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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Lula teve, em 2003, uma “herança bendita”; agora terá uma verdadeira “herança maldita” - Alexandre Schwartsman (InfoMoney)

 Alexandre Schwartsman

Acredite se quiser

Há quem creia que, caso eleito, Lula repetirá 2003 e escanteará seus economistas, adotando uma política ortodoxa. As condições objetivas para isto, porém, são muito diferentes das observadas há 20 anos, sugerindo que isto seja muito pouco provável


Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

matéria recente da Folha de S. Paulo sobre a escalação do time de economistas assessorando a campanha do ex-presidente Lula talvez ficasse melhor localizada numa possível seção de (reprises de) filmes de terror, mas traz uma questão importante: até que ponto Lula leva a sério as propostas (na falta de melhor termo) de seus (também na falta de melhor termo) economistas?

A experiência de 2003 sugere que muito pouco. Para quem se lembra, o projeto econômico do PT em 2001 propunha uma completa reviravolta da política econômica de então, acabando com o compromisso fiscal e metas para a inflação, para não falar de uma atitude no mínimo ambivalente quanto às dívidas externa e doméstica (afora apoiar o plebiscito sobre o pagamento das dívidas externa e interna, sugeria “um limite de comprometimento das receitas com o pagamento de juros da dívida pública”).

Como se sabe, todavia, ao assumir Lula não apenas manteve o chamado “tripé macroeconômico” (câmbio flutuante, superávits primários e metas para a inflação), como se engajou em reformas na linha de seu antecessor, incluindo a previdência do funcionalismo e aprimoramentos dos mecanismos de crédito (como o consignado e a criação da alienação fiduciária para imóveis).

Mesmo no campo social as transferências focalizadas de renda aos mais pobres, muito criticadas por economistas do partido, foram reunidas no Bolsa-Família, carro-chefe da política social do ex-presidente.

Em outras palavras, quando precisou governar, Lula não hesitou em escantear os economistas de seu partido e trazer quem entendia do riscado, seguindo uma política econômica absolutamente alinhada à de Fernando Henrique, enquanto denunciava, é óbvio, a tal “herança maldita”.

Não é por outro motivo que muita gente (e gente boa, diga-se) acredita que, se eleito em 2022, Lula não teria maiores problemas para executar um novo duplo twist mortal carpado e tomar medidas que recoloquem as contas públicas em ordem, sempre em nome da governabilidade.

Eu, obviamente, não tenho condições de saber o que se passa na cabeça de Lula, apesar de suas declarações recentes a respeito, em particular a afirmação sobre o país não precisar de reformas. Nem isto me interessa; o que pretendo olhar com mais cuidado é a alteração das condições objetivas para a prática do duplo twist mortal carpado.

No caso, a má notícia para quem aposta na capacidade acrobática do ex-presidente é que, ao contrário do legado de 2002, quem tomar posse em 2023 terá que lidar com a verdadeira herança maldita.

Um gráfico simples ajuda a ilustrar a questão. No segundo mandato de Fernando Henrique, o país passou por um ajuste fiscal considerável: embora ancorado mais pelo aumento da tributação do que pela redução de despesas, o superávit primário do setor público (governo federal, estados, municípios e empresas estatais), virtualmente inexistente em 1998, atingiu média de pouco mais de 3% do PIB naquele período, principalmente por força do desempenho do governo federal, cujo resultado saltou de 0,5% para perto de 2% do PIB.

Fonte: BCB

Em contraste, o setor público registrou modesto superávit no ano passado, 0,7% do PIB, enquanto o governo federal apresentou déficit (0,4% do PIB). Para este ano, as perspectivas são de retorno ao déficit, na casa de 0,8% do PIB.

Já a dívida bruta em 2002 equivalia a 65% do PIB (notando que nos referimos aqui à definição usada então, visto que a atual só começou a ser empregada em dezembro de 2006).

No final do ano passado, pelo mesmo conceito de 2002, a dívida superava 92% do PIB; pela definição mais usada hoje, atingiu 80% do PIB e deve encerrar 2022 um pouco acima disto, 84% do PIB, segundo o Prisma Fiscal mais recente.

Nesse contexto, considerando que a taxa real de juros se situa em torno de 5% ao ano para o horizonte de 12 a 24 meses (passado o presente aperto monetário), enquanto as perspectivas para crescimento sustentado (não falamos aqui do crescimento pífio de 2022) do país se encontram na casa de 2% ao ano (segundo o relatório Focus), conclui-se que, para estabilizar a dívida seria necessário produzir um superávit primário de 2,5% do PIB [=84% x (5%-2%)].

Embora seja até inferior ao registrado no primeiro governo Lula, 3,5% do PIB, requereria um aperto fiscal muito maior: precisaríamos sair de -0,8% para +2,5% do PIB, ou seja, mais de 3 pontos percentuais do PIB, algo em torno de R$ 350 bilhões.

Dito de outra forma, independentemente dos possíveis desejos acrobáticos de Lula, as condições meteorológicas para piruetas não são as de 2003.

Não basta mais deixar o carro rodar nas mesmas condições que vinha rodando (e se aproveitar, como ocorreu, do aumento de PIS-Cofins em 2003 e 2004) para manter a estabilidade.

Quem quiser produzir o ajuste fiscal requerido para recolocar a sustentabilidade da dívida pública nos eixos vai ter que gramar um bocado, enfrentando, de quebra, um Congresso Nacional muito mais fragmentado do que há 20 anos e uma população muito mais impaciente do que naquele momento.

Isto dito, apesar de o gasto federal (já deduzido o impacto da Covid no ano passado) ser bem mais alto do que o vigente em 2002 (18,5-19,0% do PIB contra 16% do PIB), a margem de manobra em termos de redução de gastos é muito menor.

Não há dados para 2002, mas os gastos obrigatórios – que representavam algo como 87% da despesa federal em 2007-2011 – hoje chegam a 92% do total.

Sem reformas, que de resto só produzirão efeitos em prazos mais longos, o caminho que sobra é o da elevação da carga tributária, cujas resistências são mais do que conhecidas.

Não por acaso, aliás, o ex-presidente faz uma exceção à sua ojeriza por reformas, defendendo mudanças tributárias, cujo sentido deixa claro: “está faltando que os ricos paguem sobre lucro e sobre dividendo. Aí quem sabe a gente vai arrecadar o suficiente para pagar as políticas públicas que o Brasil tanto precisa”.

Acredite se quiser.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

A necessidade de reforma política no Brasil - Pedro Jobim (Infomoney)

 No Brasil, os maiores problemas são de natureza mais fundamental. Mas quem se importa? https://www.infomoney.com.br/colunistas/pedro-jobim/no-brasil-os-maiores-problemas-sao-de-natureza-mais-fundamental-mas-quem-se-importa/ via @InfoMoney - Uma análise política sobre a necessidade de reformas políticas nas instituições de governança que não serão feitas, tendendo, portanto, ao declínio inevitável.

No Brasil, os maiores problemas são de natureza mais fundamental. Mas quem se importa?

Sem uma reforma política, a tendência é o agravamento dos sintomas da ingovernabilidade e a eclosão de recessões cada vez mais intensas, que tendem a aprisionar o país no populismo eterno ou criar condições para uma ruptura desorganizada

Lá 
Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores
Brasil

O Brasil é um país cuja renda per capita está estagnada desde 1980. De lá para cá, vivemos de tudo. Hiperinflação, crises de balanços de pagamentos, confisco de ativos, impeachment de dois dos cinco presidentes diretamente eleitos no período, o maior escândalo de corrupção e espoliação de recursos de Estado já registrado no mundo ocidental, a prisão de dois ex-presidentes da República e de três presidentes da Câmara dos Deputados, além da maior recessão observada nos mais de cem anos de contabilização do PIB.

Estaríamos simplesmente amargando as consequências de sucessivas más escolhas nas eleições? Não nos parece. Este artigo desenvolverá argumentos sugerindo que a raiz de nossos recorrentes problemas está na falta de cuidado no desenho da governança de nosso regime político. Para isso, é necessário examinar com algum nível de detalhe as fragilidades intrínsecas às repúblicas, desde sua origem, pelo que peço ao leitor um pouco de paciência.

Um exame superficial da história ocidental desde a antiguidade clássica mostra que as repúblicas democráticas são formas de governo instáveis. À parte a possibilidade mais corriqueira e frequente de degeneração a ditaduras regulares, elas são suscetíveis à transmutação ao que se conhece por “ditadura da maioria”.

Se a vontade da maioria prevalecer em um número suficiente de questões, as liberdades individuais e as garantias fundamentais, como direitos políticos e o direito à propriedade privada, tendem a se atrofiar. O resultado, nesses aspectos, é muito semelhante ao observado em regimes despóticos “regulares”, isto é, nos quais não há funcionamento formal de uma casa legislativa e o poder se concentra nas mãos de uma só pessoa.

Esta deficiência intrínseca dos regimes democráticos é estudada desde Aristóteles – que, quase 3 mil anos atrás, já apontava a excessiva instabilidade da quase pura democracia ateniense e não escondia sua preferência pelos regimes mais balanceados de Esparta e Cartago.

Os romanos, tendo aprendido com as experiências dos gregos, introduziram diversos melhoramentos (“checks and balances”) que tornaram seu regime republicano mais estável.

O poder central era dividido entre dois cônsules eleitos pelos cidadãos, com mandato de um ano, sendo permitida a candidatura de um ex-cônsul somente após dez anos do final de seu mandato. A atividade legislativa ficava a cargo do Senado, um elemento oligárquico, que, a partir de uma certa altura, passou a dividir suas atribuições com a Assembleia da plebe, presidida pelos tribunos, que tinha também o poder de legislar e, sob determinadas condições, vetar leis oriundas do Senado.

O fim da República romana, que obviamente não será aqui discutido em detalhes, teve origem no ciclo que envolvia a ampliação do universo de cidadãos aptos a votar, a expansão territorial e o enorme enriquecimento pessoal das lideranças políticas.

As conquistas da República exigiam campanhas militares longas e caras, cuja chefia, por sua vez, tornava-se objeto de grande cobiça. A pilhagem das riquezas dos povos subjugados enriquecia seus líderes, que assim podiam, além de acumular enorme riqueza pessoal, armar suas facções e, literalmente, comprar o voto dos eleitores mais pobres, por meio da distribuição de alimentos ou do patrocínio de espetáculos públicos.

A extensão progressiva da condição de cidadão romano, primeiro, a italianos e, depois, aos demais povos tributários, garantia a popularidade dos políticos, fechando o ciclo. Tibério Graco, Caio Mário e Júlio César estiveram entre os primeiros populistas da história, tendo sido responsáveis pelo fortalecimento das assembleias populares e pelo aumento do poder dos tribunos ante o patriciado senatorial.

Mesmo com todos os “checks and balances” instituídos, a República romana não resistiu ao populismo, fenômeno político irmão da “ditadura da maioria”, e à expansão territorial exagerada, dando lugar ao Império cerca de 500 anos após sua fundação.

A “não escalabilidade” do regime republicano é uma constatação que salta aos olhos de qualquer estudante de História. As repúblicas das cidades-estado gregas, a romana e, mais recentemente, das cidades italianas das Idades Média e Moderna foram relativamente bem sucedidas, entre outros motivos, por terem (ou, enquanto tiveram, no caso de Roma) dimensões territoriais modestas.

Embora esteja longe de ser a única explicação, esse padrão histórico contribuiu para a inexistência de repúblicas com dimensões geográficas significativas ao longo dos mil e oitocentos anos que separam o início do Império Romano da promulgação da Constituição dos Estados Unidos da América, em 1787.

Boa parte do trabalho de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay ao escrever os textos de “O Federalista” foi direcionado a convencer a população da colônia de Nova York da viabilidade de se estabelecer uma república, a ser formada pela federação das já emancipadas treze colônias – e portanto, dotada de expressiva extensão territorial – a ser guiada, agora, pelos princípios da separação de poderes enunciados por Montesquieu e desenvolvidos adicionalmente por John Locke, que, segundo os autores da carta, contribuiriam para tornar a república mais estável do que suas predecessoras.

Três mecanismos adicionais de estabilidade desenhados pelos artífices da Constituição dos EUA eram explicitamente direcionados a limitar os efeitos de uma eventual degeneração do regime à “ditadura da maioria”, que era temida especialmente por Madison.

Um deles é a instituição do colégio eleitoral para a eleição presidencial, que limita o peso relativo dos estados mais populosos na escolha do mandatário. Outro, o sistema bicameral, com a eleição de dois senadores por estado – que, originalmente, sequer eram eleitos pelo voto direto, mas pelas assembleias regionais.

Por fim, o instituto do filibuster, mecanismo inspirado no senado romano, onde não havia limite temporal para os debates que antecediam a votação de determinadas leis. Esse é um dispositivo fundamental para insular os direitos das minorias e atenuar o faseamento das políticas públicas com o partido do governo. Hoje, são necessários 60 senadores para interromper os debates nas diversas matérias legais em que o mecanismo de filibuster continua presente.

Mesmo tendo nascido, na escala temporal civilizatória, apenas “ontem”, a experiência de estabilidade do regime político dos Estados Unidos da América já se constitui na mais longa que se tem registro. Desde 1789, as eleições para presidente dos EUA são realizadas pelo colégio eleitoral a cada quatro anos, sem exceções.

Ainda que as salvaguardas previstas pelos fundadores dos EUA tenham sido, até aqui , extremamente eficazes para a preservação de seu regime político, elas não têm sido suficientes para evitar que a sobrevivência da república democrática naquele país venha sendo ameaçada por fenômenos que guardam estreita relação com o ocorrido em Roma dois milênios atrás. A redução das diferenças nos direitos políticos entre residentes – mesmo os ilegais – e cidadãos é, talvez, neste aspecto, a componente que guarda maior similaridade.

Como a tendência (atual) majoritária entre os imigrantes é a orientação de voto pelo partido democrata, os governos dos estados controlados por aquele partido, numa ótica essencialmente curto-prazista, têm dificultado sua extradição e lhes facilitado a conquista de cidadania, ao passo que, no plano federal, o partido trabalha politicamente pela ampliação dos programas de assistência, de modo a manter essas e outras frações da população sob dependência do Estado.

Noutra frente de ataques à estabilidade da república, o partido democrata trabalha há décadas pelo fim do colégio eleitoral. Ele também pleiteia a transformação do distrito de Columbia e de Porto Rico em estados – o que quebraria, talvez por um longo período, o equilíbrio de forças políticas no senado. E, reeditando o movimento de Franklin Roosevelt dos anos 1930, quer aumentar o número de juízes da Suprema Corte (“pack the court”), com o objetivo de diluir sua atual maioria de juízes conservadores.

Essas são todas ações que, por sua vez, dependem do fim definitivo do filibuster no Senado e vêm se tornando possibilidades cada vez mais concretas, que fragilizariam os “checks and balances” desenhados pelos artífices da Constituição dos EUA, tornando o país uma virtual “ditadura da maioria” conduzida por políticos populistas. Esta perspectiva é extensivamente desenvolvida por Victor Davis Hanson em seu extraordinário livro “The Dying Citizen” e também no recente artigo “The birth, benefits and burdens of western citizenship”.

Após esta longa introdução, voltemos agora ao Brasil.

A origem das repúblicas latino-americanas obviamente não foi orgânica, como em Roma, ou pensada e arquitetada por estadistas que haviam estudado profundamente os defeitos das antigas repúblicas e as formas de aperfeiçoá-las, como nos EUA.

Quando o Império do Brasil caiu de maduro, declarou-se a República, pegando-se emprestado um apanhado de ideias das constituições da França e dos EUA para redigir-se a carta de 1891. Aqui, ao contrário dos EUA, jamais houve federalismo verdadeiro. Já existia um país constituído por províncias, nunca tendo sido dada opção a cada uma delas de aderir ou não ao novo (ou ao antigo) regime. A Constituição dos EUA foi referendada por 39 dos 55 delegados na Convenção da Filadélfia – o esforço dos estadistas no convencimento da população, evidenciado, entre outros exemplos, pela elaboração dos já mencionados artigos de “O Federalista”, mostram que o risco de não haver acordo era significativo. De fato, a constituição de um governo central para liderar a federação das colônias emancipadas talvez seja o único caso de um “govermment by consent”, à maneira teorizada por Hobbes e Locke.

Apesar de o Brasil ser um país com dimensões continentais, equivalentes à dos EUA, e, portanto, em que a governança da república devesse ser, em tese, cautelosamente desenhada para que se procurasse atenuar os problemas acarretados pela elevada dimensão territorial – já conhecidos desde o tempo de Roma – isso jamais foi feito. Não foi feito no início da República, e nem nunca, depois, de forma verdadeiramente séria, nos mais de 130 anos desde a mudança do regime.

O voto distrital para deputado – presente nos EUA desde sempre – é um mecanismo que aumenta a ligação entre representantes e representados, sendo fundamental para a convergência de seus interesses, especialmente no caso de repúblicas com vasta extensão territorial. No Brasil, esse mecanismo simplesmente nunca existiu ou sequer foi seriamente considerado.

O instituto do foro privilegiado, que protege a classe política e incentiva o patrimonialismo, existe no Brasil desde a Lei do Governo Geral de Tomé de Sousa e sobreviveu a todas as constituições, incluindo a atual, de 1988. Mais recentemente, descobrimos também que esse mecanismo destrói a independência dos poderes, pois, num sistema em que a elite política tem extenso passivo criminal, ela torna-se refém do Judiciário, ficando anulado, na prática, o mecanismo de controle da suprema corte pelo senado.

Recentemente, uma das consequências da falta de contrapesos ao órgão máximo do judiciário foi a reabilitação eleitoral do ex-presidente Lula , uma figura condenada por diversos juízes e tribunais, em três instâncias diferentes , por mais de um crime, cujo legado provocou a maior recessão de que se tem notícia no Brasil. Mas, e aí? Existe alguém de fato preocupado com isso?

O Brasil, assim como vários outros países latino-americanos, tem condições próximas às ideais para que a república democrática degenere em “ditadura da maioria” toureada por políticos populistas: território extenso, Estado de Direito (rule of law) fraco, riquezas naturais e/ou uma dinâmica econômica privada suficiente para sustentar o rent-seeking da classe política, além de contar com uma grande parcela da população em situação de dependência do Estado para sua sobrevivência – outro importante pilar de sustentação deste regime degenerado.

Nossos vizinhos Venezuela e Argentina já se encontram nesse caminho há tempo suficiente para que a perda de rumo possa se caracterizar como definitiva, deixando a reabilitação e a esperança fora do campo de visão. Já o Chile acaba de iniciar sua jornada nessa direção, que ao que tudo indica, pode ser mais veloz – no sentido de poder chegar mais rapidamente a seu destino – do que a de seus vizinhos.

A economia brasileira foi capaz de crescer a taxas elevadas por décadas, graças à juventude de sua população, baixos estoques de capital físico e importantes vantagens comparativas – condições que, sob princípios mínimos de governança, foram suficientes para garantir contínuo aumento da renda nacional por bastante tempo.

Mas esse tempo acabou há mais de quarenta anos. Se não formos capazes de questionar e propor mudanças no plano mais fundamental de organização do Estado – a constituição e a organização dos poderes – podemos esquecer qualquer possibilidade de avanço consistente.

Hoje, estamos assim: o Poder Legislativo (que, na ausência de voto distrital, quase não tem vínculo com seus eleitores) é devidamente alimentado pelo fundo eleitoral público e pelas emendas de relator, que o permite cuidar dos interesses particulares de seus membros. A instância máxima do Judiciário decide o que bem entende, interfere em atribuições dos demais poderes, anula condenações ao sabor de sua conveniência política e não deve satisfações a nenhum outro poder. E o sufrágio popular para presidente da República, piorado pela permissão de reeleição e exercido por uma população empobrecida e cada vez mais dependente do Estado, torna-se, progressivamente, uma competição de populismo, repleta de promessas vazias, mentiras e estelionatos eleitorais. Os quadriênios intercalam uma sucessão de escândalos de corrupção, deterioração fiscal e criação de programas sociais cada vez mais custosos.

Em meio a essa realidade, em que a governança de uma República que nunca foi pensada vai escorrendo pelos dedos a olhos vistos, economistas e líderes empresariais insistem em seguir elencando as “reformas” que precisam ser feitas e sem as quais o país não “retomará o caminho do crescimento”. É verdade. E todos os 2% da população que acompanham a imprensa escrita já sabem quais elas são. O que é incrível a esta altura é que parte da elite ainda possa acreditar que, com a governança e contrato social atuais, essas reformas um dia acontecerão, de fato.

Sem uma reforma política, tão improvável quanto profunda, a tendência nítida é o agravamento dos sintomas da ingovernabilidade e a eclosão de recessões cada vez mais intensas e duradouras, que tendem a aprisionar o país no populismo eterno, ou eventualmente, criar condições para uma ruptura desorganizada.

A verdade é que, hoje, o Brasil e os brasileiros estão, na falta de uma expressão melhor, entregues à própria sorte.


segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Fim dos “supersalários” deve unir Congresso, terceiro setor e sociedade civil - InfoMoney

 Fim dos “supersalários” deve unir Congresso, terceiro setor e sociedade civil

Em tempos de pandemia, de retração na economia e da necessidade de controle dos gastos governamentais, nunca foi tão urgente cortar privilégios

InfoMoney | 14/12/2020, 10h45

O teto que estabelece o máximo que um servidor público pode ganhar no Brasil voltou a ser assunto nas últimas semanas por conta da adesão que esta pauta está ganhando no Congresso Nacional. Hoje, nenhum funcionário público pode ganhar mais do que o teto previsto na Constituição, no valor de aproximadamente R$ 39,2 mil. No entanto, o valor é ultrapassado por benefícios, auxílios e indenizações fora da conta e continuam onerando os cofres públicos com supersalários.

Em tempos de pandemia, de retração na economia e da necessidade de controle dos gastos governamentais, nunca foi tão urgente cortar privilégios enquanto o país sofre com mais de 13 milhões de brasileiros sem emprego.

Esta realidade motivou o CLP e o movimento #UnidosPeloBrasil a lançarem um abaixo-assinado pelo fim dos supersalários no funcionalismo público. A petição conta com mais de 250 mil assinaturas e foi entregue a pelo menos dez parlamentares na última quarta-feira (2), entre eles, o presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, o deputado federal Israel Batista (PV-DF); e o presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG).

O objetivo da entrega das assinaturas aos parlamentares é cobrar que a Câmara dos Deputados vote e aprove o Projeto de Lei 6.726/2016, de autoria do deputado federal Rubens Bueno (Cidadania-PR), que visa o fim das remunerações turbinadas que furam o teto constitucional. Este projeto foi proposto em 2016 e há anos está parado na casa.

É importante dizer que essa elite do funcionalismo público não representa a maioria dos funcionários públicos, que recebem salários modestos. Segundo a PNAD Contínua, cerca de 0,23% dos servidores estatutários têm rendimentos efetivos superiores ao teto do funcionalismo público geral (R$ 39.293 mensais), com um adicional médio de rendimento mensal de cerca de R$ 8.500.

De acordo com um levantamento da Inteligência Técnica do CLP, a massa de rendimentos acima do teto federal chega a R$ 2,6 bilhões por ano. Tal número seria capaz de construir 15 fábricas da nova vacina CoronaVac, estimada em R$ 160 milhões pelo Instituto Butantan. Cada unidade vai ter a capacidade de produção de 100 milhões de doses por ano.

Outro estudo realizado pelo partido Novo concluiu que os supersalários estão concentrados na magistratura. Nesta carreira, 71% da folha de vencimento estão acima do teto, contra 17% na advocacia pública, 7% no ciclo de gestão e 6% na Receita Federal e na diplomacia. Ainda segundo levantamento, a média salarial de juízes e desembargadores estaduais chega a R$ 48.666.

Ainda assim, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter no início de dezembro, por 9 votos a 1, uma decisão que igualou o teto de remuneração de juízes federais e estaduais que já vigorava no país desde 2007 baseada em uma liminar, com validade provisória.

A aprovação do PL 6726 trará impactos positivos para a população mais vulnerável do país, além de ser mais um marco da postura republicana do Congresso Nacional.  Mais do que isso, ele pode representar o primeiro passo para a reforma Administrativa, além de incentivar estados e municípios a seguirem o mesmo caminho. O projeto já conta com a adesão de diversas entidades e organizações, como o Ranking dos Políticos e os movimentos Livres e Acredito.

Pautar agendas responsáveis deve ser prioridade da equipe econômica do governo e do Congresso nesses últimos dias de 2020. Ao mesmo tempo, o CLP vai continuar buscando engajamento da sociedade civil para avançar com projetos que retomem o crescimento econômico do país com objetivo de gerar emprego, renda e impacto social para os brasileiros.

https://www.infomoney.com.br/colunistas/gestao-publica-em-pauta/fim-dos-supersalarios-deve-unir-congresso-terceiro-setor-e-sociedade-civil/