Veja, 14/03/2013
Rodrigo Constantino, jovem revelação de economista: “Esfolar os ricos em nome de melhorar a vida dos pobres é uma falácia. E a defesa do mercado não deve ser confundida com a defesa dos empresários”
Um dos mais produtivos economistas da nova geração aponta as contradições, os riscos e a ineficiência resultantes do aumento da interferência do governo na economia
“Se puserem o governo federal para administrar o Deserto do Saara, em cinco anos faltará areia.” A frase é do economista americano Milton Friedman (1912-2006), ganhador do Nobel de 1976 e o maior expoente do liberalismo nos últimos cinquenta anos.
Essa corrente de pensamento preconiza a abertura econômica dos países e a redução, ao mínimo possível, da interferência do governo no funcionamento dos mercados, favorecendo o investimento privado em um ambiente de competição acirrada. A frase de Friedman serve de epígrafe para o livro Privatize Já, de Rodrigo Constantino, lançado pela editora Leya.
Constantino, de 36 anos, faz parte de uma nova geração de economistas brasileiros que valorizam o pensamento liberal clássico e denunciam o peso excessivo do estado na economia. No livro, ele defende a “agenda esquecida” das privatizações. O economista recebeu VEJA em seu escritório, numa empresa de investimentos, no Rio de Janeiro.
As empresas de celulares estão entre as campeãs de queixas entre os consumidores brasileiros, apesar de serem extremamente rentáveis. Nas estradas privatizadas, as reclamações recaem sobre o valor dos pedágios. Não são sintomas de que a privatização nem sempre funciona?
No fundo, se procurarmos bem, sempre haverá a impressão digital do governo nessas falhas atribuídas ao mercado. No caso dos celulares, há muitas reclamações, em primeiro lugar, por causa do grande aumento no número de usuários depois da privatização do sistema Telebrás. Antes nem adiantava reclamar, porque era um serviço caro e raro.
Reconheço que existem problemas. Mas os impostos arrecadados pelo governo encarecem as tarifas e reduzem os investimentos. O sinal das chamadas é ruim porque faltam antenas, e o grande entrave para ampliar o número de antenas são os governos, que demoram a conceder as licenças de instalação.
As pessoas reclamam do preço do pedágio, porém o que deveria ser objeto de revolta são os milhões arrecadados em impostos, como o IPVA, que não são investidos nas ruas e rodovias.
As privatizações, obviamente, não são uma panaceia se feitas de maneira escusa. Acompanhei o processo de desestatização na Rússia, depois da queda do regime soviético. As privatizações ocorreram sem nenhum arcabouço institucional minimamente decente, sem transparência nas informações. Privatização, assim, não faz milagre.
Se a venda de estatais obteve resultados positivos, por que nenhum político no Brasil defende abertamente a privatização da Petrobras?
As resistências são gigantescas. Para privatizar a Petrobras, precisaríamos ter uma Margaret Thatcher, um estadista disposto a enfrentar os grupos de interesses localizados. Será impossível vender o controle da estatal enquanto imperar a ideia de que seria a “entrega” de um patrimônio público.
Basta ver a dificuldade dos tucanos em defender o seu legado, no geral favorável, de privatizações. Elas foram feitas mais por necessidade, porque as estatais estavam quebradas, do que por convicção. Foi preciso que gente como eu, um liberal convicto e crítico da social-democracia dos tucanos, saísse em defesa das privatizações.
A Petrobras não é uma empresa grande demais para ser privatizada e não existiria o risco de substituir um monopólio estatal por um privado?
Nesse aspecto, estou com Milton Friedman. Entre um monopólio estatal e um privado, prefiro o privado. Sempre há formas de regulação para equilibrar uma eventual falta de concorrência. Ademais, não acredito que a Petrobras deva ser monopolista. A concorrência pode e deve ser incentivada, atraindo novos investidores.
O petróleo não é nosso, como argumentam os defensores do monopólio estatal? Perfeito, então nada melhor que entregar a cada brasileiro a sua fatia na empresa. Cada um faria o que quisesse com as suas ações. Em parte, seria a repetição em grande escala da compra de ações com o uso do FGTS.
Infelizmente, o comando da Petrobras fica a cargo de políticos, pessoas sem o menor foco na gestão.
Quais seriam os benefícios de uma Petrobras privatizada?
Os acionistas privados, interessados na rentabilidade, pressionam a empresa a ser mais eficiente. Seriam reduzidas as ingerências políticas e manipulações, como o controle no preço da gasolina para evitar o impacto na inflação. O Brasil já seria autossuficiente em combustíveis. A produção do pré-sal estaria em um estágio muito mais avançado.
Como paralelo, basta observar a revolução em curso atualmente nos Estados Unidos com o intenso desenvolvimento da produção do gás de xisto. O seu processo de extração é complexo, e para torná-lo economicamente viável foram necessárias muitas pesquisas e inovações, feitas por diversas empresas.
É um exemplo daquilo que Schumpeter (Joseph Alois Schumpeter, economista austríaco, morto em 1950) chamou de destruição criadora. Não se pode vislumbrar esse tipo de inovação surgindo em uma economia predominantemente estatal, fechada e sem concorrência.
Não existem estatais eficientes?
São raras. As estatais tendem à ineficiência porque não precisam obter lucros para se perpetuar. Seus diretores podem fazer atrocidades financeiras, mas mesmo assim as estatais continuarão existindo, porque, quando houver problemas, o governo acabará lhes dando mais dinheiro.
É o que ocorre, enquanto falamos, com os bancos públicos. Os bancos privados, temendo o aumento na inadimplência e o risco de perdas, reduziram o ritmo na liberação de financiamentos. Já os bancos públicos, por determinação do governo, estão injetando na economia um volume crescente de empréstimos. Eles sabem que serão salvos pelo governo se essa política der errado.
A atuação dos bancos públicos não contribui para a queda nas taxas de juros cobradas pelo setor financeiro, estimulando assim o crescimento econômico?
Esse é um efeito de curto prazo, atendendo a interesses essencialmente políticos. Acusam, com certa razão, o setor privado pela crise financeira de 2008, mas se esquecem da contribuição do setor público.
Nos governos de Bill Clinton e de George W. Bush, a Casa Branca sofreu pressões para incentivar o crédito habitacional, usando como instrumento as agências semiestatais de financiamento. Essa foi a origem da bolha imobiliária.
Os governos são os maiores interessados em pôr em foco políticas de curto prazo e lançar a conta para a frente. Por cálculo eleitoral, os governos são míopes. Se um político não olha para o curto prazo, ele perde a eleição. Então os governos tendem a estimular a formação de bolhas, postergando qualquer tipo de ajuste.
A internet e o GPS resultaram de investimentos públicos na área da defesa, e o Vale do Silício talvez não existisse sem os gastos americanos na indústria militar e aeroespacial. No Brasil, a Embraer nasceu de um investimento do governo. Esses não seriam exemplos de intervenções estatais positivas?
Tudo isso é verdade, mas recorro a Bastiat (Frédéric Bastiat, teórico liberal francês do século XIX), segundo o qual, em economia, existem os efeitos vistos e os não vistos. Sempre haverá exemplos de sucesso resultantes de intervenções estatais. Um economista mais cético, entretanto, deverá perguntar: e aquilo que não se vê?
Como seria o país se o governo não desviasse recursos escassos para esses fins? Ninguém tem essa resposta. Se o governo não tivesse criado a Embraer e a mantido por anos e anos, mesmo dando prejuízo, talvez os recursos pudessem ter sido usados de maneira mais produtiva pela iniciativa privada. O governo nunca é um bom empresário.
A redução da pobreza não deve ser uma missão eminentemente do governo, sobretudo em um país com bolsões miseráveis como o Brasil?
Sinceramente, acredito que o Estado contribui mais para concentrar a riqueza do que para distribuí-la. Brasília, a capital com a segunda maior renda per capita do país, é um ótimo exemplo dessa concentração de renda patrocinada pelo governo. Não me convence o discurso segundo o qual a justiça social depende de um Estado grande e inchado.
O governo brasileiro cobra um pedágio muito alto em nome dessa distribuição de igualdade e, no fim, o resultado é uma concentração. O governo deveria concentrar os seus gastos na melhora da qualidade do ensino e também na infraestrutura. É o inverso do que existe hoje.
O governo consome o equivalente a quase 40% do PIB e investe apenas 1% do PIB. É preciso investir muito mais, sem, é claro, desativar uma rede de proteção social mínima.
Os países europeus argumentam que o estado de bem-estar social contribui para a coesão na sociedade, reduzindo o risco de levantes populares e rupturas políticas. Qual a sua avaliação?
Concordo em parte. Como disse, nenhuma nação civilizada deve se conformar com o fato de uma parcela de sua sociedade ter ficado para trás, seja por um infortúnio, seja por outro problema qualquer. Essas pessoas não podem ficar desamparadas. Na Europa, porém, o básico já foi atendido há muito tempo.
Para os europeus de agora, todos devem ter direito a tudo. Essa é uma bandeira marxista: a todos de acordo com a sua necessidade; de todos de acordo com a sua capacidade. No limite, essa política leva todos a ter necessidade de tudo, e todos a ter capacidade de nada.
O estado de bem-estar social solapa incentivos cruciais. Ninguém estará disposto a labutar de sol a sol para deixar 60% ou até 70% de sua renda na mão do governo. Esfolar os ricos em nome de melhorar a vida dos pobres é uma falácia.
Por quê?
A economia não é um jogo de soma zero, no qual João, para ficar rico, precisa tirar de José. O mesmo vale para países. É pura propaganda defender a ideia de que alguns países ficaram ricos apenas por ter explorado os pobres. Essa mentalidade mercantilista é que leva a conclusões absurdas como a de que as importações são prejudiciais ao país.
Não é importante proteger da concorrência externa empresas nascentes e, assim, desenvolver o parque industrial?
Absolutamente não. Quantas décadas ainda serão necessárias para a indústria automobilística sair da infância? Setenta anos não foram suficientes? Essa ideia de incentivar os campeões nacionais deveria ter sido enterrada já nos tempos da desastrada Lei da Informática, no governo militar. Mas, infelizmente, muitos economistas ainda usam esse argumento e dispõem de amplo espaço no debate público.
O liberalismo econômico e o estado mínimo não tendem a favorecer os já estabelecidos, os donos de propriedades, em detrimento dos pobres?
Falso. Hayek (Friedrich Hayek, economista liberal austríaco, morto em 1992) mostrou que o liberalismo é o maior aliado dos pobres, porque ele incita a concorrência e oferece igualdade de oportunidades. Sem concorrência, os grandes empresários se revezam na tentativa de conquistar mais privilégios do governo.
O capitalismo de Estado, a simbiose de empresários e governo, é o modo mais injusto de organização econômica. Nesse modelo, o interesse do homem comum, do consumidor, está sempre subordinado ao estado e às suas empresas preferidas. A defesa do mercado não deve ser confundida com a defesa dos empresários.
O mercado é muito mais amplo que isso. O mercado é um mecanismo impessoal de mediação constante dos interesses e demandas de milhares e milhares de entidades e pessoas.
Os liberais, particularmente no Brasil, costumam ser tachados de reacionários e conservadores. Como o senhor se classifica?
Nelson Rodrigues dizia que era um reacionário: reagia contra tudo aquilo que não presta. Eu sou um conservador: quero conservar tudo aquilo que presta. Um liberal é um sujeito cético, desconfiado da natureza humana e do custo das utopias. Encara o estado como um mal necessário.
Sabe que não existe vida civilizada sem governo, mas defende a tese de que o melhor mecanismo de incentivo ao desenvolvimento é a descentralização do poder estatal em um ambiente de livre mercado.
Para nós, liberais, o que realmente serve de garantia ao interesse público são as instituições sadias em pleno funcionamento, e não um governante iluminado dando canetadas no palácio, pensando ser capaz de resolver tudo apenas pela vontade.