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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

STF: surpresas juridicas


O Decaneto da republiqueta

Zeza Amaral
CORREIO POPULAR, 18/09/2013

Jamais imaginei que a Virtude pudesse homologar o Vício. E é triste e sombrio constatar que tal aconteceu no longo voto argumentativo do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, que, após idas e vindas dissertativas, desnecessárias aliás, votou a favor dos embargos infringentes e, portanto, livrou da cadeia alguns corruptos petistas, dentre eles José Dirceu, condenado principalmente por chefiar uma quadrilha que roubava dinheiro público.

Diz um velho ditado popular que ninguém sabe o que pode sair da barriga de uma mulher grávida, da bunda de um neném e da cabeça de um juiz. Isso era no tempo do zagaia. Hoje, aparelhos de ressonância identificam o sexo do feto; e juiz que fala fora dos autos, sob holofotes, já deixa claro o seu voto — como foi o caso do ministro Celso de Mello — e de todos os seus colegas de Corte, contrários ou não. Tanto que dias antes do início da análise dos votos infringentes, leigos e não leigos em Direito já sabiam que o placar seria desempatado pelo decano do Supremo, sempre o último a votar. Mas sempre o primeiro a saber, como a seguir saberá o raro leitor.

Vivi os últimos dias sonhando com o voto contrário às pretensões dos bandidos do mensalão, mesmo porque, não confiando na memória, guardei no meu arquivo a sentença do ministro Celso de Mello que, naquele primeiro de outubro próximo passado, assim a rematou: “Esses vergonhosos atos de corrupção parlamentar, profundamente lesivos à dignidade do ofício legislativo e à respeitabilidade do Congresso Nacional, alimentados por transações obscuras idealizadas e implementadas em altas esferas governamentais, com o objetivo de fortalecer a base de apoio político e de sustentação legislativa no Parlamento brasileiro, devem ser condenados e punidos com o peso e o rigor das leis desta República, porque significam tentativa imoral e ilícita de manipular, criminosamente, à margem do sistema constitucional, o processo democrático, comprometendo-lhe a integridade, conspurcando-lhe a pureza e suprimindo-lhe os índices essenciais de legitimidade, que representam atributos necessários para justificar a prática honesta e o exercício regular do poder aos olhos dos cidadãos desta Nação. Esse quadro de anomalia, Senhor Presidente, revela as gravíssimas consequências que derivam dessa aliança profana, desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores, públicos e privados, e de parlamentares corruptos, em comportamentos criminosos, devidamente comprovados, que só fazem desqualificar e desautorizar, perante as leis criminais do País, a atuação desses marginais do Poder.”

Pois bem. Meses depois, o mesmo decano afirmaria em entrevista que “embargos infringentes” eram direitos que os réus do mensalão poderiam pedir. E eles pediram e conseguiram. Resta saber o que fazer com o que escreveu e leu Celso de Mello há quase um ano, diante de seus pares e a nação, quando apresentou as penas que deveriam cumprir os bandidos mensaleiros. E fique certo o raro leitor que bem sei que é melhor uma sociedade que tem um juiz que erra do que uma sem juízes.
Bandidos, todos eles, merecem passar um tempo na cadeia para refletir sobre o que fizeram não só à sociedade, mas, principalmente, a si próprios e a seus familiares e amigos, que todo e qualquer crime constrange a todos, e mais ainda a própria vítima.

De resto, tudo me parece dominado pelo lulo-petismo, o Executivo e o Legislativo. Só faltava o Judiciário — e agora não falta mais nada. Tudo dominado. E para quem acha que ainda falta a Imprensa, bem, ela já está infiltrada de jornalistas-petistas desde 1980, data da fundação do PT, e esteja certo o raro leitor que um plebiscito constituinte — para mudar as regras eleitorais — será proposto em um futuro nem tão distante, assim como aconteceu na Venezuela, Equador e Bolívia, países onde o direito do indivíduo foi massacrado pelo direito do coletivo, assim como aconteceu na União Soviética, e ainda permanece na China, Coreia do Norte e Cuba — sem contar as ditaduras milenares que pululam no Oriente Médio. Por favor, nada de conspirações idiotas.

O julgamento do mensalão já dura oito anos e os condenados ainda seguem livres e soltos. E ficarão livres e soltos até que as penas de formação de quadrilha prescrevam. Serão sempre chamados de ladrões e condenados. Mas jamais de penitenciários.

E o que sai da barriga dos nenéns não é muito diferente do que rola pelos ralos políticos de um país que não consegue se livrar das latrinas chicaneiras de uma republiqueta de jabuticabas jurídicas. E assim se desfaz o mistério de mais um adágio popular. Infelizmente.

Bom dia.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Mais um ministro companheiro a servico dos companheiros no STF? Parece... - Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo, 12/09/2013

Luís Roberto Barroso: O Brasil ainda será merecedor de tal dádiva?
Nesta quinta, Barroso desempenhou um papel um tanto melancólico no Supremo. Já tem uma boa coleção de vexames para vida tão curta na Casa (ainda chego lá). Nesta quinta, ele se excedeu. Acusou os que não votam como ele de aderir ao casuísmo e sugeriu que estão preocupados com as multidões, não em fazer justiça. E o fez num ambiente em que, de modo oblíquo, demonizou também a imprensa. Eu ouvia ali o eco das hostes petistas. Se Delúbio Soares fosse jurista, seria como Barroso. Se Barroso fosse sindicalista, seria como Delúbio Soares. Recebeu uma dura e necessária resposta de Marco Aurélio. Mas quero fazer algumas considerações antes de dar sequência a essa questão. Nota à margem: já escrevi sobre esse truque de criticar a imprensa para se blindar. “Seu eu falar mal deles, tentam provar que estou errado e me ignoram”. Pois é. Em muitos casos, funciona. Faço diferente. Quando um homem público fala mal da imprensa, tento provar que ele está certo na espécie, demonstrando por que ele não gosta muito de jornalistas…
Quando Barroso foi indicado ministro, resolvi ler um livro seu. Escolhi “O Novo Direito Constitucional Brasileiro”. Sempre que alguém se jacta de ser porta-voz do “novo”, eu — que, como toda gente, estou no mundo velho (ou alguém já vive o futuro?) — me interesso em saber onde está a novidade. Com alguma frequência, verifico que o que se diz novo não é bom e que o que se pensa bom, na verdade, não é novo. Mas eu estou sempre pronto para o surgimento de vanguardistas como Barroso. Li seu livro e escrevi vários posts a respeito antes mesmo de ele assumir. Os leitores que acompanharam sabem por que não gostei. Os motivos estão lá expostos. Alguns leitores disseram que eu estava sendo precipitado. Como haveria tempo de ele demonstrar que eu poderia estar errado, publiquei o que me desagradava. Até agora, fui apenas premonitório… Pareceu-me, como síntese brevíssima de uma penca de restrições, que Barroso é capaz de exaltar as glórias da tradição quando isso é do seu interesse e de esconjurá-la como expressão do atraso e do reacionarismo quando isso também é do seu interesse. Pareceu-me que ele pode oscilar de um literalismo aborrecido e estreito à interpretação mais lassa dos textos legais. E o que determina o apelo a um extremo ou a outro? Eis a questão.
Confesso que fico sempre com um pé atrás quando um juiz ou um professor de direito ataca o “legalismo”. Nada me tira da cabeça de que se trata de um rompante fora do lugar, porque, parece-me, a determinação de forçar os limites legalmente estabelecidos cabe aos agentes sociais. Um juiz não pode ser militante de uma causa que não seja a da lei. Não raro, os críticos severos do legalismo acenam com um mundo bem mais perigoso, que é o do arbítrio e o da idiossincrasia.
De volta ao caso
Depois de um voto sereno e técnico da ministra Carmen Lúcia; de um não menos técnico, mas muito contundente de Gilmar Mendes, Barroso resolveu pedir um aparte a Marco Aurélio, que também demolia a tese da sobrevivência dos embargos infringentes. E deu início a uma catilinária que, lamento dizer, era nada mais nada menos do que a voz das hostes petistas levadas ao tribunal, até nas críticas indiretas que dirigiu à imprensa. A exemplo dos “companheiros”, parece que o ministro não tem em grande conta o jornalismo — ainda que revele, no tal livro, já ter apelado a favores de conhecidos seus na área (mas deixo isso pra lá agora). Como toda catilinária, esta também era contra alguém — o seu “Catilina” eram todos aqueles que não votaram como ele. Mas Barroso não tem a modéstia de Cícero — por que teria, não é? Assim, aproveitou o ensejo — e isso não é nada raro em suas intervenções, também as por escrito — para se elogiar.
Ao demonstrar como é consciencioso, sério, corajoso e honesto, sem que tivesse sido acusado por Marco Aurélio de coisa nenhuma, disparou:
“Como quase tudo que faço na vida, faço o que considero certo. Sou um juiz que me considero pautado pelo que é certo, correto. O que vai sair no jornal do dia seguinte não faz diferença para mim (…). Fico muito feliz quando uma decisão do tribunal constitucional coincide com a opinião pública. Mas, se o resultado não for (coincidente), aceito a responsabilidade do meu cargo. Não julgamos para a multidão, julgamos pessoas.”
Ulalá! Na quarta-feira, ao ler o seu voto, não teve dúvida em classificar de “casuísmo” — nada menos! — a rejeição dos embargos infringentes, acusação repetida nesta quinta, com outras palavras. Com mais um pouco de entusiasmo, o ministro lastimaria mais as multidões e o povo do que o Félix da novela quando entra em boteco de pobre. Perdeu a medida. É evidente que, por contraste, acusava, então, aqueles que dele divergiam de estar preocupados apenas “com o que vai sair no jornal no dia seguinte”. Ao fazer tal observação, alinha-se com os brucutus que saem por aí tentando invadir órgãos de imprensa, acusando-os de ser parciais. É o mesmo espírito. Agride também, é evidente, a independência de seus colegas. Ocorre, meus caros, que esse texto de Barroso tem copyright; esse texto é de José Dirceu, é de Rui Falcão, é de Lula; é de Delúbio Soares. Ora… Quem dizia ser surdo à voz da multidão? Barroso? Justo ele? Direi daqui a pouco a razão do meu espanto meramente retórico.
EU, COMO POUCOS, JÁ REPUDIEI JUÍZES QUE OUVEM MULTIDÕES. MAS EU EXECRO AINDA MAIS OS QUE OUVEM OLIGARQUIAS. EU SÓ RESPEITO JUÍZES QUE OUVEM AS LEIS.
Marco Aurélio mandou brasa:
“Vejo que o novato parte para a crítica ao próprio colegiado, como partiu em votos anteriores, no que chegou a apontar que, se estivesse a julgar, não decidiria da forma mediante a qual decidimos. Estimado amigo Luís Barroso, nós precisamos nos completar. (…) Não respondi a Vossa Excelência sobre a crítica que, para mim, não foi velada, foi uma crítica direta, porque achei que não era bom para a instituição a autofagia. (…) Vossa Excelência [referindo-se a Barroso] elogiou um dos acusados”.
Marco Aurélio se referia a um dos momentos mais constrangedores da história do Supremo, quando o novo ministro, ao simplesmente recusar um embargo de declaração da defesa de José Genoino, cantou as glórias de alguém condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha; que foi um dos principais protagonistas de um dos capítulos mais vergonhosos da história do país. Ele que elogie quem quiser. Que crie uma página na Internet para fazer seus panegíricos e confessar seus gostos (Taiguara, por exemplo). Que reúna os amigos num bar — longe da multidão, claro! — para expressar os seus afetos. Fazer, no entanto, o elogio a um condenado por crimes tão graves, por mais meritório que tivesse sido o passado deste (com o que não concordo, deixo claro!), é um acinte, um disparate, uma vergonha. CERTAMENTE O MINISTRO BARROSO NÃO ESTAVA FALANDO PARA SER OUVIDO PELAS MULTIDÕES. A QUEM FALAVA BARROSO QUANDO EXALTOU AS VIRTUDES DO CHEFÃO PETISTA?
Coragem?
Em tribunal em que estão Gilmar Mendes e Marco Aurélio, bater a mão no peito, quando se é Barroso, para dizer que não teme a multidão é prepotência imprudente, como todas. Alguém já viu um desses dois com medo do que vão dizer os jornais, as ruas ou as gangues organizadas na Internet? Ambos já passaram muitas vezes pelo corredor polonês da desqualificação por votar de acordo com o que consideram correto. A independência do “novato” ainda está por ser testada. No Brasil, quando se ocupa determinadas posições de poder, ser “independente” da “multidão” é até fácil; duro mesmo é ser independente dos oligarcas.
Vexames
Barroso fala sempre num tom bastante professoral, e parece que bebe diretamente da fonte da sapiência. Mas lhe foi dado ter uma grande ideia no Supremo, e ele, na prática, criou a figura do parlamentar-presidiário sob o pretexto de preservar a competência das Casas Legislativas para cassar seus respectivos membros. Cometido o erro, resolveu corrigi-lo com uma liminar que merece a qualificação de patética: não apenas interferiu, então, num Poder que ele dizia imune ao juízo da Corte nesse particular, como tentou firmar a máxima de que só estariam cassados os mandatos daqueles cuja pena excedessem o que lhes sobrasse de tempo como representantes do povo — criação batizada pelo ministro Gilmar Mendes de “mandato-salame”. Sobra-lhe de imprudência retórica o que lhe falta de prudência técnica.
De volta ao povo
Estou aqui com o seu livro, todo anotado, aberto na página 131. Aquele seu ataque de Félix em boteco de pobre não se ancora no que escreve (ou, então, se ancora, mas de um modo muito particular). O homem que não é reverente a multidões, sugerindo que esse é um mal que atinge seus pares avessos aos infringentes escreve isto:
“O pós-positivismo [e ele ser quer um pós-positivista, tá, leitor?] é uma superação do legalismo não com recurso a ideias metafísicas ou abstratas, mas pelo reconhecimento de valores compartilhados por toda a comunidade. Esses valores integram o sistema jurídico, mesmo que não positivados em um texto normativo específico. (…) Além dos princípios tradicionais como Estado de Direito democrático, igualdade e liberdade, a quadra atual vive a consolidação do princípio da razoabilidade e o desenvolvimento do princípio da dignidade da pessoa humana”.
Parece que o professor Barroso acha que a “comunidade” tem algo a ensinar ao direito e aos juízes, não e mesmo? Parece que, também no voto sobre os embargos infringentes, ele deveria ter atentado para a questão da razoabilidade…
Ocorre, e já vou começando a concluir, que Barroso tem uma visão muito particular de “multidão” ou, quem sabe?, de opinião pública. O patrocinador das causas do aborto de anencéfalos, da união civil de homossexuais e da permanência no Brasil do terrorista Cesare Battisti (sempre contra o disposto em textos legais, é bom que se diga) parece disposto a acatar não “os valores compartilhados por toda a comunidade”, como escreve, mas aqueles compartilhados por grupos de pressão, que se pretendem a vanguarda do progressismo. A “multidão”, ele despreza como expressão do senso comum e do vulgo (o boteco em que Felix não bebe nem água). Já esses grupos de pressão seriam, sei lá, como forças a educar esse povo xucro que ousa falar em Justiça.

Em suma: ainda falta um povo à altura do ministro Barroso.

Mensalao: uma decisao para confortar ou para envergonhar o Brasil: dia 18/09/2013

Apenas relembrando:


Esses vergonhosos atos de corrupção governamental que afetam o cidadão comum ─ privando-o, como já se disse aqui, de serviços essenciais, colocando-os à margem da vida ─, esses atos significam tentativa imoral e ilícita de manipular criminosamente, à margem do sistema constitucional, o processo democrático. Esses atos de corrupção parlamentar significam, portanto, tentativa imoral e penalmente ilícita de manipular criminosamente, à margem do sistema constitucional, o processo democrático, comprometendo-lhe a integridade, conspurcando-lhe a pureza e suprimindo-lhe os índices essenciais de legitimidade, que representam atributos necessários para justificar a prática honesta, a prática honesta e o exercício regular do poder aos olhos dos cidadãos desta nação. Esse quadro de anomalia, senhor Presidente, esse quadro de anomalia revela as gravíssimas consequências que derivam dessa aliança profana entre corruptos e corruptores, desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores, tanto públicos quanto privados, e de parlamentares corruptos em comportamentos criminosos devidamente comprovados que só fazem desqualificar e desautorizar, perante as leis criminais do país, a atuação desses marginais do poder.
Celso de Mello, dia 1/10/2012

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

STF cada vez melhor: ministro convicto de suas opinioes (mas estas sao temporarias...)

Augusto Nunes, 11/09/2013

Às vésperas da posse no Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Roberto Barroso disse a dois amigos dos tempos de estudante que nada faria em favor dos condenados no julgamento do mensalão. A um deles, deputado federal e promotor público licenciado, explicou que rejeitaria o exame dos embargos infringentes para não adiar o desfecho de um processo que se arrasta com exasperante lentidão desde agosto de 2007. A outro, advogado criminalista, alegou que não se sentia à vontade para anular com seu voto as decisões de Ayres Britto, o ministro que lhe coube substituir.
“O país e o próprio Supremo estão fartos desse caso, é hora de virar a página”, argumentou Barroso na semana passada em mais um encontro com o amigo deputado. Nesta quarta-feira, o ministro repetiu a frase para, depois de uma ligeiríssima pausa, votar pela aceitação dos embargos infringentes, poupar os condenados de temporadas na cadeia e prorrogar por tempo indeterminado o epílogo do maior escândalo político-policial da história do Brasil. Figurões do governo federal e mensaleiros condecorados sempre acreditaram que o caçula do STF não deixaria de estender-lhes a mão. Nunca revelaram os motivos da previsão confirmada nesta tarde. Devem ser bastante sólidas.
A mudança de rota de Barroso reduziu a bancada contrária aos embargos infringentes a cinco ministros. Formado desde sempre por Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, o grupo foi encorpado recentemente por Celso de Mello. Até dezembro passado, quando o STF anunciou as punições reservadas aos mensaleiros, o decano do STF defendia a aceitação dos embargos infringentes. Também em conversas com colegas de faculdade, Celso de Mello contou que as circunstâncias especialíssimas do caso do mensalão o haviam aconselhado a mudar de ideia.
Não se tratava de um processo qualquer, ponderou. Durante anos, o STF acumulara provas veementes de que lidava com o que o próprio Celso de Mello, em 22 de outubro de 2012, qualificou de “um dos episódios mais vergonhosos da história do nosso país”. Naquela sessão, depois de condenar José Dirceu por ter comandado o esquema criminoso, o ministro não escondeu a perplexidade com o atrevimento dos acusados:
“Em mais de 44 anos de atuação na área jurídica, nunca presenciei um caso em que o delito de formação de quadrilha se apresentasse tão nitidamente caracterizado. Formou-se na cúpula do poder, à margem da lei e ao arrepio do Direito, um estranho e pernicioso sodalício, constituído por dirigentes unidos por um comum desígnio, um vínculo associativo estável que buscava eficácia ao objetivo espúrio por eles estabelecidos: cometer crimes, qualquer tipo de crime, agindo nos subterrâneos do poder como conspiradores, para, assim, vulnerar, transgredir, lesionar a paz pública”.
Nas conversas com ex-colegas de turma, Celso de Mello observou que, aos olhos da sociedade, a aceitação dos embargos infringentes equivaleria à absolvição dos culpados. Como fora ele o autor dos votos condenatórios mais contundentes, seria difícil explicar duas decisões claramente conflitantes. É o que terá de fazer se, confirmando as suspeitas provocadas por observações favoráveis ao acolhimento dos recursos espertos, ajudar a livrar do merecidíssimo castigo quadrilheiros que enquadrou, em dezembro de 2012, amparado em justificativas que lavaram a alma do Brasil decente. Uma delas:
“Os elementos probatórios expõem aos olhos um grupo de delinquentes que degradou a atividade política. Não se está a incriminar a atividade política, mas a punir aqueles que não se mostraram capazes de exercer com honestidade e interesse público”.
Na prática, 11 fora-da-lei condenados por envolvimento na roubalheira colossal estão a um passo de escapar do acerto de contas com a Justiça. Já socorridos por Roberto Barroso, Rosa Weber, Teori Zavascki e Dias Toffoli, sabem que nunca lhes faltará o ombro companheiro de Ricardo Lewandowski, e contam com a solidariedade de Cármen Lúcia. Animados com os acenos de Celso de Mello, contemplam o decano com o deslumbramento de quem testemunha uma aparição de Nossa Senhora.
Se Carmen Lúcia e Celso de Mello virarem as costas ao Brasil decente, o julgamento vai recomeçar do zero, talvez com um relator menos obediente ao Código Penal e com um tribunal deformado pelo Planalto com a infiltração de gente de confiança. Nessa hipótese, os condenados de dezembro passado serão beneficiários da clemência cúmplice dos juízes, de mecanismos que reduzem penas, da prescrição de prazos e da infinita imaginação de chicaneiros juramentados. Alguns jamais saberão o que é dormir num catre. Outros se safarão depois de alguns meses de prisão provisória. E os deputados meliantes continuarão exercendo ao mandato, com direito ao tratamento de Vossa Excelência.

Doze anos depois do 11 de Setembro de 2001, alvejado por palavrórios do pelotão da toga, o Estado Democrático de Direito ainda em construção está ameaçado por profundas rachaduras. Dois juízes podem salvá-lo da implosão.

Populacao quer quadrilheiros na cadeia: poderia ser de outro modo?

O clamor das ruasColuna de Lauro Jardim, Veja.com, 11/09/2013

STF: o mensalão na fase final
Os ministros do Supremo podem até jurar que não se pautam pelo clamor da opinião pública, mas o fato é que as ruas continuam mandando sinais claros sobre o julgamento dos mensaleiros.
Pesquisas que circularam nos gabinetes de Brasília na semana passada revelam o mais recente prognóstico sobre o humor dos brasileiros em relação ao julgamento.
Realizada pelo Ipsos Public Affairs, a pesquisa mostra que apenas 2% dos entrevistados não estão acompanhando o que se passa no plenário da corte.
Ainda que superficialmente, uma maioria esmagadora segue atenta ao desfecho do caso em Brasília – dos que informaram acompanhar o assunto, 23% acompanham “muito”, 64% “um pouco” e 11%, “quase nada”.
Perguntados sobre até que ponto apoiam as decisões do STF, 78% afirmam apoiar “muito” ou “em parte” as condenações impostas pelos magistrados aos réus, contra apenas 9% que se revelam em desacordo com o decidido — 13% estão indecisos.
O levantamento do Ipsos foi realizado nas cinco regiões do país, com brasileiros das classes A, B e C.
Por Lauro Jardim

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Existem embargos infringentes no STF? Nao, segundo um jurista não politico... - Lenio Luiz Streck

AP 470

"Não cabem embargos infringentes no Supremo"

Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2012
Perguntas e respostas
Não há respostas antes das perguntas. Trata-se de uma máxima da hermenêutica. Por isso, a resposta antecipada acerca do cabimento dos embargos infringentes em ação penal originária no âmbito do Supremo Tribunal Federal parecia esgotar a matéria. Assim, quando a Folha de S.Paulotrouxe a afirmação de que, em caso de condenação dos acusados na AP 470 (mensalão), estes ingressarão com o Recurso denominado “embargos infringentes”, com base no Regimento Interno do STF, por pouco não sucumbi à tese.
Desse modo, segui outra máxima da hermenêutica, que é a de desconfiar de qualquer certeza. Não há jogo jogado. Se, como acredito, há sempre uma resposta adequada a Constituição — o que implica dizer que há respostas mais corretas que outras ou, até mesmo, uma correta e outra incorreta – a obrigação é a de revolver o chão linguístico que sustenta uma determinada tradição e, a partir dali, reconstruir a história institucional do instituto. É esse o trabalho a ser feito. Ao mesmo tempo, advirto que estou levantando a questão por amor ao debate e a Constituição, no mesmo espírito que moveu o estimado e ilustre Luiz Flávio Gomes a trazer à colação a possibilidade de nulidade do julgamento em face de precedente da Corte Interamericana (leia aqui). Não vou discutir, agora, a tese de Luiz Flávio. Pretendo, neste momento, (re)discutir os embargos infringentes.
Com efeito, escrevi, recentemente, no artigo O STF e o Pomo de Ouro (ler aqui), que é necessário que sejamos um tanto quanto ortodoxos em matéria constitucional. E é exatamente por isso que trago à baila o debate acerca do cabimento (ou não) dos embargos infringentes no caso de julgamento definitivo do STF como instância originária.
O RISTF
Corro para explicar. O RISTF, anterior a Constituição de 1988, estabelece, no artigo 333, o cabimento de embargos infringentes nos casos de procedência de ação penal, desde que haja quatro votos favoráveis à tese vencida. Em síntese, é o que diz o RISTF. Simples. Fácil de entender.
Mas, então, qual é o problema? Há algo de intrigante nisso? Aparentemente, a questão estaria resolvida pela posição que o STF assumiu no julgamento do (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED,assim ementado:
"Não se mostram suscetíveis de conhecimento os embargos de divergência nos casos em que aquele que deles se utiliza descumpre a determinação contida no art. 331 do RISTF. A utilização dos embargos de divergência impõe que o embargante demonstre, cabalmente, a existência de dissídio interpretativo, expondo, de modo fundamentado, as circunstâncias que identificam ou que tornam assemelhados os casos em confronto, para fins de verificação da relação de pertinência que deve necessariamente existir entre o tema versado no acórdão embargado e a controvérsia veiculada nos paradigmas de confronto. (...) O STF, sob a égide da Carta Política de 1969 (art. 119, § 3º, c), dispunha de competência normativa primária para, em sede meramente regimental, formular normas de direito processual concernentes ao processo e ao julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal. Com a superveniência da Constituição de 1988, operou-se a recepção de tais preceitos regimentais, que passaram a ostentar força e eficácia de norma legal (RTJ 147/1010 – RTJ 151/278), revestindo-se, por isso mesmo, de plena legitimidade constitucional a exigência de pertinente confronto analítico entre os acórdãos postos em cotejo (RISTF, art. 331).” (AI 727.503-AgR-ED-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-2011, Plenário, DJE de 6-12-2011.)
No caso objeto do referido AI 727.503 - AgR-ED-EDv-AgR-ED, disse o STF que as normas regimentais de direito processual, produzidas sob a égide da Constituição anterior (1967-1969), foram recepcionadas pela atual Constituição (Art. 96. Compete privativamente: I - aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos). Pronto. Isso encerraria a discussão. Afinal, o art. 333 do RISTF que estabelece o “recurso” dos embargos infringentes, quando existirem quatro votos favoráveis ao réu, valeria como norma processual.
Tão simples, assim?
Penso, no entanto, que a questão não é tão singela. A decisão do STF se referiu a um caso determinado. Não tratava de embargos infringentes (art. 333 do RISTF). E a assertiva da recepção tem limites, porque deve ser lida no sentido de que “essa recepção não se sustenta quando o legislador pós-Constituição de 1988 estabelece legislação que trata a matéria de forma diferente daquela tratada no Regimento Interno”. Caso contrário, o Regimento Interno estaria blindado a qualquer alteração legislativa ou ainda se correria o risco de conferir ao STF o mesmo poder legiferante que possui a União, uma vez que ele estaria autorizado a legislar sobre matéria processual contrariando, assim, o que dispõe o inc. I do art. 22 da CF.
Aliás, esse Acórdão do STF deve ser lido em conjunto com outros do mesmo Supremo. Por exemplo, “O espaço normativo dos regimentos internos dos tribunais é expressão da garantia constitucional de sua autonomia orgânico-administrativa (art. 96, I, a, CF/1988), compreensiva da ‘independência na estruturação e funcionamento de seus órgãos’.” (MS 28.447, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 25-8-2011, Plenário, DJE de 23-11-2011.) Vide: ADI 1.152-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-11-1994, Plenário, DJ de 3-2-1995.
Ainda:
“Com o advento da CF de 1988, delimitou-se, de forma mais criteriosa, o campo de regulamentação das leis e o dos regimentos internos dos tribunais, cabendo a estes últimos o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual (CF, art. 22, I), bem como às garantias processuais das partes, ‘dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’ (CF, art. 96, I, a). São normas de direito processual as relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição. (...) (ADI 2.970, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-4-2006, Plenário, DJde 12-5-2006.)
Ou, talvez
“Em matéria processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento dos tribunais o regimento interno prepondera. Constituição, art. 5º, LIV e LV, e 96, I, a. Relevância jurídica da questão: precedente do STF e resolução do Senado Federal. Razoabilidade da suspensão cautelar de norma que alterou a ordem dos julgamentos, que é deferida até o julgamento da ação direta." (ADI 1.105-MC, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 3-8-1994, Plenário, DJ de 27-4-2001.)
Ou
Portanto, em face da atual Carta Magna, os tribunais têm amplo poder de dispor, em seus regimentos internos, sobre a competência de seus órgãos jurisdicionais, desde que respeitadas as regras de processo e os direitos processuais das partes." (HC 74.190, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 15-10-1996, Primeira Turma, DJ de 7-3-1997.)
Veja-se: desde que respeitadas as regras de processo...!
Não se interpreta por partes. Em termos hermenêuticos, vai-se do todo para a parte e da parte para o todo, formando-se, assim, o hermeneutische Zirkel (círculo hermenêutico). Texto é contexto. O RISTF só existe no contexto do campo significativo que emana da Constituição. Nesse sentido, parece que a pá de cal na discussão pode estar na quase desconhecida ADI 1289, pela qual o STF entendeu o cabimento de embargos infringentes em ação direta de inconstitucionalidade.
RISTF v. Leis
Qual era o case nessa ADI 1289? Tratava-se de uma ADI ajuizada antes da entrada em vigor da Lei 9.868/99. Mas qual é a importância disso? Ai é que está. O STF (ADI 1591) admitia a interposição de embargos infringentes em ADI até o advento da Lei 9.868. Como essa lei não previu a hipótese de embargos infringentes, o STF passou a não mais os admitir. Só admitiu embargos infringentes – como é o caso da ADI 1289 – nas hipóteses que diziam respeito ao espaço temporal anterior à Lei 9.868.
Assim, é possível dizer que, nesse contexto, se o STF considerou não recepcionado (ou revogado) o RI (no caso, o art. 331) pelo advento de Lei que não previu esse recurso (a Lei 9.868), parece absolutamente razoável e adequado hermeneuticamente concluir que o advento da Lei 8.038, na especificidade, revogou o art. 333 do RISTF, que trata de embargos infringentes em ação penal originária (na verdade, o art. 333 não trata de ação penal originária; trata a matéria de embargos infringentes de forma genérica, mais uma razão, portanto, para a primazia da Lei 8.038, que é lei específica). É o que se pode denominar de força pervasiva do comando constitucional previsto no art. 96, I, a, na sua combinação com o art. 22 da CF. Veja-se: um limita o outro. Se é verdade que se pode afirmar – como fez o STF – que normas processuais previstas em regimento interno são recepcionadas pela CF/88, também é verdade que qualquer norma processual desse jaez não resiste a um comando normativo infraconstitucional originário da Constituição de 1988. Isto porque, a partir da CF/88, um regimento interno não pode contemplar matéria estritamente processual. Ora, a Lei 8.038 foi elaborada exatamente para regular o processo das ações penais originárias. Logo, não há como sustentar, hermeneuticamente, a sobrevivência de um dispositivo do RISTF que trata da matéria de modo diferente.
Easy ou Hard Case?
Percebe-se, desse modo, que não estamos em face de um easy case, embora, na esteira de Dworkin e Castanheira Neves, não acredite na dicotomia easy-hard cases. Na verdade, o que determina a complexidade do caso é a relação circular que se estabelece entre a situação hermenêutica do intérprete e as circunstâncias que determinam o caso. Trata-se de uma questão de fusão de horizontes (Gadamer). Um dado caso pode parecer fácil porque o intérprete incauto se deixa levar logo pelos primeiros projetos de sentido que se instalam no processo interpretativo. Não há suspensão de prejuízos tampouco um ajuste hermenêutico com a coisa mesma (die Sache selbst). Assim, as diversas nuances e cores que conformam o caso escapam à compreensão d interprete e seu projeto interpretativo, inevitavelmente, fracassa. Por outro lado, por razões similares, um determinado caso pode se mostrar difícil em face da precariedade da situação hermenêutica do intérprete.
Sigo. Nenhum dos acórdãos do STF até hoje enfrentou questão envolvendo diretamente a superveniência da Lei nº 8.038/1990, que, efetivamente – e isso parece incontestável -, estabeleceu a processualística aplicável às ações penais originárias. E, acreditem, nem de longe estabeleceu o “recurso” dos embargos infringentes. Isto é, não há julgamento tratando da antinomia RISTF-Lei 8.038. No máximo, o que existe é menção, em obiter dictum, de que, em determinado caso, não seria caso de embargos infringentes (v.g., SS 79.788-ED, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 1.2.2002).
Portanto, não estaríamos, neste caso, em face de um impasse hermenêutico? Indago: embora o STF diga – em um determinado caso que não é similar ao que estamos tratando - que as normas processuais estão recepcionadas, essa posição se manterá quando se colocar a pergunta: pode o RISTF sobreviver a uma Lei Ordinária, que, na sua especialidade (leia-se essa palavra no sentido técnico), veio para regulamentar a Constituição de 1988?
O papel do RISTF
Qual é o papel do RI do STF? Pode ele dizer mais do que a lei que regulamenta a Constituição? Pode um dispositivo do RI instituir um “recurso processual” que a lei ignorou/desconheceu? Sabe-se que o RI é “lei material”. Entretanto, não pode o RI tratar especificamente de “processo”.[1] Caso contrário, não precisaríamos sequer de uma reforma do CPC ou do CPP: o STF poderia tratar de tudo isso em seu Regimento Interno... Em outros termos, tornaríamos sem eficácia o inciso I do art. 22 da CF.
Mais: é possível admitir a sobrevivência (recepção?) de um dispositivo do Regimento Interno que vem do ancién régime, destinado, exatamente, a proporcionar, em “casos de então”, um reexame da matéria pelos mesmos Ministros, quando, por exemplo, era possível a convocação de membros do Tribunal Federal de Recursos? Hoje qualquer convocação de membros de outras Cortes é vedada. Logo, em face de tais alterações, já não estaríamos em face de um “recurso de embargos infringentes”, mas, sim, apenas em face de um “pedido de reconsideração”, incabível na espécie.
Como se vê, existem vários elementos complicadores à tese do cabimento de embargos infringentes em ação penal originária junto ao STF. Esses embargos infringentes previstos apenas no RISTF e que foram ignorados pela Lei 8.038, parecem esvaziados da característica de recurso. Tudo está a indicar que, o que possui efetivamente tal característica, é a figura dos embargos infringentes previstos no segundo grau de jurisdição, que são julgados, além dos membros do órgão fracionário, por mais um conjunto de julgadores que são, no mínimo, o dobro da composição originária.
Outro ponto intrigante e que reforça o hard case diz respeito ao seguinte ponto: pelo RISTF, a previsão dos embargos infringentes cabíveis da própria decisão do Órgão Pleno do STF necessita de quatro votos. E por que não cinco? E por que não apenas três? Quem sabe, dois? Ou apenas um voto discrepante? Por outro lado, seria (ou é) coerente (no sentido dworkiniano da palavra) que, em uma democracia, uma Suprema Corte – que, no caso, funciona como Tribunal Constitucional – desconfie de seus próprios votos? Não seria uma capitis diminutio pensar que o mesmo Ministro – vitalício, independente – que proferiu voto em julgamento em que podia, a todo o momento, fazer apartes, dar-se conta de que, ao fim e ao cabo, equivocou-se? Ou seja: um Ministro condena um cidadão que tinha direito a foro especial (privilegiado) e, depois, sem novas provas, dá-se conta de que “se equivocou”...
O risco do paradoxo
Mas, o conjunto de indagações não para por aqui. Pensemos na seguinte questão: para uma declaração de inconstitucionalidade – questão fulcral e maior em um regime democrático – são necessários seis votos para o desiderato de nulificação (de um ato normativo). Pois é. Mas, em matéria criminal, sete votos não seriam suficientes para uma condenação... (considerando que quatro Ministros votem pela absolvição). Indo mais longe: também seis votos (maioria absoluta), pelo RISTF, não são suficientes para colocar fim à discussão penal... Com isso, chega-se ao seguinte paradoxo: no Brasil, é possível anular uma lei do parlamento e até emenda constitucional com seis votos da Suprema Corte. Entretanto, não é possível tornar definitiva uma decisão que dá procedência a uma ação penal originária. Isto porque, segundo o RISTF, havendo no mínimo quatro votos discrepantes, cabe “recurso por embargos infringentes”.
Ora, no caso do processo civil, além de toda a teoria exposta, a resolução torna-se ainda mais simples, uma vez que há dispositivo legal que explicita a questão (não parece que seria realmente necessário), especificamente o artigo 1.214, que fala que “Adaptar-se-ão às disposições deste Código as resoluções sobre organização judiciária e os regimentos internos dos tribunais”.
Assim, parece interessante que examinemos essa problemática. Desde o caso Marbury v. Madison,tem-se a tese da rigidez Constitucional. Isso quer dizer que não é qualquer legislação que pode alterar a Constituição. E tampouco leis ordinárias podem ser alteradas por Regimentos Internos. Por isso, já que a questão das “lendas urbanas” está se proliferando – e digo isso com todo o carinho, até porque essas discussões fazem com que todos possam crescer -, lanço minhas dúvidas sobre essehard case (cabem mesmo embargos infringentes nos processos criminais de competência originária, na medida em que a Lei que regulamentou a processualística – 8.038 – não tratou da espécie?).
Minhas reflexões são de índole constitucional-principiológica. Sempre escrevi que os julgamentos devem ser por princípio e não por políticas. Ou seja, julgamentos judiciais não podem estar baseados na subjetividade plenipotenciária do intérprete, tampouco no interesse de grupos ou ideologias. Julgamentos devem se fundamentar em princípio e sempre devem traduzir uma interpretação que apresente o melhor sentido para as práticas jurídicas da comunidade política. E, portanto, não devem ser ad-hoc. Isso quer dizer que o STF deverá, em preliminar, examinar a antinomia infraconstitucional e constitucional da equação “RISTF-Lei 8.038-CF/88”. Para o processo do “mensalão” e para os casos futuros. O STF terá que dizer se o seu RI vale mais do que a Lei nº 8.038/1990. Se sim, muito bem, legitima-se qualquer “recurso de embargos infringentes”; se não, parece que o veredicto do plenário será definitivo. Eis o hard case para descascar.
PS: não parece ser um bom argumento dizer que os embargos infringentes se mantêm em face do “princípio” (sic) do duplo grau de jurisdição, isto é, na medida em que um acusado detenha foro privilegiado e, portanto, seja julgado em única instância, isso faria com que o sistema teria que lhe proporcionar uma espécie de “outra instância” (sic). Com a devida vênia, esse argumento é meramente circunstancial e não tem guarida constitucional. O foro privilegiado acarreta julgamento sempre por um amplo colegiado, que é efetivamente o juiz natural da lide. Há garantia maior em uma República do que ser julgado pelo Tribunal Maior, em sua composição plena? Não é para ele, o STF, que fluem todos os recursos extremos? Um acusado “patuleu” tem duplo grau porque é julgado por juiz singular; um acusado “não-patuleu” (com foro no STF) não tem o duplo grau exatamente porque é julgado pelo colegiado mais qualificado na nação: o STF, em full bench. E não parece ser pouca coisa, pois não?

[1].Como bem dizem Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery, cabem aos Regimentos Internos “o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual (CF 22,I), bem como ‘as garantias processuais das partes “dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos orgãos jurisdicionais e administrativos’. São normas de direito processual às relativas às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual, como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição.”(Cf. Constituição Federal Comentada, SP, RT, p. 465).
Clique aqui para assistir os vídeos do julgamento do mensalão.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O deputado-presidiario importa menos: o objetivo sempre foi salvar outros bandidos, maiores - Reynaldo Rocha

Reinaldo Rocha
Blog de Augusto Nunes, 29/08/2013

No país de pernas para o ar, da inversão absoluta de valores, não são os mensaleiros que serão beneficiados com a absolvição de Natan Donadon. Foi Donadon que se beneficiou do processo do mensalão.

A causa primeira do apodrecimento do Congresso está no PT e no projeto de poder sem limites, sem vergonhas e sem respeito ao país.
Os que roubaram se associaram à maior quadrilha de bandidos já vista no Brasil, que usa o poder como pé-de-cabra para arrombar cofres públicos e protege bandidos como membros da Cosa Nostra. São os responsáveis diretos pela absolvição parlamentar de um criminoso condenado a 13 anos de cadeia.
Isto não exime os covardes que zombaram da nossa cara nesta quarta-feira, em mais uma noite de infâmia. São venais e esperavam somente a oportunidade de reafirmar ao Brasil o que sempre fazem: viver no esgoto fétido onde convivem na alegre confraria das ratazanas.
Mas que não se acuse o salafrário condenado pela alegria incontida dos mensaleiros. Ou se debite ao Donadon o que é do PT. A César o que é de César. Ao PT a primazia da canalhice. O deputado que reclama do banho frio e da qualidade do repasto servido somente seguiu a trilha do PT e repetiu a cantilena dos inocentes ladrões de Ali Baba.
Que não se acuse o presidiário-deputado de ser a falta de decência explícita. Somente copiou quem nunca foi decente.
São estes os pioneiros que merecem – na visão de alguns ministros da defesa em ação no STF – uma pena minorada? É este exemplo – seguido por Donadon, que exige o mandato mesmo precisando de camburão para ir ao trabalho – que protege os mandatos de João Paulo Cunha e Genoíno?
Não seria a “elasticidade” das penas, tão citada por Ricardo Lewandowski, o argumento usado ontem por centenas de juízes? O ministro deve estar feliz. Ao menos uma de suas teses foi aplicada.
A interpretação a favor do réu (mesmo contra a sociedade) foi levada ao extremo. Preso? Sim. Condenado? Também. Mas deputado sempre!
Natan Donadon se valeu da desavergonhada exegese jurídica que ministros do STF propõem como uma nova prestação jurisdicional. A que se rebela contra a sentença (direito de qualquer réu) e consegue apoios entre os próprios julgadores.
Não foi isso que aconteceu onde no Circo dos Farsantes? Um ajuntamento de bandidos inocentando e protegendo um deles que – coitado – caiu em desgraça.
O exemplo está sendo dado há mais de oito meses em outro prédio da Praça dos Três Poderes. O Estado de Direito substituído pelo direito de alguns que lesam o Estado.
Donadon será eternamente grato ao PT, aos mensaleiros, aos blogueiros “progressistas” e chapas-branca, aos milicianos histéricos, aos movimentos sectários que defendem o indefensável, aos ministros que caíram de para-quedas no Plenário do Supremo, aos cordatos que mesmo discordando aceitam a podridão como normal, aos advogados medalhões regiamente pagos, ao poder.
Os mensaleiros nada devem a Donadon. Este sim deve e muito aos mensaleiros. Eles criaram o caldo de cultura onde mais é menos, onde roubo é malfeito, onde a mentira é dado oficial e onde o poder é passagem liberada para a corrupção.

Os mensaleiros devem ao Brasil. E esta conta – juro! – eu vou cobrar.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Ministro a servico da causa nao consegue servir 'a causa, para tristeza da quadrilha...

Justiça

STF rejeita amenizar pena para corrupção e frustra manobra de Dirceu

Corte negou recurso do ex-deputado Bispo Rodrigues para aplicar uma legislação mais branda pelo crime de corrupção e esvaziou a defesa de Dirceu

Laryssa Borges, de Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) frustrou nesta quarta-feira os planos do ex-ministro José Dirceu e da antiga cúpula do PT ao negar um recurso para amenizar a pena pelos crimes de corrupção cometidos no esquema do mensalão. A corte também rejeitou os embargos apresentados pela cúpula do Banco Rural, instituição que concedeu empréstimos fraudulentos para irrigar o esquema de compra de votos no Congresso.
Por 8 votos a 3, o STF rechaçou a tese do ministro Ricardo Lewandowski para aplicar uma pena mais branda ao ex-deputado Carlos "Bispo" Rodrigues. Na semana passada, o site de VEJA mostrou que o voto de Lewandowski sobre esse recurso visava a preparar terreno para ajudar petistas. A defesa de José Dirceu foi a primeira a apresentar um memorial à cortepedindo que os ministros considerassem os argumentos de Lewandowski. Por essa tese, o acordo financeiro firmado entre o PT e o extinto PL (hoje PR) ocorreu em 2002, quando estava em vigor uma legislação mais branda para crimes de corrupção. Foi voto vencido.
Embora a decisão desta quarta se aplique ao caso específico do Bispo Rodrigues, o entendimento da corte enfraquece a tese petista de que uma lei mais branda poderia ser aplicada na definição das penas de corrupção ativa e passiva. Além de Dirceu, também apresentaram recursos similares o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o deputado José Genoino, presidente do PT quando o mensalão estava a todo vapor.