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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

O legado de uma estadista - Editorial do jornal O Estado de S. Paulo sobre Angela Merkel (01/02/2021)

 O LEGADO DE UMA ESTADISTA!

Editorial - O Estado de S. Paulo, 01/02/2021 

“Nada de experimentos.” Com este lema, Konrad Adenauer, o primeiro chanceler da Alemanha ocidental pós 2.ª Guerra e principal artífice de sua reconstrução, conseguiu sua vitória eleitoral mais robusta em 1957. Este anseio por estabilidade se fez sentir de novo agora, quando o seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), que governou a Alemanha por 50 dos últimos 70 anos, elegeu como seu líder Armin Laschet, o candidato mais alinhado à chanceler Angela Merkel. A era Merkel está no fim, mas o espírito de sua administração segue forte como nunca.

Desde que assumiram o comando em 2005, Merkel e o CDU consolidaram a posição da Alemanha como a principal economia da Europa, com finanças públicas sólidas e baixas taxas de desemprego. Primeira chanceler mulher da Alemanha, ela é a líder mais longeva da União Europeia (UE), foi frequentemente descrita como a sua líder de facto e também como a mulher mais poderosa do mundo e, após a eleição de Donald Trump, a “líder do mundo livre”.

O prestígio não foi conquistado em águas calmas. Ela enfrentou o colapso financeiro de 2008, a crise dos refugiados, o Brexit e agora a pandemia, mas, em contraste com seus pares – pense-se, por exemplo, nos destinos de Gordon Brown, David Cameron e Theresa May, no Reino Unido, ou Nicolas Sarkozy, François Hollande e Emmanuel Macron, na França –, a cada provação ela emergiu mais forte.

Na política externa, ela enfatizou a necessidade de cooperação internacional, fortalecendo os laços com a UE e a Otan. Na crise da dívida europeia, arriscou o dinheiro alemão, mas manteve a estabilidade do euro. Merkel liderou a UE nas sanções à Rússia após a anexação da Ucrânia e na crise dos refugiados se posicionou firmemente, quase sozinha, em nome dos valores europeus, recebendo mais de 1 milhão de exilados.

Em um perfil de Merkel, a revista The Economist delineou três marcas de sua gestão: ética, não ideológica; reativa, não programática; e desapegada, não engajada. “Sua fé luterana (‘uma bússola interior’) se expressa em seu estilo discreto e seus instintos: a dívida é ruim; ajudar os necessitados é bom.” Como disse seu colega do CDU Jens Spahn, “ela trabalha como uma cientista: lê muito, pondera os fatos e não tem preconceitos”. Merkel sempre mantém as opções abertas e evita polarizar os debates. “Sou um pouco liberal, um pouco social-cristã, um pouco conservadora”, definiu-se ela. Para a revista Der Spiegel, ela é inescrutável como as “esfinges, divas e rainhas”.

Com essas qualidades pessoais, ela transformou a aliança da CDU com a União Social Cristã (CSU) numa máquina eleitoral, conduziu a coalizão com os social-democratas e, a um tempo, ganhou a confiança dos conservadores e promoveu políticas caras ao progressismo liberal, como a abolição do serviço militar compulsório, o fechamento das usinas nucleares, o casamento gay e a assistência aos desfavorecidos.

A vitória de Laschet sobre Friedrich Merz mostra que o CDU optou por manter a orientação ao centro ao invés de uma guinada incerta à direita. As pesquisas de opinião estão massivamente a seu favor. Mas ele terá de manter a unidade e a integridade de seu partido, após flertes temerários nas coalizões regionais tanto com a extrema direita quanto com a extrema esquerda, e possivelmente precisará costurar uma aliança com os verdes, em ascensão, enquanto seus aliados tradicionais na centro-esquerda, os social-democratas, sofrem contínuo desgaste. Laschet é mais simpático aos verdes do que Merz, mas, por causa das suas relações com a indústria do carvão, não está tão perto daquele partido para disputar as eleições de setembro.

Com a saída de Merkel, as democracias liberais perderão uma protagonista decisiva no teatro global. Em tempos de ascensão do populismo, sua trajetória à frente de seu partido e de seu país são um exemplo de estabilidade, pragmatismo e decência. Laschet herda esse rico legado. Mas ainda terá de se mostrar capaz de colher seus frutos.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Resistência a Bolsonaro por parte do presidente da CD: vai continuar assim? - Editorial Estadão

 A NECESSÁRIA RESISTÊNCIA DE MAIA!


Editorial O Estado de S. Paulo, 13/01/2021

Finalmente, depois de 24 meses no cargo, o presidente Jair Bolsonaro começa a encontrar a devida resistência ao modo como vem governando o País. Ao longo da semana passada, por exemplo, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), fez declarações assertivas sobre o presidente da República.

No dia 9 de janeiro, Maia escreveu no Twitter: “Bolsonaro é covarde”. O presidente da Câmara referia-se a uma notícia da revista Veja com o título Bolsonaro culpa Pazuello por perda de popularidade e atraso da vacina.

Não cabe dúvida quanto à responsabilidade de Jair Bolsonaro pelo modo como o Ministério da Saúde vem enfrentando a pandemia de covid-19. Os dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que pretenderam enfrentar o novo coronavírus de forma minimamente técnica e não aceitaram as ordens preconceituosas e negativistas do presidente da República foram sumariamente demitidos.

Para evitar novos incômodos, Jair Bolsonaro colocou o intendente Eduardo Pazuello na chefia do Ministério da Saúde. As condições eram claras: obedecer ao chefe, sem contestar. Além disso, sempre que quisesse, Jair Bolsonaro poderia repreender ou desmentir o intendente em público.

Em outubro de 2020, o intendente afirmou que o governo federal negociava com o Instituto Butantan a compra de 46 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac. Imediatamente, Bolsonaro mostrou quem mandava. “Tenha certeza, não compraremos vacina chinesa”, disse. Não é de estranhar que o presidente tenha de ouvir agora coisas desagradáveis sobre seu comportamento.

Rodrigo Maia também reagiu à declaração de Bolsonaro de que, sem voto impresso em 2022, “nós vamos ter problema pior que os EUA”. O presidente referia-se nada mais nada menos que à invasão do Congresso americano por apoiadores de Donald Trump.

“A frase do presidente Bolsonaro é um ataque direto e gravíssimo ao TSE e seus juízes. Os partidos políticos deveriam acionar a Justiça para que o presidente se explique. Bolsonaro consegue superar os delírios e os devaneios de Trump”, escreveu o presidente da Câmara no dia 7 de janeiro.

Na mesma semana, ao comentar uma notícia do jornal Folha de S.Paulo (Brasil deixa de pagar banco do Brics e governo acusa Congresso), Rodrigo Maia escreveu: “Governo transferindo responsabilidade. É prática de um governo incompetente. É sempre assim”.

Um dos alicerces do regime democrático é a responsabilidade de quem exerce o poder. Por isso, é especialmente perniciosa a desinformação que tenta culpar um Poder por erros, confusões e omissões que são de autoria de outro Poder. A população tem direito a saber a verdade dos fatos. Só assim, poderá depois exercer conscienciosamente seus direitos políticos. A mendacidade é inimiga da democracia – que também é um regime de responsabilidade.

Diante de desarranjos populistas e autoritários, é muito bom que haja resistência da sociedade e dos partidos políticos que a representam. É também alvissareiro constatar a prontidão do Judiciário para proteger, quando acionado, a Constituição e o Direito. Mas é especialmente importante que também o Congresso, por meio de suas lideranças, se manifeste perante assuntos de tamanha relevância pública.

A política não pode se ausentar da tarefa de recordar os limites e responsabilidades do chefe do Executivo. Assim como toda autoridade num Estado Democrático de Direito, o presidente da República não pode se esquivar das responsabilidades do cargo, tampouco pode usar sua posição de destaque para proferir ameaças, explícitas ou veladas.

Houve quem se escandalizasse com as palavras de Rodrigo Maia. Afinal, os posts do presidente da Câmara no Twitter escancararam aspectos um tanto complicados do comportamento do presidente da República. A rigor, no entanto, escandalosa é a falta de contestação por parte de Jair Bolsonaro. Como já havia ocorrido em outras situações, o presidente Bolsonaro, que tanto gosta de falar, simplesmente se calou quando confrontado. Deu a entender que, apesar de suas dificuldades cognitivas, captou o fundamento das acusações.

domingo, 10 de janeiro de 2021

O que foi feito da tradição do Itamaraty - Editorial Estadão

 O que foi feito da tradição do Itamaraty

Com a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, o ‘soft power’ detido pelo Brasil foi corroído

ESTADÃO, Editorial, 10/01/2021

Independentemente das mudanças de orientação política que tenha sofrido desde os tempos do Barão do Rio Branco, seja no período autoritário, seja no período democrático, a trajetória do Itamaraty foi marcada por uma sucessão de êxitos que deram ao Brasil um importante protagonismo nas relações internacionais.

Tanto sob o comando de diplomatas de carreira, como os embaixadores Araújo Castro e Saraiva Guerreiro, quanto sob a direção de políticos, como Afonso Arinos de Mello Franco e Francisco San Tiago Dantas, o Itamaraty sempre foi respeitado pela competência, credibilidade, firmeza de caráter, respeito a princípios e habilidade de seus dirigentes. Apesar de terem formações distintas, esses políticos compartilhavam alguns pontos comuns. Defendiam os interesses e aspirações nacionais, recusavam alinhamentos automáticos e valorizavam a paz como ideal absoluto. Em matéria de economia, comércio e finanças, promoveram negociações com o objetivo de elevar o nível de vida dos brasileiros e melhorar a distribuição de riqueza no País.

Com a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, contudo, o chamado soft power detido pelo Brasil, obtido graças à respeitabilidade e ao empenho de sua Chancelaria na busca da coexistência pacífica no mundo contemporâneo, foi simplesmente corroído. Desde a entrega do Ministério das Relações Exteriores a Ernesto Araújo, um diplomata inexpressivo, que jamais ocupou postos importantes no exterior em sua carreira e foi escolhido apenas por seu alinhamento ideológico com a família presidencial, a imagem do Itamaraty tem sido sistematicamente maculada pela mediocridade, pela irresponsabilidade, pelo negacionismo e pelo primarismo.

As últimas falas de Araújo comprovam isso. Em novembro, por exemplo, ao comentar os resultados das eleições presidenciais nos Estados Unidos, ele afirmou que grande parte do povo americano “se sentiu agredida e traída por sua classe política e desconfia do processo eleitoral” que levou à derrota de Donald Trump. Agindo desse modo, Araújo contrariou um princípio básico da diplomacia. Como encarregado de negociar os interesses brasileiros, não cabia a um ministro das Relações Exteriores tomar posição partidária com relação à política interna daquele ou de qualquer país.

Nos últimos dias de dezembro, o chanceler avançou ainda mais na irresponsabilidade e na imprudência. A título de mensagem de ano novo, ele distribuiu um texto no qual disse que, “quando você compra a biopolítica do fique em casa, talvez esteja ajudando o narcotráfico”. Também denunciou uma “imensa, profunda e complexa trama de interesses” que, a seu ver, reuniria a mídia, o crime organizado e o terrorismo. Por fim, classificou a política de confinamento como “histeria biopolítica” e “mecanismo de controle do narco-socialismo”.

A escalada de asneiras do chanceler chegou ao auge na primeira semana de janeiro, após a invasão do Capitólio. Araújo não só retomou o que já dissera em novembro sobre a falta de lisura do processo eleitoral americano, como também insinuou que haveria “infiltrados” entre os invasores. E ainda afirmou que os apoiadores de Trump não podem ser chamados de fascistas. “Há que parar de chamar de fascistas a cidadãos de bem quando se manifestam contra elementos do sistema político ou integrantes das instituições.” Sua fala foi quase igual à da filha de Donald Trump, Ivanka, que chamou os invasores de “patriotas”, mas cancelou a mensagem do Twitter minutos depois. Talvez ela seja mais prudente que o nosso Ernesto, que, por sinal, não mora no Brás.

Nas relações entre os países, as percepções de poder, entre outros atributos ou predicados, têm influência decisiva. Igualmente, fatores morais também desempenham importante papel na estratégia e na ação diplomática. Como tanto o presidente da República como seu chanceler não têm nem sensibilidade nem competência para perceber os predicados implícitos nas percepções de poder, o Brasil encontra-se sem rumo e sem estratégia em matéria de política externa. Ou seja, quanto menos se dão ao respeito, menos o Brasil é respeitado no exterior.


segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Autoritarismo sob novas vestes - Editorial Estadão


Autoritarismo sob novas vestes

Editorial O Estado de S. Paulo, 03/01/2021

Seja qual for a cor ideológica ou o meio utilizado, o autoritarismo é sempre nefasto. É preciso estar alerta. A liberdade e a democracia são inegociáveis.

O País tem uma Constituição democrática vigente e realiza rigorosamente eleições no seu devido tempo. Pode-se, assim, ter a impressão de que o autoritarismo e outras violações do regime democrático sejam temas distantes dos brasileiros, como problemas do passado já superados. No entanto, nos dias de hoje continua havendo ataques à democracia, por novos e insidiosos meios, alertou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, em recente palestra. Nesses novos ataques, até mesmo as eleições são utilizadas para desacreditar o regime democrático.

Segundo Luís Roberto Barroso, “uma versão contemporânea do autoritarismo são essas milícias digitais que atuam na internet, procurando destruir as instituições e golpeálas, criando um ambiente propício para a desdemocratização”.

Nas eleições de 2020, o País assistiu a uma tentativa de desmoralizar o seu sistema eletrônico de votação. No dia do primeiro turno, hackers tentaram derrubar o site do TSE e houve vazamento na internet de dados de servidores obtidos por meio de um ataque virtual realizado dias antes. Ainda que essas duas operações não tenham provocado nenhum risco para a apuração dos votos, elas foram utilizadas para disseminar desconfiança em relação à segurança do sistema eleitoral.

Nesse ataque contra a democracia, os liberticidas ainda se valeram de um atraso do processamento de dados do TSE, ocorrido por questões técnicas alheias a qualquer atuação dos hackers. O atraso de algumas horas na divulgação dos resultados não interferiu na apuração dos votos, mas, para os que querem desacreditar a democracia, os fatos pouco importam. O que vale é o discurso distorcido, com o qual tentam disseminar desconfiança.

É interessante notar que, ao contrário do que afirmaram as fake news, as eleições municipais de 2020 foram um excelente exemplo do vigor da democracia no País. “Conseguimos fazer uma eleição (na pandemia), evitamos uma prorrogação (dos mandatos atuais ), adiamos para um momento em que foram feitas com mais segurança, conseguimos que o plano de segurança fosse observado e que não houvesse disseminação da doença, conseguimos uma abstenção bem baixa, de 23%, e conseguimos controlar as fake news e divulgar o resultado no mesmo dia”, lembrou o presidente do TSE.

No entanto, a despeito de todos esses fatos muito positivos, houve quem quisesse reduzir as eleições de 2020 ao problema operacional no computador do TSE, que, sem afetar a apuração, provocou atraso na divulgação dos resultados. Essa tentativa de distorcer a realidade não é ingênua e tampouco é casual. É parte da tentativa de minar os fundamentos do regime democrático.

“Com muita frequência, muitas vezes, mesmo nas democracias, há um esforço de desacreditar o processo eleitoral”, disse o ministro Luís Roberto Barroso. Citou, como exemplo, as últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos, com a recusa de Donald Trump em aceitar a vitória de Joe Biden. Sem nenhuma prova, Trump repetiu durante semanas que o resultado das urnas era uma farsa, em clara tentativa de desacreditar as eleições.

Os ataques ao sistema eleitoral, tanto as ações de hackers como a disseminação de desinformação nas redes sociais, são graves ameaças ao regime democrático, já que contêm a essência do autoritarismo. Todas essas perversas manobras têm em comum a não aceitação de que o poder seja investido a terceiras pessoas, conforme o resultado das urnas. Os autoritários não gostam do voto. Por isso, disseminam tanta desconfiança em relação ao processo eleitoral.

“Há uma onda populista, autoritária e conservadora radical no mundo”, disse Luís Roberto Barroso. “Eu me refiro ao conservadorismo radical que se manifesta pela intolerância, pela agressividade, procurando negar e retirar direitos de quem pensa diferente”. Seja qual for a cor ideológica ou o meio utilizado, o autoritarismo é sempre nefasto. É preciso estar alerta. A liberdade e a democracia são inegociáveis.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O valor da cooperação global - Editorial Estadão (O que fará agora, o chanceler acidental?)

 O valor da cooperação global

G-20 mostrou que Trump já é passado, e não só pela menção ao esforço global contra a pandemia.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo | 25/11/2020, 3h

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,o-valor-da-cooperacao-global,70003526920


O mais recente encontro do G-20, o grupo dos 20 países mais ricos do mundo, terminou com muitas incertezas acerca do combate à pandemia de covid-19 e dos devastadores efeitos econômicos por ela causados, mas ao menos serviu para recuperar a mensagem de que o mundo não superará a crise sem cooperação global.

“A inédita pandemia de covid-19 é uma poderosa lembrança de nossa interconectividade e de nossas vulnerabilidades”, diz a nota conjunta emitida ao final do encontro. E continua: “O vírus não respeita fronteiras. Combater essa pandemia demanda uma resposta transparente, robusta, coordenada, de larga escala e baseada na ciência, dentro do espírito de solidariedade. Estamos fortemente comprometidos em apresentar uma frente unida contra essa ameaça comum”.

Essa frente inclui a promessa de um esforço para fazer chegar a vacina aos países mais pobres, pois o grupo concluiu que não há como superar a crise causada pelo coronavírus sem que a doença esteja controlada em todo o mundo. Embora vago, esse compromisso é essencial e denota a conclusão, expressa pela primeira-ministra alemã, Angela Merkel, de que o desafio “só será vencido com um empenho global”.

O comunicado é chancelado por todos os chefes de Estado do G-20, inclusive Donald Trump, presidente dos EUA, e seu colega brasileiro, Jair Bolsonaro, ambos destacados líderes de um movimento irracional mundial destinado a minimizar a pandemia.

Se a assinatura de Bolsonaro vale o papel em que foi escrita, portanto, é lícito esperar que o presidente mude de atitude drasticamente e passe a entender a cooperação e a ciência como essenciais para enfrentar a crise. A esse respeito, o comunicado do G-20 é inequívoco: “Destacamos a urgente necessidade de controlar a disseminação do vírus, o que é a chave para a sustentação da recuperação da economia global”. Sendo assim, e ninguém de bom senso pode argumentar o contrário, Bolsonaro está obrigado a deixar imediatamente de lado sua campanha contra as medidas de prevenção destinadas a conter o coronavírus, a não ser que tenha assinado o comunicado sem o ter lido.

A participação de Bolsonaro na cúpula do G-20 não é por si mesma garantia de que o presidente compartilhe com seus colegas chefes de Estado o diagnóstico expresso no comunicado da reunião. Na sua vez de falar, o presidente brasileiro voltou a manifestar-se no conhecido tom defensivo e, como já se tornou habitual, esquivando-se de responsabilidades.

Depois, Bolsonaro faltou às sessões que discutiram a pandemia e as mudanças climáticas, os temas predominantes do mundo nos próximos anos, e não compareceu à sessão final. Seu mentor, Donald Trump, não foi muito melhor: fez apenas um discurso na abertura do encontro e foi jogar golfe.

De Trump não se esperava mesmo outra atitude, visto que se comportou dessa maneira desrespeitosa ao longo de todo o seu mandato e não seria agora, a semanas de deixar o cargo, que se emendaria. Mas Bolsonaro ainda tem dois longos anos de mandato pela frente, tempo mais que suficiente para ampliar ainda mais o isolamento brasileiro – agora sem o respaldo de um Trump derrotado pelas urnas.

A cúpula do G-20 mostrou que Trump já é passado, e não somente pela menção ao esforço global contra a pandemia. Além de enfatizar a necessidade de fortalecer a Organização Mundial da Saúde, tão vilipendiada por Trump e Bolsonaro, o grupo sublinhou que “o apoio ao sistema de comércio multilateral”, sabotado pelo atual governo norte-americano, “é hoje mais importante do que nunca”. Para completar, o G-20 reiterou os compromissos de proteção ao meio ambiente assumidos no Acordo de Paris, que Trump abandonou e Bolsonaro menosprezou.

Assim, soa cada vez mais caquética a campanha bolsonarista contra o “globalismo”, nome que o chanceler Ernesto Araújo dá ao multilateralismo, visto por ele como “estágio preparatório para o comunismo”. Como disse o premiê italiano, Giuseppe Conte, anfitrião do próximo encontro do G-20, “o multilateralismo não é uma opção”, mas sim “o único caminho sustentável” para o mundo.



domingo, 15 de novembro de 2020

O papel das Forças Armadas - Editorial Estadão, 14/11/2020

O papel das Forças Armadas

Editorial Estadão, 14/11/2020

Em duas ocasiões recentes, o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, manifestou de forma inequívoca o compromisso das Forças Armadas, em especial o da Força Terrestre, com a missão inarredável que lhes é atribuída pela Constituição. Em evento online promovido pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) sobre defesa e segurança, no dia 12 passado, o general Pujol afirmou que não só as tropas não querem “fazer parte da política”, como “muito menos deixar que ela entre nos quartéis”. No dia seguinte, durante o Seminário de Defesa Nacional, realizado pelo Ministério da Defesa na Escola Superior de Guerra, o general Pujol voltou a tratar do assunto ao abrir a sua exposição sobre o plano estratégico do Exército enfatizando que a Força sob seu comando é e sempre será “uma instituição de Estado, permanente, e não de governo”, uma instituição cujo compromisso é “com a Constituição e com o País”. As mensagens de Pujol foram reforçadas pelo vice-presidente da República. Ao portal G1, Hamilton Mourão disse que “não se admite política nos quartéis porque isso acaba com os pilares básicos das Forças Armadas, a disciplina e a hierarquia”.

São raras as manifestações públicas do comandante do Exército, sobretudo para tratar de tema tão sensível nestes tempos estranhos de flerte desabrido com ideias autoritárias. Qual é, afinal, o papel das Forças Armadas num Estado Democrático de Direito, como é o Brasil? Como impedir que a política “entre nos quartéis”, se o próprio presidente da República, o comandante em chefe das Forças Armadas, insiste em se utilizar delas para intimidar adversários e demonstrar prestígio político? O estrito respeito à Lei Maior e às leis complementares que tratam da atuação dos militares é a resposta. Elas delimitam muito bem quando e como as Forças Armadas devem ser empregadas. Não há espaço para confusão que dê azo a interpretações mais extravagantes desses marcos legais. As Forças Armadas se destinam “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, como determina o art. 142 da Constituição. Portanto, um seminário sobre defesa nacional, como o organizado pelo Ministério da Defesa, tem fundamental importância, antes de tudo, por ampliar o debate sobre um tema que está longe de estar restrito aos quartéis. A defesa nacional é um assunto de interesse de toda a sociedade, e esta deve ter uma visão clara sobre as condições republicanas para o emprego de suas Forças Armadas. Dirimir as contendas próprias da seara política não está entre elas.
Não por outra razão, a lei determina que o Ministério da Defesa submeta à apreciação do Congresso a Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia Nacional de Defesa (END) e o Livro Branco de Defesa Nacional, o que ocorreu em julho deste ano. As Forças Armadas são os meios pelos quais se executam as altas diretrizes de defesa e soberania definidas pela sociedade por meio de seus representantes. A elas devem se ater os planejamentos estratégicos de cada uma das Forças singulares. O comandante da Marinha, almirante Ilques Barbosa, salientou muito bem a necessidade de preparação da Força Naval para o cumprimento de sua missão constitucional diante da “multiplicidade de ameaças” no século 21, que é absolutamente distinta do contexto que marcou grandes guerras do passado. O brigadeiro Antônio Carlos Bermudez, comandante da Aeronáutica, ressaltou a necessidade de inserir o Brasil no mercado global de defesa ao apresentar o planejamento estratégico da Força Aérea, em especial com a inauguração do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão. O diálogo permanente entre as Forças Armadas e a sociedade, por meio de fóruns como os realizados pelo IREE e pelo Ministério da Defesa, é vital, por um lado, para a compreensão do papel dos militares na democracia e, por outro, para que a sociedade também possa ter mais clareza sobre a importância da defesa nacional.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

O chanceler pária, num governo pária, se esforçando para transformar o Brasil em país pária - Editorial Estadão

 Editorial ESTADAO

Orgulho de ser pária


O Estado de S. Paulo, 26 Oct 2020


Sob as ordens de Jair Bolsonaro, e de Ernesto Araújo, guinada na política externa colocou o Brasil na inédita posição de pária.


Que o chanceler Ernesto Araújo é uma desonra para o Itamaraty não é novidade. No seu tresloucado discurso de posse no Ministério das Relações Exteriores, em 2 de janeiro de 2019, o ministro já dissera a que vinha e, desde então, tem trabalhado quase exclusivamente para transformar a Casa de Rio Branco em uma espécie de casamata da chamada ala ideológica do governo de Jair Bolsonaro. Em sua defesa, não se pode dizer que Araújo não esteja cumprindo bem a missão que lhe foi dada.

Sob as ordens do presidente Jair Bolsonaro e a diligente condução de seu chanceler, a guinada empreendida na política externa para “libertar” o País do “jugo esquerdista”, do “marxismo cultural”, do “globalismo” e, pasme o leitor, do “covidismo” colocou o Brasil na inédita posição de pária no cenário internacional. De dois anos para cá, o Brasil deixou de ser um interlocutor relevante em uma miríade de temas caros à comunidade das nações, como meio ambiente, cooperação científica, ações humanitárias e comércio.

Até aqui, Ernesto Araújo vinha, a seu modo, rebatendo as críticas à subversão da tradição diplomática brasileira e à nova e inglória condição de pária internacional do País aludindo à suposta resistência de alguns setores do Ministério das Relações Exteriores, que estariam “contrariados” com as mudanças que empreendeu na pasta, e às pressões de países não alinhados e organismos multilaterais, como a própria Organização das Nações Unidas (ONU), entre outras teorias conspirativas que servem mais ao anedotário do que à real compreensão da dimensão dos males causados à reputação do Brasil no plano internacional. De acordo com este obtuso raciocínio, o País não seria um pária, mas teria se posicionado, isso sim, no que Araújo classifica como “o lado certo da História”.

Esse discurso mudou. Ao que parece, o ministro Araújo decidiu assumir de vez que não só o País é um pária, como há razões para se orgulhar da condição.

Ao participar da cerimônia de formatura de diplomatas no Itamaraty, dia 22 passado, Ernesto Araújo afirmou que “é bom ser pária”. Colocando o Brasil como uma das únicas vozes a proclamar a liberdade no mundo, ao lado dos Estados Unidos, o chanceler afirmou que, “se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária, que sejamos esse Severino que sonha e essa Severina que reza”.

O chanceler aludiu a João Cabral de Melo Neto, poeta e diplomata que foi escolhido o patrono da turma de formandos. “Modestamente, eu também considero-me as duas coisas, poeta e diplomata.” Pobre João, logo em seguida atacado em sua memória pelo inacreditável chefe da diplomacia brasileira. Após dizer que João Cabral tinha “uma grande sensibilidade para o sofrimento do povo brasileiro”, Araújo afirmou que a resposta do poeta a este “gigantesco e premente problema” se dirigiu para o que chamou de “lado errado”, o “lado do marxismo e da esquerda”. Uma vez mais, a referência ao “lado certo da História” que tanto apraz aos liberticidas.

Entre referências supostamente eruditas e parvoíces como “todo ‘isentão’ é um escravo de um marxista defunto” que permearam o discurso, o ministro fez um balanço de sua gestão à frente do Itamaraty, enumerando o que, em sua visão, seriam conquistas advindas da inflexão na política externa. “Esta política externa Severina, digamos assim, tem conseguido resultados. Concluímos acordos comerciais com as maiores economias do mundo, como a União Europeia e os Estados Unidos, e restauramos as relações com países de alta tecnologia, como Israel e Japão.”

O acordo comercial entre União Europeia e Mercosul está ameaçado pelos desatinos do governo na condução da crise ambiental. Com os Estados Unidos, ainda não deixou o campo das intenções. E como se restauram relações que jamais foram rompidas permanece um mistério.

Oxalá a turma de formandos do Itamaraty inspire-se no tão atacado passado da instituição e um dia ajude a reconstruir a reputação do País.


Que os formandos do Itamaraty se inspirem no passado para reconstruir a reputação do País.


quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Os desafios da integração Brasil-Argentina - Editorial Estadão

Nunca, nos últimos 30 anos, a integração Brasil-Argentina foi tão maltratado quanto agora, e isso por exclusiva responsabilidade do presidente brasileiro, que atacou, sem qualquer razão, o presidente argentino, como se a população daqueles país tivesse necessariamente de votar pelo candidato do gosto dele.

Paulo Roberto de Almeida


Os desafios da integração Brasil-Argentina

Os interesses comuns vão além do espectro do Mercosul e das transações econômicas

 

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

18 de outubro de 2020 | 03h00

 

Na relação entre Brasil e Argentina está em jogo muito mais que o destino dos dois países. Juntos eles formam a base do Mercosul e representam cerca de dois terços do território, da população e do PIB do Cone Sul. O Brasil é o principal parceiro comercial da Argentina e a Argentina é o terceiro maior parceiro do Brasil e o principal destino de suas manufaturas. Em um momento de redefinição da geopolítica global, foi oportuno que o Centro Brasileiro de Relações Internacionais, em parceria com a consultoria argentina Berensztein, tenha reunido diplomatas e pesquisadores em uma Jornada de Diálogos Brasil-Argentina.

Em que pesem as insatisfações e imperfeições na relação entre os dois países, o salto com o Mercosul foi incomparável em relação ao que havia antes. Só na primeira década do século 21 o comércio praticamente quadruplicou. Ainda assim, em comparação à experiência da União Europeia ou do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, há muito a ser feito. De resto, os interesses comuns dos dois países vão além do espectro do Mercosul e das transações econômicas.

No campo geoestratégico, como notou o ex-chanceler Celso Lafer, a coesão entre Brasil e Argentina tem para ambos, talvez mais do que com quaisquer outros países, o potencial de ampliar sua capacidade de atuação internacional e de gestão de riscos nos campos político, militar, energético e científico.

Dada a complexidade dessa rede de interesses, os dois países não podem simplesmente confiar, como disse o professor Hussein Kalout, na “inércia burocrática” parcialmente provida pelo Mercosul, mas precisam suplementá-la por uma atuação política.

O próprio Mercosul é um exemplo. Suas bases foram lançadas no final da década de 80 pelos presidentes Sarney e Alfonsín sob o lema “Juntos para crescer”. Mas sua parceria internacional mais importante, o acordo com a União Europeia, ficou quase duas décadas em “banho-maria” até os presidentes Temer e Macri, percebendo uma oportunidade com o desarranjo transatlântico entre a Europa e os EUA liderados por Trump, acelerarem a costura final que agora é submetida à ratificação dos dois blocos.

Por outro lado, como um contraexemplo, as convicções ideológicas dos presidentes Jair Bolsonaro e Alberto Fernández ameaçam paralisar, quando não desconstruir, anos de engenharia diplomática.

Justamente neste momento se faz como nunca necessário fortalecer os vínculos entre as classes políticas, empresariais e civis de ambos os países como um antídoto contra as oscilações e idiossincrasias dos governos de turno. Isso implica estimular transações não só econômicas, mas culturais, acadêmicas e científicas.

Motivações não faltam. Uma pauta importante é a defesa e a segurança, em especial no combate transfronteiriço ao crime organizado. Outra é a cooperação tecnológica, particularmente nos campos espacial, energético e digital. A crise pandêmica é uma oportunidade para intensificar os diálogos em prol de uma regulamentação sanitária regional, assim como a crise econômica o é para aumentar as importações e diminuir a dependência dos mercados financeiros internacionais.

Para tanto, é fundamental aprimorar mecanismos de integração já em vigor (como a tarifa externa comum) e criar outros, como uma burocracia do Mercosul mais robusta (a exemplo da União Europeia) ou instituições acadêmicas comuns. Há além de tudo áreas novas a serem exploradas, como a bioeconomia ou os vínculos com a região do pacífico asiático, atualmente a mais dinâmica do mundo do ponto de vista econômico.

O consenso entre os debatedores é de que há, na fórmula de Lafer, um imenso “potencial de sociabilidade”. O desafio é transformar a potência em ato. Vencer esse desafio é mais do que uma oportunidade para o desenvolvimento dos dois países, é quase uma condição sine qua non. Dado o seu entrelaçamento geográfico e histórico, o relacionamento entre ambos tem “a obrigação de dar certo”, como disse o professor Hussein Kalout: “É um matrimônio em que nenhum dos dois tem direito ao divórcio”. 


terça-feira, 6 de outubro de 2020

Um presidente medíocre, inepto, incapaz de se pautar pela dignidade do cargo - Editorial Estadão

O presidente Bolsonaro não tem a menor ideia do que sejam instituições republicanas, do sentido do Estado, da noção do equilíbrio de poderes. Ele quer que os ministros do STF sejam "alinhados cem por cento comigo". 

Lamento pelo Brasil.

Paulo Roberto de Almeida

 

Amigos do peito

As relações pessoais do presidente com integrantes do Legislativo e do Judiciário são até presumíveis. O problema é quando sugerem outros propósitos.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

06 de outubro de 2020 | 03h00


Não constitui problema um presidente da República ter amigos do peito em outros Poderes. As relações de caráter pessoal do chefe do Executivo com alguns integrantes do Legislativo e do Judiciário são até presumíveis, dada a convivência cotidiana em Brasília, que em alguns casos pode chegar a décadas. O problema é quando essa relação sugere que tem outros propósitos além do cultivo de uma amizade sincera.

A democracia presume a separação de Poderes. Esse princípio, pilar do Estado de Direito, é antídoto contra a tentação autoritária de quem pretende concentrar poderes que a Constituição não lhe faculta. É evidente que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário não são estanques. Sua relação se dá por meio dos chamados freios e contrapesos, fórmula que propicia fiscalização mútua e impõe obstáculos a qualquer tentativa de usurpação de poder. 

Para que funcione conforme o espírito constitucional, de forma harmônica, essa relação deve se dar exclusivamente no ambiente institucional, a salvo de interesses particulares dos ocupantes temporários dos cargos nos Três Poderes. Há mais de 200 anos é assim, ao menos nas democracias maduras.

Diante dessas considerações, vem causando justificável estupor o modo como o presidente Jair Bolsonaro pretende construir as relações de sua Presidência com o Supremo Tribunal Federal (STF). Sua primeira nomeação para aquela Corte, a do desembargador Kassio Nunes Marques, serve a um único propósito, conforme o próprio presidente admite sem corar: ter no topo do Judiciário um ministro que esteja “100% alinhado comigo”, como Bolsonaro escreveu recentemente numa rede social. Esse “alinhamento”, segundo o presidente, significa ser contra o aborto e a favor do armamento da população, além de “defender a família e as pautas econômicas”. 

É prerrogativa do presidente escolher quem bem entender para o Supremo, desde que atendidas as exigências constitucionais de notório saber jurídico e reputação ilibada. Também é natural que o indicado represente valores caros ao eleitorado do presidente, legitimados pelas urnas. O que não é natural nem saudável numa democracia é quando o presidente pretende que seu indicado ao Supremo atue como advogado de seus interesses pessoais, o que se depreende de sua insistência em classificar o desembargador Kassio Nunes Marques como um amigo: “Kassio Nunes já tomou muita tubaína comigo. (...) A questão de amizade é importante, né? O convívio da gente”.

Mas as amizades estratégicas de Bolsonaro, com ou sem tubaína, não se limitam a seu indicado ao Supremo. O abraço afetuoso entre o presidente e o ministro do STF Dias Toffoli, numa “confraternização” na casa do magistrado no fim de semana, é a constrangedora imagem da ausência de limites institucionais na república bolsonariana.

Nessa república, o presidente age como se não fosse ocupante temporário do cargo e, assim, não precisasse observar a liturgia que garante a impessoalidade do exercício da Presidência. Procura estabelecer com integrantes do Judiciário laços de compadrio que embutem uma óbvia expectativa de cumplicidade. Faz campanha pessoal por seu indicado ao Supremo como se fosse um cabo eleitoral. Só falta distribuir santinhos.

Tudo muito conveniente para quem é o chefe de um clã enroscado com a Justiça e é, ele mesmo, investigado. Também é muito conveniente para quem tem como base parlamentar um grupo de partidos e políticos que, em razão dos muitos processos que enfrentam por corrupção, estão igualmente interessados em cultivar relações de camaradagem no Judiciário.

“Preciso governar”, disse o presidente Bolsonaro a um apoiador que o criticou pelo abraço em Toffoli, como se seu governo dependesse de relações de caráter pessoal, e não institucional. E depende mesmo: sabendo que “governar”, para Bolsonaro, é manter-se no poder a qualquer custo, proteger seus filhos na Justiça e de quebra ajudar os companheiros do Centrão que lhe dão apoio crucial neste momento, é natural que o presidente ainda venha a precisar de muitos amigos do peito.

 

 

domingo, 26 de abril de 2020

A necessidade da utopia (Rui Barbosa) - Editorial Estadao (OESP, 26/04/2020)

A necessidade da utopia
Editorial de O Estado de S.Paulo (26/4/2020)

Há pouco mais de um século, em janeiro de 1919, o Estado publicou, neste espaço, um editorial em que defendia mais uma candidatura presidencial de Rui Barbosa, uma forma de protestar contra os arranjos oligárquicos e militaristas que degradavam a então jovem democracia republicana. Embora fosse político experiente, Rui Barbosa era, na ocasião, o que hoje se convencionou chamar de outsider, por ter sido o primeiro a fazer campanha eleitoral dirigindo-se aos eleitores, algo raro numa República que, embora nominalmente democrática, definia os presidentes nos salões do poder e depois os instalava no governo por meio do voto de cabresto e de fraudes nas listas de votação. Rui Barbosa perdeu a eleição para Epitácio Pessoa, que passou toda a campanha em Paris.

O editorial, ao cobrar que o voto deveria ser a expressão da vontade popular, e não o instrumento de um poder antidemocrático do qual as elites se serviam, salientava que “segrega-se da regularidade das soluções tradicionais o país em que os governos incorrigíveis teimam no erro e no crime, e em que povos, cansados de deitar nas urnas votos inúteis, desistem do direito de votar”. E mais: “Na nossa desgraçada República os governos, quase sem exceção, e o povo, quase em unanimidade, de há muito se haviam fixado neste sistema anormal de se viver – os governos contando com a covardia eterna do povo, e este simplesmente resignado”.

Passados cem anos, o País parece ainda prisioneiro de arranjo semelhante – mas o outsider, quanta diferença! Em vez de um Rui Barbosa, que no palanque fez os brasileiros verem a importância do exercício da cidadania e das políticas sociais, temos um Jair Bolsonaro, que representa os inconformados com a democracia.

Entre a campanha de 1919 e a campanha de 2019, a degringolada é evidente. Com raros intervalos nesse período, em que tivemos lideranças lúcidas e conscientes de seu papel no comando político do Brasil, a trajetória, de Rui Barbosa a Jair Bolsonaro, é a de um País em que a República parece ser quase um mal-entendido.

A utopia, essência da política e tão bem traduzida nas palavras de um Rui Barbosa, transforma-se em farsa quando enunciada por um Jair Bolsonaro. A utopia bolsonariana não é a da democracia plena, a da realização do potencial do País e a do aperfeiçoamento nacional, fruto de amplo debate democrático; é, ao contrário, a promessa de um mundo em que tudo se resolve pela vontade do líder, que se confunde com a do “povo”.

A pergunta, aludindo ao editorial de um século atrás, que fez referência aos governos que contam “com a covardia eterna do povo”, é: onde estão os democratas do Brasil? O que justifica a apatia dos amantes da liberdade ante tão flagrante assalto à República? Para encurtar: como fomos capazes de trocar Rui Barbosa por Jair Bolsonaro?

É preciso reavivar a utopia democrática. A política não pode se resumir à necedade [sic] bolsonarista ou à malícia lulopetista, ou ainda aos titubeios tucanos, ou à caradura do centrão. Em todos e em cada um desses casos, salvo honrosas exceções, prevalece o interesse paroquial e imediato, cuja fatura será paga, como sempre, pelas gerações seguintes. 

Mas nem sempre foi assim. Há exemplos na história – Rui Barbosa é apenas um deles – de líderes que procuraram instilar na população o sentimento de coletividade, do pertencimento verdadeiramente patriótico, e que olhavam não apenas para a resolução dos problemas do presente, mas para a semeadura do futuro.
Não é possível imaginar que tão poderosa mensagem – a da utopia de um amanhã melhor, construído não por um demagogo, mas pela vontade concertada de todos os cidadãos – não seja capaz de emocionar os brasileiros e fazê-los recobrar a esperança na democracia. Para que essa mensagem prevaleça, no entanto, é preciso que a elite nacional se apresente e valorize a cultura em vez da orgulhosa ignorância; a ciência em vez do obscurantismo militante; a articulação de consensos em vez da truculência política.

A democracia é um regime exigente porque demanda que cada um dos cidadãos assuma sua responsabilidade na construção da Nação. É o que pregava Rui Barbosa – que, mesmo derrotado, jamais deixou de acreditar em sua utopia.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Embrapa vs Zander Navarro: editorial do Estadao

Antes de ler este editorial, leia a matéria sobre a demissão de Zander Navarro, publicada pelo site Direto da Ciência, e o artigo escrito por esse agrônomo, publicado pelo Estadão em 5/01/2018. Essas leituras preliminares colocarão o editorial no contexto.
Aqui: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/embrapa-demite-zander-navarro.html
e aqui: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/o-artigo-de-zander-navarro-uma-critica.html

É preciso resgatar a Embrapa
Editorial O Estado de S. Paulo, 12/01/2018
Não é de hoje que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) sofre com desorientação, tanto do ponto de vista administrativo como estratégico. Uma das únicas empresas estatais que dependem exclusivamente de recursos do Tesouro Nacional para funcionar, a Embrapa vê-se perdida ante uma enorme pulverização de seus projetos de pesquisa – mais de mil ora em desenvolvimento –, estando poucos deles alinhados, de fato, com as novas necessidades dos produtores agropecuários.
Além disso, uma estatal com 10 mil servidores espalhados por 47 unidades, em quase todos os Estados, e com orçamento anual de cerca de R$ 3,5 bilhões deveria zelar melhor pelo emprego de seus recursos, sejam humanos ou financeiros, ao direcionar suas linhas de pesquisa tendo como norte o interesse público.
Anestesiadas por um passado de glórias – justificáveis, é importante frisar –, sucessivas direções da empresa, desde a década de 1990, foram incapazes de reagir à altura dos novos desafios que se lhes impuseram. Com a atual administração não parece ser diferente. A Embrapa, hoje, escora-se em uma suposta preponderância no sucesso do agronegócio brasileiro para se esconder sob o manto da excelência de outrora e pairar acima de qualquer escrutínio público, o que é absurdo, evidentemente.
A responsabilidade por esse estado de coisas recai em grande medida sobre o sr. Lula da Silva, que quando ocupou a Presidência da República aparelhou a estatal – mais uma – a fim de permitir a reorientação de seus projetos de pesquisa pautando-se por objetivos estritamente político-ideológicos, desviando o bom rumo que a empresa vinha trilhando para reposicioná-la na direção do agronegócio familiar.
Não por acaso, nada menos que dois terços do quadro de pesquisadores da Embrapa foram trocados por meio de concursos públicos realizados durante os governos lulopetistas. Cabe indagar que critérios levaram à seleção de novos pesquisadores pouco familiarizados com as reais necessidades da produção agropecuária.
Em um artigo escrito para o Estado (ver Por favor, Embrapa: acorde!, publicado em 5/1/2018), o sociólogo Zander Navarro, que foi um dos mais capacitados pesquisadores da Embrapa, expôs de forma muito consistente as razões que o levam a crer que a estatal está sob sérios dilemas administrativos e, ainda mais preocupantes, morais.
Em um país que se pretende democrático, as reflexões que o artigo de Zander Navarro suscita, tanto sobre o futuro da Embrapa como o próprio papel do Estado na economia, seriam recebidas com a devida atenção e provocariam um debate de alto nível sobre a premente necessidade de resgate de uma de nossas mais importantes empresas públicas. Não foi o que ocorreu. A resposta ao artigo dada pela direção da Embrapa foi a demissão sumária de seu autor, acusado de “ignorar sistematicamente os códigos de ética e de conduta da Empresa”, como foi dito por Maurício Antônio Lopes, presidente da empresa, em comunicado interno obtido pelo Estadão/Broadcast.
O incidente não é um simples caso de indisciplina funcional, facilmente resolvido com a demissão do funcionário sedicioso. Antes de tudo, é uma questão de orientação estratégica da empresa, que, como dito, perdeu o rumo sob os desígnios do Partido dos Trabalhadores.
Fundada há quase 45 anos, a Embrapa foi uma das grandes indutoras do desenvolvimento do agronegócio no País, junto com os investimentos em pesquisa feitos também pelo setor privado e por universidades. Ao contrário destas, com as quais não se confunde, a Embrapa deve se dedicar à pesquisa aplicada e não pode perder de vista, em momento algum, o futuro do agronegócio no País.
Não são poucos os estudos de respeitadas instituições que indicam que o Brasil será o principal produtor de alimentos do mundo em duas ou três décadas. Com esta enorme responsabilidade – e oportunidades comerciais para o País – vêm também grandes desafios, como, por exemplo, o desenvolvimento de modelos de produção cada vez mais eficientes e sustentáveis.
A Embrapa precisa ser resgatada das armadilhas do lulopetismo para, novamente, estar à altura dos desafiadores anos que estão por vir.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Vergonha! Vergonha! - Editorial do Estadao sobre o vergonhoso momento do Brasil

Não preciso acrescentar nada, ou talvez apenas isto: a revelação trazida pelas gravações demantela as já esfarrapadas mentiras arguidas pelos criminosos do poder, e revela claramente quão baixo esses personagens podem descer na podridão da política mafiosa.
Paulo Roberto de Almeida

Vergonha! Vergonha!
Editorial O Estado de S. Paulo, sexta-feira, 18 de março de 2016

Após ter praticado um autêntico golpe de Estado em favor de seu mentor, Lula, Dilma Rousseff deu mais um tapa na cara dos brasileiros ao decretar que devem calar a boca aqueles que se insurgem nas ruas contra seu governo, acusando-os de agir sob o efeito de emoções artificialmente criadas e assim se tornarem instrumentos de uma conspiração armada contra os interesses do povo. Essa investida, que sinaliza a estratégia a ser seguida doravante pelo lulopetismo na tentativa de manter-se no poder, foi o ponto alto do comício, com direito a ruidosa claque, armado dentro no Palácio do Planalto a pretexto de dar posse a Lula no cargo de ministro que lhe garantiria foro especial na Justiça.

O ato serviu a uma tentativa canhestra da presidente da República de desmentir as palavras que deixou na gravação de um telefonema feito na quarta-feira, comunicando a Lula que estava lhe encaminhando o documento de nomeação, para ser usado “em caso de necessidade”.

Nessa encenação acintosamente partidária que presidiu na sede do governo de todos os brasileiros, Dilma assumiu uma atitude agressiva, só atenuada quando fazia exortações vazias à união nacional. Em sintomática adesão ao estilo populista de seu guru, Dilma dialogou com a claque petista – o que em vários momentos deixou indisfarçavelmente constrangidos políticos e autoridades na plateia – fornecendo as deixas para as ruidosas manifestações de que “não vai ter golpe” e de ataques à “mídia golpista”.

A estridência de Dilma Rousseff nas ameaças, nem sempre veladas, aos inimigos que vê por todos os lados, especialmente no Judiciário, não ocultou a humilhação por que passava a outrora voluntariosa presidente. Naquele momento, ela abria mão do respeito a si mesma e fingia continuar sendo a chefe de governo e de Estado, mesmo já tendo entregue o poder de fato a seu mestre e criador. Ou alguém duvida de que – mesmo com o litígio judicial a respeito da validade de sua nomeação – toda e qualquer decisão governamental relevante estará sujeita, a partir de agora, à iniciativa ou aprovação de Lula?

A encenação petista serviu também para Dilma apresentar o argumento que derrubaria definitivamente a versão de que este seu conluio com Lula configura uma tentativa de obstrução da Justiça, pois pode ter o efeito prático de transferir a jurisdição das investigações que ameaçam o ex-presidente de Curitiba para Brasília. Trata-se do tal termo de posse que mandou entregar a Lula, com a recomendação de que só o usasse se fosse necessário. Ou seja, ela achava que um termo de posse, sem a sua assinatura, valeria como salvo-conduto. O espantoso é que nem numa situação extrema como aquela em que achava que enfrentava com seu mentor ela foi minimamente bem assessorada.

Esse episódio mais a divulgação das gravações feitas com autorização da Justiça das conversas telefônicas de Lula prestaram ao País o importante serviço de mostrar exatamente o que o chefão do PT, a presidente Dilma e seus interlocutores pensam a respeito do atual cenário político. Graças à iniciativa do juiz Sergio Moro de levantar o sigilo das gravações, os brasileiros puderam constatar, de maneira indesmentível, que com essa gente não há “conversa republicana”. Nem são eles capazes de inventar tretas que resistam à revelação de um telefonema.

A posse de Lula na chefia da Casa Civil acabou suspensa por um juiz federal e o governo, como era de esperar, recorreu da decisão liminar. Assim, a questão ficará sub judice, por quanto tempo não se sabe. Mas esta não é uma questão jurídica. É uma questão eminentemente moral. Daí o grito de protesto dado por um deputado presente à encenação palaciana, que lhe custou a imediata expulsão do recinto: “Vergonha! Vergonha!”.

Não têm vergonha na cara pessoas que usam o poder que lhes foi conferido pelo povo, primeiro, para surrupiar o dinheiro de todos e, depois, para proteger parentes e amigos das consequências legais da roubalheira.

Como dizia, premonitoriamente, o chefe dessa malta: “No Brasil é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia; mas quando um rico rouba, vira ministro”.

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Grampos põem o governo mais perto do impeachment – Editorial / Valor Econômico

Concebida, entre outras intenções, como uma estratégia visando apaziguamento e conciliação, a entrega da Casa Civil ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cavou mais fundo o fosso da crise política e econômica, e lhe deu ainda ingredientes de uma crise constitucional. Na véspera da posse, a divulgação de diálogos gravados pela Polícia Federal acentuaram o clima de caos político e colocaram o governo mais perto do impeachment.

Logo após a cerimônia de posse, um juiz da 4ª Vara Federal concedeu liminar suspendendo-a, o primeiro de uma série de atos que desaguaram no Supremo Tribunal Federal com o mesmo objetivo. Até ontem à tarde, mais 9 ações bateram no STF, enquanto que na Justiça Federal dos Estados ingressaram 50 ações populares com idêntica finalidade. A liminar concedida, sob alegação de que o exercício do cargo por Lula poderia ensejar "intervenção indevida e odiosa" nas investigações ecoou as suspeitas provocadas pelas gravações de escutas telefônicas divulgadas com autorização do juiz Sergio Moro, com diálogos entre Lula, a presidente Dilma Rousseff, os ministro Jaques Vagner e Nelson Barbosa, da Fazenda, entre outros.

Nesses grampos, Lula revela irritação e impotência diante do cerco das investigações da Lava-Jato. Cobra atitudes mais positivas da Procuradoria Geral, insta o ministro da Fazenda a ver o que a Receita, que atua com a PF, tem contra o Instituto Lula, reclama do rigor com que a entidade está sendo tratada, condena a "República de Curitiba" e diz que a Suprema Corte está "totalmente acovardada". Moro e os procuradores da Lava-Jato viram nessas conversas o risco lógico de que, no centro do poder, Lula irá coibir as investigações. A ideia da divulgação foi mostrar "a guerra desleal travada nas sombras" contra a Lava-Jato, segundo o coordenador da força-tarefa da Operação, Dalton Dallagnol.

Mas Moro e os procuradores podem ter cruzado a linha vermelha ao divulgarem um diálogo de Dilma com Lula, que motivou a interpretação corrente de que se tratava de tentativa de garantir que Lula não fosse preso, ao combinar que lhe enviaria o termo de posse para que usasse "em caso de necessidade". Esta foi a ação política mais explícita e incisiva do juiz Moro, que pode lhe causar dissabores e por a perder parte das investigações realizadas. O que a presidente disse não poderia ter sido divulgado sem autorização do STF, segundo advogados, embora haja polêmica a respeito. A questão será também dirimida pelo Supremo.

O discurso da presidente Dilma na cerimônia de posse não foi nada pacificador. Fez vários elogios a Lula, o "maior líder político desse país", com o qual afirmou se identificar em tudo, e abriu fogo contra "grampos ilegais", "inverdades, métodos escusos e práticas criticáveis" da Lava-Jato. "Os golpes começam assim", disse. Ao defender a tese da democracia ameaçada, Dilma afirmou que "todo esse barulho, que não é a voz rouca das ruas, mas é uma algaravia, advinda da excitação de pré-julgamentos, deve acabar, pelo bem do Brasil". Completou: "os que não têm razão não terão força política para provocar o caos e a convulsão social" e que "a gritaria dos golpistas não vai me tirar do rumo e não vai colocar o nosso povo de joelhos".

O vice-presidente, Michel Temer e a bancada do PMDB no Senado, onde se decidirá o impeachment, não compareceram à solenidade, um mau presságio. Temer considerou uma afronta a escolha de Mauro Lopes (PMDB) para a Secretaria da Aviação Civil, dias depois de a convenção do partido ter proibido por 30 dias a aceitação de cargos no governo. À tarde, a Câmara escolheu a comissão que analisará o processo de impeachment, que deverá ser célere.

Com a cristalização de todos os aspectos da crise em poucos dias, o país está parando à espera da resolução do impasse. A situação política e econômica é totalmente desfavorável ao governo, incapaz de criar fatos novos positivos que durem mais que poucas horas. Alvejado pelos grampos antes da posse, Lula, pelos diálogos revelados, não contará com a simpatia do Judiciário ou do Congresso, atingidos por sua avaliação desabonadora. Celso de Mello, o mais antigo ministro do STF, disse que, no que se refere ao Judiciário, ela é "torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes". Com o relógio do impeachment começando a correr, novas delações premiadas a caminho e o barulho das ruas, é muito difícil que o ex-presidente consiga deter, com ações decisivas, uma maré anti-governista que agora parece ter ganhado força própria.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Brasil: o Estado Fascista da imposição tributaria em acao - Editorial OESP

Direitos atropelados

Editorial O Estado de S,Paulo, 10 Agosto 2015 

Nenhum contribuinte deve ser obrigado a utilizar as normas tributárias que mais o onerem se houver alternativas legais que lhe permitam recolher menos impostos. Essa garantia dos contribuintes nunca teve a concordância plena das autoridades fazendárias, que, de tempos em tempos, têm procurado derrubá-la por meio de normas por elas mesmas editadas ou sugeridas. Essas autoridades assim procedem mesmo sabendo correr o risco de ver suas iniciativas declaradas inconstitucionais pela Justiça. A última manobra com essa finalidade está embutida na Medida Provisória (MP) n.º 685, assinada no dia 21 de julho pela presidente Dilma Rousseff, que, além de criar um programa especial de quitação de débitos tributários, obriga o contribuinte a revelar os mecanismos de planejamento tributário que eventualmente tenha utilizado.

Espanta que, na exposição de motivos na qual propõe à presidente a edição da MP, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, argumente que essa obrigatoriedade - que transforma o contribuinte em fiscal de si mesmo para efeitos tributários, sujeitando-se às penalidades pelos atos por ele informados que sejam considerados ilegais pelo Fisco - visa a “aumentar a segurança jurídica no ambiente de negócios do País e gerar economia de recursos públicos em litígios desnecessários e demorados”.

O contribuinte honesto espera que essa proposta não prospere no Congresso, como não prosperou outra iniciativa dessa natureza espertamente incluída pela Secretaria da Receita Federal num projeto de minirreforma tributária apresentado em setembro de 2002 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, então em fim de mandato, e para o qual obteve depois a concordância de seu sucessor eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.

Naquela ocasião, como agora, o objetivo da Receita era aumentar a arrecadação e, ao mesmo tempo, reduzir os custos da cobrança dos impostos, transferindo tarefas de sua responsabilidade para o próprio contribuinte, ao obrigá-lo a expor às autoridades fazendárias sua política de gestão tributária, transformando-se, assim, em agente do Fisco.

A MP 685 cria o Programa de Redução de Litígios Tributários (Prorelit). O programa permite que o contribuinte quite débitos tributários vencidos até 30 de junho de 2015 que vinha contestando administrativa ou judicialmente com a utilização de créditos de recolhimentos da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), desde que desista da contestação. Se isso ocorrer, diminuirá a quantidade de litígios.

O ministro da Fazenda, como se viu, argumenta que também a obrigatoriedade de o contribuinte declarar o conjunto de operações que “envolva atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributos” reduzirá os litígios. A medida obriga o contribuinte a expor todo seu procedimento tributário. Se, no todo ou em parte, esse procedimento for considerado ilegal ou impróprio pelo Fisco - que terá toda autoridade para fazê-lo -, o contribuinte será punido sem direito de se defender, pois sua declaração será tomada como confissão.

Ao contrário de aumentar a segurança jurídica, como tenta se justificar o governo, a medida gera grande insegurança para o contribuinte, na medida em que o sujeita a decisões subjetivas do funcionário da Receita que analisar sua declaração. A própria redação da MP abre espaço para interpretações subjetivas do Fisco ao especificar as operações que devem ser declaradas, como atos ou negócios jurídicos que não tenham “razões extratributárias relevantes”, adotem forma “não usual”, utilizem negócios que contenham cláusula que “desnature os efeitos de um contrato típico”, ou tratem de negócios previstos em atos da Receita Federal, que pode editá-los a qualquer tempo.

Para a segurança jurídica, o contribuinte e o País necessitam de uma legislação que defina com clareza o que pode e o que não pode ser feito, não de artifícios para reduzir o trabalho do Fisco e aumentar a arrecadação passando por cima dos direitos dos contribuintes.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Petrolao e Projeto Monopolico de Poder: o maior crime economico do lulo-petismo

O maior crime econômico do lulo-petismo não é simplesmente ter destruído a Petrobras, é ter destruido o país, desmantelado suas instituições, por meio de um projeto totalitário de monopólio do poder, pela promiscuidade criada em todas as agências das quais se apropriaram os companheiros mafiosos, pela sem cerimônia com desviaram todas as políticas públicas de seus objetivos fundamentais, desde que colocavam suas patas sujas em cada uma delas.
'Duvido que tenha havido uma única instituição, da mais modesta escola em zona rural recuado, à mais alta corte do país, que tenha escapado da sanha destruidora da tropa de bárbaros políticos, guiados por uma Nomenklatura sedenta de riqueza e de poder, e que corromperam tudo e a todos.
O Petrolão é talvez o aspecto mais visível desse terremoto destrutivo, mas isso porque as agências ainda não totalmente dominadas pelos bárbaros ainda não investigaram todas as outras possibilidades de corrupção e desmandos.
Muito mais vai se descobrir.
Eu, por enquanto, vou catalogando todos os crimes econômicos cometidos pelos hunos do século 21.
Paulo Roberto de Almeida

O escândalo lulopetista

Editorial O Estado de S.Paulo
06 Fevereiro 2015 | 02h 06 

Seria considerado lunático ou alarmista mal-intencionado quem tivesse afirmado, dois ou três anos atrás, que o espírito do mensalão baixaria novamente, ampliado a ponto de colocar em risco o futuro da maior estatal brasileira e complicar gravemente a situação político-institucional do País. Pois o escândalo da Petrobrás está aí para comprovar que, na espantosa surrealidade fomentada pelo lulopetismo, nada é impossível.
O assalto à Petrobrás não é o resultado da associação casual de eventos de geração espontânea. Tampouco é apenas o produto da cumplicidade de funcionários corruptos com empresários inescrupulosos. O escândalo da Petrobrás é o efeito de uma fria e ousadamente elaborada estratégia de consolidação de hegemonia política. Uma armação urdida à sombra do poder, com muitos protagonistas - os mais importantes ainda ocultos. É, enfim, a obra do lulopetismo na ocupação do aparelho estatal por uma nomenklatura a serviço de si mesma.
A Petrobrás, que antes de ter seu valor de mercado reduzido a menos da metade ostentava o porte de uma das maiores corporações do planeta, sempre teve uma enorme importância estratégica não apenas no campo vital da energia, mas para o desenvolvimento econômico do País. Como empresa de economia mista e capital aberto de grande prestígio internacional, a petroleira propiciava ao País, além de tecnologia de ponta criada por seu quadro técnico, importantes investimentos privados, nacionais e estrangeiros, provenientes das mais variadas fontes.
Ao assumirem o poder com planos de não mais largar o osso, Lula e o PT rapidamente se deram conta de que a riqueza da Petrobrás teria um importante papel a desempenhar nesse ambicioso projeto. E trataram logo de aumentar o poder de fogo da empresa, trocando o sistema de concessão para a exploração de petróleo - até então vigente - pelo controvertido sistema de partilha, que aumentou o controle estatal sobre a extração e assim a perspectiva de lucros mirabolantes provenientes dos campos do pré-sal.
O pré-sal, aliás, foi politicamente apropriado e explorado por Lula. O então presidente da República vestiu um macacão da Petrobrás, sujou as mãos de óleo e saiu a anunciar a nova era de prosperidade como resultado da autossuficiência energética do país que se tornaria grande exportador de petróleo, e da cornucópia que a partir daí se abriria para realizar todos os sonhos dos brasileiros. Prognósticos que também a incompetência de gestão, no governo e na empresa, se encarregou de frustrar.
Além da falta de cerimônia com que a Petrobrás foi colocada a serviço da promoção da imagem do lulopetismo, a empresa, já no primeiro mandato de Dilma Rousseff, foi descaradamente usada como instrumento de apoio ao controle da inflação, mediante a contenção artificial do preço dos derivados de petróleo. Esse desrespeito às regras do mercado - mas, principalmente, às leis das sociedades anônimas e de criação da Petrobrás - resultou, obviamente, em prejuízos bilionários para a companhia, para seus acionistas e para o Tesouro Nacional.
Mas nada se compara à sangria a que a Petrobrás foi submetida pelo esquema de propinas implantado para captar recursos destinados a financiar as atividades político-eleitorais do PT e de seus aliados, de acordo com a estratégia de perpetuação no poder da qual o mensalão tinha sido a primeira experiência. Depois de um curto período de aparente recuo em que Lula chegou a se declarar traído pelos mensaleiros, a reeleição de 2006 surgiu como que um sinal verde para a continuidade do projeto e os petistas se adonaram completamente da Petrobrás, contando com a muito bem recompensada colaboração de diretores da empresa e de um bando de empreiteiros desonestos.
Os envolvidos no escândalo - todos, enfim, que urdiram e deram aval à trama criminosa - brevemente estarão enfrentando as consequências de seus atos. Um a um, eles vão aparecendo. Sua identificação é fácil: no histórico da corrupção e dos desmandos administrativos que ameaçam o futuro da Petrobrás ficaram, indeléveis, as impressões digitais do lulopetismo.