'A Reforma da Natureza' antecipa debates sobre Monteiro Lobato
Personagens do Sítio são convidados para uma conferência mundial da paz em livro que ganha nova edição
Nessa jornada reformista contra a natureza, a inconformada Emília submete também a amiga Rã (inspirada numa garota carioca, Maria de Lurdes) aos seus caprichos. Sente certa identificação com a menina porque ela também é “emilíssima”, uma verdadeira representante da turma “do contra”. Emília, ao encontrar a amiga, confirma que, entre outras atividades, pretende também reformar as palavras, antecipando os “revisores” inconformados com a obsessão supremacista de Lobato no tratamento de tia Nastácia, além de insinuar que dona Benta, a “democracia em pessoa”, volta da Europa com jeito de ditadora, ao rejeitar a maioria das reformas que a boneca fez na natureza – ela ordena, e não pede, que Emília desfaça o que fez, colocando as jabuticabas de novo nas árvores e a abóboras no chão.
Segundo conclusão de estudiosos que analisaram a reação de alunos à leitura de A Reforma da Natureza, a obra despertou nas crianças um notável interesse por questões ambientais. A irreverência de Lobato no trato de questões científicas tornaram o uso da literatura infantil do escritor comum nas aulas de ciências, embora existam professores que considerem inadequada ou ultrapassada a visão de ciência do escritor para fins didáticos. E o que dizer da insistência de Lobato se referir à Nastácia como “negra”? Lobato, de fato, apresenta Nastácia como supersticiosa e inimiga da ciência – ela chama de feitiçaria a invenção da panela que apita por Emília.
Lobato, que se correspondia com defensores da eugenia, escreveu uma pioneira obra de ficção, O Presidente Negro, que, de certa maneira, antecipou em décadas a chegada de Obama à presidência. Só que Lobato não acreditava em democracia racial. No livro, os negros são submetidos a alisamento de cabelo com raios que esterilizam os afrodescendentes. Nada edificante, claro, mas sua linguagem deve ser analisada considerando o contexto, o discurso eugenista e as discussões sobre diferenças entre raças típicas dos anos 1920 e 1930. Nada indica que seus revisores levem em conta essa e outras questões no futuro. O “sítio” de Lobato, é provável, vai passar por uma reforma daquelas por ter caído em domínio público. Vamos ver se o alicerce do edifício suporta o peso dessas mudanças.
Nenhum comentário:
Postar um comentário