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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A NAO parceria estrategica Brasil-Estados Unidos - Peter Hakim

A visita de Estado que não houve

14 de outubro de 2013 | 2h 08
Peter Hakim* - O Estado de S.Paulo
O "adiamento" da visita de Estado da presidente Dilma Rousseff revela muito sobre as relações Brasil-EUA. Praticamente desde o início estava claro que a visita não renderia muito. Questões importantes de interesse mútuo seriam discutidas, mas ninguém esperava um real progresso na solução dos múltiplos desacordos dos dois países ou um aumento de sua cooperação regional e internacional. Para o Brasil, essa visita seria uma expressão de alto nível de sua estatura global. Para os EUA, uma forma de acolher o gigante sul-americano e manter uma relação estranha e problemática em curso amigável.
Líderes brasileiros e americanos geralmente se referem uns aos outros como parceiros, aliados até - e regularmente pedem uma relação mais robusta, estratégica. Mas seus governos não investem muito no avanço da relação. Os recentes acordos bilaterais são periféricos às preocupações prioritárias dos dois países. A relação é superficialmente amistosa, com cooperação limitada, discordâncias consideráveis e choques eventuais.
Mesmo quando identificam objetivos comuns, raramente os perseguem. Os dois governos falam com frequência de interesses econômicos comuns. Mas não assinaram um único grande pacto econômico em uma geração - Washington fez acordos comerciais com cerca de 20 países em todo o mundo, 11 na América Latina. Na condição de maiores exportadores agrícolas mundiais, Brasil e EUA se beneficiariam imensamente de uma redução das barreiras comerciais globais - porém jamais foram capazes de cooperar para tal.
São inúmeras as oportunidades de cooperação. Os EUA são a economia mais rica e tecnologicamente mais avançada do mundo e o Brasil ostenta o 6.º ou 7.º maior mercado mundial. Apesar de a China ser hoje o principal parceiro econômico do País, o comércio com os EUA prospera. Os EUA são os maiores compradores de manufaturados do Brasil e sua principal fonte de capital estrangeiro e novas tecnologias. O petróleo offshore poderia transformar o País num dos maiores fornecedores de energia aos EUA, superando Venezuela e México. O Brasil é a sede da maioria das empresas americanas na América do Sul.
Os desentendimentos, todavia, têm bloqueado o progresso rumo a tratados fundamentais sobre comércio bilateral, tributos e investimentos. São responsáveis também pelo fracasso de negociações comerciais hemisféricas e impediram as duas nações de cooperar em conversações globais. Tarifas e subsídios agrícolas americanos limitam as exportações brasileiras para os EUA e globalmente. Já o Brasil mantém altas barreiras à importação de serviços e manufaturas e rejeita salvaguardas mais fortes à propriedade intelectual.
Um problema ainda maior seria a persistente desconfiança. Washington acha que Brasília não está disposta a fazer concessões, enquanto pede concessões demais. O Brasil é cauteloso na abertura de sua economia. Apesar dos êxitos brasileiros, muitas autoridades públicas e líderes empresariais têm dúvidas quanto à capacidade do País de competir com as principais economias mundiais.
As diferenças entre os dois países, contudo, vão além de questões econômicas e comerciais. Os EUA veem o Brasil principalmente como uma potência regional e estão interessados, sobretudo, em sua cooperação em assuntos hemisféricos. À luz das discordâncias sobre não proliferação nuclear, Irã e sublevações árabes, os EUA não consideram o Brasil um ator global confiável. Falta a Washington confiança nos juízos brasileiros em questões internacionais. Em nível regional, os EUA estão frustrados com a relutância brasileira em se engajar em temas críticos fora de suas fronteiras. Por exemplo, o Brasil pouco fez para ajudar a Colômbia na luta contra guerrilhas e narcotraficantes e ignorou sistematicamente violações da democracia e de direitos humanos na Venezuela, em Cuba e alhures. E onde agiu, o Brasil frequentemente se chocou com os EUA - como em Honduras e no Paraguai.
Para o Brasil, a cooperação regional significa principalmente trabalhar com nações sul-americanas. O envolvimento dos EUA em questões de política e segurança na região em geral não é bem-vindo no Brasil, embora haja colaborações eventuais. O Brasil elogiou a ajuda dos EUA para reduzir o contrabando de cocaína da Bolívia e os dois países são parceiros no Haiti desde 2004.
Nenhum dos países pode mudar facilmente sua abordagem de política externa. O Brasil atingiu a estatura e a influência atuais agindo por conta própria e dizendo não a Washington. Os EUA acautelam-se contra um Brasil poderoso. Suas reações às revelações de Snowden são ilustrativas: o governo americano considera a brasileira exacerbada e exagerada. Acham que o Brasil deveria compreender melhor as necessidades de segurança americanas e reconhecer que os EUA não pretendem prejudicá-lo. Os brasileiros veem os EUA como um "valentão" que não joga limpo. A vigilância massiva de Washington seria uma demonstração de sua disposição de empregar vastos poderes econômicos e tecnológicos para obter vantagens impróprias (e, talvez, intimidar outras nações).
Os dois países têm conseguido desde longa data acomodar suas diferenças e manter sob controle seus desacordos e embates. Essa habilidade, porém, pode não persistir indefinidamente. Houve dois choques sérios - sobre o Irã, em 2010, e agora sobre a espionagem - nos três últimos anos. A visita de Estado da sra. Rousseff, é quase certo, teria ajudado a recarregar uma reserva minguante de boa vontade nas relações bilaterais. A chance, contudo, foi perdida e a reserva está mais baixa que nunca. O melhor caminho é evitar recriminações mútuas e fazer baixar a temperatura. EUA e Brasil precisarão usar o que restou de boa vontade para resolver amigavelmente a questão da vigilância. As inquietações brasileiras merecem, claro, consideração e resposta mais cuidadosa do que até agora. A Casa Branca e o Planalto deveriam começar a trabalhar para definir outra data para a visita presidencial.
*Peter Hakim é presidente emérito do Inter-American Dialogue.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Paraguai: impeachment rapido; suspensao ainda mais rapida - Peter Hakim

O julgamento apressado do Mercosul

Peter Hakim
O Estado de S.Paulo, 25 de setembro de 2012

Em seu recente testemunho perante o Congresso Nacional, o chanceler Antonio Patriota afirmou com justeza que o Legislativo paraguaio violou uma norma básica da democracia quando apressou o impeachment do então presidente Fernando Lugo e lhe negou a oportunidade adequada de se defender. Apesar de a Constituição paraguaia permitir a remoção de um presidente por "desempenho fraco", ela não confere autoridade ao Legislativo para desconsiderar o direito fundamental do mandatário ao devido processo legal - e este é o direito de ser julgado num processo legal conduzido com equidade e respeito.
De acordo com a cláusula democrática do Mercado Comum do Sul (Mercosul), o Brasil e os outros membros do bloco comercial - Argentina e Uruguai - têm todo o direito de questionar a ação do Paraguai. Curiosamente, porém, o País não demonstrou a menor hesitação em se unir a seus parceiros do Mercosul, Argentina e Uruguai, para perpetrar a mesma transgressão. Os três países invocaram com rapidez a cláusula democrática do Mercosul e suspenderam o Paraguai do bloco. Não houve uma investigação dos fatos que cercaram o impeachment de Lugo nem uma apreciação cuidadosa sobre se a suspensão seria a resposta adequada. Tampouco houve nenhuma consideração de outras medidas para tentar resolver o imbróglio paraguaio.
Além disso, o Brasil e os outros países do Mercosul não ofereceram nenhuma oportunidade às autoridades paraguaias de defenderem seus atos, alegarem circunstâncias atenuantes ou apelarem da decisão. O Paraguai foi impedido até mesmo de enviar um representante à reunião em que foi decidida a sua suspensão. O bloco do Mercosul cometeu, em suma, a mesma violação da qual acusara o Legislativo paraguaio - fazer um julgamento apressado sem o devido processo legal.
Mais vergonhoso ainda, talvez, os três parceiros restantes do Mercosul tiraram vantagem imediata da suspensão temporária do Paraguai para aprovarem a entrada da Venezuela no pacto comercial. Essa decisão - que atropelou a antiga oposição do Senado paraguaio - foi tomada no espaço de poucos dias, sem virtualmente nenhuma consideração quanto a ser ela legal ou não.
Brasil, Argentina e Uruguai simplesmente ignoraram a questão (que continua não resolvida) sobre se a Carta do Mercosul lhes dava autoridade, na ausência temporária do Paraguai, para concederem a participação à Venezuela.
Os parceiros do Mercosul também não consideraram se a Venezuela cumpria as condições da cláusula democrática do Mercosul. É certo que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, foi democraticamente eleito, porém, de ano a ano, as credenciais democráticas do país foram-se tornando cada vez mais manchadas por violações recorrentes dos direitos humanos, da liberdade de imprensa e de reunião, da independência do Poder Judiciário e de eleições livres.
O testemunho de Antonio Patriota ao Congresso justifica a participação da Venezuela no Mercosul em bases econômicas - que são, é claro, irrelevantes para a sua legalidade. E a gestão econômica irresponsável de Hugo Chávez seria razão suficiente para barrá-lo no bloco.
Não foram, no entanto, apenas o Brasil e seus parceiros do Mercosul que agiram de maneira precipitada com relação às normas legais ou à prudência econômica. A União de Nações Sul-Americanas (Unasul), sem um único voto dissidente, da mesma forma suspendeu rapidamente o Paraguai. A Unasul fez, sim, uma investigação superficial, mas somente depois que a suspensão foi aprovada. Mais notável, talvez, é que nenhum país da América do Sul sequer se dispôs a participar na missão de investigação dos fatos no Paraguai patrocinada pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
Aliás, foi a OEA que procedeu de forma mais responsável, ainda que, de alguma maneira, lentamente, no caso paraguaio - investigando o que ocorreu e produzindo um relatório altamente profissional que focou menos em atribuir culpas do que nas tarefas de pôr fim à crise política do Paraguai, evitando quaisquer novos conflitos, e ajudando a assegurar a lisura das próximas eleições presidenciais, em abril do ano que vem. Sua recomendação foi contrária à imposição de quaisquer sanções ao Paraguai.
Os Estados Unidos não interferiram durante o período mais crítico da crise paraguaia. Washington talvez estivesse certa em manter o silêncio até que a OEA completasse a sua missão no Paraguai e apresentasse o seu relatório e as suas recomendações. Foi, com certeza, melhor do que correr a apoiar o novo governo paraguaio, como fizeram os governos conservadores do Canadá, da Grã-Bretanha e da Espanha, ou condenar imediatamente o Legislativo do Paraguai, como fez a maioria dos países latino-americanos. Mas os Estados Unidos, seguramente, poderiam ter feito mais para persuadir outros países a também conterem o fogo até que as evidências tivessem sido colhidas - a fim de defender a condução de um devido processo legal para o governo paraguaio. Possivelmente, todavia, ninguém teria ouvido, de qualquer modo, dada a reduzida influência que os Estados Unidos têm na América do Sul hoje em dia.
Vista de longe, a reação do Brasil aos acontecimentos no Paraguai pareceu extraordinariamente passiva. Os acontecimentos parecem ter sido conduzidos em grande parte pela Argentina e pela Venezuela. É curioso que a mais importante potência regional da América Latina tenha falhado em tomar mais iniciativa e adotar uma atitude que fosse mais claramente consistente com as práticas democráticas que o Brasil afirmou estar buscando sustentar. Para crédito do Brasil, contudo, Patriota é, até onde sei, o único chanceler que teve de justificar perante um comitê parlamentar as ações de seu governo a respeito do Paraguai.
* PRESIDENTE EMÉRITO DO DIÁLOGO INTERAMERICANO