No final do ano passado, mais exatamente em 19 de dezembro, o último evento que organizei pelo IPRI, consistiu no lançamento de dois volumes de ensaios, artigos e entrevistas de e com Celso Lafer, cobrindo praticamente 40 anos de suas atividades profissionais, acadêmicas e diplomáticas.
Como naquela ocasião vários possíveis interessados talvez já estivessem de férias, tivessem viajado, ou estavam engajados na preparação das festas e viagens de final de ano, creio que esse lançamento possa ter passado despercebido, daí minha decisão de, passadas as férias de janeiro, postar novamente o material que eu tinha preparado na ocasião, seja para discurso do ministro de Estado, seja para minha própria apresentação do material que estava sendo disponibilizado de forma impressa, e ao mesmo tempo como arquivo digital.
Disponível na Biblioteca
Digital; link:
http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/search&search=Celso%20Lafer
Eis o que tinha sido preparado:
A Casa
de Rio Branco recebe Celso Lafer
Paulo
Roberto de Almeida
Diretor
do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI)
[Objetivo:
saudação em cerimônia; finalidade: digressões sobre sua obra]
No dia
19 de dezembro de 2018, num evento da série “Diálogos Internacionais” do IPRI,
que provavelmente se constituiu em seu último evento do ano, do governo, e
talvez do regime, o Instituto Rio Branco recebeu o ex-chanceler Celso Lafer,
para o lançamento de seu livro em dois volumes:
Celso
Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia
brasileira: pensamento e ação (Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1437
p.; lo. vol., ISBN: 978-85-7631-787-6; 762 p.; 2o. vol., ISBN:
978-85-7631-788-3, 675 p.), 2o. vol., p. 1335-1347.
Presentes
à cerimônia, o Secretário Geral das Relações Exteriores, embaixador Marcos
Bezerra Abott Galvão, o diretor do Centro de História e Documentação
Diplomática (CHDD-RJ), embaixador Gelson Fonseca Jr, o diretor do Instituto de
Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), a diretora do Instituto Rio Branco,
Gisela Padovan, a vice-presidente do STJ, Dra. Maria Thereza de Assis
Moura, o Procurador Geral, designado, da Fazenda Nacional, Prof. José Levi
Mello Júnior, e o próprio homenageado, ex-chanceler Celso Lafer.
O ministro de Estado tinha um compromisso no momento da abertura, mas
passou mais tarde para cumprimentar. Para ocasião, alguns textos tinham
sido preparados para leitura na cerimônia, mas não foram usados, para deixar
mais tempo para o debate com o autor, ex-chanceler e um dos "founding
fathers" das relações internacionais no Brasil.
Estão
aqui reunidos, portanto, duas alocuções diferentes, mas que podem ser vistas
como complementares, unidas pelo mesmo objetivo substantivo: apresentar a obra
e homenagear seu autor. São transcritas para conhecimento dos interessados.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de dezembro de 2018
Esta é
a terceira vez, nos últimos vinte meses, em que o ex-chanceler, por duas vezes,
e ex-representante brasileiro na missão em Genebra, Celso Lafer, vem a este
auditório para uma atividade organizada pelo IPRI.
A
primeira vez, no âmbito deste governo – e foi realmente a primeira depois de
mais de treze anos afastado de qualquer convívio com a Casa que foi a sua em
dois governos anteriores a 2003 –, foi em março do ano passado, quando o IPRI
organizou, em cooperação com a Casa Stefan Zweig de Petrópolis, uma homenagem
ao grande escritor austríaco da primeira metade do século XX, por ocasião dos
75 anos de sua morte em Petrópolis, no Carnaval de 1942.
Naquela
oportunidade, se estava lançando o livro, A Unidade Espiritual do Mundo,
da Casa Stefan Zweig, uma edição primorosa, em cinco línguas, com textos de
Alberto Dines e de Celso Lafer, sob os cuidados editoriais de Israel Beloch, e
que trazia a conferência que, sob esse título, Zweig fez no Rio de Janeiro, na
primeira vez em que aqui esteve, em 1936, a caminho de um congresso do Pen Club
Internacional, em Buenos Aires. O grande debate realizado na capital argentina,
como revelado no filme de Maria Schrader, “Stefan Zweig: Adeus Europa”, estava
centrado na atitude que deveriam adotar os escritores e intelectuais em face da
ascensão ameaçadora dos regimes autoritários, totalitários e antissemitas,
quando Stefan Zweig já se tinha antecipado à incorporação da sua Áustria natal
ao império nazista de Hitler, e buscado refúgio em países democráticos,
primeiro na Inglaterra, depois nos Estados Unidos, para finalmente aportar no
Brasil do Estado Novo.
Essa
conferência, “A unidade espiritual do mundo”, escrita em alemão, mas
pronunciada em francês, na passagem de Zweig pelo Rio de Janeiro, foi objeto de
uma belíssima introdução por Celso Lafer, por ele resumida neste mesmo
auditório em 21 de março de 2017, na companhia da diretora da Casa Stefan
Zweig, de Petrópolis, e tradutora de várias obras de Stefan Zweig, Kristina
Michahelles, e do editor da obra multilínguas, Israel Beloch, que apresentou
pela primeira vez a reprodução fac-similar desse libelo de Zweig contra as
guerras e os conflitos entre povos, culturas e religiões. Pouco antes dessa
magnífica edição da pungente mensagem pela paz de Stefan Zweig, a Editora
Versal – a mesma que publicou a obra clássica do embaixador Rubens Ricupero
sobre A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750, 2016 – havia
publicado um pequeno volume contendo as crônicas de Zweig quando de sua
primeira visita ao Brasil, em 1936, quando foi recebido pelo então chanceler
José Carlos de Macedo Soares, assim como um outro livro, contendo a troca de
correspondência, durante vários anos, entre Zweig e sua primeira mulher,
Friderike, uma intelectual como ele. Alguns anos antes, Alberto Dines havia
tomada a iniciativa de reunir um grupo de intelectuais, no quadro do Forum
Nacional do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, para discutir o único
livro que Stefan Zweig havia escrito sobre o Brasil, uma espécie de homenagem
ao país que o acolheu, e que ele considerava um “país de futuro”.
Aparentemente, continuamos a ser um país de futuro, senão do futuro...
A
segunda vez que tivemos o prazer de recepcionar o embaixador e professor
emérito Celso Lafer neste mesmo auditório foi em abril deste ano, para a sua
palestra no âmbito da série “Percursos Diplomáticos”, disponível em vídeo, como
todas as demais palestras dessa série, no site do IPRI. Foi a partir daí,
justamente, que começou a germinar a ideia de se reunir os mais importantes
escritos “laferianos”, ao longo de mais de meio século de atividades contínuas
e constantes em torno dos grandes temas da política internacional e da política
externa do Brasil, textos até aqui dispersos nos mais diferentes veículos, para
publicá-los numa coletânea a cargo da Funag.
Esta é
a publicação que estamos lançando hoje, depois de vários meses de um intenso
trabalho de lapidação por parte do IPRI, mas que reúne apenas uma pequena parte
da gigantesca produção intelectual já acumulada por Celso Lafer ao longo das
últimas décadas, quando ele se desempenhou, não apenas como o mais importante
especialista brasileiro nos temas que figuram no título desta obra, “Relações
internacionais, política externa e diplomacia brasileira”, mas também como
chanceler, duas vezes, a primeira em 1992, depois em 2001 e 2002, e também como
representante do Brasil em Genebra na fase intermediária.
Todos
nós, diplomatas de carreira, servidores ocasionais da política externa do
Brasil, ou simples estudiosos nesse amplo universo da interface externa do
Brasil, somos devedores de Celso Lafer, que pode ser considerado uma espécie de
“founding father” da disciplina de relações internacionais no Brasil. Todos
nós, os nascidos nos últimos cinquenta anos, e mesmo os nascidos antes, tivemos
a oportunidade, talvez até a obrigatoriedade, de ler, ou de reler, de estudar e
refletir sobre alguns dos seus muitos escritos nas três áreas que compõem o
título comum destes dois volumes. Celso Lafer é coetâneo e indissociável do
processo de construção, de formação e de expansão da disciplina Relações
Internacionais no Brasil. Mais do que isso: ele é indispensável e incontornável
na floração e na consolidação da teoria e sobretudo da prática das relações
internacionais do Brasil.
O
subtítulo da obra não é menos significativo dessa dupla associação de Celso
Lafer ao edifício em permanente construção: pensamento e ação. É isso que cada
ensaio acadêmico, cada palestra ou entrevista concedida, cada artigo de jornal
aqui reproduzido oferece agora aos leitores numa coletânea parcial de um
universo bem maior: uma janela de oportunidade para se adentrar na informação,
na reflexão e nas lições que podem ser oferecidas por alguém que, mais do que
apenas escrever sobre as três áreas contempladas na coletânea, foi parte
integrante do processo decisório de política externa, guiou na prática a
diplomacia brasileira em momentos relevantes de nossa história recente e teve a
chance de oferecer a sua vis directiva para a ação concreta
que um país como o Brasil necessita adotar e tomar no plano externo. Temos
também pequenos retratos e homenagens a atores e autores nas mesmas áreas-chave
em que trabalhou o professor Celso Lafer, entre eles o embaixador Gelson
Fonseca, aqui presente, amigo e colaborador em alguns dos seus escritos.
Por
todas estas razões, somos gratos ao professor Celso Lafer por ter dado à nossa
editora de livros diplomáticos, a Fundação Alexandre de Gusmão, a chance de
publicar uma pequena parte de sua imensa obra já consagrada na história teórica
e prática das relações internacionais. Depois de muito tempo dispersos em uma
multiplicidade de plataformas editoriais, seus escritos, agora reunidos graças
ao empenho do IPRI, são colocados à disposição da grande comunidade de
estudiosos e praticantes da ação internacional do Brasil. Que este livro, como
a anterior coletânea de textos do chanceler Oswaldo Aranha, publicada no ano
passado em esforço similar conduzido pelo IPRI, sirva como referência de
estudo, de informação histórica e d guia para a ação de nossos diplomatas e
pesquisadores nesse universo.
Caro
embaixador, professor e amigo Celso Lafer: as portas do Itamaraty e do
Instituto Rio Branco estão e continuarão abertos a novas incursões suas na Casa
de Rio Branco, assim como os serviços editoriais da Funag e do IPRI continuarão
receptivos à publicação de seus outros escritos em todos esses temas nos que
exibimos, para usar a famosa expressão de Goethe, reproduzida por Max Weber,
“afinidades eletivas”. Aliás, podemos dizer que essas afinidades são mais do
que simplesmente eletivas; elas são impositivas, até mesmo obrigatórias, uma
vez que a vida intelectual, as atividades acadêmicas e profissionais, assim
como o exercício ocasional de Celso Lafer, como servidor do Estado brasileiro
em diversos momentos de sua rica trajetória, estão indelevelmente ligados à
própria história do Itamaraty nas últimas décadas. Não dispensaremos essa
interação, em qualquer formato que seja, no futuro previsível.
José
Mindlin, o grande bibliófilo brasileiro que legou sua imensa biblioteca para
deleite de paulistanos, paulistas e demais visitantes da Brasiliana Guita e
José Mindlin da USP, e a quem Celso Lafer conhecia muito bem, tinha um famoso
ex-libris tomado de empréstimo a um outro amigo dos livros, Montaigne. Esse ex-libris
reproduzia uma frase que o célebre ensaísta tinha usado no livro II dos Ensaios,
e que o sábio recluso havia feito inscrever em sua torre-refúgio: “Je ne
fais rien sans gayeté”.
De
Celso Lafer se poderia dizer: “Il ne fait rien sans finesse”. De fato, o
que mais caracteriza nosso homenageado de hoje é sua extrema delicadeza, sua
educação exemplar, mesmo em direção de seus detratores, como constatei mais de
uma vez lendo ou relendo alguns de seus artigos que me foram dados alinhar
nesta coletânea exemplar, que eu já chamei de Halb Gesamtwerke. Não
que ele tenha, pessoalmente, inimigos, pois uma pessoa tão finamente educada
quanto Celso Lafer seria incapaz de ter adversários pessoais. E mesmo que os
tivesse, ele os trataria tão educadamente quanto sempre nos tratou a todos nós,
diplomatas e não diplomatas, ao longo de uma carreira exemplar de servidor
público, de ministro de Estado das Relações Exteriores, duas vezes, de
embaixador em Genebra, de ministro da Indústria e do Desenvolvimento.
Nos
treze anos e meio em que durou essa coisa que eu designei de lulopetismo
diplomático, esses adversários foram extremamente rudes com sua gestão e a
própria pessoa de Celso Lafer, não poupando-o das invectivas mais ridículas,
apenas para se jactarem de um soberanismo tão falso quanto sua suposta altivez.
Pois Celso Lafer sempre examinou com extrema elegância as posições equivocadas
que esses detratores defendiam na política externa, avaliando em termos firmes,
mas sóbrios e educados, uma diplomacia que tinha muito mais de transpiração do
que de inspiração, muito mais de pirotecnia ideológica que de fundamentação nos
interesses concretos do Brasil. A cada ofensiva maldosa, Celso Lafer respondia
com um artigo elegante, mostrando a inconsistência das posições defendidas
pelos lulopetistas, sem jamais descambar para uma palavra grosseira, ou alguma
resposta mais contundente, como eu mesmo fiz, aliás.
Celso
Lafer ne fait rien sans finesse, e é isso que transparece em cada
uma das 1.400 páginas desta obra de referência que eu tive o imenso prazer de
ajudar a compor ao longo de muitas noites de leitura agradável, até a maratona
final da composição do índice onomástico, através do qual eu pude avaliar a
intensidade de trocas intelectuais que este grande intelectual manteve com
alguns de seus grandes amigos em espírito, e vários deles em carne e osso. Se
eu passei várias noites na companhia de Celso Lafer, relendo, revisando
ortograficamente e ajustando as remissões bibliográficas de uma centena e uma
dúzia de ensaios e artigos redigidos no decorrer de quase meio século de
intenso trabalho intelectual, pude perceber, na montagem do índice onomástico,
que ele também passou noite e noites na companhia de atores e autores dos mais
respeitáveis.
Em
primeiro lugar, aparece a inefável Hannah Arendt, que vem contemplada com nada
menos de que uma centena de citações e remissões, em seis linhas completas do
índice que consta ao final do livro. Depois vem o circunspecto Raymond Aron,
que tem direito a seis dezenas de citações, nas cinco linhas que ganhou no
mesmo índice. Norberto Bobbio já é um caso notório de afinidade eletiva, que eu
não hesitaria em classificar de obsessiva: são mais de noventa remissões, em
oito linhas cheias. Não vamos esquecer os presidentes Fernando Collor e Fernando
Henrique Cardoso, a quem Celso Lafer serviu nas duas oportunidades em que
ocupou a cadeira de Rio Branco, contemplados cada um com mais de uma dúzia e
meia de remissões; vou deixar um outro presidente de lado. Tem também seu amigo
e coautor Gelson Fonseca, com seu lote de citações apropriadas. Hobbes,
maldosamente, deixa Hegel para trás, mas Kant supera a ambos, tranquilamente,
mesmo incluindo Maquiavel nesse clube. Helio Jaguaribe ganha de Rui Barbosa, e
Henry Kissinger perde de Juscelino Kubitschek, mas eles jogam em ligas
diferentes. O incontornável Marx perde para o socialista Antonio Candido. Entre
outros amigos, Miguel Reale ganha “por una cabeza” de Octavio Paz, mas cabe não
esquecer os muitas vezes citados San Tiago Dantas, Rubens Ricupero e José Guilherme
Merquior. Juca Paranhos, o barão, corre longe na dianteira do visconde, seu
pai. Por fim, não podia faltar o grande Camões, citado em vários versos e
estrofes, e desde a Introdução, quando Celso Lafer explica como foi feita esta
obra:
O livro é, assim,
no seu conjunto, o resultado da interação entre pensamento e ação, o fruto,
como diria Camões em Os Lusíadas, de “honesto estudo/com longa
experiência misturado”.
A
preparação editorial, a uniformização ortográfica, a complementação da
informação bibliográfica com notas remissivas e outros requisitos próprios à
finalização dos originais para impressão, tomaram algumas semanas de trabalho,
e quero aqui registrar a importante ajuda do historiador Rogério de Souza
Farias, assim como de diversos outros assistentes e estagiários do IPRI, cujos
nomes comparecem na página de expediente. Devo dizer que tive especial prazer
em passar essas proveitosas semanas, vários noites seguidas, na companhia de
ensaios e artigos que estava relendo, ou lendo pela primeira vez, o que me
permitiu refletir novamente sobre minha própria formação intelectual em temas
de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, o
que também foi o caso de muitos, senão todos os colegas de carreira, e de
milhares de estudantes, em todo o Brasil que se beneficiaram, quando não
fizeram copy and paste, destas dezenas de escritos de Celso
Lafer.
Dizem
que Winston Churchill escreveu, ou ditou, seis milhões de palavras, ao longo de
uma vida aventurosa como repórter militar, como parlamentar durante 55 anos
ininterruptos, como ministro duas vezes, antes como Lorde do Almirantado,
seguido de uma infeliz passagem pelo Tesouro, depois como chefe de um gabinete
de coalizão e líder militar supremo na hora mais sombria da Grã-Bretanha,
finalmente como grande estadista aposentado: seis milhões de palavras. Eu ainda
não comecei a contar o volume de palavras já redigidas por Celso Lafer, ou
decifradas por suas secretárias a partir de sua escrita de médico, mas se
juntarmos tudo, em volumes alinhados um a um, o conjunto certamente
ultrapassaria os 137 tomos das Obras Completas de Rui Barbosa,
ou outros tantos dos Comentários à Constituição Brasileira de
Pontes de Miranda. No que se refere apenas aos dois volumes que estamos
publicando, eu contei 335.400 palavras, e ainda não estamos falando de uma
verdadeira Gesamtwerke da produção laferiana acumulada ao
longo de uma rica vida intelectual.
Aposto
como, contando tudo, chegaríamos a um Oceano Pacífico de palavras
cuidadosamente redigidas no decorrer do último meio século, em face do qual
estes dois volumes não representam senão um modesto Lago Tiberíades, para não
ficarmos muito longe do Mar Morto, se essa aproximação pode ser feita sem
problemas geopolíticos. Em todo caso, no campo das relações internacionais, da
política externa do Brasil e da sua diplomacia ninguém chegou perto da
quantidade e da qualidade da prolífica produção intelectual de Celso Lafer.
Estes dois volumes constituem, portanto, uma pequena amostra, um aperitivo, de
uma obra bem mais vasta, que ainda precisa ser compilada pelos muitos
admiradores dos escritos laferianos, que agora se encontram à disposição de
todos os estudantes, dos pesquisadores e dos profissionais diplomáticos, que
somos nós, e dos milhares de candidatos à carreira pelo Brasil afora. Todos
podem descarregar os volumes na Biblioteca Digital da Funag, ou adquirir a obra
impressa, pela modesta e incômoda soma de R$ 31,00 o exemplar, mas só em
dinheiro.
Montaigne ne
faisait rien sans gayeté, como nos lembrou José Mindlin, por meio de seu
ex-libris. Eu me permito aqui citar esta passagem do livro II, capítulo X,
dos Essais, que trata justamente dos livros e das dificuldades em
lê-los:
Les difficultés,
si j’en rencontre en lisant, je n’en ronge pas mes ongles : je les laisse
là, après leur avoir fait une charge ou deux. Si je me plantais, je m’y
perdrais, et le temps, car j’ai un esprit primesautier. Ce que je ne vois de la
première charge, je le vois moins en m’y obstinant. Je ne fais rien sans gayeté.
Eu
também tento fazer do IPRI a minha boutique de divertissement
intellectuel, ou seja, sempre encontrar um motivo de divertimento
intelectual no trabalho que faço, com todo o prazer permitido pela nossa
burocracia lusitana, mas sem precisar ronger mes ongles. Quanto a
Celso Lafer, eu posso afirmar novamente que ele ne fait rien sans
finesse ou sans éducation.
Parbleu,
je me plais d’être son ami !
Merci à
tous!
Paulo
Roberto de Almeida
Brasília,
8 e 14 de dezembro de 2018
Celso Lafer, de
volta
Pedro Rodrigues, Diário do Poder, 20/12/2019
Desdenhado pelos petistas que tomaram de assalto o Itamaraty,
Lafer volta a ser reverenciado pela Casa
Celso Lafer,
o mais competente e intelectualmente íntegro Chanceler brasileiro no que até
aqui vai do século 21, esteve em Brasília na quarta-feira (19 de dezembro) para
o lançamento de seu livro, em dois volumes (Relações Internacionais,
Política Externa e Diplomacia Brasileira: Pensamento e Ação). Essa
obra, tenho confiança, tornar-se-á leitura obrigatória dos estudiosos das
relações internacionais que desejarem verdadeiramente compreender a complexa
realidade externa com que o Brasil vem tendo de lidar desde o fim da Guerra
Fria.
Lafer levou muita bordoada nos anos recentes, durante os quais o
Partido dos Trabalhadores tentou desmontar os esteios fundamentais da Sociedade
e do Estado brasileiros, para substituí-los por não se sabe o quê, pois o que
deixaram como legado foi um país fraturado, mediocrizado, enchafurdado num
pântano da lama fétida da imoralidade, da corrupção, da inépcia e da
irresponsabilidade. O ex-chanceler foi depreciado por seu sucessor Celso Amorim
e vitimado pela máquina de moer reputação do PT, lubrificada com dinheiro e
intenções espúrias.
No lançamento do livro de Lafer, no Carpe Diem, encontrei-me com
meu colega e amigo, o Embaixador Paulo Roberto de Almeida, que dirige o
Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IPRI), afiliado à Fundação
Alexandre de Gusmão, do Itamaraty.
Reproduzo, adiante, trechos da alocução do Embaixador Paulo
Roberto de Almeida, editor pelo IPRI-FUNAG da obra de Lafer, proferida ontem na
apresentação do livro, no Itamaraty.
“Esta é a publicação que estamos lançando hoje, depois de vários
meses de um intenso trabalho de lapidação por parte do IPRI, mas que reúne
apenas uma pequena parte da gigantesca produção intelectual já acumulada por
Celso Lafer ao longo das últimas décadas, quando ele se desempenhou, não apenas
como o mais importante especialista brasileiro nos temas que figuram no título
desta obra, “Relações internacionais, política externa e diplomacia
brasileira”, mas também como chanceler, duas vezes, a primeira em 1992, depois
em 2001 e 2002, e também como representante do Brasil em Genebra na fase
intermediária.
Todos nós, diplomatas de carreira, servidores ocasionais da
política externa do Brasil, ou simples estudiosos nesse amplo universo da
interface externa do Brasil, somos devedores de Celso Lafer, que pode ser
considerado uma espécie de “founding father” da disciplina de relações
internacionais no Brasil. Todos nós, os nascidos nos últimos cinquenta anos, e
mesmo os nascidos antes, tivemos a oportunidade, talvez até a obrigatoriedade,
de ler, ou de reler, de estudar e refletir sobre alguns dos seus muitos
escritos nas três áreas que compõem o título comum destes dois volumes. Celso
Lafer é coetâneo e indissociável do processo de construção, de formação e de
expansão da disciplina Relações Internacionais no Brasil. Mais do que isso: ele
é indispensável e incontornável na floração e na consolidação da teoria e
sobretudo da prática das relações internacionais do Brasil.
O subtítulo
da obra não é menos significativo dessa dupla associação de Celso Lafer ao
edifício em permanente construção: pensamento e ação. É isso que cada ensaio
acadêmico, cada palestra ou entrevista concedida, cada artigo de jornal aqui
reproduzido oferece agora aos leitores numa coletânea parcial de um universo
bem maior: uma janela de oportunidade para se adentrar na informação, na
reflexão e nas lições que podem ser oferecidas por alguém que, mais do que
apenas escrever sobre as três áreas contempladas na coletânea, foi parte
integrante do processo decisório de política externa, guiou na prática a diplomacia
brasileira em momentos relevantes de nossa história recente e teve a chance de
oferecer a sua vis directiva para a ação
concreta que um país como o Brasil necessita adotar e tomar no plano externo.
Temos também pequenos retratos e homenagens a atores e autores nas mesmas
áreas-chave em que trabalhou o professor Celso Lafer, entre eles o embaixador
Gelson Fonseca, aqui presente, amigo e colaborador em alguns dos seus escritos.
Por todas estas razões, somos gratos ao professor Celso Lafer
por ter dado à nossa editora de livros diplomáticos, a Fundação Alexandre de
Gusmão, a chance de publicar uma pequena parte de sua imensa obra já consagrada
na história teórica e prática das relações internacionais. Depois de muito
tempo dispersos em uma multiplicidade de plataformas editoriais, seus escritos,
agora reunidos graças ao empenho do IPRI, são colocados à disposição da grande
comunidade de estudiosos e praticantes da ação internacional do Brasil. Que
este livro, como a anterior coletânea de textos do chanceler Oswaldo Aranha,
publicada no ano passado em esforço similar conduzido pelo IPRI, sirva como
referência de estudo, de informação histórica e d guia para a ação de nossos
diplomatas e pesquisadores nesse universo.
Caro embaixador, professor e amigo Celso Lafer: as portas do
Itamaraty e do Instituto Rio Branco estão e continuarão abertos a novas
incursões suas na Casa de Rio Branco, assim como os serviços editoriais da
Funag e do IPRI continuarão receptivos à publicação de seus outros escritos em
todos esses temas nos que exibimos, para usar a famosa expressão de Goethe,
reproduzida por Max Weber, “afinidades eletivas”. Aliás, podemos dizer que
essas afinidades são mais do que simplesmente eletivas; elas são impositivas,
até mesmo obrigatórias, uma vez que a vida intelectual, as atividades
acadêmicas e profissionais, assim como o exercício ocasional de Celso Lafer,
como servidor do Estado brasileiro em diversos momentos de sua rica trajetória,
estão indelevelmente ligados à própria história do Itamaraty nas últimas
décadas. Não dispensaremos essa interação, em qualquer formato que seja, no
futuro previsível”.
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