Poucas pessoas, no Brasil, tiveram tanto envolvimento na integração Brasil-Argentina quanto o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-Geral dos governos Lula de 2003 a 2009, quando se aposentou por idade do Itamaraty e passou à condição (breve) de Secretário de Assuntos Estratégicos e, depois, no final do segundo governo, antes mesmo da posse da atual presidente, Alto Representante do Mercosul, uma espécie de comissário político do bloco.
Eu disse "envolvimento" com o processo bilateral Brasil-Argentina, e não exatamente Mercosul, pois é o primeiro esquema que lhe interessa prioritariamente, já que não ocupava mais funções decisórias quando o Mercosul foi criado NA FORMA em que foi criado.
Se dependesse dele, o Mercosul NUNCA teria sido criado dessa forma -- digamos "neoliberal" -- que foi criado, e que ele condena, por preferir os antigos esquemas da integração Brasil-Argentina, que ele ajudou a escrever pessoalmente, ou até foi o redator principal dos principais instrumentos -- protocolos setoriais -- que marcaram aquele processo, preferido por ele, já que o Mercosul, pelo Tratado de Assunção, sempre foi considerado um "desvio" do processo (ainda que a expressão, e a condenação, não sejam feitas de modo explícito).
Quaisquer que sejam, em todo caso, as posições, principistas ou formais, do referido personagem político e diplomático em relação ao Mercosul, se trata, como reconhecido, de figura influente no processo, passado e atual, e sua visão é considerada como sendo uma espécie de história oficial desse processo de integração.
Esta introdução para dizer que o texto abaixo, do qual só vim a tomar conhecimento em 11 de maio de 2012, representa, por assim dizer, uma espécie de síntese intelectual do que esse personagem influente entende como representativa da história passado, da situação presente e dos desafios atuais e futuros para o desenvolvimento desse processo de integração, do bloco do Mercosul, como um todo, que ele se empenha em ampliar, para incorporar toda a América do Sul (o que parece impossível de ocorrer sem desvirtuar os fundamentos do acordo comercial).
Provavelmente teria muitas considerações a fazer a cada um dos parágrafos abaixo transcritos, o que exigiria, talvez, um trabalho de iguais (ou maiores) dimensões, impossível de fazer aqui, neste momento.
Portanto, vai o texto transcrito, sem que isto represente endosso meu aos argumentos do personagem em questão (ao contrário, tenho sérias restrições, nos planos factual, analítico e interpretativo).
Paulo Roberto de Almeida
Samuel
Pinheiro Guimarães
Alto
Representante do Mercosul
10 de abril de 2012
revista Austral, Revista Brasileira de
Estratégia e Relações Internacionais
(Porto
Alegre, UFRGS, Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da
UFRGS, vol. 1, n. 1, jan.-jun. 2012, p. 13-22)
1. A análise da situação do Mercosul, de seus objetivos e das estratégias
para alcançá-los, é de especial relevância no momento em que se vem de comemorar
os vinte anos da assinatura, em 26 de março de 1991, do Tratado de Assunção, em
plena e extraordinária crise e transformação política e econômica mundial.
2. Em 1991, era hegemônico o pensamento neoliberal, em um cenário econômico
de grande otimismo. Era a Nova Ordem Mundial, anunciada pelo presidente G. H.
Bush, a era da globalização, do fim das fronteiras, do fim da História, do
progresso ilimitado para todos os Estados e para todos os indivíduos. Era o
mundo unipolar, pacífico e próspero.
3. Esse pensamento neoliberal, que veio a ser articulado no Consenso de
Washington e impulsionado pelas políticas dos países desenvolvidos nos
organismos e negociações internacionais e em suas relações bilaterais com os
Estados da América Latina, viria a se refletir, em decorrência dessas pressões
externas e até por convicção das elites dirigentes, nas políticas domésticas,
econômicas e sociais, dos quatro Estados do Mercosul.
4. Apesar das naturais diferenças entre as situações em que se encontravam
Estados e sociedades naquele momento e do grau de radicalismo com que foram
implementadas, essas políticas todas tinham como principal objetivo reduzir o
Estado a seu mínimo, através de programas de privatização, de desregulamentação
e de abertura externa para bens e capitais, muitas vezes adotados de forma
unilateral, sem negociação, como “contribuição voluntária” ao progresso de
globalização.
5. Em 1991, a situação política internacional estava marcada pela
desintegração da União Soviética, pelo fim dos regimes socialistas da Europa Oriental,
pelo desprestígio do socialismo como sistema político e econômico, pela
expansão (voluntária ou “estimulada”) de regimes democráticos, pelo fim
aparente dos conflitos regionais, pela
“ressurreição” das Nações Unidas e, finalmente, pela hegemonia dos Estados
Unidos.
6. Em 2012, a economia mundial se caracteriza pelo aumento da distância
entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, pela expansão da globalização e
das mega empresas multinacionais e, de outro lado, passa pela sua mais profunda
crise desde 1929, a qual se originou em uma tendência à superprodução, à
extensão excessiva do crédito e, finalmente, em um enorme movimento especulativo,
desencadeado por bancos, fundos de investimento, auditoras e corretoras,
permitido pela globalização e pela profunda desregulamentação nacional e
internacional dos sistemas financeiros. A crise eclodiu nos Estados Unidos e se
espraiou pelos sistemas financeiros dos demais países desenvolvidos, enquanto
se atribuiu aos países emergentes, de forma indistinta, a capacidade de manter
algum crescimento positivo da economia mundial. Enquanto os países ocidentais
desenvolvidos se encontram mergulhados em suas crises, que já afetam a unidade
européia, a China surge como a segunda maior potência econômica do mundo.
7. Em 2012, o panorama político-militar internacional se caracteriza pelo
desenrolar de guerras em países islâmicos, com a expansão dos poderes da OTAN
para muito além de sua área de competência; pela luta contra um inimigo difuso,
o terrorismo; pela eclosão, imprevista, de movimentos populares contra
ditaduras árabes tradicionalmente apoiadas, e às vezes até financiadas, pelas
potências ocidentais; pela intervenção das potências ocidentais, a pretexto
humanitário, nos assuntos internos de Estados mais fracos; pelo ressurgimento
da xenofobia e do racismo, em especial na Europa, com reflexos sobre imigrantes
sul-americanos; pela crescente sofisticação e automação das forças militares
das grandes potências e pelo seu esforço em desarmar, inclusive em termos
convencionais, os Estados mais fracos e já desarmados.
8. Este cenário político-militar estará sendo cada vez mais transformado
pela expansão geográfica da presença política, e no futuro militar, da China, a
partir de sua crescente influência econômica, em sua qualidade de maior
economia, maior potência exportadora e
importadora, segundo maior destino de investimentos internacionais, de sua
crescente capacidade científica e tecnológica, de sua situação de maior
detentora de reservas internacionais e de maior investidora em títulos do
Tesouro americano. Apesar de todas as dificuldades e desafios a trajetória
econômica e política chinesa tende a não sofrer radicais alterações devido às
características de seu sistema político colegiado e de ascensão gradual dos
membros do Partido Comunista às posições
de alta responsabilidade no Bureau Político do Comitê Central.
9. A emergência da China como a maior potência econômica do mundo, e
possivelmente, em breve, como a segunda maior potência política e militar, tem
extraordinárias consequências para a América do Sul, mas muito especialmente
para os Estados do Mercosul.
10. Em especial para o Mercosul, na medida em que certos governos da América
do Sul tomaram a decisão, de grande
importância para seus países e para o futuro político e econômico
da América do Sul, que foi a de se
inserir, inicialmente, no sistema econômico norte-americano, através da
assinatura de amplos acordos econômicos, chamados impropriamente “de livre
comércio”, e, em seguida, na economia mundial, através da negociação de acordos, ai sim de livre comércio, com a União Européia e com muitos outros
países, entre eles a China.
11. Esses países sul-americanos optaram por uma política de inserção
irrestrita na economia global e abdicaram da possibilidade de utilizar diversos instrumentos de promoção do
desenvolvimento, em especial importantes
no caso de países subdesenvolvidos, com populações expressivas, com alto grau
de urbanização, com grandes disparidades sociais e econômicas. E em
consequência, abdicaram de uma participação mais intensa em um processo de
integração regional sul-americano pela impossibilidade de participar de uma
união aduaneira regional e de políticas regionais de natureza industrial que
permitam o fortalecimento das empresas produtivas instaladas em seus territórios.
Assim, a retórica presente em todos os encontros acadêmicos e políticos sobre a
aspiração, a possibilidade e os benefícios de uma futura integração
sul-americana deve ser vista à luz desta realidade atual.
12. O impacto da China sobre a economia dos países do Mercosul, que já é grande, se tornará extraordinário.
13. A economia chinesa vem crescendo a 10% ao ano, em média, nos últimos
trinta anos, desafiando os recorrentes prognósticos negativos dos especialistas.
Sua economia moderna é integrada por cerca de 300 milhões de indivíduos, com um
déficit crescente de alimentos para uma população que melhora e diversifica seu
padrão alimentar, sem suficientes terras aráveis e água para a irrigação em grande
escala, (ainda que haja a possibilidade de dessalinização da água do mar e de
desenvolvimento de tecnologias agrícolas adequadas às suas regiões inóspitas),
com uma demanda voraz e um déficit de minérios muito significativo, e com um
déficit energético crescente, apesar dos ambiciosos programas de expansão de
seus sistemas eletro-nuclear e eólico. A incorporação gradual de mais de um
bilhão de chineses, hoje no campo e em atividades de baixa produtividade, ao setor moderno da economia tornará a China
o maior mercado do mundo, superior ao mercado americano e europeu somados.
14. Apesar de a demanda chinesa por minérios, por alimentos e por energia
poder ser suprida por outras regiões, em especial a África, a América do Sul e
os países do Mercosul estão em condições especiais para atendê-la, como, aliás,
já vem fazendo com suas exportações de soja e de minério de ferro, entre outros
produtos.
15. A demanda chinesa por minérios, petróleo e produtos agrícolas contribui,
de forma expressiva, para o aumento dos preços mundiais desses produtos, para
um impulso inflacionário em todos os países, para a geração de grandes receitas
cambiais nos países do Mercosul, e para
a consequente valorização de suas moedas nacionais, afetadas pelo influxo
simultâneo do excesso de moeda ofertada pelos Estados Unidos, através de sua
política de “monetary easing”.
16. Por outro lado, a China, que se constituiu, inicialmente, em uma enorme
plataforma de produção e exportação das megaempresas multinacionais, passou,
através de suas políticas comerciais,
industriais e de transferência de tecnologia, a criar e desenvolver suas
empresas de capital chinês, capazes de participar do mercado mundial, nos mais
diversos setores, com produtos dos mais simples aos mais complexos, com custos
de produção e preços de exportação altamente competitivos.
17. A própria situação da China e sua estratégia de desenvolvimento afetará
da forma mais profunda as perspectivas de desenvolvimento de cada país do
Mercosul, colocará em cheque suas políticas comerciais, industriais e
tecnológicas, pautadas pelas normas da OMC, negociadas e adotadas em um
contexto internacional diverso, e o próprio futuro do Mercosul, como esquema de
desenvolvimento econômico, de transformação produtiva e de desenvolvimento
social da região.
18. De um lado, a demanda chinesa por produtos primários e, de outro lado,
sua oferta de produtos industriais a baixo preço, diante da ortodoxia de
política econômica de certos países (centrada em uma excessiva preocupação com
o combate à inflação e com o equilíbrio fiscal) e de seu baixo dinamismo
tecnológico poderá levar, se não vierem a ser formuladas e implementadas firmes
e permanentes políticas industriais de agregação de valor aos produtos
primários em forte demanda, a uma especialização na produção primária para
exportação, e à conquista pela China dos mercados de produtos industriais dos
sócios do Mercosul e dos demais países da América do Sul .
19. Esta situação tenderia a se agravar com a superação da crise econômica
nos países altamente industrializados, que provocou a redução temporária de sua
demanda por insumos primários. Com a retomada de seu crescimento industrial e
de renda, esses países passarão a exercer uma pressão adicional ainda maior
sobre os mercados de produtos primários, agrícolas e minerais, com alta
possibilidade de aprofundar o processo de especialização regressiva dos países
da América do Sul e em especial do Mercosul, que inclui as duas maiores
economias industriais da região.
20. Em sociedades cada vez mais urbanizadas e com populações expressivas, sob
o impacto permanente da propaganda agressiva de estímulo ao consumo, essa
especialização regressiva levaria a uma
oferta de empregos industriais nessas sociedades insuficiente para
atender à crescente demanda decorrente do crescimento demográfico e da
necessidade de absorver os estoques de mão de obra secularmente subempregados e
desqualificados. Os efeitos sociais dessa insuficiente geração de empregos
urbanos seriam de extrema gravidade.
21. Esse cenário afetaria profundamente as perspectivas e as possibilidades
de integração mais profunda entre os Estados do Mercosul na medida em que esta
integração depende da vinculação cada vez maior entre suas economias (e
consequente vinculação política) o que somente é possível pelo intercâmbio de produtos
industriais pois, no setor agrícola,
além da menor gama de produtos típica desse
setor, as produções dos quatro países são, em larga medida,
concorrentes. Suas economias ficariam gradual ou até mesmo rapidamente cada vez
mais isoladas umas das outras e o processo de integração mais profunda ficaria
definitivamente abalado e reduzido a esforços de cooperação em setores
importantes, porém limitados.
O desafio das
assimetrias
22. As assimetrias entre os Estados do Mercosul, que são notáveis em território e população, aspectos o primeiro
fixo e o segundo de lenta transformação,
mas que tem, todavia, grande importância econômica, vem crescendo
rapidamente em termos de grau de diversificação produtiva, de dinamismo
tecnológico e de dimensão dos respectivos parques produtivos.
23. A dinâmica dessas assimetrias, deixada ao sabor das forças de mercado, em
uma união aduaneira e em uma área de
livre comércio, na inexistência de esquemas corretivos, leva a um grau de
desenvolvimento cada vez mais distinto e, portanto, a fricções, a frustrações e
a ameaças permanentes à coesão do Mercosul, com todas as consequências para a capacidade, tanto dos
Estados maiores mas em especial dos menores, de defender e de promover seus
interesses em um cenário internacional
cada vez mais caracterizado, apesar da crise, pela expansão de grandes blocos
de países, nas Américas, na Europa e na Ásia.
24. A redução das assimetrias é essencial para que as economias e as sociedades possam se beneficiar de forma
equitativa do processo de integração. As
assimetrias que, em termos concretos,
correspondem a grandes diferenças de infra-estrutura física e social, de capacitação da mão de obra e de
dimensão das empresas, fazem com que os investimentos privados não possam se
distribuir de forma mais harmônica dentro do espaço comum, que a geração e a
qualidade de empregos seja desigual e que, portanto, seja desigual a geração de
renda e o bem estar nas diversas sociedades.
25. Outros esquemas de integração, como a União Européia, desde sua origem em
1958, se preocuparam com a existência e os efeitos de diferentes níveis de desenvolvimento entre os
Estados que deles participavam e com a necessidade de promover o
desenvolvimento mais acelerado dos países mais atrasados para tornar mais
equilibradas as oportunidades dentro do espaço econômico comum. Lançaram mão de
vários programas, basicamente de transferência de recursos, com o objetivo de
nivelar a economia dos Estados que foram se agregando à União Européia e que se
encontravam em diferentes estágios de desenvolvimento. O processo de
reunificação das duas Alemanhas foi e é um exemplo de grande transferência de
recursos que chega a atingir trilhões de dolares com o objetivo de nivelar duas
economias e sociedades que se integram.
26. Devido à doutrina neoliberal e a seus objetivos implícitos, que
presidiram à criação do Mercosul, inicialmente julgou-se e afirmou-se que as
dimensões assimétricas dos Estados não afetariam o desenvolvimento de cada um
deles e que a simples integração
comercial automática, sem levar em conta
de forma adequada essas assimetrias, permitiria a cada um deles usufruir, de
forma igual ou semelhante, dos benefícios decorrentes do processo de
integração.
27. Vinte anos depois do Tratado de Assunção há uma aceitação generalizada de
todos os Governos da importância e das consequências de toda ordem das
assimetrias entre os Estados e da necessidade de enfrentá-las com programas eficazes,
cujo montante de recursos até agora alocados são absolutamente insuficientes
para a dimensão da tarefa.
28. Algumas afirmações básicas podem ser feitas sobre a possibilidade de
êxito no enfrentamento do desafio de redução das assimetrias, indispensável
para a coesão e o futuro econômico e político do Mercosul:
a.
sem a compreensão generosa (e, aliás,
de seu próprio interesse, econômico e político) dos Estados maiores, que deve
se refletir em suas contribuições financeiras para os diversos programas, em especial
para o FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul) pode-se
continuar a enfatizar retoricamente a importância das assimetrias mas elas não
se reduzirão;
b.
sem a construção da infra-estrutura
de energia e de transportes nos Estados menores as assimetrias não se reduzirão
e
c.
nenhum programa ou política
comunitária em nenhuma das diversas áreas de integração poderá ir adiante sem a
a criação de instrumentos financeiros assimétricos de financiamento desses programas e políticas.
Ampliação geográfica
do Mercosul
29. Em um cenário internacional caracterizado pela ampliação de grandes
blocos de países fortalecidos, a despeito da crise do euro, a capacidade do
Mercosul de defender e de promover os interesses de seus Estados depende de seu
fortalecimento econômico e político.
30. Do ponto de vista econômico e social, o fortalecimento do Mercosul resultará do desenvolvimento produtivo de
cada uma das quatro economias nacionais, de sua
integração física e comercial, da redução significativa das disparidades
em cada uma das sociedades, de seu dinamismo tecnológico, da redução das
vulnerabilidades externas de cada um de seus membros.
31. Do ponto de vista político, o fortalecimento do Mercosul como bloco
depende de um lado de uma coordenação cada vez mais estreita de seus membros e,
de outro lado, do número de Estados soberanos que o integram, Estados que, por
esta razão, tem interesse em coordenar suas ações, como membros de um bloco,
nas negociações e foros internacionais e diante de crises e iniciativas de
terceiros Estados, em especial daqueles mais poderosos.
32. A ampliação geográfica do Mercosul significa a adesão de novos membros.
Por causa de decisões que tomaram no passado, não podem, no momento atual,
fazer parte do Mercosul Estados que assinaram acordos de livre comércio com
outros Estados ou blocos, tais como a
União Européia, e que, por esta razão, aplicam tarifa zero às importações
provenientes daqueles Estados ou blocos e que, assim, não poderiam adotar e
aplicar a Tarifa Externa Comum do Mercosul.
33. A ampliação geográfica do Mercosul teve início com o processo de adesão
da Venezuela. A participação integral da Venezuela no Mercosul é da maior
importância política e econômica, dada a riqueza de recursos minerais e
energéticos do país e de sua decisão de desenvolver industrialmente sua
economia. Depende ela agora somente de decisão do Senado Paraguaio, já tendo
sido aprovada pela Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela.
34. Além da Venezuela, poderiam, em princípio, ingressar no Mercosul a Bolívia, o Equador, o Suriname e a Guiana. A
possibilidade de Estados extra-regionais, isto é, situados fora da América do
Sul, ingressarem no Mercosul é reduzida.
35. É de todo o interesse dos Estados do Mercosul criar as condições as mais
favoráveis possíveis ao ingresso da Bolívia, do Equador, do Suriname e da
Guiana como membros plenos no Mercosul e de fortalecer as relações com todos os
demais países da América do Sul que, aliás, já são Estados associados, para
que, no futuro, caso desejem ingressar no Mercosul, este ingresso seja mais
fácil e eficaz, política e economicamente.
O Mercosul
como mecanismo de desenvolvimento regional
36. À época da criação do Mercosul, existia a convicção nos governos dos Presidentes Menem, Collor, Rodrigues e Lacalle,
de que a execução das políticas preconizadas pelo Consenso de Washington, isto
é, de desregulamentação, de
privatização, de abertura ao capital
estrangeiro e de remoção das barreiras ao comércio, seriam suficientes para
promover o desenvolvimento econômico e social.
37. O Mercosul foi criado em 1991 para ser um esquema de liberalização
comercial, como uma etapa de um processo “virtuoso” de eliminação de barreiras
ao comércio e de plena inserção na economia internacional, e não para ser um
organismo de promoção do desenvolvimento econômico nem dos Estados isolados nem
em conjunto.
38. A implementação do Tratado de Assunção, ao não levar em conta de forma
adequada as diferenças entre os países e o impacto econômico e político dos
deslocamentos econômicos causados pela redução de tarifas, levou a todo tipo de
esquemas “provisórios”, tais como o acordo automotivo e as exceções à TEC,
periodicamente renovadas, para bens da capital e de tecnologia de informação, e
os acordos, muitas vezes informais, de organização do comércio em certos setores empresariais.
39. A transformação do Mercosul de uma simples união aduaneira e área de
livre comércio imperfeitas em um esquema de desenvolvimento regional
equilibrado e harmonioso dos quatro Estados, o que significa a eliminação das
assimetrias e a gradual construção de uma legislação “comum”, exigiria:
a)
o reconhecimento enérgico das
assimetrias, cuja realidade se verificaria pela constituição de fundos comuns
assimétricos, com recursos adequados, em cada área de integração, para
financiar projetos, inclusive de harmonização gradual da legislação;
b)
a garantia de condições para permitir
políticas de promoção do desenvolvimento industrial de cada Estado;
c)
a celebração de acordos em setores
industriais relevantes, semelhantes ao acordo automotivo;
d)
a criação de mecanismos que impeçam a
“desorganização dos mercados” nacionais e, ao mesmo tempo, evitem o desvio de
comércio em favor de países não-membros do Mercosul;
e)
o acesso das empresas de capital
nacional, sediadas nos quatro Estados, aos organismos nacionais de
financiamento de qualquer um dos quatro Estados do Mercosul;
f)
a harmonização da legislação dos
quatro Estados em todas as áreas de integração.
40. A crise econômica internacional, a estratégia e as políticas de
desenvolvimento implementadas pela China, os programas implementados pelos
países industrializados para enfrentar a crise e a verdadeira “suspensão”, na
prática, das normas incluídas nos diversos acordos da OMC, “negociados” à época
da hegemonia do pensamento neo liberal, criam um ambiente propício à adoção
deste elenco de medidas.
* * *
* * *