Certas pessoas inventaram uma coisa que não existe, o tal de PIG, ou Partido da Imprensa Golpista, que teria tentado tirar um sapo barbudo da presidência apenas por denunciar, falcatruas, patifarias, roubos, corrupção, enfim toda sorte de bandalheira em seu governo.
Vejam que injustiça; a imprensa pretendendo pautar os governantes...
E não é que o PIG chegou ao poder?
Ele é quem governa, demite ministros, coloca outros em suspeição, enfim, faz aquilo que a presidente deveria fazer e não faz.
Acho que aquelas certas pessoas estavam certas quanto às pessoas do PIG: elas resolveram mandar no país. E não é que conseguiram?
Que azar não é?
Paulo Roberto de Almeida
Quais são mesmo os porcos nesta história?
José Nêumanne
Estado de S. Paulo, quarta-feira, 20 de julho de 2011, p. A2
Até agora Dilma demitiu todos os subordinados sobre os quais imprensa lançou alguma suspeita
Antônio Palocci não era um burocrata qualquer quando a presidente Dilma Rousseff dispôs de seu emprego na alta cúpula do governo federal. Ele tinha sido o avalista do padrinho e ex-chefe dela Luiz Inácio Lula da Silva no crédito de confiança que a classe média deu à adesão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao rigor fiscal e à estabilidade da moeda. Isso o credenciou a se tornar o todo-poderoso ministro da Fazenda do primeiro governo do patriarca. E foi com essa missão que também costurou o apoio da burguesia nacional à candidatura de Dilma à sucessão presidencial, reunindo cacife para coordenar a equipe de transição e ocupar a chefia da Casa Civil.
Tampouco o sanitarista de Ribeirão Preto era um “ficha-limpa” quando, empossada na Presidência, Dilma recorreu ao seu talento de articulador. Pois Sua Excelência já havia caído do alto, envolvido num escândalo – a frequência habitual de uma mansão suspeita – e numa violência contra a cidadania: a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa. A revelação pela Folha de S.Paulo da posse de um apartamento de R$ 6,6 milhões e da multiplicação por 20 do patrimônio acumulado como “consultor” enquanto ocupava uma modesta e quase anônima carreira na Câmara dos Deputados indicava uma óbvia reincidência. E pela segunda vez o condestável desabou do topo.
Na chefia da Casa Civil, para a qual nomeou Palocci, Dilma havia substituído José Dirceu, acusado de chefiar uma quadrilha em processo que tramita nos escaninhos do Supremo Tribunal Federal (STF). No posto conviveu – segundo consta, às turras – com o então ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, senhor do castelo do Partido da República (PR), da base de apoio parlamentar do governo. Em nome da “governabilidade”, ela lhe devolveu o posto e foi levada a dele afastá-lo depois de o referido ter protagonizado caso de corrupção denunciado pela revista Veja. E nas páginas desse semanário o diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), José Luiz Pagot, mereceu idêntico tratamento. Antes de ser demitido, como chegou a ser anunciado, contudo, Pagot tirou férias, das quais se afastou para elogiar no Congresso o zelo da comandante e o comportamento de seu futuro chefe, na esperança de ter a boquinha de volta.
Voltará? É aí que está o busílis. Dilma jura que não. Mas Paulo Sérgio Passos garante que nada há que pese contra o retorno do antigo companheiro de cúpula no Ministério dos Transportes. O benefício da dúvida pode favorecer Dilma quanto à atuação de todos esses senhores ao longo do mandato de Lula, em que chefiou a Casa Civil com fama de “gerentona” dura e de trato pessoal pouco delicado. Dela, porém, não se noticiou nenhuma reação pública contra a conduta dos dois ministros, o que saiu e o que o substituiu. Se se furtou no Ministério dos Transportes, é de imaginar que ela confiasse que Alfredo não sabia e Paulo, muito menos. Se ela soubesse, como justificar que os nomeasse para o primeiro escalão do governo ao qual foi içada pela maioria dos eleitores?
A guilhotina continuou – e, ao que parece, continuará – funcionando no prédio que os aliados do PR ocupam na Esplanada dos Ministérios. Rolou a cabeça de José Henrique Sadok de Sá, que ostentava duas coroas: de diretor executivo e diretor-geral interino nas “férias” de Pagot. Sá foi denunciado por favorecimento a uma empresa da mulher pelos repórteres deste Estado. No rastro sangrento dessa execução, já foram previamente anunciadas as demissões do petista Hideraldo Caron, também do Dnit, e de Felipe Sanches, presidente interino da empresa estatal suspeita de figurar no lamaçal, a Valec - Engenharia, Construções e Engenharia S. A.
No ostensivo loteamento político realizado pelo governo federal, Palocci e Nascimento, os expoentes dos denunciados que caíram em desgraça sob Dilma, têm em comum a proteção do paraninfo dela, seu antecessor Lula. Este chegou a se deslocar, sem ser chamado, de seu retiro em São Bernardo do Campo para o Planalto Central para tentar resgatar o então chefe da Casa Civil. Em vão! O malogro no intento não o impediu, contudo, de deitar falação contra o que ele e os soldados dos blogs financiados de alguma forma pelo governo e pelo PT chamam de “Partido da Imprensa Golpista” (PIG, em inglês porco). Na troca de presidentes da União Nacional dos Estudantes (UNE) em congresso bancado por empresas públicas, o ex disse que os grandes jornais de São Paulo nem chegam ao ABC e que a população sabe que não precisa mais de “intermediários” para ter acesso à informação.
Por causa da enxúndia de notícias disponíveis, talvez ele tenha alguma razão. O afastamento de alguns de seus amiguinhos mais chegados da cúpula federal, contudo, demonstrou que sua sucessora tem precisado – e muito – dos meios de comunicação para saber o que alguns de seus subordinados fazem “debaixo dos panos”, lembrando aquele sucesso junino de Antônio Barros e Cecéu. A exemplo das cobaias de Pavlov que salivavam ao toque de sinetas, a presidente tem demitido regularmente todos os auxiliares cujas atividades heterodoxas têm sido reveladas por órgãos de comunicação. Até agora nenhum denunciado escapou da degola. E até agora ninguém foi degolado antes de vir a ser denunciado no noticiário.
Noves fora a mágoa de Lula por estar perdendo poder no governo da protegida, o que ele omitiu na meia-verdade aplaudida por um público cuja simpatia foi patrocinada revela uma trágica e perigosa distorção da democracia brasileira atual: o Poder Executivo não dispõe de informações para sanear a máquina pública. Ou, se dispõe, não tem como, ou não quer, fazer a faxina que tais informações preceituam. Dilma age sob pressão da opinião pública, que, à falta de uma oposição de respeito, só conta mesmo é com a liberdade de informação e opinião como aliada.
Jornalista, escritor e editorialista do Jornal da Tarde.