O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador LIBERDADE. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador LIBERDADE. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Liberdade guiando o povo? Ufa! Quase demitida de seu papel... - Le Monde

L'inscription sur "La Liberté guidant le peuple" "intégralement retirée"

Le Monde.fr avec AFP | • Mis à jour le
"La Liberté guidant le peuple", d'Eugène Delacroix, au Louvre-Lens.

Une visiteuse du Louvre-Lens a écrit au marqueur, jeudi 7 février, sur le célèbre tableau de Delacroix La Liberté guidant le peuple, avant d'être interpellée. Peu avant la fermeture du musée, la jeune femme, âgée de 28 ans, a gribouillé dans la partie inférieure du tableau. Elle "a été immédiatement appréhendée par un agent de surveillance et un visiteur" puis remise à la police et placée en garde à vue.

Selon une expertise psychologique, la jeune femme serait cependant "pénalement irresponsable" et serait donc plutôt orientée vers un hôpital psychiatrique, au lieu d'une présentation devant un juge d'instruction.  Selon l'expert,le discernement de la jeune femme de 28 ans, en garde à vue depuis jeudi et dont l'identité n'a pas été révélée, est "aboli", a précisé le procureur, joint par téléphone.
Le musée s'était tout de suite montré rassurant sur l'état de l'œuvre, prévenant que "l'inscription devrait pouvoir être nettoyée facilement". Ce fut le cas : en début d'après-midi vendredi, après quelques heures de restauration, la direction du Louvre a annoncé dans un communiqué que l'inscription avait été "intégralement retirée", précisant en outre que "l'intégrité de l'œuvre n'[avait] en rien été atteinte, l'inscription étant superficielle et restée en surface du vernis sans atteindre la couche picturale". Selon France 3, l'inscription "faisait "une trentaine de centimètres", pour une œuvre de 325 cm × 260 cm.
L'INSCRIPTION "AE911"
La femme qui a vandalisé le tableau a écrit "AE911", signale, vendredi, une source judiciaire, sans vouloir commenter la signification de l'inscription, en particulier un lien hypothétique avec une polémique sur les attentats du 11 septembre 2001, tournant autour de la théorie du complot. L'inscription "AE911" renvoie, sur Internet, vers une pétition en ligne, dans laquelle "1 768 architectes et ingénieurs diplômés authentifiés, en plus de 16 421 citoyens concernés (...) exigent du Congrès américain une enquête véritablement indépendante" sur ces attentats.
"Est-ce qu'il s'agit d'une personne qui a agi sous l'emprise d'un délire quelconque ou est-ce qu'il s'agit d'une revendication quelconque ?", s'est interrogé le procureur de Béthune, Philippe Peyroux. "Il convient, a-t-il souligné, de rechercher quelle peut être la signification pour elle de ce type d'inscription. J'attends les conclusions de l'expert du ministère de la culture. [Je] souhaite, comme tout le monde, que, grâce aux épaisseurs de couche de protection, vernis ou autres produits, l'encre du marqueur n'ait pas pénétré dans la toile".
Avant l'acte de vandalisme, le chef-d'œuvre de Delacroix était protégé par une barrière de mise à distance, soit le même dispositif que celui mis en place lorsque le tableau était exposé au Louvre, à Paris.
La Liberté guidant le peuple (1830), de Delacroix, est, avec le Portrait de Balthazar Castiglione, de Raphaël, ou La Madeleine à la veilleuse, de Georges de La Tour, un des chefs-d'œuvre qui ont rejoint pour un an le nouveau musée, inauguré le 4 décembre. L'incident survenu jeudi "ne remet pas en cause la volonté de faire partager à tous les chefs-d'œuvre du Louvre à Lens, qui a déjà accueilli 205 000 visiteurs depuis son ouverture", souligne le communiqué du Louvre-Lens.

sábado, 8 de dezembro de 2012

“A desigualdade se mundializou” - Pierre Rosanvallon

Sobre a entrevista abaixo transcrita de Pierre Rosanvallon meus comentários iniciais.

Sem ter lido o livro, ainda, mas interessado no tema, meu comentário inicial seria o seguinte.

Sendo socialista, é óbvio que o sociólogo em questão se posiciona de um dos dois lados do pensamento político (ou da teoria social) que emergiu no ambiente do iluminismo continental do século 18, e consolidado na Revolução francesa, e esse lado é o da igualdade, que é o companheiro inevitável da liberdade, bem mais vinculada ao iluminismo escocês e ao empirismo inglês.
Isso é evidente, mas não está explícito na entrevista do sociólogo francês, que estabelece como seu critério exclusivo de avaliação do mundo atual o da igualdade, sem mencionar expressa ou implicitamente o da liberdade, mais vinculada, obviamente ao individualismo e ao liberalismo político, de extração anglossaxã.
Se pode ser verificado que a desigualdade entre indivíduos pode ter aumentado -- tanto na China, quanto em países avançados -- a desigualdade entre os países tem diminuído fortemente, e não está comprovado -- por dados econômicos efetivos -- que essa tendência à desigualdade crescente seja inevitável, permanente, ou que seja um "pecado original" do sistema de mercado.
O crescimento mais rápido da renda dos mais ricos -- seja na China, nos EUA ou em outros países --, comparativamente aos estratos de renda inferiro, está obviamente vinculado à maior "produtividade" dos mais ricos, e sua inserção no sistema de mercados.
Mas se formos examinar a evolução macrohistórica das sociedades modernas, parece muito claro que a divergência -- tanto entre os países como dentro dos países -- se acelerou depois da revolução industrial, isto numa primeira fase.
Examinando depois os dados relativos à segunda revolução industrial, verificamos que a renda tendeu a se distribuir de forma mais igualitária com o avanço da industrialização e a crescente diversificação técnico-profissional a partir do final do século 19 e no decorrer do século 20. Isso é evidente, bastando examinar os dados.
Ora, a China (e vários outros países) atravessa hoje algo equivalente à primeira Revolução Industrial, e numa segunda fase caminhará para uma correção das desigualdades atuais (como o Brasil o fez, ainda que com limites e muita lentidão).
O crescimento atual da desigualdade pode estar associado aos novos paradigmas criados pela terceira (alguns diriam quarta) Revolução "industrial", na verdade vinculada às TICs, que privilegiam os dotados nas novas tecnologias e penalizam aqueles vinculados ao velho capitalismo fabril.
Os comentários de Rosanvallon sobre a democracia são claramente distorcidos, pois ele pretende que esse regime político -- uma simples "tecnologia" vinculada à representação política, sendo um sistema compatível com a expressão da maioria, mas preservando os direitos da minoria -- tenha também a "obrigação" de "criar" igualdade, quando isso, obviamente, não tem nada a ver com a democracia, e sim com as formas de organização social em seu conjunto, inclusive no que se refere ao sistema produtivo, às formas de redistribuição social, etc.
Se formos, mais uma vez, aos dados macrohistóricos, constataremos, facilmente, que os únicos regimes que "produziram" mais igualdade e mais liberdade foram as democracias de mercado.
Todos, e eu me permito sublinhar TODOS, os regimes derivados de exercícios de engenharia social que pretenderam "criar" igualdade e democracia pelo alto redundaram, inevitavelmente, em sistemas autoritários, quando não totalitários, que diminuiram não só o grau de igualdade como sobretudo o quantum de liberdade nessas sociedades.
Não é preciso retomar o itinerário dos regimes coletivistas do século 20 -- fascismos e comunismos -- para constatar isso. As evidências históricas são aplastantes.
Concluo dizendo que o professor francês se esquece da liberdade, e pretende, como todos os socialistas, enfiar a tal de "igualdade" goela abaixo de todos os cidadãos, esquecendo completamente que os regimes democráticos de mercado convivem, tranquilamente, com amplos graus de liberdade e razoável igualdade social, ainda que as flutuações distributivas estejam sempre presentes em ciclos históricos de mais longa duração.

Paulo Roberto de Almeida  
===================

Publicado originalmente no jornal Pagina 12, Buenos Aires, 2/12/2012
Terça, 04 de dezembro de 2012
“A desigualdade se mundializou”. Entrevista com Pierre Rosanvallon
De todas as reflexões e livros que apareceram nos últimos anos sobre a democracia e a crise, o ensaio do professor Pierre Rosanvallon é o mais vasto e profundo. No livro A sociedade dos iguais, Pierre Rosanvallon traça a fascinante história das políticas a favor da igualdade que marcaram os séculos XIX e XX ao mesmo tempo em que moderniza o termo com contribuições reflexivas substanciais.

Pierre Rosanvallon ocupa desde 2001 a cátedra de História da Política Moderna e Contemporânea no Collège de France e é também diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Próximo do Partido Socialista francês, Rosanvallon tem como horizonte intelectual a reflexão sobre a democracia, sua história, o papel do Estado e a justiça social nas sociedades contemporâneas.

Seus livros foram traçando um corpo de reflexões que vão muito além do já trilhado diagnóstico do mal. A contrademocracia, a política na era da desconfiança, Por uma história conceitual do político, A legitimidade democrática ou O capitalismo utópico, história da ideia de mercado aportam um caudal impressionante de reflexões sobre um sistema político do qual, apesar de tudo, desconhecemos seus impulsos. A sociedade dos iguais responde perfeitamente à crise contemporânea marcada por uma perigosa dualidade: o avanço da democracia política, dos direitos, e o paulatino desaparecimento do laço social que cria e alimenta as sociedades democráticas.

Com grande rigor, Rosanvallon esmiúça as teorias da justiça promovidas por autores como John Rawls e seu conseguinte ideal: a igualdade de possibilidades e sua aliada principal, a meritocracia. Rosanvallon destaca como entre a revolução conservadora encarnada pela ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher e o ex-presidente norte-americano Ronald Reagan e a posterior queda do comunismo surgiu um novo capitalismo que mudou a fase da história. Mas esse novo capitalismo destroçou a capacidade de os seres humanos viverem e construírem juntos como iguais e não apenas como consumidores ou como forças majoritárias. Rosanvallon moderniza então o termo igualdade, entendida não como uma questão de distribuição das riquezas, mas como uma filosofia da relação social.

Nesta entrevista ao Página/12, realizada em Paris, Pierre Rosanvallon aborda aos conteúdos essenciais de seu livro.
A entrevista é de Eduardo Febbro e está publicada no jornal Página/12, 02-12-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.

Praticamente para onde quer que se olhe, a democracia vive um potente processo de degradação. No caso concreto do Ocidente, tem-se a impressão de que os valores democráticos mudaram de planeta.

Isto se deve ao fato de que, nos últimos 30 anos, nos países da Europa, nos Estados Unidos e praticamente em todo o mundo, houve um crescimento extraordinário das desigualdades. Podemos inclusive falar de uma mundialização das desigualdades. Trata-se de um fenômeno espetacular. Nos últimos 20 anos, as diferenças entre os países se reduziram. Os lucros médios na China, Brasil ou Argentina foram se aproximando aos da Europa. Entretanto, em cada um destes países as desigualdades aumentaram. O exemplo mais espetacular é a China. Ao mesmo tempo em que a China se desenvolvia, as desigualdades se multiplicaram de forma vertiginosa. Este problema diz respeito ao conjunto dos países. A Europa é o caso mais emblemático, porque o aumento da desigualdade aparece depois de um século de redução das desigualdades. Entre a Primeira Guerra Mundial e a primeira crise do petróleo, nos anos 70, na Europa e nos Estados Unidos houve uma redução espetacular das desigualdades. Podemos dizer que, para a Europa, o século XX foi o século da redução das desigualdades. Agora estamos no século da multiplicação das desigualdades.

Neste sentido, você defende que ao mesmo tempo em que a democracia se afirma como regime morre como forma de sociedade sob o peso da desigualdade. O laço entre os cidadãos desaparece.

Como regime, a democracia tende a progredir em todo o mundo. Mas sabemos que a democracia se define também como uma forma de sociedade, uma sociedade na qual podemos viver juntos, uma sociedade da vida comum, uma sociedade com relações de igualdade. A democracia política do sufrágio universal e da liberdade progrediu ao mesmo tempo em que a democracia da sociedade dos iguais perdia vigência. Hoje vemos um divórcio completo entre o cidadão eleitor e o cidadão companheiro de trabalho. Na maioria dos países estão se multiplicando os guetos, as formas de secessão e de separatismo social. A história da democracia nos mostra que a democracia tinha como objetivo a construção de um mundo comum entre os habitantes de um país. Hoje vemos a multiplicação dos mecanismos de fechamento sobre si mesmo. Isso é muito perigoso, porque se a distância entre a democracia política e a democracia social continuar a se aprofundar, é a própria democracia política que corre um grande perigo.

Você chama esse processo de “desgarramento democrático”. Em suma, o desgarramento da democracia é o desaparecimento do laço entre os componentes da sociedade.

O grande problema da sociedade moderna está no fato de que é uma sociedade de indivíduos. Mas esses indivíduos devem formar uma sociedade todos juntos. Os indivíduos querem ter sucesso em sua vida individual, querem ser reconhecidos pelo que são, pelo que há de específico. Mas isto implica saber compor com essas singularidades e oferecer um marco comum. E é precisamente esse marco comum que nos está faltando. Por conseguinte, essa demanda de singularidade só se expressa mediante um individualismo galopante. Este problema do indivíduo está no coração da modernidade. Desde a revolução norte-americana e a Revolução Francesa, no final do século XIX, já estamos em uma sociedade de indivíduos. O desenvolvimento do capitalismo criou o fenômeno da classe operária, do partido de classe. Era então uma sociedade de indivíduos que recompôs as formas de solidez coletiva. Hoje essas formas já não existem mais. Por quê? Porque o que aproxima as pessoas não é o mero fato de que as pessoas compartilham uma condição, mas também o fato de que compartilham trajetórias, situações. Requer-se hoje outra forma para pensar o laço social.

Você redefine a noção de igualdade. Em sua análise é preciso abordar a igualdade não como uma redistribuição das riquezas, mas como uma relação social em si.

Precisamos que na sociedade haja redistribuição e também solidariedade, mas para que haja solidariedade é preciso que antes se tenha o sentimento de que pertencemos a um mundo comum. Foi isso que ocorreu na Europa: se o Estado providência tornou-se tão importante é porque houve a experiência das duas guerras mundiais, é porque interveio o medo das revoluções. Se o Estado providência foi tão importante foi porque houve o sentimento de uma desgraça vivida em comum, de uma vida em comum que resultou decisiva. Hoje, o que falta às nossas sociedades é precisamente a possibilidade de refazer o laço social. A igualdade é uma forma de refazer esse laço social. Um filósofo britânico, John Stuart Mill, tomava o exemplo da relação entre homens e mulheres. Mill dizia: a igualdade entre o homem e a mulher não consiste em que sejam os mesmos, em que se pareçam; a igualdade consiste em que vivam como iguais. O problema de nossas sociedades é esse: não vivemos como iguais. E não vivemos como iguais porque há pessoas que vivem em seus bairros fechados, em suas mansões rodeadas de muros e alarmes, enquanto outros vivem na pobreza. Não vivemos como iguais porque há cada vez menos espaços públicos, porque se multiplicam os subúrbios, onde pessoas que têm as mesmas opiniões, a mesma religião, o mesmo nível de vida vivem entre si (e neste sentido os Estados Unidos são um exemplo extraordinário). Temos então sociedades que estão fechadas em si mesmas e não em sociedades onde há um mundo comum. E a igualdade é antes de tudo isso: consiste em fazer um mundo comum. Mas esse mundo comum não pode ser construído se as diferenças econômicas entre os indivíduos são muito importantes, não se pode fazer um mundo comum se não há respeito pelas diferenças, se todo mundo não joga as mesmas regras do jogo. Por isso tentei construir essa ideia de igualdade redefinida como uma relação social em torno de três princípios: singularidade – reconhecimento das diferenças –, reciprocidade – que cada um jogue com as mesmas regras de jogo – e comunalidade – a construção de espaços comuns. Na história do mundo, se as cidades foram centros de liberdade foi porque criaram algo comum entre os indivíduos. As cidades não foram somente lugares de produção econômica ou lugares de circulação, não; as cidades estavam organizadas em torno do fórum, da praça pública e de espaços que permitiam a discussão entre uns e outros; é isso que hoje está desaparecendo.

Um dos capítulos mais profundos de seu livro é aquele em que desenvolve uma crítica contra as teorias da justiça promovidas por autores como John Rawls. Essa teoria da justiça, que dá legitimidade à ideologia da igualdade de possibilidades, é para você uma pirâmide invertida: promove a igualdade, mas acrescenta a desigualdade.

Se coloquei a igualdade no centro da minha reflexão intelectual foi para pôr fim a uma visão de progresso social percebida exclusivamente a partir do tema da igualdade de possibilidades. Está claro que a igualdade de possibilidades não existe mais. A ideologia do mérito, da virtude, da igualdade de possibilidades, não pode servir para reconstruir sociedades. Por isso critiquei as chamadas teorias da justiça. Essas teorias, inclusive através daqueles que apresentam as versões mais progressistas dessa teoria, gente como o Prêmio Nobel de Economia Amartya Sen ou John Rawls, seguem estando inscritas em uma filosofia das desigualdades aceitáveis enquanto essas desigualdades estiveram articuladas em torno do mérito, da ação do indivíduo. Esse não é o modelo da boa sociedade. O modelo da boa sociedade não é a meritocracia. O bom modelo é o da sociedade dos iguais entendida no sentido de uma sociedade de relação entre os indivíduos, uma relação fundada sobre a igualdade. Temos a impressão de que a noção de igualdade de possibilidades, sobretudo se a definimos de forma radical, pode ser uma visão de esquerda. Todo o combate político se joga entre a definição mínima e a definição radical da ideia da igualdade de possibilidades. Eu digo que devemos desconfiar dessa ideia da igualdade de possibilidades, porque se vamos até às últimas consequências acabamos justificando as desigualdades e também a falta de reação contra as desigualdades na medida em que essas desigualdades foram legitimadas. O grande sociólogo britânico Michael Young foi o primeiro a falar, nos anos 60, da meritocracia, que é um velho ideal dos séculos XVIII e XIX. Young definia como um pesadelo qualquer país que fosse governado pela meritocracia. E é um pesadelo porque então ninguém teria direito a protestar contra as diferenças. Se todas as diferenças estão fundadas sobre o mérito, aquele que tem uma condição inferior é por sua culpa. Trata-se então de uma sociedade onde a crítica social não teria mais lugar. Precisamos tomar consciência do limite do ideal meritocrático, do limite das teorias da justiça, do limite das políticas sobre a igualdade das possibilidades. Mesmo que essas teorias tenham seu campo de validade, elas não representam a bússola que deve orientar uma sociedade para sua transformação.

Os utopistas dos séculos XVIII, XIX e XX também faziam da igualdade sua aspiração maior. Você, no entanto, moderniza a ideia da igualdade quando assinala que não se trata de que todo mundo seja igual, mas de viver como iguais partindo da nossa própria singularidade.

Se observamos as utopias escritas nos séculos XVIII e XIX, toda a visão da igualdade está fundada sobre a ideia de uma homogeneidade, ou seja, todo o mundo tem que se parecer. Para esses utopistas, a ideia comunista, no sentido comunitário plasmado pela igualdade, era uma ideia fundada sobre o fato de que todo mundo se parecia, de que todos trabalhavam em um mesmo marco. Foi o que se chamou, em uma determinada época, de uma espécie de igualdade de posição ou igualdade da uniformidade. Essa visão correspondeu a uma era da humanidade, mas hoje quem gostaria de uma igualdade desse tipo, ou uma igualdade de uniforme para todos, ou uma igualdade que viria a negar as diferenças entre os indivíduos? Esses utopistas não queriam as diferenças entre os indivíduos. Queriam que todo o mundo vivesse no mesmo ritmo, que todos fossem, de alguma maneira, o duplo dos demais. Mas não é assim. Creio que a emancipação humana passa hoje pela condição de que cada pessoa seja reconhecida pelo que tem de específico. Por conseguinte, a igualdade não pode mais ser a uniformidade, nem a uniformidade de posição: a igualdade deve ser uma igualdade da singularidade. Devemos voltar aos fundamentos do que foi a revolução democrática moderna: fazer com que reviva em um sentido autêntico a noção de igualdade, que não é a noção de igualitarismo. O igualitarismo é a visão aritmética da igualdade. Mas o que eu procuro definir é uma relação da sociedade, uma ideia da igualdade como relação.

Para você, a ruptura com a filosofia política da igualdade é uma crise moral e antropológica, algo que vai muito além dos aspectos econômicos ou sociais. Você chama a esta situação de “desnacionalização” da democracia.

Há duas definições de nação: por um lado, pode-se conceber a nação como um bloco definido por uma identidade, pela homogeneidade. É a definição nacionalista de nação, para a qual só é bom o mundo homogêneo e a solidariedade só existe se formar um bloco homogêneo. Para mim, esta é uma definição arcaica de democracia. A definição democrática de nação consiste em que a nação é um espaço de redistribuição aceito, no qual as diferenças se compõem, até mesmo um espaço de aprendizagem do universalismo. Quando os Estados nacionais nasceram foi porque houve uma impossibilidade de realizar o universalismo em sua acepção máxima. Como não foi possível fazer o máximo, tratou-se de fazê-lo a partir do pequeno. A grande ideia democrática de nação consiste em ser um espaço de experimentação do universalismo a partir do pequeno. E quem diz experimentação do universalismo está falando de experimentação da solidariedade, da redistribuição, da organização das diferenças para viver em comum.

A modernidade parece encerrada em outro paradoxo. Por exemplo, o mercado é bom e ruim, aceito e criticado, desejado e temido. Isto leva à inação.

Se a ideia de mercado se impôs foi porque se aliou à ideia das preferências individuais. E os indivíduos têm relações ambíguas com o mercado. Se o mercado é definido como a ditadura longínqua do dinheiro contra a vida pessoa e social, a crítica do mercado, das bolhas especulativas, é aceita por todos. No entanto, se o mercado se apresenta como o campo dos consumidores, como aquele que vai permitir que se pague menos por determinados produtos, nesse caso a atitude frente aos mercados será menos negativa. Se o mercado aparece como portador de valores como a individualidade, será aceito mais facilmente. Dali provém a grande contradição do mundo moderno. Podemos dizer que o mercado é aceito e rechaçado secretamente. Há duas dimensões: é aceito porque veicula valores ligados ao indivíduo, porque veicula valores ligados à valorização do consumidor, mas, ao mesmo tempo, é rechaçado como sistema global de dominação que instala uma potência da abstração sobre a vida concreta dos indivíduos. Ninguém questiona o fato de que devemos viver em economias de mercado porque é uma forma de adequar a riqueza, de organizar os intercâmbios: não há como objetar isso. Mas, de certa forma, o mercado se torna uma tirania quando deixa de ser um instrumento e se torna um amo dominador. Estar alienado ou dominado significa ter as ideias do inimigo na cabeça. Diria que se o poder das oligarquias é tão forte, deve-se ao fato de que uma parte das suas ideias está na cabeça das pessoas. O terreno da batalha das ideias é absolutamente essencial. Nunca as oligarquias teriam sido tão potentes no mundo contemporâneo se a ideia do mercado não tivesse penetrado a sociedade através de alguns de seus aspectos positivos. A ideia penetrou a sociedade com postulados como a defesa do consumidor ou o sentido do indivíduo e, de alguma maneira, o mercado ganhou também uma forma de adesão das pessoas para seus maus aspectos: fez crer que seu lado ruim era inseparável do lado que parece positivo à população.

O capitalismo teve várias etapas. Você traça uma fronteira no modo de funcionar do capitalismo até os anos 70, o que você chama de capitalismo de organização, e a mudança que se produz depois com o capitalismo de inovação. Quais são as particularidades de ambos?

O capitalismo de organização é aquele que triunfou depois da Segunda Guerra Mundial e perdurou durante 30 anos. A força desse capitalismo de organização reside em sua capacidade de dominação do mercado por parte das empresas e em sua capacidade de organizar as empresas. Pois bem, a partir dos anos 70 passamos do capitalismo de organização ao capitalismo de inovação. No capitalismo de organização, o valor agregado não era o indivíduo, nem sequer o diretor geral. Mas, no capitalismo de inovação o que vai contar é o trabalho dos indivíduos. Não se pode imaginar a Microsoft sem seu chefe, a Apple sem Steve Jobs ou o Oracle sem o Alison. Neste novo capitalismo há, então, uma nova relação entre a contribuição dos indivíduos e o sucesso das empresas. Isso acarreta um paradoxo: há uma tendência a considerar legítimas as desigualdades nos lucros se se aceita que essas desigualdades estão ligadas à capacidade diferencial de inovação e à contribuição que isso representa para as empresas. No capitalismo de inovação, o trabalhador moderno não é apenas um elo, como ocorria com os trabalhadores das fábricas. Não. Esse trabalhador deve mobilizar-se pessoal e permanentemente para avaliar os problemas ou solucionar as dificuldades. Entramos em uma economia que fez da criatividade e da mobilização sua principal força produtiva. E se a economia fez da criatividade e da mobilização sua principal força produtiva, então produz-se um excesso que consiste em classificar os indivíduos segundo sua criatividade e sua suposta mobilização. E digo suposta, porque é muito difícil explicar por que um diretor ganha 500 vezes mais que um trabalhador. O diretor não contribui 500 vezes mais. Em uma equipe de futebol, é fácil identificar quem faz os gols; em uma empresa, inclusive se entramos em uma economia de inovação, o fenômeno segue sendo coletivo.

Sua obra e sua vida foram consagradas à democracia. Você não tem a impressão de que já ultrapassamos o estado de perigo e que estamos chegando a uma fase de eliminação da democracia?

Creio que ainda não chegamos ao estado da eliminação da democracia porque a sociedade espera algo. Vemos muito bem como as sociedades que conheceram uma multiplicação considerável das desigualdades são sociedades instáveis, que se tornam mais perigosas. A desigualdade tem um custo para todos. Isso é muito importante: uma sociedade desigual não tem somente um custo para os pobres. Estes, é verdade, são os primeiros concernidos, mas o custo não recai exclusivamente sobre os excluídos, mas é o conjunto da sociedade que será afetado, é a segurança de todos que é afetada, é a possibilidade de uma convivialidade que está questão.

Para você a democracia ainda é um regime insuperável.

A democracia é o regime natural do moderno. Estamos em sociedades que não podem mais ser reguladas pela tradição. Não se pode dizer que somos regulados pelo poder dos ancestrais. Estamos em sociedades que não podem regular-se recorrendo a uma lei divina. Por conseguinte, estamos em sociedades onde devemos organizar o mundo comum a partir da discussão pública. E se é tão decisivo é porque se trata de uma experiência que sempre é difícil. Quem vê a história da democracia como a história de um progresso que vai da tirania à democracia realizada se equivoca. A história da democracia é também uma história de sucessos e traições. No século XX, a Europa foi, por um lado, o continente da invenção da democracia e também o continente que viu as piores patologias da democracia. Os totalitarismos foram, em primeiro lugar, uma história europeia. O que me fascina na história da democracia é que é a história de uma experiência frágil e não uma espécie de progresso acumulativo. É a história de uma experiência, de uma indeterminação, é a história de um combate que nunca se acaba, de uma luta contra seus fantasmas que não termina de tornar mais clara a deliberação entre os cidadãos para que encontrem o caminho de uma vida comum. No fundo, a democracia é isso: organizar a vida comum sobre a deliberação de regras que se fixam e não sobre algo que nos teria sido dado adiantado, como uma herança.

Esse é, para você, o ponto central.

Sim, é o ponto central: a democracia é uma experiência sempre frágil. Não podemos nos tornar democratas crédulos: temos que ser democratas atentos, democratas vigilantes. Não há democracia sem vigilância de suas debilidades e dos riscos de manipulação. O cidadão não é simplesmente um eleitor. O cidadão deve exercer esta função de vigilância individual e coletiva.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Sobre imigrantes e economia - esclarecimentos economicos

A proposito da recente lei do estado do Arizona, um economista relembrou um antigo trabalho seu sobre o tema da imigração. Tenho o prazer de transcrever aqui, com o devido crédito.

Comentários sobre imigração
Postado por Sidney Richard Silvestre às 22:02
terça-feira, 7 de julho de 2009

[1] No pé da estatua da liberdade, um dos maiores símbolos dos EUA, e porque não, do ocidente, está (ou estava) escrita a seguinte mensagem:

"Give me your tired, your poor,
Your huddled masses yearning to breathe free,
The wretched refuse of your teeming shore.
Send these, the homeless, tempest-tost to me,
I lift my lamp beside the golden door!"


Hoje, os EUA e principalmente a Europa querem os famintos e pobres do mundo bem longe. Mesmo liberais, os defensores dos mesmos ideais que fundaram os EUA e inspiraram mensagens como a acima, defendem a idéia de que é legitimo um país fechar as fronteiras para “multidões indesejadas”. Muitos por motivos totalmente estranhos a doutrina. Juntam-se a esses liberais, sindicalistas e socialistas locais alegando perdas de emprego, queda dos salários e nacionalistas extremados alegando “destruição da identidade e da cultura nacional”.

[2] Eu considero tais posições um erro, tanto moral quanto econômico. Do ponto de vista moral acredito que a discussão seja um pouco complicada devido à forma como o mundo é organizado. O direito de barrar alguém em uma propriedade é, por essência, o próprio direito de propriedade (ou, mais corretamente, uma parte central desse direito). Você ser dono da sua casa significa poder decidir quem entra nela. Em uma sociedade que respeitasse direitos de propriedade, seria permitido fazer isso com base exclusiva na vontade do proprietário, o que significaria que ninguém teria “direito a entrar na sua casa”. Alguns liberais, direta ou indiretamente usam esse argumento para justificar a proibição à imigração. É o tradicional erro que muitos cometem ao passar do plano conceitual / teórico da doutrina, para sua aplicação direta em uma situação concreta.

[3] Primeiro, como países estão construídos hoje, não existe nada como “o dono do país” no mesmo sentido do exemplo da casa, ou na versão mais sofisticada do argumento, como um condomínio onde seus membros teriam direito de barrar a entrada de “estrangeiros”. Um país, estritamente falando, não passa de um aglomerado de propriedades, uma ao lado da outra, ligadas por propriedades ditas do governo (ruas, estradas). As propriedades do governo, em termos morais, não são legitimas, no sentido de que o governo não tem “permissão moral e ética” para fazer com elas o que bem entender (ele não é o verdadeiro dono). Uma alternativa seria dizer que ruas são “do povo”, na verdade das pessoas que moram na região e a usam, ou seja, uma “propriedade coletiva” já que todos (à força) financiaram aquela rua. Se ela for do povo, o povo poderia decidir quem pode ou não andar, freqüentar as ruas.

[4] Embora ache esse posicionamento mais correto (porém “mais perigoso”) que a idéia de que a propriedade é do governo e ele decide (como uma entidade externa), também temos vários problemas morais. O mais grave é o seguinte: eu defendo que um imigrante muçulmano possa entrar livremente no “nosso país” e você não. Se a rua fosse sua, ele não poderia “andar por aí” e seria completamente legitimo isso. Se a rua fosse minha, teríamos a situação contrária. Como resolver tal impasse? A resposta quase padrão é através de votação, o que significa que se um país votar contra a imigração seria legitimo em termos liberais. O problema é que eu não assinei nada, não concordei em financiar uma propriedade cuja clausula de resolução de conflito é uma votação entre os proprietários, em suma, eu não disse que concordo em colocar o uso da minha propriedade em votação, ou, em termos mais corretos, eu não decidi livremente se colocava ou não meu dinheiro em um “empreendimento” que tinha tal regra para decidir pendências entre os sócios.

[5] Uma solução para o problema não deve passar pelo “apelo à votação” porque ele é construído sob um terreno moral completamente frágil, que não tem nenhum respaldo liberal. As outras duas soluções seriam, primeiro, ignorar a questão das ruas e bens com propriedade duvidosa que geram problemas como o exposto anteriormente (sem solução), segundo, decidir pelo uso dessa propriedade que menos agride outras propriedades e que mais estaria de acordo com princípios liberais e uma sociedade livre. Para o presente tema (e é importante ter isso em mente), acredito que tanto faz adotar a postura um ou a postura dois, portanto não vou me preocupar com o tema “mas a rua é minha também e eu não quero que um imigrante fique andando por aí”. Ela é sua, mas é minha também e eu quero. A solução para isso não é votação (só será se todos os proprietários concordarem com isso). Também não é o item um (ignorar o problema), mas entrar em detalhes sobre isso exigiria um outro texto. Como, nesse caso, ignorar (solução 1) ou analisar o problema em termos de moral liberal, eficiência econômica (solução 2) levam ao mesmo resultado, vamos em frente.

[6] A analogia de um país com um condomínio não faz sentido, pelo seguinte: ao entrar em um condomínio, eu compro do “dono original” a propriedade e tenho uma lista de “leis” e regimentos que eu concordo explicitamente (nesses regimentos há também a regra para alterar o próprio regimento, que geralmente é um processo de votação e eu explicitamente concordo com isso). No fundo, a associação de um país com um condomínio (ou um clube) é o velho argumento do contrato social sendo apresentado com uma nova roupagem – eu “entro voluntariamente” em tal associação e concordo com as regras dessa associação, assim como na versão do contrato social explicito onde eu “assino voluntariamente” com o governo a prestação de serviços como segurança, defesa. Países não são condomínios / clubes, da mesma forma que governos não são fruto de contratos voluntários. No mundo atual países são simplesmente um aglomerado de proprietário sob um mesmo agressor, que não está lá por “contrato” algum, agressor que em termos liberais, deve se restringir a garantir a propriedade desse aglomerado.

[7] Dito isso, se quero vender minhas terras, alugar um imóvel, dar emprego, ou simplesmente receber um estrangeiro em minha casa, eu tenho total direito de fazer isso, ninguém pode me impedir alegando “imigração proibida”, “imigração ilegal”. Eu troco propriedades com a pessoa da nacionalidade que eu quiser, pois estou fazendo uso exclusivo de minhas propriedades. Proibir a imigração, como o mundo é hoje, não significa fazer valer o “direito de barrar” (ou em um sentido mais amplo, o próprio direito de propriedade). Muito pelo contrário, é a violação da minha liberdade em trocar com pessoas de outra nacionalidade. Argumentos do tipo “você está proibido de fazer isso se quiser viver na nossa comunidade ou no nosso país” não fazem sentido algum como já foi explicado anteriormente. Não há regimentos / leis pré assinados e concordados como há nos casos concretos de clubes, condomínios, empresas prestadoras de serviço. É a falácia do contrato social sob nova roupagem (talvez esse texto sobre o tema possa interessar). Os founding fathers acertaram, em termos morais, ao “abrir” as portas dos EUA para imigrantes. É a política correta para um país livre.

[8] E a parte econômica? Não é preciso dizer que os EUA foram construídos e se transformaram na maior civilização da história com braços e mentes estrangeiras e que muitos dos conservadores que clamam por muros no México são simplesmente netos / filhos de imigrantes, daqueles mesmo imigrantes pobres e famintos que a mensagem na estatua faz referência. Livre imigração significa, em termos econômicos, livre movimentação de trabalho. Dentro de uma economia, se o setor de bananas está produzindo demais e o de maças produzindo de menos, o preço da maça sobe e conseqüentemente o rendimento por se produzir maças também. Ocorrerá então transferência de trabalho e capital da produção de bananas para produção de maças, até que os rendimentos sejam “igualados”.

[9] O mesmo raciocínio é válido em “escala global”. Se produzir na África rende menos do que nos EUA, o dono do fator de produção trabalho (nas sociedades livres ou semi-livres oficialmente o próprio trabalhador), preferirá sair da África e ir para os EUA. E aqui entram os sindicalistas locais. Mais mão de obra disponível significa menores salários e ninguém gosta de ganhar menos. Embora seja verdade, tal raciocínio é bastante limitado: primeiro, mais bens serão produzidos, logo é verdade que um trabalhador pode ganhar menos, mas também terá que pagar preços menores para comprar. Segundo, não necessariamente os trabalhadores locais ganharão menos. Não faz sentido um trabalhador qualificado americano, mais produtivo fazer o mesmo trabalho que um imigrante africano sem qualificação nenhuma pode fazer. Isso é um desperdício. Com a entrada de imigrantes, esses imigrantes podem fazer esses serviços que exigem menos qualificação e liberar mão de obra qualificada para produzir e criar serviços “mais avançados”. Isso aumenta a produção e eleva a produtividade da economia, logo, no longo prazo eleva os salários de todos (foi isso que aconteceu nos EUA). Terceiro, mais pessoas diferentes, com conhecimentos diferentes, com habilidades diferentes, “know-how” diferentes geram novas oportunidades de negócios, inovações, ou em um sentido mais “hayekiano”, abrem espaço para uma avalanche de testes de conhecimento no processo de mercado que elevarão enormemente a produtividade e o bem estar dos locais (e dos novos imigrantes também, caso contrário eles não sairiam do seu país de origem).

[10] Além da questão da suposta baixa dos salários, há alguns outros argumentos econômicos anti-imigração como “sobrecarga” nas despesas do governo, xenofobia etc.. Os esquerdistas do primeiro mundo construíram uma enorme rede de subsídios que vai de atendimento hospitalar até a garantias como da aposentadoria, seguro desemprego dentre outras coisas; é o chamado “estado de bem estar social”, que no fim se transformou em um dos maiores responsáveis pela xenofobia e onda anti-imigração que temos na Europa hoje (e em menor intensidade nos EUA). As regulações trabalhistas engessaram o mercado de trabalho, de forma que realocações entre setores (como a que eu sugeri no parágrafo anterior) são extremamente “doloridas” e lentas. A força dada aos sindicatos, através de leis e impostos, impede o dinamismo necessário a essas mudanças no mercado de trabalho, dinamismo esse que existia nos EUA do começo do século XX. A mesma esquerda, que se apavora com as ondas de xenofobia, que se horroriza com os “muros” que os EUA levantam na fronteira do México, é a grande responsável por destruir a harmonia propiciada anteriormente pelo livre mercado, pela livre movimentação de fatores e os conseqüentes ajustes econômicos que resultavam em melhor bem estar para todos. Foram as regulações trabalhistas (associada a propagandas sindicais) que criaram o medo do “roubo do emprego” pelo estrangeiro. Foi o estado de bem estar gigante que custa cada vez mais para ser sustentado e exige altos impostos que emperram o crescimento da produtividade, aumentando a miséria e evitando que os novos imigrantes consigam prosperar como seus antepassados fizeram.

[11] Como senão bastasse, a destruição esquerdistas também está presente nos países exportadores de trabalho. Se no “mundo desenvolvido”, eles emperraram a economia com regulações, subsídios a indústrias e a escolhas ineficientes, no terceiro mundo a posição chega a ser criminosa. Primeiro, condenam o fechamento das fronteiras dos países ricos como um ato cruel resultado da perversidade do próprio sistema capitalista que funcionaria através da exploração dos países pobres. O movimento de imigração, no fundo, seria uma espécie de efeito colateral indesejado, a exploração dos pobres se voltando contra os ricos e os obrigando a proteger a riqueza e benesses dos seus “locais”, justificando assim as medidas anti-imigração como sendo da própria natureza do capitalismo. Nada disso faz qualquer sentido. Os países ricos não estão melhores impedindo que mais trabalho seja usado para produzir bens, não estão melhores impedindo que conhecimento útil, “know-how” não sejam aproveitados, não estão melhores criando reservas de mercado para trabalhadores mais ineficientes, que produzem o mesmo que os “pobres do sul” a um custo cinco vezes maior. Mas o pior não é a condenação aos países ricos por tais medidas, ela seria correta e justa se essas pessoas não defendessem o estado de bem estar social do primeiro mundo (o causador do problema lá) e, principalmente, não defendessem medidas locais que economicamente são equivalentes as que rejeitam. Me refiro especificamente a total hostilidade ao que convencionou-se chamar de “capital internacional”.

[12] Se um país tem excesso de mão de obra e pouco capital, a produtividade na margem do trabalho, i.e, sua produtividade marginal (que é o que determinará o salário) será baixa. Se temos a situação inversa, “excesso” de capital e pouco trabalho (em termos relativos), a produtividade marginal do trabalho será alto e a do capital baixa (taxas de juros reais, a remuneração do capital, serão mais baixas). Em um livre mercado dois movimentos ocorreram até que a relação entre produtividade marginal do trabalho e do capital se igualem ao redor do mundo: saída de trabalho da região de baixa produtividade marginal do trabalho para a região de alta produtividade e saída de capital da região de baixa produtividade do capital para a região de alta. Deixando o economês de lado, isso significa imigração de países pobres para os ricos e investimentos externos dos países ricos nos pobres. A esquerda reclama que os países ricos impedem o primeiro movimento, mas eles próprios não deixam o segundo movimento ocorrer (o que no fim daria “na mesma” em termos de resultados econômicos), através de medidas econômicas de controle de capitais, estatizações, desapropriações, regulação contra capital externo, regulação anti-propriedade estrangeira e tantas outras “maluquices” que nós latino americanos estamos acostumados. Essa posição da maior parte dos esquerdistas, além de absurda economicamente é de uma imoralidade atroz.

[13] Hoje se fala muito dos neonazistas europeus, movimentos anti-migração como sendo produto do capitalismo, do livre mercado que empobrece o sul e não consegue dar empregos aos “refugiados” e locais do norte. Errado. No passado os EUA receberam ondas migratórias muito maiores do que qualquer onda migratória que a Europa recebe hoje e não só houve prosperidade, como uma prosperidade que a Europa (até então em melhor situação), conseguiu acompanhar. Não há mistério: trabalho é um fator de produção escasso (não algo que “sobra”). Tirar trabalho de regiões que não permitem uma alocação eficiente desse trabalho, de regiões que condenam a produtividade e premiam o roubo, a fraude, a escravidão, que não deixam o sistema de preços funcionar e levá-lo para regiões que fazem o oposto, aumenta a produtividade, aumenta o número de bens produzidos e conseqüentemente nosso bem estar. Neonazistas e todas essas baboseiras anti-estrangeiros são resultado de políticas socialistas, não capitalistas, são resultados de regulações anti-capital e anti-propriedade no sul e no norte. As mesmas regulações defendidas com entusiasmo por socialistas, social-democratas de todas as “tonalidades de vermelho”.

[14] O mais decepcionante é ver liberais entrando nessa armadilha defendendo medidas extremamente antieconômicas e anti-liberdade baseando-se em aplicações equivocadas da doutrina que dizem defender. Fazendo analogias non-senses como “o país é igual meu condomínio”, “minha casa”, eu posso bloquear alguém de entrar em casa, logo posso bloquear alguém de entrar no “meu país”... Outro veneno, que principalmente liberais com tendências mais conservadoras (parece contraditório?) costumam engolir é a idéia de que imigração em peso destrói “valores” nacionais. Primeiro, seria necessário argumentar porque determinados valores não podem ser destruídos ou deixados de lado e se não forem adotados porque devemos obrigar alguém a adotá-los. Segundo, se um valor é superior a outro em termos de bem estar humano, dificilmente ele será destruído por imigrantes que vieram espontaneamente justamente a um país que é o que é devido a tais valores. No fundo, tais imigrantes estão buscando esses “valores superiores”, querem viver segundo esses princípios fundamentais. Assim como para bens corriqueiros, nada melhor do que um livre mercado de valores para a seleção dos melhores, dos mais apropriados. Obviamente aqui temos algumas complicações cujos detalhes deixarei de lado como a própria necessidade de alguns valores para que surjam / existam mercados, no entanto mesmo para quem fica muito preocupado com isso é bom pensar que a própria violação da liberdade e o agigantamento do governo que a proibição da imigração implica é um ataque frontal a um dos mais fundamentais valores que essas pessoas dizem querer proteger.