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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019
Mourão entra em campo contra os antiglobalistas - Oliver Stuenkel (El País)
Mourão entra em campo contra os antiglobalistas
Vice-presidente, chamado informalmente de "o adulto na sala" por diplomatas estrangeiros, é visto como âncora de estabilidade de um Governo cuja atuação externa é volátil e confusa
Fica cada vez mais evidente que a estratégia da política externa brasileira, articulada pelo chancelerErnesto Araújo, o presidenteBolsonaroe seu filhoEduardo, está deixando inseguros investidores internacionais e outros governos. Araújo é visto como ideológico demais (algo que os investidores sempre temem, não importa se a ideologia é de esquerda ou de direita). Já Eduardo, que atua como um ministro das Relações Exteriores informal, passa a imagem de ignorante e muito radical para inspirar confiança no exterior, mesmo por parte de funcionários do governo dos EUA, que veem com bons olhos o Governo Bolsonaro. O péssimodiscurso de Bolsonaro em Davospareceu resumir a atuação da turma antiglobalista até agora, desapontando investidores que tinham aguardado uma fala mais séria –e que, de certa maneira, estavam torcendo para o novo presidente.
"Ainda bem que eles têmMourão" é um comentário que se ouve com cada vez mais frequência no exterior. De fato, o general da reserva e vice-presidente é agora visto pela comunidade internacional como a âncora de um navio que, sem ele, estaria à deriva no que diz respeito à estratégia internacional.
Mourão difere do resto da equipe de política externa de Bolsonaro em estilo e substância. Enquanto os outros atores do governo são conhecidos por sua retórica estridente e agressiva,Mourão é moderado e calmo. Em umaentrevista recente, o vice-presidente não se esquivou de responder perguntas difíceis –ao contrário de seu chefe, que frequentemente ataca jornalistas quando estes discordam dele. Mourão chamou a atenção no exterior quando, em entrevista a uma repórter espanhola e a um brasileiro, respondeu as perguntas em espanhol fluente, o qual aprendeu como adido militar emCaracas.
Quando se trata de conteúdo, Mourão resiste sabiamente às ideias mais radicais e mal concebidas dos antiglobalistas, comotransferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, deixar oAcordo de Parissobre mudança climática, abrigar uma base militar dos EUA e, a mais perigosa de todas, adotar tom agressivo em relação àChina. Não é coincidência que um número crescente de embaixadores esteja procurando Mourão, o qual –eles esperam –continuará a impedir Bolsonaro de cometer graves erros políticos no âmbito externo. Nenhum vice-presidente na história recente foi tão necessário para a estabilidade da política externa do Brasil, já nas primeiras semanas de Governo, quanto Hamilton Mourão.
Ainda assim, previsivelmente, o papel estabilizador do vice-presidente na política externa do Brasil lhe rendeu a ira dos radicais (inclusiveOlavo de CarvalhoeSteve Bannon, dos EUA). A questão-chave é: até que ponto Mourão será capaz de vetar todas as ideias esdrúxulas que certamente ainda virão da ala antiglobalista do governo?
A verdade é que, idealmente, Mourão não deve ser apenas bombeiro-chefe e jogar na defesa para proteger a política externa brasileira de erros graves. Também tem potencial para adotar um papel mais ativo e propor novas iniciativas no âmbito externo. Três em particular vêm à mente.
Primeiro, Mourão seria o homem certo para liderar a posição do Brasil em relação àVenezuela, maior desafio em curto e médio prazos na política externa hoje. De longe a pessoa mais bem informada no gabinete sobre o assunto, Mourão também tem a vantagem de ser um militar, capaz, portanto, de lidar com a instituição que determinará o futuro do país vizinho: asForças Armadas. Isso envolveria a articulação da resposta complexa àcrise migratória venezuelanaem todo o continente. Mourão poderia, ainda, convocar uma cúpula regional para discutir o assunto e decidir como coordenar conjuntamente o registro, a distribuição e a integração dos migrantes venezuelanos. Juntamente com outros países da região, ele também poderia organizar a criação de um fundo para compensar os países mais afetados pela crise migratória, como Colômbia, Equador e Peru. Além disso, coordenaria, com a Colômbia e outros, o envio de ajuda médica e humanitária à Venezuela, assim que oGoverno Maduro–ou qualquer governo sucessor –o permitir.
Em segundo lugar, como projeto de médio prazo, Mourão poderia liderar um processo de aprofundamento da cooperação entre as Forças Armadas na América do Sul, dando continuidade a um movimento deflagrado porNelson Jobim, ministro da Defesa de Lula. Isso poderia funcionar por meio de uma instituição existente, como o Conselho de Defesa Sul-Americano, e deveria envolver, entre outras iniciativas, exercícios militares conjuntos, missões para lidar com desastres naturais e participação em missões de paz daONU. Isso até poderia ajudar a aumentar a pressão sobre suas contrapartes nas Forças Armadas da Venezuela –que perderão muito com uma transição para a democracia, dados os privilégios que acumularam sob Maduro –para permanecerem em seus quartéis independentemente de quem seja o futuro líder. A plataforma revigorada poderia, em futuras crises desse tipo, oferecer aos países vizinhos um canal adicional para o diálogo e a coordenação.
Finalmente, Mourão poderia se tornar responsável pela estratégia do Brasil em relação a Pequim, um tema de extrema relevância para o futuro do Brasil em curto, médio e longo prazos. Isso poderia incluir assumir o portfólio dogrupo BRICS, que nem o presidente nem o ministro das Relações Exteriores consideram de grande relevância. Enquanto o presidente Bolsonaro, seu filho e o ministro das Relações Exteriores expressaram, até agora, ideias simplistas e preocupantes sobre a China, Mourão seria capaz de encontrar um meio-termo entre o receio legítimo sobre o que a ascensão chinesa implica e o otimismo quanto às muitas oportunidades na crescente presença do país na América Latina.
A queda de braço entre Hamilton Mourão e os antiglobalistas deverá marcar a estratégia internacional do governo Bolsonaro. Resta saber se Mourão sairá vitorioso e conseguirá salvar a política externa brasileira dos próximos anos.
Oliver Stuenkelé professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo, onde coordena a Escola de Ciências Sociais em São Paulo e o MBA em Relações Internacionais. Também é non-resident fellow no Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim e membro do Carnegie Rising Democracies Network.
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