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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 27 de julho de 2019

O bolsonarismo precisa alimentar a tribo esquerdista: ele vive disso - Rodrigo Levino

O ‘bolsonarismo’ entre a conciliação e a revolta

A decisão do min. Dias Toffoli do STF por suspender investigações baseadas em dados fornecidos pelo COAF a partir de um pedido do senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), encalacrado com as movimentações financeiras pouco ortodoxas do seu entorno político, selou um pacto menos institucional do que estratégico e de autoproteção entre os Bolsonaro e o establishment, que põe o primeiro numa encruzilhada.
Em janeiro passado, quando o ministro Luiz Fux acatou o pedido liminar suspendendo qualquer procedimento investigatório contra Flavio até que o relator do processo no Supremo se pronunciasse, a militância bolsonarista descarregou críticas sobre o filho mais velho do presidente, surrando a retórica para dar conta de isolar o mandatário da família das suspeitas que se avolumavam de mau uso do dinheiro público.
Desde a semana passada, no entanto, essas posições vem mudando de face. O ‘sim’ de Toffoli ao novo pedido do senador, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, serviu de fleet paralisante, pacificou a timeline bolsonarista, que sentiu o cheiro de queimado, embora a maioria ainda esteja na fase de negação. A tergiversação deu o tom e mesmo as críticas públicas dos ponta-de-lança militantes nas redes sociais não foram além de acanhados ‘lamentável’.
O coro de ‘Dudu Chapeiro para embaixador nos EUA’ foi parte da estratégia. Calculou-se que era uma forma menos desgastante de desviar a atenção das franjas mais radicalizadas da militância do flerte descarado da família Bolsonaro com o estamento burocrático que ela diz pretender drenar. As declarações vulgares do presidente sobre fome e cinema no Brasil serviram ao mesmo fim.
A forma final dessa encruzilhada talvez se dê nas próximas semanas, quando o mesmo STF que agiu para proteger Flavio Bolsonaro, talvez aja para beneficiar o ex-presidente Lula, nêmesis do bolsonarismo. A ideia de ‘um cabo e um soldado para fechar o STF’ ainda é a melhor síntese do respeito legado pela militância do presidente a corte maior.
Intutelável, de pendor revolucionário, ainda mais radicalizado desde as manifestações de maio passado, tendo degradado as posições tanto dos militares quanto, em menor grau, é verdade, dos liberais dentro do governo, o arranjo olavobolsonarista que guia o pensamento do presidente e seus apoiadores mais fiéis é milenarista e tem afinado um clamor à violência crescente e cada vez mais desavergonhado nas redes sociais, onde ela melhor se organiza.
Mas a entropia aos poucos vaza para o mundo real. Episódios como o enfrentamento do grupo Direita SP contra membros do Movimento Brasil Livre nas manifestações recentes de apoio a Lava Jato, por exemplo, tem guarida e são, se não comemorados, tolerados em grupos de Whatsapp e fóruns de discussão reacionários como uma espécie de processo de depuração da ‘verdadeira direita’.
Protestos como o contra a participação da jornalista Miriam Leitão numa feira de literatura em Santa Catarina são estimulados com fervor de brigadas lutando contra o comunismo em pleno 1930. A fala do presidente atacando a jornalista e chancelando indiretamente os manifestantes parece loucura, mas tem método. Como numa lição que se repete mais claramente desde Revolução Francesa, as primeiras vítimas dos extremistas, para quem apoio é subserviência, são os moderados, ‘entulhos’, ‘isentões’ e ‘traidores’.
Em vídeos, memes e podcasts a gradação da linguagem bélica vai desde o uso de termos como ‘ucranizar’ (agressão pública em série a políticos de oposição) a elogios mal disfarçados de ‘zueira’ e ‘humor politicamente incorreto’ ao motorista suspeito de atropelar um idoso na semana passada num ato do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, de esquerda, em Valinhos (SP), ou frases como ‘nós vamos fazer o que os militares deixaram de fazer em 1964’, ‘vai faltar necrotério’ em alusão clara à repressão política.
Uma frase do escritor Olavo de Carvalho ilustra o ímpeto dos mais exaltados, quando diz que ‘moderação na defesa da verdade é prestar serviço à mentira’. Os que comungam desse entendimento respondem com presteza o que seria a verdade (o credo olavista e o apoio irrestrito ao presidente), a mentira (tudo que por eles seja identificado como comunismo), mas o limite da não moderação resta sempre em aberto. ‘Temer por suas existências físicas’ e ‘quebrar as pernas’ já foram expressões usadas pelo mesmo Olavo referindo-se aos opositores do presidente.
A pauta moral vai servindo de pasto ao gado militante e mantém, em potencial, a violência que pode ser conclamada mais abertamente à medida que se configurem embates político-institucionais como os que podem sequenciar ao abrandamento do cumprimento da pena do ex-presidente Lula.
É quando chegará a hora de por à prova a resistência do pacto Dias Toffoli-Bolsonaros. Um caminho leva à conciliação, com Supremo com tudo. Outro, ao arrostamento contra um dos três poderes da República, ‘cúmplice de tudo que está aí’. O eleitor raiz de Bolsonaro, cuja percepção é de podridão institucional generalizada, saliva pelo segundo. Os vazamentos da comunicação entre integrantes da força tarefa Lava-Jato só aguçaram esse faro para a carniça.
Pode não ser, no agudo da crise política que se avizinha, a hora em que a violência coesa e organizada vai entrar em cena no debate público, mas as aproximações a essa realidade tem sido paulatinas.
Como descreve René Girard, autor caro ao olavismo, ‘na onda crescente dos escândalos, cada represália evoca uma nova, mais violenta que a precedente. Se nada vier estancá-la, a espiral irá necessariamente desembocar nas vinganças em série, fusão perfeita de violência e de mimetismo’.
A prisão de Lula foi, dentro dessa visão sectária, o auge das represálias, de modo que sustá-la deixará uma lacuna. É fundamental ao bolsonarismo manter o espantalho do lulismo vivo, questão ontológica. A manutenção desse espectro/capital político talvez peça ao presidente, quem sabe, o sacrifício do seu próprio filho.

domingo, 9 de junho de 2019

Bolsonaro e a égide do excesso - Rodrigo Levino (Epoca)

A esta altura, aqueles não bolsonaristas que votaram no capitão para evitar a volta dos petistas ultra-corruptos já devem estar arrependidíssimos, não por terem votado contra os petralhas, mas por terem escolhido um dos piores presidentes que o Brasil já teve, senão o pior, absoluta e relativamente (a Dilma é hors concours, pois era apenas um poste desmiolado que provocou a maior recessão de nossa história, mas na continuidade da formidável inépcia administrativa e da gigantesca corrupção dos governos petistas).
Estamos não só com um homem totalmente despreparado para o exercício do cargo, sem qualquer noção de governança, mas igualmente com uma tropa de aloprados que pode representar décadas de atraso para o Brasil. Pode não: já está representando, dentro e fora do Executivo.
A classe média deve estar profundamente preocupada, com o impasse criado por essa tropa de malucos (os que não se enquadram na tribo lutam bravamente para manter o mínimo de racionalidade e de operacionalidade no governo). Não temos muita esperança de que a coisa melhora, pois segundo o dito popular, pau que nasce torto...
Não sou responsável pelo desastre, e tenho me esforçado para fazer alertas gerais contra as maiores loucuras e impropriedades. Sinto pelo país, passando vergonha aqui dentro e lá fora...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de junho de 2019

Bolsonaro e a égide do excesso

Inebriado de muitas vontades e pouco tutano nas ideias, o presidente proclama um futuro tão forte na realização atabalhoada quanto arriscado nas consequências

Rodrigo Levino
Revista Época, 08/06/2019
Presidente Jair Bolsonaro está em visita oficial à Argentina Foto: Agustin Marcarian / Reuters
Presidente Jair Bolsonaro está em visita oficial à Argentina Foto: Agustin Marcarian / Reuters
Diz o ex-chanceler americano Henry Kissinger, em seu livro Ordem Mundial, que ‘a missão suprema de quem governa é moldar o futuro dos governados’. O apoio ao cumprimento dessas intenções pode tanto investir no reforço de identidades sociais e políticas pré-existentes, como Otto Bismarck na construção da Alemanha, ou derivar até uma nova cosmovisão, como foi capaz Kamel Atartük, na Turquia.  

Veja, Kissinger cita outros tantos exemplos, inclusive do próprio Nixon, a quem serviu como ponte no restabelecimento das relações diplomáticas com a China. Mas as pretensões, se não tão claramente definidas para o próprio presidente, mas certamente por gente que o rodeia, acho que passeiam pelas inspirações possíveis acima mencionadas, nos termos gerais de reforma e cosmovisão. Isso para o pessoal que confunde política com RPG no Planalto. Sigamos.  

A verdade, assinala o velho conselheiro de presidentes, é que poucos na história são capazes de feitos dessa magnitude. Quer dizer, de construir pontes com o porvir, de estabelecer, organizar e liderar hoje a construção de um legado.
Leia mais: Os Bolsonaros têm tentado se comportar (um pouco e por enquanto) 

Imaginemos que o presidente Jair Bolsonaro tenha em sua mente um panorama desse futuro para o Brasil e sabe exatamente como prepará-lo. Não é demais imaginar, pela atuação do governo nos últimos cinco meses, que o excesso é a égide desse futuro, a desmesura, o ímpeto aliado a escassez de reflexão. 

A húbris bolsonarista se manifesta, por exemplo, quando o presidente vai até o Congresso despachar um projeto que abranda leis de trânsito — dando o fim ao exame toxicológico para motoristas profissionais (é a legalização do arrebite) e concedendo permissão de direção mesmo a motoristas que tenham atingido o limites de pontos na CNH — um ramo da vida moderna que ceifa, segundo dados do Ministério da Saúde de 2016, cerca de 40 mil vidas por ano no Brasil —, sem qualquer embasamento a não ser o desprezo pelos limites; Isso no mesmo dia em que caduca a medida provisória do marco regulatório do saneamento básico, essa sim, uma sinalização clara de compromisso com as gerações futuras. Quem disso usa, disso cuida. Dessa articulação pró-meio ambiente o governo resolveu largar mão. 

Há uma bom exemplo desse pacto na previsão do Ministério dos Transportes de investir até R$ 100 bilhões nas rodovias nacionais nos próximos quatro anos. É uma notícia alvissareira para quem se arrisca dirigindo nesse país, como os caminhoneiros a quem volta e meia o governo recorre ou se acanha. A qualidade das estradas também concorre para a redução dos acidentes. Mas o que poderia ser o início de um círculo virtuoso foi atropelado pela presunção, pela vaidade de dar, a despeito do que preguem as estatísticas, "o prazer de dirigir" ao motorista brasileiro, esse monumento de responsabilidade e segurança. O argumento do presidente foi explanado numa de suas live, com estética pendida para anúncio da Al Qaeda, como "o cara não é imbecil" de entrar numa curva a oitenta por hora acima do permitido. 
Junte ao abrandamento das regras de trânsito a eficiência capenga da nossa justiça, fermento de impunidade, e a única expressão a que podemos recorrer é "Deus tenha misericórdia dessa nação". No que as medidas defendidas pelo governo podem impedir que escárnios como a soltura do ex-deputado paranaense Carli Filho não se repitam? 

Se é verdade que a liderança inspira, como o "racheiro" que põe vidas em risco enquanto alimenta seu prazer de dirigir não vai se sentir premiado e representado por quem alarga os limites de pontos permitidos na CNH, permitindo que ele permaneça nas ruas afiando sua letalidade? 

A mesma estratégia de confronto e terra arrasada tem sido executada no Ministério da Educação, de onde sai todo tipo de milacria autoritária e inoperância gerencial, mas nenhuma articulação ou satisfação a respeito do futuro do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), fundamental para o planejamento a longo prazo do MEC.  

A força tem sido aplicada no desmonte, no deboche e no desprezo pelos focos de oposição, reais e imaginários, enquanto o que aponta para o futuro e é fundamental para o desenvolvimento social, como a aplicação da Política Nacional de Alfabetização, é deixado à margem. Política essa, aliás, que é lavra do atual governo, assinada em abril passado, e que se bem defendida e afinada junto à sociedade, pode ser um marco importante na educação. A soberba de subjugar os adversários, no entanto, é o que parece mover a instituição. 

A tal húbris, coisa dos gregos, a que os romanos chamavam petulantia, com raras exceções não leva ao erro trágico. Dos poucos excessos aqui listados, por exemplo, podem sair aumento de mortes nas estradas, adiamento do processo de universalização do saneamento básico assim como da alfabetização, alicerces de futuros promissores.  

Inebriado de muitas vontades e pouco tutano nas ideias, o presidente proclama um futuro tão forte na realização atabalhoada quanto arriscado nas consequências. Podia ouvir Clitemnestra, rainha de Agamemnon, tragédia de Ésquilo, quando recomendou que ‘dominem os conquistadores a soberba/ e não se deixem arrastar pela cobiça/ a temerárias, a sacrílegas pilhagens!/ A luta não termina com a vitória; falta/ a volta, que é metade de um longo caminho’. Como estaremos ao final deste, dirigidos por uma gente tão sem comedimento?
Rodrigo Levino, de 36 anos, é cozinheiro. Atuou e colaborou como jornalista por 12 anos na Folha de S.Paulo , Playboy , Poder , piauí e em outras publicações