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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

O Sul Global existe? Joseph Nye e Paulo Roberto de Almeida

Hoje deparei-me no Project Syndicate com um artigo muito confuso do famoso cientista político Joseph Nye sobre o assim chamado Sul Global. Ele acha que esse Sul Global não tem muita consistência. Seu artigo pode ser encontrado aqui. 

Transcrevo in fine alguns trechos desse artigo, muito decepcionante para um reputado acadêmico.

Eu havia recém publicado um artigo sobre o mesmo tema, que transcrevo abaixo.

O Sul Global não existe

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo sobre um conceito criado por ideólogos que não apresenta consistência suficiente para ser chamado de grupo político.

Revista Crusoé, (n. 287, 27/10/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/Colunistas/o-sul-global-nao-existe). Relação de Publicados n. 1530.

 

Ideias contam, afirmam os historiadores, o que parece ser confirmado pela própria história. Certas declarações de líderes políticos ou militares de peso, ao lado de interpretações de filósofos influentes, acabam ganhando foros de atores e fatores decisivos em determinados processos históricos e passam a ser consideradas como tendo o poder de determinar o curso da história e, assim, de mudar a sua própria trajetória.

Pensem, por exemplo, no conceito de “luta de classes”, um corriqueiro lugar comum dos historiadores franceses no seguimento imediato da grande revolução de 1789, mas que acabou virando o eixo central de todo e qualquer processo histórico depois que dois jovens ideólogos alemães converteram essa interpretação derivada dos três grandes estamentos do Antigo Regime em fator crucial de toda e qualquer mudança politica e social: “proprietários e escravos”, “senhores feudais e servos de gleba”, “burgueses e proletários”, todas essas “lutas” seriam o verdadeiro “motor da história”. Era uma abordagem simplista, mas que teve um extraordinário sucesso nos 150 anos seguintes. Considerem, igualmente, o conceito de “complexo de Édipo”, que Freud generalizou a partir da literatura grega clássica e que passou a ser um dos eixos centrais das interpretações psicanalíticas desde então. 

Marx e Freud foram dois grandes pensadores contemporâneos que marcaram de forma indelével o século XX, e isso não tanto por algum poder político concreto de que dispusessem, mas pela simples força de suas ideias, que impregnaram as mentes e as ações de milhares de outros personagens dotados de influência social.

Nem todos os conceitos inventados e disseminados ao longo do tempo possuem, porém, esse poder de sintetizar toda uma corrente de pensamento e o de mobilizar partidos, movimentos e sociedades inteiras numa determinada direção do processo histórico. Mais do que o freudismo, no mundo psicanalítico, o comunismo de base marxista foi, de fato, um grande “motor da história” no século passado, podendo ser considerado como parcialmente responsável pelos movimentos fascistas que surgiram no seguimento do “primeiro Estado proletário” que se instalou com o putsch bolchevique de 1917. Pode-se dizer que ele conquistou “corações e mentes” muito além do alcance do Exército Vermelho, seduzindo grandes intelectuais no próprio coração das democracias de mercados capitalistas.

A maior parte dos conceitos predominantes em certas épocas não possuem, todavia, tal influência decisiva sobre o curso da história. A maior parte costuma ter trajetórias mais prosaicas, e apenas por determinados períodos, sendo geralmente o produto de reflexões acadêmicas que passam a ser utilizadas nos meios políticos. Esse parece ser o caso do tal de “Sul Global”, conceito que se converteu numa espécie de mantra naquele ambiente mais retórico do que prático. No entanto, tendo sido usado e abusado repetidamente por líderes desse “Sul” indefinido, ele passou a ser referido até por acadêmicos e líderes políticos de um “Norte” também indefinido. Tendo ultrapassado a barreira das alucinações coletivas, o conceito é tido como refletindo uma realidade política, ou até geopolítica, concreta. 

Nada mais enganoso, no entanto. Assim como o século XX, ou pelo menos a sua segunda metade, foi marcado pela divisão, e até pelo confronto, Leste-Oeste, este início de século XXI parece querer dar um status de grande dimensão histórica ao diáfano conceito de “Sul Global”. A proposta é equivocada em todas as suas dimensões. Senão vejamos.

O mundo sempre foi assimétrico, com populações paupérrimas e grandes impérios poderosos, divididos geograficamente, mas que nunca se excluíram mutuamente: opressão colonial, exploração de recursos e do trabalho humano de comunidades dominadas por sociedades militarmente dominantes, progressos tecnológicos de um lado, atraso persiste de outro, marcaram a história de toda a humanidade, como demonstrado pelas pesquisas de um naturalista conhecido como Jared Diamond, cobrindo mais de 50 mil anos de história humana (ver, por exemplo, o seu “Armas, Germes e Aço”). A transmissão de conhecimentos, de novas espécies de vegetais alimentícios e de animais domesticados se deu, geralmente, no sentido Leste-Oeste, avançando nos meridianos do hemisfério setentrional.

Considere-se, também, uma história “mais curta” de apenas 5 mil anos, enfeixada no livro de David Landes, de título claramente inspirado em Adam Smith: “A Riqueza e a Pobreza das Nações: por que algumas são tão ricas e outras tão pobres?”. Em lugar de uma história “ecológica”, como em Diamond, temos aqui uma história cultural ou institucional.

Riqueza e pobreza estão igualmente disseminadas em todo o planeta, mas fatores ecológicos, ambientais ou de propagação de inovações tecnológicas ao longo do hemisfério setentrional fizeram com que sociedades mais avançadas se concentrassem acima da faixa tropical, bem mais unificada topograficamente (vejam a Eurásia) do que a dispersão de continentes e de ambientes na parte meridional do planeta. E um fato, não uma fatalidade.

Um Norte dominante e dominador, de um lado, e um Sul dominado e explorado, do outro, nada mais fazem do que refletir realidades concretas das geografias multimilenares ou trajetórias históricas diferenciadas, analisadas por Diamond e Landes, em suas respectivas dimensões de produtividades desiguais derivadas dos recursos naturais ou da qualidade do capital humano. Um “Sul” mais pobre, ou vearias regiões periféricas, geralmente meridionais, sempre existiram, em função de disparidades fundamentais, que determinaram, muito mais do que o equívoco metodológico da “luta de classes”, o verdadeiro motor da história humana. A história sempre foi feita de assimetrias, dentro dos países e entre eles.

Não foi a “exploração” do “Sul” que tornou o “Norte” rico, tanto porque para dominar e explorar é preciso antes ser mais avançado materialmente, militarmente. Nem sempre foi assim, pois do contrário nômades mongóis não poderiam ter conquistado e dominado durante alguns séculos uma China bem mais avançada tecnologicamente e culturalmente. 

O diferencial de produtividade humana – determinado em grande medida pela cultura letrada– é o que determinou, desde alguns séculos, a divisão entre um “Norte” e um “Sul”, e que ainda persiste, mas de forma totalmente fragmentada em ambos os hemisférios. Aliás, o outrora poderoso Celeste Império, em declínio durante mais de dois séculos, pode ser realmente considerado como fazendo parte, hoje, desse “Sul Global” imaginado?

Esse conceito, tomado de forma unificada para somente um dos lados, é um completo equívoco acadêmico, político e geográfico, o que não o impede de ser utilizado de forma oportunista por políticos populistas. Mas, de forma alguma, a diversidade de nações nele incluídas e a multiplicidade de interesses nacionais agregados aleatoriamente nos Estados hoje componentes podem ser considerados a expressão de um grupo coeso em suas vontades e disponível para uma ação conjunta em face de um Norte hegemônico e dominador. 

Existe alguma possibilidade de que a Rússia neoczarista da atualidade ou de que a China novamente imperial, e com pretensões hegemônicas, possam ser os aliados de um inexistente “Sul Global” na luta pela construção de uma “nova ordem global” que não mais seria dominada pelo “Norte” do atual Ocidente dominador? A hipótese é inverossímil. Aliás, considerar que o Brics possa representar o tal de Sul Global é mais inverossímil ainda.

Para os saudosistas de um antigo terceiro-mundismo político retardatário, o tal de “Sul Global” já não é mais um simples expediente acadêmico equivocado, e sim uma entidade homogênea capaz de ajudá-los em suas pretensões oportunistas de liderar um suposto “bloco” unificado, mas que é tão diáfano quanto inexistente, para todos os efeitos práticos.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4449, 12 outubro 2023; revisão: 24/10/2023.

Artigo para a revista Crusoé, publicado sob o mesmo título (n. 287, 27/10/2023, link: https://crusoe.uol.com.br/Colunistas/o-sul-global-nao-existe); divulgado parcialmente no blog Diplomatizzando(30/10/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/10/o-sul-global-nao-existe-paulo-roberto.html). Relação de Publicados n. 1530.

 



What Is the Global South

Project Syndicate, Nov 1, 2023

In the absence of an alternative shorthand, politicians and journalists most likely will continue to use “Global South” for the foreseeable future. Yet anyone interested in a more accurate description of the world should be wary of such a misleading and increasingly loaded term.


Ler a íntegra aqui.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A visao de George Bush (pai) sobre o fim da Guerra Fria - Joseph Nye

O pesquisador de Harvard faz uma análise simpática da política internacional de Bush pai, um homem certamente escolado, preparado, instruído sobre as realidades do mundo, não um rústico, no limite da idiotice, como seu filho que assumiu dois mandatos depois.
Paulo Roberto de Almeida


In Defense of Non-Visionaries

OXFORD – Many of the recent tributes for Margaret Thatcher following her death celebrated her as a “transformational” leader who brought about great changes. There were frequent references to her equally transformational American counterpart, Ronald Reagan. But a more interesting comparison is with her other presidential contemporary, George H. W. Bush.
This illustration is by Tim Brinton and comes from <a href="http://www.newsart.com">NewsArt.com</a>, and is the property of the NewsArt organization and of its artist. Reproducing this image is a violation of copyright law.
Illustration by Tim Brinton
Though often dismissed as a mere “transactional” manager, Bush had one of the best foreign-policy records of the past half-century. His administration managed the end of the Cold War, the dismantlement of the Soviet Union, and the unification of Germany within NATO – all without violence. At the same time, he led a broad United Nations-backed coalition that repelled Saddam Hussein’s aggression against Kuwait. Had he dropped any of the balls he was juggling, today’s world would be much worse.
Although he presided over a major global transformation, Bush, by his own account, did not have transformational objectives. On the unification of Germany, he resisted the advice of Thatcher and others, apparently out of a sense of fairness and responsiveness to his friend, German Chancellor Helmut Kohl. In October 1989, Bush responded to a call from Kohl by publicly stating that he did not “share the concern that some European countries have about a reunified Germany.”
At the same time, he was careful to let Kohl and others take the lead. When the Berlin Wall was opened a month later, partly owing to an East German mistake, Bush was criticized for his low-key response. But Bush had made a deliberate choice not to humiliate the Soviets or gloat: “I won’t beat on my chest and dance on the wall,” was his response – a model of emotional intelligence in a leader. Such self-restraint helped to set the stage for the successful Malta Summit with Soviet President Mikhail Gorbachev a month later. The Cold War ended quietly, and the dismantlement of the Soviet empire followed.
As Bush and his team responded to forces that were largely outside of his control, he set goals and objectives that balanced opportunities and constraints in a prudent manner. Some critics have faulted him for not supporting the national aspirations of Soviet republics like Ukraine in 1991 (when he delivered his infamous “Chicken Kiev” speech warning against “suicidal nationalism”); for failing to go to Baghdad to unseat Saddam Hussein in the Gulf War; or for sending Brent Scowcroft to Beijing to maintain relations with China after the Tiananmen Square massacre of 1989. But, in each instance, Bush was limiting his short-term gains in order to pursue long-term stability.
Other critics complained that Bush did not set more transformational objectives regarding Russian democracy, the Middle East, or nuclear non-proliferation at a time when world politics seemed fluid. But, again, Bush remained more focused on maintaining global stability than on advancing new visions.
Bush was also respectful of institutions and norms at home and abroad, going to the US Congress for authorization of the Gulf War, and to the United Nations for a resolution under Chapter 7 of the UN Charter. Although a realist in his thinking, he could be Wilsonian in his tactics. Bush’s termination of the ground war in Iraq after only four days was motivated in part by humanitarian concerns about the slaughter of Iraqi troops, as well as by an interest in not leaving Iraq so weakened that it could not balance the power of neighboring Iran.
While Bush’s invasion of Panama to capture (and later put on trial) Manuel Noriega may have violated Panamanian sovereignty, it had a degree of de facto legitimacy, given Noriega’s notorious behavior. And, when Bush organized his international coalition to prosecute the Gulf War, he included several Arab countries – not to ensure military success, but to boost the mission’s legitimacy.
When Bush and Thatcher met in Aspen, Colorado, in the summer of 1990, Thatcher allegedly warned him “not to go wobbly.” But most historians agree there was no such danger. With his careful combination of hard and soft power, Bush created a successful strategy – one that accomplished American goals in a manner that was not unduly insular and with minimal damage to the interests of foreigners. He was careful not to humiliate Gorbachev, and to manage the transition to Boris Yeltsin’s presidency in a newly independent Russia.
Of course, not all foreigners were adequately protected. For example, Bush assigned a low priority to Kurds and Shia in Iraq, to dissidents in China, and to Bosnians in the former Yugoslavia. In that sense, Bush’s realism set limits to his cosmopolitanism.
Could Bush have done more had he been a transformational leader like Thatcher or Reagan? Perhaps he might have done more in a second term. And, with better communication skills, he might have been able to do more to educate the American public about the changing nature of the post-Cold War world. But, given the profound uncertainty of a world in flux, as well as the dangers of miscalculation as the Soviet empire collapsed, prudent management trumped grand visions.
Bush famously said that he did not do “the vision thing.” Nonetheless, few people at the end of 1989 believed that Germany could be reunited peacefully within the Western alliance. Thatcher certainly did not. The lesson is that in some circumstances, we should prefer leadership by good transactional managers like George H. W. Bush (or Dwight Eisenhower before him), rather than by more flashy and inspirational transformers.
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Read more at http://www.project-syndicate.org/commentary/why-transformational-leaders-are-not-always-better-by-joseph-s--nye#4U8YLa1uZtVrLJph.99 

domingo, 4 de setembro de 2011

Nine Eleven did not change the world - Joseph Nye

OF MIGHT AND RIGHT

Ten Years after the Mouse Roared

Project Syndicate, 2011-09-01

CAMBRIDGE – Al Qaeda’s attack on the United States ten years ago was a profound shock to both American and international public opinion. What lessons can we learn a decade later?
Anyone who flies or tries to visit a Washington office building gets a reminder of how American security was changed by 9/11. But, while concern about terrorism is greater, and immigration restrictions are tighter, the hysteria of the early days after 9/11 has abated. New agencies such as the Department of Homeland Security, the Director of National Intelligence, and an upgraded Counter Terrorism Center have not transformed American government, and, for most Americans, personal freedoms have been little affected. No more large-scale attacks have occurred inside the US, and everyday life has recovered well.
But this apparent return to normality should not mislead us about the longer-term importance of 9/11. As I argue in my book The Future of Power, one of the great power shifts of this global information age is the strengthening of non-state actors. Al Qaeda killed more Americans on 9/11 than the attack by the government of Japan did at Pearl Harbor in 1941. This might be called the “privatization of war.”
During the Cold War, the US had been even more vulnerable, in technological terms, to a nuclear attack from Russia, but “mutual assured destruction” prevented the worst by keeping vulnerability more or less symmetrical. Russia controlled great force, but it could not acquire power over the US from its arsenal.
Two asymmetries, however, favored Al Qaeda in September 2001. First, there was an asymmetry of information. The terrorists had good information about their targets, while the US before September 11 had poor information about the identity and location of terrorist networks. Some government reports had anticipated the extent to which non-state actors could hurt large states, but their conclusions were not incorporated into official plans.
Second, there was an asymmetry in attention. A larger actor’s many interests and objectives often dilute its attention to a smaller actor, which, by contrast, can focus its attention and will more easily. There was a good deal of information about Al Qaeda in the American intelligence system, but the US was unable to process coherently the information that its various agencies had gathered.
But asymmetries of information and attention do not confer a permanent advantage on the wielders of informal violence. To be sure, there is no such thing as perfect safety, and, historically, waves of terrorism have often taken a generation to recede. Even so, the elimination of top Al Qaeda leaders, the strengthening of American intelligence, tighter border controls, and greater cooperation between the FBI and the CIA have all clearly made the US (and its allies) safer.
But there are larger lessons that 9/11 teaches us about the role of narrative and soft power in an information age. Traditionally, analysts assumed that victory went to the side with the better army or the larger force; in an information age, the outcome is also influenced by who has the better story. Competing narratives matter, and terrorism is about narrative and political drama.
The smaller actor cannot compete with the larger in terms of military might, but it can use violence to set the world agenda and construct narratives that affect its targets’ soft power. Osama bin Laden was very adept at narrative. He was not able to do as much damage to the US as he hoped, but he managed to dominate the world agenda for a decade, and the ineptness of the initial American reaction meant that he could impose larger costs on the US than were necessary.
President George W. Bush made a tactical error in declaring a “global war on terrorism.” He would have done better to frame the response as a reply to Al Qaeda, which had declared war on the US. The global war on terror was misinterpreted to justify a wide variety of actions, including the misguided and expensive Iraq War, which damaged America’s image. Moreover, many Muslims misread the term as an attack on Islam, which was not America’s intent, but fit Bin Laden’s efforts to tarnish perceptions of the US in key Muslim countries.
To the extent that the trillion or more dollars of unfunded war costs contributed to the budget deficit that plagues the US today, Bin Laden was able to damage American hard power. And the real price of 9/11 may be the opportunity costs: for most of the first decade of this century, as the world economy gradually shifted its center of gravity toward Asia, the US was preoccupied with a mistaken war of choice in the Middle East.
A key lesson of 9/11 is that hard military power is essential in countering terrorism by the likes of Bin Laden, but that the soft power of ideas and legitimacy is essential for winning the hearts and minds of the mainstream Muslim populations from whom Al Qaeda would like to recruit. A “smart power” strategy does not ignore the tools of soft power.
But, at least for America, perhaps the most important lesson of 9/11 is that US foreign policy should follow the counsel of President Dwight Eisenhower a half-century ago: Do not get involved in land wars of occupation, and focus on maintaining the strength of the American economy.
Joseph S. Nye, Jr, a former US assistant secretary of defense, is a professor at Harvard and the author of The Future of Power.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Joseph Nye: o poder muda de maos - entrevista

Entrevista:
O poder muda de mãos
João Villaverde
Valor Econômico, Eu&Fim de Semana, 20/05/2011

Que papel os países ricos e emergentes vão desempenhar num mundo globalizado, com crise econômica, conflitos étnicos e terrorismo?
O professor de Harvard Joseph Nye, uma das principais autoridades em relações internacionais, responde.
Para Nye, assassinato de Bin Laden contribui para "esvaziar o mito de invencibilidade usado por ele desde o 11 de Setembro"

A China vai alcançar os EUA, em termos econômicos, em algum momento desta década. Mas ainda vai demorar outras três décadas para se equiparar aos americanos na divisão per capita da riqueza produzida pelo país. O problema é que os chineses não desfrutam, como os americanos, de uma capacidade para atingir corações e mentes, o "soft power", aquele poder suave capaz de liderar o mundo no campo das ideias e dos costumes. Essa é a avaliação de Joseph Nye, cientista político, professor da Universidade de Harvard e ex-consultor do Departamento de Estado dos EUA, para quem o Brasil conta com um bônus estratégico na correlação de forças no campo das ideias - o fato de crescer rápido sob um regime democrático, com alternância de poder e eleições livres.
"Imagine o México e o Canadá conspirando com a China para reduzir o poder dos EUA. É exatamente o que ocorre com Japão, Vietnã e Coreia do Sul, que buscam os americanos para contrabalançar o poder chinês na Ásia", afirma Nye, em entrevista, por telefone, ao Valor. "Quando falamos de 'soft power', é isso."

Nye obteve reconhecimento internacional em dois momentos muito distintos. No primeiro, em 1977, o cientista político americano desenvolveu o termo neoliberalismo para denominar os ideias dos economistas da Universidade de Chicago, então proeminentes no debate público americano e cujo líder, Milton Friedman, levara o Prêmio Nobel de Economia em 1976. Segundo Nye, os neoliberais defendiam uma política econômica que perseguia a redução do aparato estatal - dos investimentos às agências públicas, passando pela regulação dos negócios - e viam no mercado, especialmente o financeiro, a saída mais razoável para os problemas econômicos.

Já em 2004, seu livro "Soft Power: The Means to Success in World Politics" (Poder suave: a maneira de fazer sucesso na política global, em tradução livre) trouxe para o debate internacional uma atualização da teoria do italiano Antonio Gramsci (1891-1937), que dividia as nações entre as que exerciam um poder de hegemonia dirigente - no campo da cultura e das ideias - e os que exerciam hegemonia dominante - pela via militar.

"Não vejo o declínio americano. O que há é uma ascensão do resto. Em termos absolutos, os Estados Unidos vão ficar bem"

Para Nye, o "soft power", mais eficaz no domínio de uma nação sobre outras mais pobres, era exercido de maneira exemplar pelos Estados Unidos - de onde emanavam os filmes de Hollywood, as celebridades musicais, os políticos carismáticos. Ao mesmo tempo, o "hard power" americano também era forte - o dólar como moeda universal, o poderio militar, a chefia do grupo dos sete países mais ricos do mundo (G-7) e a influência por meio do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Hoje, o neoliberalismo perdeu força diante da emergência de países onde o Estado tem grande influência - como China, Brasil e Índia, em diferentes escalas - e o "soft power" americano é ameaçado pela crise mundial e pelo vazamento de grampos nas embaixadas americanas por parte do WikiLeaks.

Para Nye, que acaba de publicar o livro "The Future of Power" (O futuro do poder, em tradução livre), o Brasil desenvolveu um modelo exportável para outras nações, ao combinar crescimento e democracia, mas não pode deixar a inflação escapar do controle. Ao mesmo tempo, a ideia de uma teoria para suceder ao neoliberalismo, que alguns economistas chamam de capitalismo de Estado, precisa ser colocada em perspectiva. Tal qual ocorreu com o neoliberalismo, diz Nye, "hoje vivemos outra supersimplificação ideológica na economia, que vê no Estado grande uma solução universal para o capitalismo".

A seguir, trechos da entrevista:

Valor: Em 2004, quando o senhor desenvolveu a teoria do "soft" e do "hard power", o mundo vivia o século americano. A China não era estudada com a mesma intensidade de hoje, eram poucos os governos de esquerda com discurso antiamericano na América Latina e as guerras no Afeganistão e no Iraque tinham grande apoio. Depois da crise de 2008, não apenas passamos a ver países como China, Índia e Brasil ganharem mais espaço no noticiário, como o Estado, antes enxugado, passou a ter predominância nas discussões econômicas. O poder está mudando de mãos?

Ruy Baron/Valor

Dilma Roussef: para o professor de Harvard, presidente dá sinais de que seguirá a trilha do progresso de seus antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso
Joseph Nye: Definitivamente, os países emergentes estão aumentando seu "soft power" com uma rapidez sem precedentes. Mas há nuanças entre eles. O "soft power" vem de valores e da cultura e de como as políticas de cada governo são percebidas por outros países, isto é, o jeito como os governantes se vendem. Então, há uma certa atração por países como Brasil, Índia e China, que nasce do sucesso recente. Mas acho que Brasil e Índia têm um bônus, pois são democráticos. A China, por exemplo, gastou muito dinheiro, alguns bilhões de dólares, para aumentar seu "soft power", com seus institutos confucianos e exposição da marca China no mundo inteiro, mas, ao mesmo tempo, prendeu Liu Xiaobo [escritor e ativista dos direitos humanos chinês, preso pelo governo e ganhador do Prêmio Nobel da Paz]. Esse tipo de atitude, perante os holofotes globais, corta rapidamente seus investimentos em "soft power". Já o Brasil, com suas eleições democráticas, a troca de pessoas nos governos, atrai muita atenção, como a Índia. Acho que sim, o "soft power" dos emergentes está aumentando, mas penso que a China tem uma tarefa muito mais complexa do que o Brasil em virtude de seu regime autoritário.

Valor: E o "hard power" dos emergentes, cresce mais rápido que o "soft power"?

Nye: Com 10% de crescimento econômico anual e com orçamento militar crescendo ainda mais rápido que o PIB anualmente, o "hard power" da China está crescendo forte e rápido. Mas sempre que o "hard power" de alguma nação cresce forte, ela pode acabar assustando seus vizinhos. E se você assusta seus vizinhos demais - e não tem seu "soft power" para contrabalançar -, podem surgir coalizões contra você. Se olharmos com atenção, as relações atuais da China com Corea do Sul, Japão, Vietnã e Índia estão piores do que estavam há dois anos. Preste atenção: todos esses países querem a presença americana para contrabalançar o poder chinês.

Valor: E os americanos têm disposição ou dinheiro para isso?

Nye: Certamente podem equilibrar o poder chinês desse jeito. O governo americano tem quase 50 mil tropas no Japão, e os japoneses dão muito suporte financeiro a essas expedições. Não há um grande custo para o orçamento americano. O que os americanos têm de repensar em sua estratégia militar é outra coisa. Deveriam seguir o conselho que [Dwight] Einsenhower [presidente dos EUA entre 1953 e 1961] fez 50 anos atrás: "Não se envolva territorialmente na Ásia". Embora a guerra no Afeganistão esteja nos custando algo como US$ 100 bilhões ao ano, manter tropas no Japão não nos custa muito, não sei quanto exatamente, mas é pouco comparativamente. Os americanos podem pagar por essas operações, que aumentam sua influência em terras estrangeiras? Podem, porque os outros nos querem lá. É quando você não é desejado, como no Afeganistão, que fica caro.

Valor: Quer dizer que o incremento no "hard power" chinês acaba sendo positivo para os Estados Unidos?

AP

Barack Obama: discurso do presidente, segundo Nye, propõe uma política externa mais aberta e colaboradora
Nye: Exatamente. Imagine o México e o Canadá conspirando com a China para reduzir o poder dos EUA. É o que ocorre com Japão, Vietnã e Coreia do Sul, que buscam os americanos para contrabalançar o poder chinês na Ásia. A diferença é que os Estados Unidos têm muito "soft power" no Canadá e no México, e a China não tem muito em Tóquio ou em Nova Déli.

Valor: Para o estrategista Michael Mandelbaum, a geração dos "baby boomers" [os nascidos entre 1946 e 1964, nos EUA] está envelhecendo e, ao mesmo tempo, os EUA estão tendo de lidar com a crise. Haverá dinheiro para pagar aposentadorias e recuperar a economia?

Nye: Se olhar a comissão que Barack Obama destacou para debater o futuro da solvência americana, muitas propostas poderiam resolver os problemas de maneira bem razoável. A questão não é se determinada proposta é pagável, mas se politicamente conseguiremos construir um consenso de forma a trabalhar em torno de um objetivo único. Vemos o início dessas discussões, mas os políticos ainda vão demorar cerca de dois anos para determinar um caminho único.

Valor: Por que algum país ficaria atraído pelos americanos no século XXI, após a explosão da crise econômica mundial?

Nye: Em meu novo livro, "The Future of Power", há um capítulo para discutir isso, ou seja, o futuro dos EUA. Argumento que não vejo o declínio americano. O que há é uma ascensão do resto. Em termos absolutos, acho que os americanos vão ficar relativamente bem, mas, em termos relativos, países como China, Índia, Brasil, estão se aproximando dos EUA e continuarão fazendo isso. Não necessariamente eles ultrapassarão os EUA, mas estão chegando perto. Nesse mundo, os americanos vão precisar de uma estratégia de cooperação e colaboração com os outros. Além disso, é um mundo em que muitas questões vão ficar mais sérias. Temas como mudança climática, segurança cibernética, estabilidade financeira, tudo isso requer cooperação, nenhum país sozinho conseguirá resolvê-los. Os americanos vão ficar com uma política externa mais colaboradora, mais aberta, e isso é muito positivo, mas vai demorar um tempo para que atinjamos esse processo. E acho que Obama está dirigindo-se nessa direção.

Valor: Por quê?

Nye: Não sei se ele está efetivamente se dirigindo à maior cooperação, mas certamente seu discurso e sua figura como presidente vão nessa direção.

Valor: O assassinato de Osama Bin Laden pode desarticular o discurso da "guerra antiterrorismo" e, de certa forma, reverter a perda de hegemonia dos EUA?

Nye: O terrorismo depende de drama e narrativa para capturar a atenção da mídia e impor uma agenda mundial, ou seja, não necessariamente americana, mas de praticamente todos os países. O assassinato de Bin Laden contribui para esvaziar o mito de invencibilidade que ele usou para definir a agenda desde o episódio do 11 de Setembro de 2001. Não é o fim do terrorismo, mas o início de uma série de reveses para a Al Qaeda.

Valor: Na América Latina, assistimos à ascensão de governos que renegam o passado recente de seus países, quando a participação americana era muito grande. Vê espaço para os americanos ampliarem seu "soft power" aqui?

Nye: Não acho que Venezuela e Equador são a onda do futuro, sinceramente. Se perguntar aos países do continente se todos querem seguir a risca esses modelos, não tenho certeza que encontrará a maioria respondendo que sim. Acho que o Brasil é, obviamente, mais importante. Temos visto grande progresso no Brasil. Basta verificar o que fizeram [Fernando Henrique] Cardoso, [Luiz Inácio] Lula [da Silva] e agora Dilma [Rousseff], que também segue o mesmo caminho. São com países como o Brasil que os EUA podem trabalhar muito bem.

Valor: A crise de 2008 reduziu o ímpeto da teoria neoliberal e do Consenso de Washington. Com o recrudescimento do papel do Estado, seja absorvendo empresas e bancos falidos nos países ricos, seja ampliando os investimentos e gastos com pessoal nos países emergentes, o senhor vê uma nova teoria econômica surgindo?

Nye: Algumas pessoas denominam esse modelo pós-crise de capitalismo de Estado, dizendo que esta teoria será majoritária no futuro. Isso é simplista. Da mesma forma que o Consenso de Washington era supersimplificado. Não acho que há um tipo de capitalismo, mas vários. Na Europa, é possível encontrar diferentes modelos de capitalismo: o praticado por escandinavos, outro pelos alemães, outro pelos franceses e outro pelos ingleses. As pessoas esquecem que havia discordâncias entre os teóricos que participaram daquela reunião que gerou o Consenso de Washington.

Valor: Poderia haver alguma divisão, mas, ao fim, era um consenso, não?

Nye: O que caracteriza o Consenso de Washington foi uma simplificação grosseira de que os mercados poderiam resolver tudo e que não precisavam do Estado para nada ou muito pouco. Os tempos de mudança, naquela época, permitiram aquilo. Como ocorre agora, não é? Vivemos hoje outra supersimplificação, de que o Estado capitalista resolve tudo. Mas há nuanças entre China, Índia e Brasil, ou a atuação e o tamanho do Estado nesses países é igual? É claro que não.

Valor: Como o senhor vê os países europeus vivendo a atual situação de dívidas enormes e uma economia de fraco crescimento?

Nye: A Europa vive um período diferente em termos de problemas com dívida soberana. Mas quando se olha alguns anos à frente, sem toda essa urgência do momento, penso que os europeus vão se sair bem. Nada é garantido, claro, podemos ver novos problemas ou surpresas no meio do caminho. Mas acho que a União Europeia vai sobreviver, e, ainda que não vejamos crescimento rápido entre os europeus, podemos esperar algum crescimento, o que já seria ótimo. Penso que, em algum momento, deverá haver uma reestruturação de dívida na Grécia, Portugal, Irlanda ou Espanha, que são os mais problemáticos.

Valor: E nos Estados Unidos?

Nye: Vai depender muito se atingirmos um acordo, nos próximos dois ou três anos, em torno do que fazer e dar prioridade no orçamento. Penso que conseguiremos, mas isso passará pela formação de uma grande aliança. Se olhar os fundamentos de nossa economia, ela ainda é razoavelmente forte. Os EUA, de acordo com o mais recente Fórum Econômico Mundial, ainda é a quarta economia mais competitiva do mundo. Isso diz muito, não? A China é a 27ª.

Valor: Os Estados Unidos ainda poderão ser reconhecidos pela inovação e criatividade?

Nye: Se olhar novas tecnologias, como biotecnologia e nanotecnologia, os Estados Unidos estão na primeira fila da inovação. Ainda que tenhamos problemas para pagar pelo comportamento da última década, não somos uma economia em colapso. É bom lembrar que apenas 12 anos atrás, os Estados Unidos tinham superávit orçamentário. Mas Bush concedeu desonerações fiscais aos mais ricos e entrou em duas guerras que não foram pagas. Esse é um problema sério. Se seremos capazes de resolvê-lo, não sei. Isso depende da política. Mas economicamente é plausível.

Valor: O xadrez geopolítico mudou rapidamente: era um, poucos anos atrás, e outro muito distinto hoje, com EUA e Europa em crise, países emergentes ganhando capa de revistas importantes e revoluções populares em antigas ditaduras árabes. Como será esta década?

Nye: Ainda teremos crescimento rápido em países como Índia, Brasil e China. Acho que a economia americana vai melhorar e caminhar para crescimento de 2% a 3% ao ano, além de considerar bem difícil uma crise em "W". O tamanho da economia chinesa será equivalente à americana em algum momento desta década, em termos de PIB. Mas é importante entender que, mesmo tendo certa equivalência no tamanho da economia, não haverá a mesma qualidade na composição desse crescimento. A China ainda conviverá com grandes bolsões de pobreza e ineficiência. Você mede isso pelo PIB per capita. Nesse caso, a China não será equivalente aos EUA pelas próximas duas ou três décadas.

Valor: Vivemos no Brasil algo relativamente parecido com os EUA dos anos 50, só que sem a União Soviética. Quer dizer, formamos uma classe média, que está por trás do crescimento econômico puxado por mercado doméstico aquecido. O senhor considera esse um modelo exportável?

Nye: Se os brasileiros conseguirem manter a inflação sob controle, a resposta é sim. No Brasil, sob FHC, vocês conseguiram manter a inflação sob controle e Lula foi hábil para continuar aquela política fiscal razoavelmente apertada, especialmente no começo. Ao mesmo tempo, Lula lançou mão do Bolsa Família para fazer algo pela desigualdade. Minha impressão é que se o Brasil continuar com essas linhas, com inflação baixa e queda dos indicadores de pobreza, não há dúvidas que vocês terão um modelo que outros países vão admirar, e eventualmente copiar.