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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Webinar Joe Biden e o Agronegócio Brasileiro - Insper (19/11, 18hs)

Evento  Joe Biden e o Agronegócio Brasileiro

Webinar, 19/11/2020 - 18h00

A confirmação da eleição de Joe Biden nos EUA traz grandes impactos para o futuro do agronegócio brasileiro, das relações dos EUA e do Brasil com a China e de questões ligadas ao desmatamento na Amazônia e à mudança do clima, temas que foram destacados na campanha do novo presidente. Está em pauta também a retomada de sistemas multilaterais baseados em regras comuns na área de comércio, saúde pública, clima, finanças e outros, além de novas formas de diálogo com a China.

Insper Agro Global juntamente com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) promove o webinar Joe Biden e o Agronegócio Brasileiro. O encontro faz parte do Ciclo de Debates Insper Agro Global 2020, patrocinado pelo Itaú-BBA.

Para esse debate, convidamos Alexandre Mendonça de Barros, Sócio-consultor da MB Agro, Chris Garman, Diretor de Américas do Eurasia Group, Monica de Bolle, membro do conselho consultivo internacional do CEBRI e professora da Johns Hopkins University, e Roberta Braga, Vice Diretora de América Latina do Atlantic Council. A abertura institucional e mediação será conduzida por Julia Dias Leite, Diretora-presidente do CEBRI, e Marcos Jank, Insper Agro Global e Núcleo Agro do Cebri.

Webinars Insper – O Insper acredita que informação de qualidade, baseada em evidência, é fundamental para tomada de decisão e para o enfrentamento aos desafios impostos pela chegada do novo coronavírus. Neste sentido, a escola promove uma série de eventos on-line, gratuitos, para divulgar conteúdos relevantes como panorama econômico, aspectos trabalhistas, ferramentas jurídicas aplicáveis, desafios para startups, liderança e gestão de equipes remotas, gestão do capital de giro em tempos de crise, impactos nas cadeias de suprimento e o impacto do novo coronavírus em empresas familiares. Confira a programação completa e assista, na íntegra, aos eventos que já passaram pelo nosso canal!

https://www.insper.edu.br/agenda-de-eventos/joe-biden-agronegocio-brasileiro/ 

 

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Notas sobre a eleição presidencial nos EUA - Rubens Barbosa (OESP)

 NOTAS SOBRE A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL NOS EUA

 Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 10/11/2020


A histórica vitória de Joe Biden será analisada por muitos anos. O resultado da eleição foi, surpreendentemente equilibrado, refletindo a profunda divisão do país. A onda azul, democrata, não ocorreu, mas a sociedade americana preferiu eleger um presidente moderado e conciliador, que promete reduzir o ódio e unir o pais. O resultado das urnas mostrou que o eleitor separou a figura do presidente falastrão do seu partido. O partido Republicano, que teve um desempenho muito melhor do que Trump, saiu fortalecido com maior número da deputados na Câmara de Representantes e com a possibilidade de manter a maioria no Senado.

A polarização política nos EUA vem se acentuando nas últimas décadas e esse quadro não deverá se alterar no futuro previsível, em função, entre outros fatores, do aprofundamento com a pandemia dos contrastes existentes no país mais rico e mais avançado do mundo. A crescente concentração de renda acentuou as desigualdades entre as pessoas, as regiões e entre os centros urbanos e as áreas rurais, fato agravado pelas consequências econômicas. O impasse, se o Senado continuar Republicano, dificultará a execução das reformas prometidas por Biden nas áreas de saúde, economia, energia, imigração, meio ambiente e no fortalecimento da democracia e dos direitos humanos.

       Os EUA estão deixando de ser um país com maioria branca e calvinista para se tornar uma democracia multiracial e multicultural. Quase 75 milhões de eleitores se manifestaram contra um presidente com abordagem não convencional na política, negacionista, percebido como egoísta, mentiroso, vaidoso e que coloca seus interesses pessoais e eleitorais acima dos interesses do país. Trump impôs políticas que favoreceram o populismo, o protecionismo, o racismo e o isolacionaismo, sempre ressaltando que isso iria ampliar e emprego do trabalhador norte-americano e reforçaria a idéia de que os EUA sempre estariam em primeiro lugar. As políticas seguidas por Trump acentuaram o divórcio racial e os conflitos relacionados à imigração. Em alguns estados, os votos de jovens negros, latinos e muçulmanos foram maiores do que o esperado para o partido Republicano, apesar de algumas políticas de Trump terem sido claramente contrárias aos interesses dessas minorias. Acentua-se, assim, a divisão em torno de temas culturais, enquanto há mais convergência em torno das políticas econômicas, menos conflitivas visto que estão voltadas para o crescimento do emprego e da renda. Apesar da rejeição pessoal, as bandeiras que Trump levantou deverão permanecer. O movimento populista, nacionalista e conservador se fortaleceu com o voto nas áreas rurais, mais pobres, de maioria branca, sem instrução superior e de menor renda. Os republicanos emergem estranhamente como o partido da classe trabalhadora, mais afinado com os anseios da nova composição social e racial da sociedade norte-americana. 

Outro aspecto relevante que ficou claro com os resultados eleitorais é a questão do uso político da religião. O recado das urnas aos políticos foi claro: Igreja e Estado não devem ser misturados e confundidos. Os eleitores se manifestaram a favor de discussões sobre questões práticas que afetam diretamente seus interesses e refutaram uma guerra religiosa, em especial contra imigrantes muçulmanos.

         As incertezas que as transformações internas na sociedade norte-americana acarretam, deixam também uma lição sob o ângulo das relações externas. O alinhamento político e econômico com os EUA é perigoso. Depender dos EUA não representa um apoio estável de médio e longo prazo em função das modificações que podem ocorrer nas tendências dos eleitores em eleições seguintes. As políticas de Trump em relação aos aliados dos EUA, no tocante aos organismos internacionais, ao grau de confrontação com a China, à política de meio ambiente deverão, como já anunciado ser modificadas no governo Biden. O que poderá ocorrer em 2024? Serão mantidas as políticas do governo democrata? Voltarão as políticas isolacionistas?           

Uma vez que são muito fortes as instituições no país, as acusações de fraude e a judicialização do processo eleitoral promovidas por Trump e que tantas incertezas despertam e de certo modo representam um sério problema para o funcionamento do sistema eleitoral, não chegarão a ameaçar a democracia, nem a credibilidade das eleições, mesmo com eventuais violências isoladas.

         Os institutos de pesquisa voltaram a se equivocar de maneira grave. Os meios de comunicação (TVs, jornais e rádios) tornaram-se, na prática, braços dos dois partidos políticos, estimulando a divisão. O papel da mídia social foi menor do que na eleição de 2016.

         Ficam no ar algumas perguntas. Dada a força de Trump como líder de uma parte do partido Republicano e sobretudo pelo peso dos mais de 70 milhões de votos, qual será o papel do atual presidente a partir de 20 de janeiro? Trump se recolherá, como fizeram todos os seus antecessores ou vai continuar ativo no twitter, se mantendo como uma presença forte no cenário político americano? A constituição norte-americana determina que nenhuma pessoa poderá ser eleita mais de duas vezes para o cargo de presidente. Trump poderá muito bem querer se apresentar novamente em 2024. Como o partido Republicano vai reagir ao trumpismo?

 

Rubens Barbosa, presidente do IRICE – Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior

domingo, 8 de novembro de 2020

Vitória de Biden é revés para Bolsonaro e exige mudança na política externa brasileira, dizem analistas - Mariana Schreiber (BBC Brasil)

Vitória de Biden é revés para Bolsonaro e exige mudança na política externa brasileira, dizem analistas

  • Mariana Schreiber - @marischreiber
  • Da BBC News Brasil em Brasília, 7 novembro 2020
O presidente Jair Bolsonaro aperta os lábios; bandeira dos Estados Unidos ao fundo
Legenda da foto,

Bolsonaro já declarou que torcia para que Trump ganhasse a eleição

O democrata Joe Biden foi eleito presidente dos Estados Unidos, derrotando o republicano Donald Trump, que tentava a reeleição.

O resultado, projetado no sábado (07/11), representa um duro revés para o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que adotou como principal pilar da sua política externa o forte alinhamento com o atual presidente americano.

Contrariando princípio básico da diplomacia de não interferir em processo eleitoral de outro país, o governo Bolsonaro deixou evidente sua preferência por Trump, o que agora o coloca em situação delicada para negociar com o futuro presidente democrata.

Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a derrota da principal referência internacional de Bolsonaro deve exigir uma "reinvenção" de sua política externa, que abandonou a tradição brasileira pelo multilateralismo.

Além disso, esses analistas consideram que a vitória de um moderado nos Estados Unidos é um sinal negativo para o plano de reeleição do presidente brasileiro, que, assim como Trump, tem um discurso político agressivo e fortemente conservador.

No caso do americano, esse estilo acabou afastando parte do eleitorado que o elegeu em 2016, em especial mulheres. Também pesou para sua derrota a resposta do seu governo à pandemia do coronavírus. Trump optou por minimizar a gravidade da crise e promover medidas sem base científica, como o uso da cloroquina para tratar covid-19 — estratégia replicada por Bolsonaro.

Joe Biden em debate da Fox News
Legenda da foto,

Em debate contra Trump, o candidato democrata Joe Biden criticou a política ambiental do Brasil

"A perda do Trump impacta a narrativa de Bolsonaro junto a grupos ultraconservadores, à base evangélica. A ideia de criar uma nova frente conservadora mundial, que colocava Trump como salvador do Ocidente e do cristianismo, vai pro ralo", acredita o cientista político e pesquisador de Harvard Hussein Kalout, ex-secretário de Assuntos Estratégicos durante o governo de Michel Temer.

Se Bolsonaro via em Trump um aliado na defesa de pautas conservadoras e se alinhava a ele em temas como o questionamento do aquecimento global e a defesa da família, vai encontrar em Biden uma posição bastante diferente.

"Governos democratas, de uma maneira geral, prestam mais atenção na agenda de direitos humanos, incluindo direitos raciais e questão ambiental. Biden não vai ser diferente. Se for, vai ser um pouco mais radical ainda (na defesa dessas pautas), porque a ala que o apóia dentro do partido é um pouco mais à esquerda do que ele seria", afirma a consultora Vera Galante, que atuou por 19 anos como assessora cultural na embaixada dos EUA em Brasília e hoje preside a Empower Consultoria em Análise Estratégica e Risco Político.

Biden toma posse como presidente em 20 de janeiro. Ele chega à Casa Branca com a experiência de ter sido vice-presidente de Barack Obama (2009-2016) e senador por décadas.

Biden já citou possível retaliação ao Brasil por desmatamento

A questão ambiental deve ser um foco de tensão importante entre a gestão Bolsonaro e o democrata. O novo presidente chegou a citar a possibilidade de retaliar o Brasil economicamente, caso o país não aceite apoio externo para aumentar a preservação.

A ameaça ocorreu em setembro durante debate com Trump, momento em que grandes queimadas de florestas no Pantanal e na Amazônia repercutiram globalmente.

Na ocasião, Biden disse que "começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões para a Amazônia, para o Brasil não queimar mais a Amazônia".

"(A comunidade internacional diria ao Brasil) aqui estão US$ 20 bilhões, pare de destruir a floresta. E se não parar, vai enfrentar consequências econômicas significativas", afirmou ainda.

Questionado na semana passada pela BBC News Brasil sobre a fala de Biden, o embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, disse que "qualquer iniciativa que possa nos trazer algo para nos ajudar nessa área é bem-vinda, desde que naturalmente seja feito na base de cooperação e colaboração e que o Brasil lidere a discussão no tema, afinal estamos falando do território brasileiro".

Agente do Ibama combatendo fogo na Amazônia
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Biden afirmou que Brasil pode sofrer sanções econômicas se destruição da Amazônia continuar

Ele também procurou mostrar que a relação com os EUA não seria afetada pela eventual vitória de Biden, que acabou se confirmando: "A importância do Brasil como segunda maior democracia e segunda maior economia das Américas, depois dos EUA, vai continuar. Temos uma densidade muito grande de interesses na agenda bilateral que, acredito, não vão mudar substantivamente caso haja uma mudança na Casa Branca", disse.

Para Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral e fundador da consultoria Dharma, a fala de Forster mostra o início de uma tentativa da diplomacia brasileira de reajustar o discurso diante da mudança presidencial nos EUA.

Na sua avaliação, porém, o Brasil precisará de atitudes mais concretas para construir uma boa relação com o novo governo, sob o risco de encontrar dificuldades no comércio com os americanos, como novas barreiras e taxas.

"Um resposta rápida seria trocar os ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores). Mas isso provocaria reação de apoiadores do governo nas redes sociais, que podem entender que Bolsonaro está abrindo mão da sua agenda para gerar uma acomodação com um 'esquerdista' nos Estados Unidos", analisa Souza.

"Por isso, não acredito que o governo faça essa troca rápida, a não ser que fatores internos, como a conjuntura após as eleições municipais, levem o governo a uma reforma ministerial", pondera.

EUA continuarão pressionando Brasil contra China

Hussein Kalout também avalia que Biden será pressionado a criticar Bolsonaro na área ambiental, mas não acredita que o Brasil corra o risco de sofrer sanções similares às impostas pelos Estados Unidos a países como Irã, Venezuela e Coreia do Norte.

"O Brasil tem relevância maior que esses países. O comércio com os EUA é grande e o saldo é favorável aos americanos", ressalta.

Sua expectativa é que Biden terá uma conduta pragmática de política externa, como é a tradição americana, buscando sempre ganhos para os Estados Unidos.

Nesse sentido, afirma Kalout, sua prioridade na relação com o Brasil não deve ser a agenda ambiental, mas conseguir que a empresa chinesa Huawei seja proibida de participar da implementação da tecnologia de quinta geração de telecomunicações (5G) no país.

Esse é uma agenda da gestão Trump que deve ser mantida por Biden porque a expansão da Huawei é vista como uma ameaça à segurança nacional americana.

"Por mais que Biden tenha reservas ao estilo da política ambiental brasileira e à forma como Bolsonaro atua em relação ao direito de minorias, essas diferenças são, na minha opinião, tangenciais diante do que é concreto de interesse da segurança nacional americana", analisa.

"A estratégia do Biden, do establishment americano, é evitar ao máximo que o Brasil esteja próximo da órbita chinesa, para conseguir implodir a capacidade da Huawei de ser a vencedora do processo de 5G. Biden vai organizar sua estratégia de relação com o Brasil de forma muito bem orientada", reforça.

O presidente americano Donald Trump ao lado do presidente chinês Xi Jinping
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Relação entre China e EUA foi um dos pontos da campanha de Donald Trump em sua tentativa de reeleição

A Huawei é fornecedora de equipamentos para operadoras de telecomunicação no Brasil (como Vivo, Claro, Tim e Oi) e hoje é líder global na tecnologia 5G, que permite conexões de internet de dez a vinte vezes mais rápidas do que a tecnologia 4G.

Mas, nos últimos anos, os EUA iniciaram uma ofensiva contra empresa, a qual acusam de ser um perigo à segurança nacional dos países que comprarem seus equipamentos, já que uma lei de segurança aprovada pela China em 2017 permite, em tese, que o governo de Pequim exija dados de companhias privadas como Huawei, caso a necessidade seja classificada como importante para soberania chinesa.

Por isso, os americanos querem que o Brasil adote uma licitação de frequências para 5G que exclua o uso de equipamentos da Huawei por parte das operadoras — algo que já foi adotado em outros países do mundo, como Japão e Austrália.

Mudança de tom com a China pode influenciar Brasil

Embora a expectativa seja de que Biden continue tentando contrapor os Estados Unidos ao avanço global da China, os analistas entrevistados concordam que a estratégia do novo presidente deve ser diferente da de Trump, que adotou um discurso abertamente agressivo e de confrontação com o gigante asiático.

Para a consultora Vera Galante, essa mudança pode ser positiva para o Brasil, caso influencie Bolsonaro a abandonar também a postura de embate com a China.

Embora a China seja o maior parceiro comercial do Brasil, o presidente e seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado-federal que preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, com frequência atacam o país.

Torre de transmissão de sinal de internet da Huawei
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Huawei desempenha papel fundamental na revolução tecnológica do 5G

No episódio mais recente, o presidente disse que não vai comprar a vacina contra covid-19 que está sendo desenvolvida por uma empresa chinesa em parceria com o Instituto Butantan, órgão estadual de São Paulo.

"Na questão comercial, a pressão com relação aos produtos chineses vai continuar (na gestão Biden), porque a economia dos EUA precisa se opor ao crescimento da China. Mas o discurso do Biden vai ser mais racional. Essa bravata de guerra comercial (retórica do Trump) vai acabar", analisa.

"Para o Brasil, eu acho vai ser bom, porque hoje o discurso (brasileiro) está muito contaminado pela fala ideológica (de Trump)", acrescenta Galante.

Brasil longe da lista de prioridades dos EUA

Hussein Kalout também acredita que Biden adotará uma nova abordagem para se contrapor à China. Ele ressalta que essa será uma das várias prioridades da política externa do futuro presidente que devem vir na frente da relação com o Brasil.

"Primeiro o Biden tem como foco reorganizar as relações com as principais potências europeias, abaladas durante a gestão do Trump. Depois, precisa costurar um novo formato de abordagem para com a China. Ele tem como desafio também reconfigurar a moldura das relações com a Rússia", elenca.

Bolsonaro faz live no facebook enquanto assiste a pronunciamento de Trump
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Bolsonaro demonstra admiração por Trump há bastante tempo

"No que diz respeito ao Oriente Médio, o Biden vai retomar no ponto em que se paralisou o acordo nuclear com Irã, porque essa foi talvez a grande conquista em matéria de política externa na administração Obama-Biden. E aí, por fim, ele vai reinserir os Estados Unidos nos organismos multilaterais que o Trump deixou, vai retornar para o Acordo de Paris", continua.

"O Biden é um sujeito extremamente pragmático. A política externa americana clássica é racional, pragmática. Para eles, pouco importa se o presidente do Brasil é Bolsonaro ou outra pessoa, desde que eles consigam as concessões e que façam valer seus interesses", acredita Kalout.

O que o agronegócio deve esperar de Joe Biden? - Marcos Jank (Veja)

 Amigos,

É com grande satisfação que informo sobre o lançamento da coluna AGRO GLOBAL no site de VEJA, que trará análises exclusivas sobre agronegócio, comércio e sustentabilidade realizadas pela equipe do centro Insper Agro Global e convidados, sob a nossa coordenação. Segue abaixo o primeiro artigo da coluna.

Abraço,

Marcos

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O que o agronegócio deve esperar de Joe Biden?

Coluna AGRO GLOBAL no site de VEJA, 07/11/2020. 

Marcos Sawaya Jank*

Impacto do governo Biden no comércio agrícola, China, Amazônia e políticas climáticas. 

Joe Biden venceu as eleições dos EUA e esse é o tema do 1º artigo da nova coluna AGRO GLOBAL do site de VEJA. Vamos analisar o impacto do novo governo sobre agronegócio, comércio, clima e Amazônia, mostrando porque Biden é a melhor escolha para o agro brasileiro.

 

A primeira grande mudança da gestão Biden nas relações internacionais será o resgate da liderança que os Estados Unidos sempre exerceram na coordenação multilateral do mundo, que se inicia já na independência dos EUA com a ação diplomática de Benjamin Franklin e os demais Founding Fathers contra o colonialismo europeu.

 

Para entender o papel histórico dos EUA no mundo, vale ler um livro magnífico que acaba de ser lançado: America in the World: A History of U.S. Diplomacy and Foreign Policy, de Robert Zoellick, que foi representante de comércio dos EUA (USTR) de 2001 a 2005 e depois Presidente do Banco Mundial. O livro analisa o papel que Franklin, Hamilton, Jefferson, Adams, Lincoln, os Roosevelts, Woodrow Wilson, Cordell Hull, Kennedy, Reagan, Bush e outros “líderes pragmáticos” tiveram na construção da diplomacia e da política externa dos EUA. A obra merece ser lida nesse momento crucial e conflitivo da democracia americana.

 

No final da 2ª guerra, o mundo pedia maior coordenação multilateral em temas como garantia da paz, comércio, finanças, desenvolvimento e outros. Os Estados Unidos assumiram posição central na criação de diversas organizações internacionais para promover paz, direitos humanos e solução de conflitos (ONU), finanças e desenvolvimento (FMI e Banco Mundial), comércio (o acordo do GATT, que depois virou a OMC - Organização Mundial de Comércio), saúde pública (OMS - Organização Mundial de Saúde) e muitas outras.

 

O momento turbulento e polarizado que vivemos hoje exige o aprimoramento da capacidade de coordenação dos países em novos temas como meio ambiente, mudança do clima, segurança biológica (contenção de pandemias), saúde pública, segurança cibernética, migração, anticorrupção, transparência e outros.

 

Com o America First, Trump deu as costas para o mundo e abandonou o papel histórico de concertação dos EUA. Em comércio, para agradar o seu público interno Trump propôs medidas enérgicas para “zerar” os principais déficits comerciais que os EUA mantinham no mundo, iniciando negociações país a país como se o comércio fosse um jogo de soma zero, que não é.

 

Pouco a pouco, Trump retirou os EUA da Parceria Transpacífico (TPP), um extraordinário acordo comercial ligando 12 países americanos e asiáticos do Pacífico. A seguir, repaginou o NAFTA à sua maneira, enfraqueceu a OMC ao se recusar a nomear juízes para o órgão de solução de controvérsias e retirou os EUA da Convenção do Clima. Trump se voltou para dentro do país, confrontando não apenas os novos inimigos do Oriente, como a China, mas também os seus vizinhos e aliados mais tradicionais do Ocidente. Na minha opinião, não deu certo.

 

Não há dúvida que Joe Biden vai seguir priorizando os interesses domésticos americanos acima de tudo, começando pela recuperação econômica do país. Mas, ao contrário de Trump, ele construirá a sua política externa a partir das medidas internas que serão adotadas, reduzindo o tensionamento e aumentando a concertação internacional.

 

É neste contexto que enxergo a possibilidade de novas formas de diálogo entre os EUA e a China. Com certeza a rivalidade EUA-China veio para ficar e não vai terminar com a eleição de Biden, até porque a China continuará crescendo rápido e ameaçando a hegemonia americana. Ao final de 2021, a economia chinesa estará 10% maior do que logo antes da pandemia. Os EUA estarão menores.

 

No agronegócio, não há dúvida que o Brasil se beneficiou da guerra comercial EUA-China, que começou logo após as eleições de Trump em 2017, e pode ser prejudicado por um acordo tácito entre as duas maiores potências do planeta. Mas comemorar guerras e disputas hegemônicas nunca foi uma boa ideia para quem só atua em campos laterais. Prefiro acreditar que a construção de regras multilaterais que valem para todos continua sendo a melhor opção do planeta. Podemos perfeitamente incrementar nossas parcerias estratégicas com os EUA e com a China, rejeitando a política de “comércio administrado” proposta por Trump que, espero, não será seguida por Biden.

 

Dentre as políticas de Biden, a que mais deve impactar o Brasil é uma nova postura dos EUA em relação ao tema da mudança do clima, radicalmente diferente da linha seguida por Trump. Meio ambiente, mudança do clima, promoção de fontes renováveis de energia e taxação de carbono estarão no centro da agenda de Biden. Os EUA vão retornar ao Acordo de Paris, colocando o tema da mudança do clima no centro da sua política externa, comercial e de segurança nacional, o que certamente incluirá uma forte pressão para reduzir o desmatamento no Brasil.

 

Muitos dirão que essa é uma agenda negativa para o Brasil. Eu prefiro acreditar que, na toada das pressões comerciais que o agro já vem sofrendo na região Norte, a eleição de Biden apenas reforça a necessidade de completarmos a “lição de casa” que estamos devendo para o mundo há décadas.

 

Estima-se que 95% do desmatamento brasileiro seja ilegal e, portanto, associado ao descumprimento da legislação brasileira. É nossa obrigação resolver esse problema, que começa com a necessidade de regularização fundiária das regiões norte e nordeste do país, que já dura décadas. Segue-se o problema da regularização ambiental, que ainda não foi efetivada, a despeito de o Código Florestal já ter completado o seu 8º ano de vida.

 

A verdade é que a agricultura brasileira é ao mesmo tempo vilã, vítima e solução no tema da mudança do clima. “Vilã” por estar associada ao desmatamento ilegal, que já atinge mais de 10 mil km2 por ano no Brasil. “Vítima” porque a agricultura vem sofrendo com eventos extremos e grandes instabilidades climáticas, como vimos esse ano no país. “Solução” porque acumulamos grandes ganhos de produtividade e dispomos de uma matriz energética limpa e diversificada - composta por diversos tipos de biocombustíveis e energias renováveis - fazemos 2 a 3 safras por ano e muitas outras conquistas qualificam a nossa agricultura como de “baixo carbono”.

 

A pecuária de corte será o setor mais pressionado pela eleição de Biden, pelo fato de que a cria de bezerros é a primeira ocupação agropecuária em áreas recém desmatadas do bioma Amazônico. Mas os biocombustíveis brasileiros, como o etanol de cana-de-açúcar e o biodiesel de oleaginosas, podem ganhar bastante espaço na agenda internacional com a adesão dos EUA ao Acordo de Paris e a renovada pressão pela substituição de energias fósseis por energias renováveis, tema amplamente vocalizado por Biden durante a campanha. Vale lembrar que 73% das emissões de gases de efeito estufa responsáveis pela mudança do clima vem do setor de energia e transportes, e menos de 7% de desmatamentos e mudanças no uso da terra.

 

Em suma, creio que a eleição de Biden levará o governo brasileiro a abrir novos canais de interlocução com o governo americano. Deveria, também, buscar uma equidistância mais prudente da sua política comercial com os EUA e com a China, fortalecendo as nossas duas maiores parcerias estratégias. Apesar de os EUA serem os nossos principais concorrentes no agronegócio global, há muito espaço para ampliar a cooperação com aquele país em temas como segurança alimentar global, inovação, bioenergia e no reforço da coordenação multilateral.

 

Creio que a principal lição que deveríamos aprender com o retorno dos Democratas ao poder nos EUA é parar de insistir em ver o mundo como “cruzadas maniqueístas”, de uma luta permanente do bem contra o mal entre supostos poderes opostos e incompatíveis. Em vez de louvar amigos e atacar inimigos imaginários, melhor faríamos em identificar claramente os nossos interesses externos e desafios imediatos. Se fizermos isso, veremos que o nosso maior desafio é simplesmente fazer direito a “lição de casa”. Isso vale para as reformas internas prometidas, e ainda não realizadas. Vale também para os problemas ambientais e fundiários do bioma Amazônia, que agora terão de ser resolvidos, para o bem ou para o mal.

 

(*) Marcos Sawaya Jank é professor de agronegócio global do Insper.

Foreign Affairs: US election, American Foreign Policy, Biden diplomacy

 

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THE U.S. ELECTION

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In Foreign Affairs earlier this year, presumptive President-Elect Joe Biden set out a planfor restoring the United States’ position of global leadership. The essays below consider what Biden should do when he takes charge of U.S. foreign policy—and whether his vision of the country once again at the head of the table can, or should, be achieved.