencionando a existência de uma Nova Guerra Fria. São sabidas as diferenças e semelhanças entre um e outro contexto. É nítido que a URSS e os EUA não detinham a sinergia econômico-comercial bilateral que têm hoje China e EUA; a competição técnico-produtiva não era tão aguda; os blocos possuíam maior coesão político-ideológica (não obstante as fraturas existentes em ambos, como ilustram os casos das relações da URSS com a Iugoslávia, a Albânia e a China). Por outro lado, as semelhanças também são importantes: as duas superpotências, apesar das assimetrias, eram dirigidas por forças políticas que reivindicavam, antagonicamente, o capitalismo e o socialismo; e as disputas entre os dois pólos eram travadas de forma mais clara em terceiros cenários.
Importa notar, pois, que o recrudescimento da retórica anti-chinesa – acirrada com o recente discurso de Mike Pompeo sobre A China Comunista e o Futuro do Mundo Livre – ajuda a iluminar a direção das contradições que se desenham. Ele instou “uma luta entre o mundo livre e a tirania”, e acusou o Partido Comunista Chinês de ser um “opressor nacional” e um “agente internacional desonesto”. Ora, são translúcidos certos elementos de continuidade: a China é, indiferentemente do debate acerca do quão anti-sistêmico é seu modelo, um país desafiante da hegemonia estadunidense, e comandado por um Partido Comunista de tradições marxistas-leninistas. Nesse sentido, os EUA replicam a lógica de contenção como forma de coesionar seus aliados e evitar a expansão do rival. Em suma, a Guerra Comercial, o apoio aos movimentos separatistas na China, o cerco militar, etc. fazem parte de um conjunto mais amplo de ações que obedecem a essa coerência sistêmica.
É auto-evidente, contudo, que a história não se replica. Desde o final da década de 1960, a China abandonou a antiga política de fomento às revoluções socialistas em terceiros países, ainda que mantenha importantes laços ideológicos com os Estados nacionais onde o socialismo orienta as políticas governamentais. A ênfase da inserção internacional chinesa recai exatamente no pragmatismo, no respeito ao princípio da não-intervenção em assuntos domésticos de outras nações e, mais contemporaneamente, na busca da promoção das chamadas relações win-win. Afinal, diferentemente da URSS, Pequim tem conseguido, como já demonstrado, fazer frente aos competidores nas searas científico-tecnológica e econômico-comercial. Por paradoxal que pareça, a instrumentalização de conflitos internos de terceiros países, as ações voltadas à mudança de regimes políticos e a obstrução das ferramentas de concertação política multilaterais partem exatamente dos EUA, visando impedir o fortalecimento do gigante asiático.
Em suma, o fato é que se configura um período de transição sistêmica, prenhe de contradições. Para além da competição sino-estadunidense, está em curso uma profunda reorganização produtivo-tecnológica e civilizacional, com certos movimentos disruptivos precipitados pelo inesperado panorama da pandemia. E é nesse cenário complexo em que devemos pensar o papel a ser cumprido pelo Brasil.
Inicialmente, algumas lições são importantes: no começo do século XX, o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, percebeu o deslocamento da hegemonia global dos braços da Grã-Bretanha para os dos EUA, e por isso estabeleceu a chamada aliança não-escrita com Washington, crucial para a potencialização de nossa autonomia e interesses nacionais à época. Já durante o ciclo desenvolvimentista, entre a Revolução de 1930 e a década de 1980, o Brasil adentrou seu mais notável período de modernização, sustentando um paradigma de inserção internacional sem alinhamento automático, apesar da interação privilegiada com os EUA.
Na atualidade, contudo, não se pode negar a condição de potência ascendente da China, tampouco o fato de que o principal eixo da economia mundial se desloca, progressivamente, para a Ásia Oriental. Ora, se foi Geisel, no ápice da bipolaridade, quem reatou com Pequim, colocando os interesses nacionais acima das preferências ideológicas, cabe ao Brasil de hoje se movimentar de forma a tirar o melhor proveito da competição sino-estadunidense.
O estabelecimento de um alinhamento automático com a potência declinante e a internalização de polarizações de uma Nova Guerra Fria contribuem apenas para dividir artificialmente o país e turvar a necessária concretização dos interesses nacionais de longo alcance. Resta, pois, a formatação de uma política externa compatível com as demandas, capacidades e responsabilidades de um país da envergadura do Brasil, moldando seus rumos em prol do desenvolvimento e da soberania nacionais. E sem compreendermos as nuances da atual encruzilhada sistêmica e o papel da China no mundo, dificilmente alcançaremos tal empreendimento.
Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade:OutrosQuinhentos
O autor é um especialista na temática do pós-Guerra Fria, com os vieses ideológicos que são típicos na academia. Importante são as informações objetivas sobre os avanços materiais e os progressos econômicos e sociais realizados pela China nas últimas décadas.
Descarto completamente as considerações iniciais sobre a "imposição de políticas neoliberais" pelos EUA a outros países, "fragilizando suas estruturas industriais", pois isso não faz nenhum sentido, sendo apenas o reflexo dessa animosidade ideológica contra um inexistente "neoliberalismo", típico na retórica de acadêmicos progressistas. Descarto igualmente as considerações finais sobre a nova Guerra Fria e suas consequências geopolíticas, pois são meras especulações de quem se dedica ao assunto, mas atua nessa questão como astrólogo amador.
Como sempre afirmei, meu blog serve para debates inteligentes a partir de coisas relevantes, e esta matéria preenche vários dos meus requisitos, mas me preservo quanto ao direito de formular observações e comentários iniciais ao que posto.
Paulo Roberto de Almeida
China, a nova globalização e o Brasil pasmado
Nova potência ascendente, China aposta em novos arranjos geopolíticos, fora dos domínios dos EUA e em tecnologias transformadoras. Momento é histórico, similar ao declínio dos impérios europeus, mas diplomacia brasileira fecha os olhos
Em esforço para compreender em profundidade a China, Outras Palavras publica série de textos do cientista político e geógrafo brasileiro Diego Pautasso, que estuda o país asiático há 15 anos. Uma entrevista com o autor pode ser vista aqui.
Para fechar a série, abordaremos o panorama recente da história das relações internacionais, de forma a iluminar os atuais descaminhos da ordem global. Inicialmente, é preciso destacar que os EUA conseguiram consolidar sua hegemonia após as Guerras Mundiais, a partir da conformação das estruturas de poder vigentes ainda hoje no âmbito multilateral. E, apesar da bipolaridade e rivalidade com a URSS no período da Guerra Fria, os interesses de Washington triunfaram em escala internacional.
Com o colapso do campo soviético, abriram-se margens para a ascensão de narrativas marcadas mais por desejos do que pela objetividade analítica. Tanto os discursos do ‘fim da história’ e do mundo unipolar ignoravam tendências à multipolarização; quanto aqueles que anunciavam o recorrente declínio dos EUA – desde a década de 1970 – ignoravam seu persistente poder econômico e geopolítico.
Dessa forma, o desaparecimento da URSS permitiu a Washington potencializar seus interesses em escala global, ao menos num primeiro momento. De um lado, reafirmou a imposição das políticas neoliberais a diversos desses polos ascendentes, cujo resultado foi a fragilização de parte de seus parques industriais, o estreitamento dos direitos sociais, a eclosão de recorrentes crises financeiras e a potencialização das instabilidades político-institucional. De outro, redefiniu os parâmetros de suas escaladas intervencionistas a partir da agenda de combate ao terrorismo e ao fundamentalismo e/ou sob pretexto de defesa da democracia, do meio ambiente, do livre mercado e dos direitos humanos. Sem falar nas contumazes instrumentalizações de embargos e sanções econômicas, intervenções militares “humanitárias” ou políticas de regime change e revoluções coloridas – novas formas para as velhas práticas de covert actions e golpes de Estado.
O que os entusiastas da unipolaridade não esperavam era o irrefreável e avassalador processo de desenvolvimento chinês, com importantes desdobramentos geoeconômicos e geopolíticos. Embora o PIB per capita estadunidense ainda seja bastante superior ao chinês, em 2050, segundo a PwC, a China terá nada menos do que 20% do PIB mundial medido em PPP, ante 12% dos EUA. Em termos de produção manufatureira, a China já responde por 28% da manufatura global, tão grande quanto a dos EUA, do Japão e da Alemanha juntos. Em função do peso da sua economia, a China é a principal parceira comercial de 130 países do mundo – o que suscita progressivo efeito gravitacional.
Em 2019, na condição de segunda maior economia do mundo em PIB nominal, a China (U$S 14,1 trilhões) já correspondia a quase Japão, Alemanha, Índia e Reino Unido juntos, com somatório de U$S 14,7 trilhões. Graças ao seu desempenho, a economia chinesa tem contribuído com cerca de 25 a 35% do crescimento mundial na última década (o dobro da participação dos EUA). A China tem 40% do mercado global de contêineres (ante 18% dos EUA), e 7 dos 10 principais portos marítimos mundiais (o maior dos EUA é o de Los Angeles, o 17º). Alguns dados são ainda mais surpreendentes: a China usou mais cimento entre 2011 e 2013 do que os EUA em todo o século XX. Em 2019, a China produziu 996,3 milhões de toneladas de aço bruto, enquanto os EUA produziram 87,9 milhões. O mercado chinês tem ainda uma classe média de cerca de 350 milhões de pessoas (maior que a dos EUA desde 2015), em franco processo de expansão.
O e-commerce chinês deste ano detém números quase quatro vezes maiores do que o estadunidense. Também neste ano, a China está chegando à marca de 900 milhões de usuários de Internet. E são mais de 35 mil km de trens de alta velocidade cortando o país, além de uma notável modernização infraestrutural. Em 2018, a China superou os EUA em número de patentes registradas, e já forma anualmente cerca de quatro vezes mais profissionais nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática do que seu rival. A trajetória explicita os ritmos e volumes distintos e superiores com os quais a China vem liderando outros tantos segmentos – como destacamos no artigo sobre inovações em energias sustentáveis.
Assim, a China tem atuado para reformar e/ou influenciar as estruturas hegemônicas introduzidas, construídas e potencializadas historicamente sob a liderança de Washington, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC). E, simultaneamente, Pequim tem promovido novos arranjos econômicos multilaterais, tais como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) dos BRICS e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB); o Sistema de Pagamento Internacional da China, alternativo ao Swift; o China UnionPay, ao invés das bandeiras Visa e Master, e o Centro de Avaliação de Crédito Universal, em detrimento a Moodys ou Standard & Poors; áreas comerciais como a Parceria Regional Abrangente, entre outras. Nesse mesmo sentido, o governo chinês move-se na direção da concertação diplomática, equalizando instrumentos tais como os BRICS, a Organização da Cooperação de Xangai (OCX), o Fórum de Bao para a Ásia e, sobretudo, a Nova Rota da Seda – a mais acabada demonstração do que chamamos de projeto chinês de globalização, alternativo ao paradigma do Consenso de Washington.
Voltando à história. Mais do que refletir a existência de um mundo bipolar, a Guerra Fria foi também o período de consolidação da hegemonia internacional estadunidense, sob a égide de uma estratégia de contenção ao polo rival socialista, anti-sistêmico. Cada vez mais, os noticiários e analistas ressuscitam o termo, mencionando a existência de uma Nova Guerra Fria. São sabidas as diferenças e semelhanças entre um e outro contexto. É nítido que a URSS e os EUA não detinham a sinergia econômico-comercial bilateral que têm hoje China e EUA; a competição técnico-produtiva não era tão aguda; os blocos possuíam maior coesão político-ideológica (não obstante as fraturas existentes em ambos, como ilustram os casos das relações da URSS com a Iugoslávia, a Albânia e a China). Por outro lado, as semelhanças também são importantes: as duas superpotências, apesar das assimetrias, eram dirigidas por forças políticas que reivindicavam, antagonicamente, o capitalismo e o socialismo; e as disputas entre os dois pólos eram travadas de forma mais clara em terceiros cenários.
Importa notar, pois, que o recrudescimento da retórica anti-chinesa – acirrada com o recente discurso de Mike Pompeo sobre A China Comunista e o Futuro do Mundo Livre – ajuda a iluminar a direção das contradições que se desenham. Ele instou “uma luta entre o mundo livre e a tirania”, e acusou o Partido Comunista Chinês de ser um “opressor nacional” e um “agente internacional desonesto”. Ora, são translúcidos certos elementos de continuidade: a China é, indiferentemente do debate acerca do quão anti-sistêmico é seu modelo, um país desafiante da hegemonia estadunidense, e comandado por um Partido Comunista de tradições marxistas-leninistas. Nesse sentido, os EUA replicam a lógica de contenção como forma de coesionar seus aliados e evitar a expansão do rival. Em suma, a Guerra Comercial, o apoio aos movimentos separatistas na China, o cerco militar, etc. fazem parte de um conjunto mais amplo de ações que obedecem a essa coerência sistêmica.
É auto-evidente, contudo, que a história não se replica. Desde o final da década de 1960, a China abandonou a antiga política de fomento às revoluções socialistas em terceiros países, ainda que mantenha importantes laços ideológicos com os Estados nacionais onde o socialismo orienta as políticas governamentais. A ênfase da inserção internacional chinesa recai exatamente no pragmatismo, no respeito ao princípio da não-intervenção em assuntos domésticos de outras nações e, mais contemporaneamente, na busca da promoção das chamadas relações win-win. Afinal, diferentemente da URSS, Pequim tem conseguido, como já demonstrado, fazer frente aos competidores nas searas científico-tecnológica e econômico-comercial. Por paradoxal que pareça, a instrumentalização de conflitos internos de terceiros países, as ações voltadas à mudança de regimes políticos e a obstrução das ferramentas de concertação política multilaterais partem exatamente dos EUA, visando impedir o fortalecimento do gigante asiático.
Em suma, o fato é que se configura um período de transição sistêmica, prenhe de contradições. Para além da competição sino-estadunidense, está em curso uma profunda reorganização produtivo-tecnológica e civilizacional, com certos movimentos disruptivos precipitados pelo inesperado panorama da pandemia. E é nesse cenário complexo em que devemos pensar o papel a ser cumprido pelo Brasil.
Inicialmente, algumas lições são importantes: no começo do século XX, o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, percebeu o deslocamento da hegemonia global dos braços da Grã-Bretanha para os dos EUA, e por isso estabeleceu a chamada aliança não-escrita com Washington, crucial para a potencialização de nossa autonomia e interesses nacionais à época. Já durante o ciclo desenvolvimentista, entre a Revolução de 1930 e a década de 1980, o Brasil adentrou seu mais notável período de modernização, sustentando um paradigma de inserção internacional sem alinhamento automático, apesar da interação privilegiada com os EUA.
Na atualidade, contudo, não se pode negar a condição de potência ascendente da China, tampouco o fato de que o principal eixo da economia mundial se desloca, progressivamente, para a Ásia Oriental. Ora, se foi Geisel, no ápice da bipolaridade, quem reatou com Pequim, colocando os interesses nacionais acima das preferências ideológicas, cabe ao Brasil de hoje se movimentar de forma a tirar o melhor proveito da competição sino-estadunidense.
O estabelecimento de um alinhamento automático com a potência declinante e a internalização de polarizações de uma Nova Guerra Fria contribuem apenas para dividir artificialmente o país e turvar a necessária concretização dos interesses nacionais de longo alcance. Resta, pois, a formatação de uma política externa compatível com as demandas, capacidades e responsabilidades de um país da envergadura do Brasil, moldando seus rumos em prol do desenvolvimento e da soberania nacionais. E sem compreendermos as nuances da atual encruzilhada sistêmica e o papel da China no mundo, dificilmente alcançaremos tal empreendimento.
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Três típicos acadêmicos gramscianos criticam,
no costumeiro estilo dessa tribo e no pasquim costumeiro da comunidade, a atual
política externa do Brasil, a partir de um "fórum acadêmico" sobre o
Brics, realizado recentemente na China
Vindo dessa categoria de analistas, não se
poderia mesmo esperar outra coisa, senão uma pauta totalmente comprometida com
a anterior "política externa ativa e altiva", que tanto
encantou a tribo dos convertidos.
Como eles partem do suposto de que o governo
atual é "golpista" , eles condenam igualmente a política externa,
pois seu ponto de partida é a diplomacia anterior, e tudo o que discordar dos
antigos pressupostos é ipso facto golpista, equivocado, caudatário do império,
e todos os demais defeitos que ideólogos do lulopetismo diplomático podem
encontrar em qualquer diplomacia que não esteja alinhada com suas escolhas
políticas peculiares.
Eles acham que o Brics deveria ser tão
importante no governo atual quanto o foi no anterior, que aliás criou o grupo,
quase que totalmente dominado pela China, um país que, como se sabe é um grande
defensor da democracia e dos direitos humanos. Os três não admitem que o
governo atual possa ter qualquer atitude de retraimento em relação a um grupo
que possui a peculiaridade de ter sido escolhido não por vontade dos quatro
países originais, mas por uma sugestão específica de um economista de um banco
de investimento pensando unicamente, exclusivamente, em maiores retornos de
mercado para investimentos financeiros do grande capital multinacional.
Para eles não existe nenhuma contradição
nesse fato, como tampouco nenhuma estranheza em proclamar que a intenção
manifesta desse grupo é a convergência entre esses países para facilitar o
"reordenamento do poder mundial".
Falta aos acadêmicos gramscianos uma reflexão
ponderada sobre o significado do grupo em termos de modernização
econômica e social, com respeito aos direitos humanos, democracia e liberdades
econômicas de cada um dos países, uma vez que suas convicções políticas não
alcançam esses aspectos, mas permanecem num jogo de soma zero de um ilusório
"poder mundial".
Não espero converter nenhum dos três
gramscianos a outras convicções, pois as deles já são arraigadas, e se
manifestam em frases tão simplistas, redutoras, no limite idiotas, como a que
eles repetem como um mantra: o atual governo estaria comprometido com um
"alinhamento submisso aos poderes centrais".
Eles provavelmente preferem que um governo
"progressista" como o que eles defendem -- aquele mesmo que provou a
Grande Destruição econômica, e lançou o Brasil no descrédito mundial ao
produzir, deliberadamente, o MAIOR ESQUEMA DE CORRUPÇÃO já visto no mundo --
acompanhe outros "anti-hegemônicos" numa espécie de "alinhamento
ativo com poderes periféricos". Esse é o desejo dos três gramscianos que
escrevem o que transcrevo abaixo.
Como sempre, meu blog está aberto a todo tipo
de reflexão, de preferência as mais inteligentes, mas mesmo argumentos idiotas,
como os que figuram abaixo, merecem transcrição, numa prova de quão débil
mentalmente é a nossa academia, quão simplistas podem ser esses acadêmicas,
quão alinhados ideologicamente podem ser os gramscianos, quão coniventes com
uma organização criminosa e um governo corrupto eles podem ser.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de julho de 2017
Relações Internacionais
Fórum Acadêmico dos BRICS e os (des)caminhos da diplomacia brasileira
Brasil teve participação pífia, condizente como o momento atual do país e sinalizou que os BRICS não são prioridade
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Wikimedia Commons
Temer ao lado dos líderes dos BRICs em cúpula do G-20 em 2016. No Fórum Acadêmico deste ano, porém, participação comprovou que grupo não é prioridade
Por Renata Boulos, Diego Pautasso e Cláudio Puty*
Ocorreu em Fuzhou, na China, entre os dias 10 e 12 de junho de 2017, o 9º Fórum Acadêmico dos BRICS com o tema “Pooling Wisdom and New Ideas for Cooperation”. O Fórum reúne organizações da sociedade civil, think tanks e partidos políticos e costuma preceder a Cúpula dos BRICS no país anfitrião.
Quatrocentas pessoas formaram o público principal do evento, composto por membros dos governos dos cinco países(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), países visitantes (como Filipinas e Argentina, por exemplo), instituições acadêmicas, organizações da sociedade civil e partidos políticos.
O encontro teve grande importância para a China, pois é um dos principais fóruns onde a paradiplomacia ocupa lugar central e tem sido um espaço de consolidação dos BRICS para além dos chefes de estado.
O Brasil teve uma participação pífia, condizente como omomento atual do paíse mais uma vez sinalizou que os BRICSnão são prioridade para o atual governo. Othink tankbrasileiro, IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), sequer se fez comparecer porque a direção do órgão simplesmente não liberou as passagens dos pesquisadores.
A Presidência da República e oItamaratymandaram representantes do terceiro escalão, que não expressaram qualquer diretriz da política externa brasileira, tampouco nossa estratégia para o agrupamento BRICS. Imaginamos que esboçá-las deva ser uma tarefa árdua, à medida que sabemos que malta temerosa hoje ocupando o Palácio do Planalto não constitua propriamente um governo.
Talvez por conta disso, a articulação entre os membros do governo brasileiro e integrantes da sociedade civil, think tanks e partidos políticos tenha sido praticamente nula, como se fôssemos membros de países distintos. Causa espécie a falta de entendimento do papel do BRICS como mecanismo de articulação de países emergentes, cujo papel no reordenamento do poder mundial é irrefreável.
Especificamente neste Fórum - que representa um espaço para estratégias de cooperação entre buscando mecanismos de convergência de diversos setores da sociedade - a ausência do governo diz muito, e foi notada por russos, chineses e sul-africanos, que, por sinal, enviaram delegações de alto nível.
Esse evento refletiu o quadro mais abrangente de (des)caminho da política externa brasileira, evidente desde o início do governo surgido do golpe. A outrora diplomacia acusada de ‘politizada’, agora conduzida pelo PSDB de José Serra e Aloysio Nunes produz constrangimentos em série e é digna de uma República de Bananas, não de um país da importância do Brasil.
Recordemos. A nova direção do Itamaraty inaugurou sua gestão disparando baterias contra os países vizinhos e fechando embaixadas na África e no Caribe. Agora segue com a ridícula obsessão por ingressar na anacrônica OCDE e promove operações militares com o exército americano em plena Amazônia brasileira.
Enquanto isso, as instituições voltadas à política externa soberana e autônoma, como a UNASUL, Mercosul, CELAC, a política africana brasileira e os BRICS praticamente saíram da agenda internacional. A resposta infantil à crítica de órgãos internacionais de direitos humanos (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos) sobre o ‘uso recorrente de violência’ contra manifestantes na Cracolândia em São Paulo refletem o caráter do atual governo.
E não para por aí. Recentemente, o Brasil decidiu reduzir drasticamente sua participação no Banco de Investimento em Infraestrutura Asiático (AIIB, na sigla em inglês), encabeçado pela China e do qual o Brasil é membro fundador, ficando com 50 ações ao invés das 32 mil ações inicialmente acordadas.
Não tivemos sequer participação no Fórum do grande plano de infraestrutura da China para o mundo: o “Belt and Road Initiative” quando até nossos vizinhos argentinos e chilenos se fizeram presentes. Finalmente, o ápice dessa festa funesta e aziaga é a série inacreditável de gafes cometidas por Michel Temer em suas visitas internacionais.
Entre os dias 3 e 5 de setembro, ocorrerá a 9ª Cúpula de Chefes de Estado do BRICS em Xiamen, província de Fujian (China), com tema "BRICS: parceria mais forte para um futuro mais brilhante". Enquanto isso, o Brasil parece incapaz de formatar um projeto de inserção internacional para além de recuperar um alinhamento submisso aos países centrais – incluindo aí uma atuação voltada a aprofundar a crise venezuelana.
Mais que lapsos,não ter projeto é o próprio projetodeste governo ilegítimo, impopular, envolvidos em malversações múltiplas, cuja única função é desmontar não somente o ciclo de políticasconsagradas no período Lula-Dilma, mas inclusive conquistas oriundas da Constituição de 1988 e mesmo da Era Vargas. O governo Temer é a cara das nossas elites.
*Renata Boulosé mestre em relações internacionais (Universidade de Essesx) e sócia-diretora do INCIDE – Instituto de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI
Diego Pautasso é doutor em Ciência Política (UFRGS) e professor de Relações Internacionais da UNISINOS
Cláudio PutyéPh.D. em economia (New School for Social Reserch), professor da UFPA e professor visitante da University of International Business and Economics/Pequim