O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

Site pessoal: www.pralmeida.net.
Mostrando postagens com marcador Márcio Coimbra. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Márcio Coimbra. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 14 de julho de 2025

A armadilha chinesa no projeto da Ferrovia de Integração Bioceânica - Márcio Coimbra (Dantas.com.br)

A armadilha chinesa no projeto da Ferrovia de Integração Bioceânica

Por Márcio Coimbra

Dantas.com.br, 13/07/2025


Lula justifica que quer atrair a China para desenvolver uma cadeia de suprimentos que fortaleça a infraestrutura de lançamentos espaciais em Alcântara

Lula quer atrair a China para desenvolver uma cadeia de suprimentos que "fortaleça" a infraestrutura de lançamentos espaciais em Alcântara

A recente assinatura do memorando entre o Brasil e China para estudos da Ferrovia de Integração Bioceânica, ligando o porto chinês de Chancay, no litoral do Peru, ao porto Sul de Ilhéus, na Bahia, é apresentada como um marco de desenvolvimento. Contudo, sob o brilho da promessa de progresso logístico, escondem-se riscos profundos que demandam cautela.

A parceria com Pequim não pode ser analisada isoladamente, mas sim à luz do histórico de projetos de infraestrutura chineses. Experiências internacionais servem como alerta: aquilo que começa como investimento frequentemente evolui para relações de codependência, onde a soberania nacional é moeda de troca.

O modus operandi é preocupantemente familiar: empréstimos chineses, opacos em seus termos, financiam projetos executados por suas empresas estatais. O resultado é um desfecho com ares de neocolonialismo.

O Sri Lanka, por exemplo, foi forçado a entregar o controle do porto de Hambantota por 99 anos à China após inadimplência. Na Malásia, o governo cancelou projetos ferroviários chineses devido a termos considerados leoninos e insustentáveis. O Laos mergulhou em crise de dívida colossal, hoje equivalente a quase 100% do seu PIB, impulsionada pela ferrovia China-Laos. A Etiópia viu seu principal aeroporto ameaçado de controle chinês.

O padrão é o mesmo: endividamento insustentável seguido de perda de controle sobre ativos estratégicos.

No caso da Ferrovia Bioceânica, os riscos para a soberania brasileira são palpáveis. Os termos financeiros e operacionais, ainda desconhecidos, poderão conferir à China influência desproporcional sobre uma rota logística vital, transformando-a em um instrumento de pressão geopolítica.

Isto significa que a dependência de financiamento e tecnologia chinesa podem minar a capacidade do Brasil de tomar decisões autônomas sobre sua infraestrutura estratégica, seus recursos naturais e até mesmo sua política externa, amarrando o país a interesses estranhos a nossa soberania.

AVALIAÇÃO DE INVESTIMENTOS EXTERNOS

Neste contexto, a urgência de um mecanismo robusto de avaliação de investimentos estrangeiros torna-se inegável. É aqui que ganha relevância o Projeto de Lei 1051/2025, de autoria do Deputado Hauly, que cria o Comitê de Triagem e Cooperação para Investimentos Estrangeiros Diretos no Brasil.

Este órgão seria um escudo essencial na análise de investimentos estrangeiros em setores estratégicos como infraestrutura crítica, energia e recursos naturais, avaliando riscos concretos à segurança nacional, à soberania e à estabilidade econômica do país. A Ferrovia Bioceânica seria um caso emblemático que demandaria o crivo rigoroso de avaliação, garantindo transparência nos contratos, sustentabilidade financeira e salvaguardas contra perda de controle.

A ambição de integrar o continente com uma ferrovia bioceânica é louvável. Contudo, o caminho proposto, pavimentado pelo modelo chinês de financiamento e execução, é repleto de armadilhas históricas. Ignorar os exemplos da África e da Ásia, onde projetos similares geraram endividamento insustentável e erosão da soberania, seria uma temeridade.

O Brasil não pode trocar o progresso logístico pelo risco da dependência. É imperativo que o Congresso Nacional priorize a aprovação do PL 1051/2025 para que possamos negociar com segurança, assegurando que o desenvolvimento da nação não comprometa sua autonomia e seu futuro nas mãos de interesses estranhos. Os trilhos do progresso não podem custar nossa soberania.


* Márcio Coimbra é CEO da Casa Política e Presidente-Executivo do Instituto Monitor da Democracia. Conselheiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal