Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
O vice-presidente poderia passar suas
notas de reuniões com embaixadores – certamente seu assessor diplomático as fez
– ao atual chanceler, para pelo menos ajudá-lo em seu trabalho oficial. Nada para humilhar, claro...
Paulo Roberto de Almeida
Mourão reuniu-se com mais que o triplo de
embaixadores do que o chanceler
Chanceler reuniu-se com 7
E o vice-presidente, com 23
Dados são de agendas
oficiais
O
vice-presidente da República, general Hamilton Mourão Sérgio Lima/Poder360 - 21.jan.2019
O vice-presidente Hamilton Mourão reuniu-se com 23
embaixadores em seu gabinete no Palácio do Planalto desde a posse. O número
representa mais que o triplo de vezes que o ministro das Relações Exteriores,
Ernesto Araújo, recebeu representantes de outros países.
Os
dados são das agendas oficiais de ambos, Mourão e Ernesto. Leia a tabela com os
representantes estrangeiros que conversaram com Mourão:
Representantes
recebidos por Mourão
data
autoridade
3.jan
embaixadores
da Bélgica, Patrick Herman, e da Holanda, Kees Van Rij
9.jan
ebaixadores
da Argentina, Carlos Margariños, da República Dominicana, Alejandro Arias
Zarzuela, e da Ucrânia, Rostyslav Tronenko
14.jan
embaixador
da Espanha, Fernando Garcia Casas
21.jan
embaixadores
da Tailândia, Susarak Suparat, e da Alemanha, Georg Witschel
23.jan
embaixador
do Grão-Ducado de Luxemburgo, Carlo Krieger
28.jan
embaixador
da Palestina, Ibrahim Alzaben
30.jan
embaixador
do Chile, Fernando Schmidt
31.fev
embaixador
do Canadá, Riccardo Savone
11.fev
embaixadores
da Irlanda, Seán Hoy, da Austrália, Timothy Francis Kane, e da República
Tcheca, Sandra Lang Linkensedorová
13.fev
embaixador
do Vietnã, Do Ba Khoa
18.fev
embaixadores
de Portugal, Jorge Cabral, e do Kuwait, Nasser Al Motairi
19.fev
embaixador
da Grécia, Ioannis Pediotis
20.fev
embaixador
da Sérvia, Veljko Lazic
21.fev
embaixador
da França, Michel Miraillet
13.mar
embaixadores
da Geórgia, David Solomonia, e da Espanha, Fernando Garcia Casas
19.mar
embaixador
da França, Michel Miraillet
20.mar
embaixador
da Nova Zelândia, Chris Langley
O chanceler teve encontros com 7 embaixadores. A representante do
autodeclarado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, foi a única a reunir-se
duas vezes com Ernesto:
Desde que tomou posse como
ministro, o chefe do Itamaraty ficou, pelo menos, 21 dias fora do país em
viagens diplomáticas. Ernesto passou por Peru, Suíça, Canadá, EUA, Polônia,
Colômbia e Chile. Já Mourão viajou para fora em apenas uma oportunidade: em 21 de
fevereiro para reunião do Grupo de Lima em Bogotá, na Colômbia.
DIVERGÊNCIAS
O vice-presidente discorda
publicamente de políticas adotadas por Ernesto Araújo na área de relações
exteriores. Chegou a se manifestar contra a transferência da embaixada do Brasil em
Israel de Tel Aviv para Jerusalém,prometida por Jair Bolsonaro.
Os palestinos reivindicam Jerusalém
Oriental como capital de seu futuro Estado. Do outro lado do espectro nessa
disputa está Israel, que reivindica Jerusalém como sua capital indivisível,
algo que a maior parte dos países que integram a ONU (Organização das Nações
Unidas) não aceita.
Em 28 de janeiro, o embaixador da
Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, reuniu-se com Mourão. Afirmou ter
saído “muito satisfeito” da reunião com o general e se
mostrou otimista com as relações diplomáticas entre Brasil e Palestina.
“Tivemos uma conversa sobre a
transações bilaterais entre Brasil e Palestina e saímos muitos satisfeitos que elas
continuarão respeitando direitos internacionais e essa tradição brasileira ao
longo dos últimos 70 anos”, afirmou.
Ernesto Araújo também foi preterido
na 3ª feira (19.mar.2019) por Jair Bolsonaro ao não participar do encontro
privado com Donald Trump no salão oval da Casa Branca, durante a viagem do
presidente brasileiro aos Estados Unidos. Segundo relatos captados pelaFolha de S. Paulo, Araújo demonstrou
irritação na frente de outros ministros e foi acalmado por Paulo Guedes.
De acordo com o Itamaraty, ter
recebido menos embaixadores que o vice-presidente não significa perda de
prestígio do Ministro das Relações Exteriores. A função de receber
embaixadores em audiências simples, segundo com o ministério, é do
secretário-geral (2º na hierarquia). O levantamento doPoder360, no entanto, envolve audiências de
todos os tipos com representantes (embaixadores, ou não) de outros países.
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Vice-presidente, chamado informalmente de "o adulto na sala" por diplomatas estrangeiros, é visto como âncora de estabilidade de um Governo cuja atuação externa é volátil e confusa
Fica cada vez mais evidente que a estratégia da política externa brasileira, articulada pelo chancelerErnesto Araújo, o presidenteBolsonaroe seu filhoEduardo, está deixando inseguros investidores internacionais e outros governos. Araújo é visto como ideológico demais (algo que os investidores sempre temem, não importa se a ideologia é de esquerda ou de direita). Já Eduardo, que atua como um ministro das Relações Exteriores informal, passa a imagem de ignorante e muito radical para inspirar confiança no exterior, mesmo por parte de funcionários do governo dos EUA, que veem com bons olhos o Governo Bolsonaro. O péssimodiscurso de Bolsonaro em Davospareceu resumir a atuação da turma antiglobalista até agora, desapontando investidores que tinham aguardado uma fala mais séria –e que, de certa maneira, estavam torcendo para o novo presidente.
"Ainda bem que eles têmMourão" é um comentário que se ouve com cada vez mais frequência no exterior. De fato, o general da reserva e vice-presidente é agora visto pela comunidade internacional como a âncora de um navio que, sem ele, estaria à deriva no que diz respeito à estratégia internacional.
Mourão difere do resto da equipe de política externa de Bolsonaro em estilo e substância. Enquanto os outros atores do governo são conhecidos por sua retórica estridente e agressiva,Mourão é moderado e calmo. Em umaentrevista recente, o vice-presidente não se esquivou de responder perguntas difíceis –ao contrário de seu chefe, que frequentemente ataca jornalistas quando estes discordam dele. Mourão chamou a atenção no exterior quando, em entrevista a uma repórter espanhola e a um brasileiro, respondeu as perguntas em espanhol fluente, o qual aprendeu como adido militar emCaracas.
Quando se trata de conteúdo, Mourão resiste sabiamente às ideias mais radicais e mal concebidas dos antiglobalistas, comotransferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, deixar oAcordo de Parissobre mudança climática, abrigar uma base militar dos EUA e, a mais perigosa de todas, adotar tom agressivo em relação àChina. Não é coincidência que um número crescente de embaixadores esteja procurando Mourão, o qual –eles esperam –continuará a impedir Bolsonaro de cometer graves erros políticos no âmbito externo. Nenhum vice-presidente na história recente foi tão necessário para a estabilidade da política externa do Brasil, já nas primeiras semanas de Governo, quanto Hamilton Mourão.
Ainda assim, previsivelmente, o papel estabilizador do vice-presidente na política externa do Brasil lhe rendeu a ira dos radicais (inclusiveOlavo de CarvalhoeSteve Bannon, dos EUA). A questão-chave é: até que ponto Mourão será capaz de vetar todas as ideias esdrúxulas que certamente ainda virão da ala antiglobalista do governo?
A verdade é que, idealmente, Mourão não deve ser apenas bombeiro-chefe e jogar na defesa para proteger a política externa brasileira de erros graves. Também tem potencial para adotar um papel mais ativo e propor novas iniciativas no âmbito externo. Três em particular vêm à mente.
Primeiro, Mourão seria o homem certo para liderar a posição do Brasil em relação àVenezuela, maior desafio em curto e médio prazos na política externa hoje. De longe a pessoa mais bem informada no gabinete sobre o assunto, Mourão também tem a vantagem de ser um militar, capaz, portanto, de lidar com a instituição que determinará o futuro do país vizinho: asForças Armadas. Isso envolveria a articulação da resposta complexa àcrise migratória venezuelanaem todo o continente. Mourão poderia, ainda, convocar uma cúpula regional para discutir o assunto e decidir como coordenar conjuntamente o registro, a distribuição e a integração dos migrantes venezuelanos. Juntamente com outros países da região, ele também poderia organizar a criação de um fundo para compensar os países mais afetados pela crise migratória, como Colômbia, Equador e Peru. Além disso, coordenaria, com a Colômbia e outros, o envio de ajuda médica e humanitária à Venezuela, assim que oGoverno Maduro–ou qualquer governo sucessor –o permitir.
Em segundo lugar, como projeto de médio prazo, Mourão poderia liderar um processo de aprofundamento da cooperação entre as Forças Armadas na América do Sul, dando continuidade a um movimento deflagrado porNelson Jobim, ministro da Defesa de Lula. Isso poderia funcionar por meio de uma instituição existente, como o Conselho de Defesa Sul-Americano, e deveria envolver, entre outras iniciativas, exercícios militares conjuntos, missões para lidar com desastres naturais e participação em missões de paz daONU. Isso até poderia ajudar a aumentar a pressão sobre suas contrapartes nas Forças Armadas da Venezuela –que perderão muito com uma transição para a democracia, dados os privilégios que acumularam sob Maduro –para permanecerem em seus quartéis independentemente de quem seja o futuro líder. A plataforma revigorada poderia, em futuras crises desse tipo, oferecer aos países vizinhos um canal adicional para o diálogo e a coordenação.
Finalmente, Mourão poderia se tornar responsável pela estratégia do Brasil em relação a Pequim, um tema de extrema relevância para o futuro do Brasil em curto, médio e longo prazos. Isso poderia incluir assumir o portfólio dogrupo BRICS, que nem o presidente nem o ministro das Relações Exteriores consideram de grande relevância. Enquanto o presidente Bolsonaro, seu filho e o ministro das Relações Exteriores expressaram, até agora, ideias simplistas e preocupantes sobre a China, Mourão seria capaz de encontrar um meio-termo entre o receio legítimo sobre o que a ascensão chinesa implica e o otimismo quanto às muitas oportunidades na crescente presença do país na América Latina.
A queda de braço entre Hamilton Mourão e os antiglobalistas deverá marcar a estratégia internacional do governo Bolsonaro. Resta saber se Mourão sairá vitorioso e conseguirá salvar a política externa brasileira dos próximos anos.
Oliver Stuenkelé professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo, onde coordena a Escola de Ciências Sociais em São Paulo e o MBA em Relações Internacionais. Também é non-resident fellow no Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim e membro do Carnegie Rising Democracies Network.