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domingo, 1 de fevereiro de 2015

O Imperio do Algodao: uma historia global - Sven Beckert (book)

Acabo de terminar de ler este livro, que recomendo vivamente, por se tratar, realmente, de uma história global do algodão, de sua cultura, de seu comércio e sobretudo de sua industrialização, o primeiro empreendimento da revolução industrial e a primeira indústria verdadeiramente global, com seu centro em Manchester, depois se espalhando pelo mundo inteiro. A informação disponível sobre o Brasil é da melhor qualidade, baseada em nossos historiadores econômicos, em teses universitárias e no famoso livro do brasilianista Stanley J. Stein, The Brazilian Cotton Manufacture. Transcrevo aqui a parte final, por mim traduzida, de suas referências ao Brasil, quando a industrialização realmente deslancha:

“As três décadas pós-1892 foram chamadas de a idade do ouro da manufatura brasileira de algodão. Foi na sequência da emancipação da escravidão que as elites manufatureiras ganharam mais influência sobre o governo e conseguiram induzir políticas coerentes com os seus interesses, especialmente tarifas. Em 1860, a tarifa sobre o algodão era tão baixa quanto 30% sobre o valor das importações, em 1880 ela tinha dobrado para 60%, e, depois de batalhas delongadas, elas se elevaram para 100% em 1885. Elas ainda ascenderam em 1886, em 1889 e em 1900. As tarifas protecionistas de 1900 permaneceram então em vigor durante três décadas, criando um mercado protegido altamente lucrativo para os fabricantes. Como resultado, em torno de 1920, 75 a 85% de todos os produtos de algodão usados no Brasil eram fiados e fabricados internamente. Um inglês disse com grande pesar em 1921 que '21 anos atrás o Brasil era um excelente mercado para Manchester... Primeiramente os tecidos ordinários caíram fora, e agora todos esses bens estão sendo fabricados no país, e apenas os de qualidade superior ficaram para ser importados'”. p. 400, frase do inglês citado, no livro de Stanley Stein, p. 101."

Um grande livro de história econômica e de história do capitalismo.

Paulo Roberto de Almeida  

Sven Beckert: The Empire of Cotton: A Global History 

 (New York: Alfred A. Knopf, 2014, 616 p.; ISBN: 978-0-375-41414-5)

About The Book

9780375414145Cotton is so ubiquitous as to be almost invisible, yet understanding its history is key to understanding the origins of modern capitalism. Sven Beckert’s rich, fascinating book tells the story of how, in a remarkably brief period, European entrepreneurs and powerful statesmen recast the world’s most significant manufacturing industry, combining imperial expansion and slave labor with new machines and wage workers to change the world. Here is the story of how, beginning well before the advent of machine production in the 1780s, these men captured ancient trades and skills in Asia, and combined them with the expropriation of lands in the Americas and the enslavement of African workers to crucially reshape the disparate realms of cotton that had existed for millennia, and how industrial capitalism gave birth to an empire, and how this force transformed the world.

The empire of cotton was, from the beginning, a fulcrum of constant global struggle between slaves and planters, merchants and statesmen, workers and factory owners. Beckert makes clear how these forces ushered in the world of modern capitalism, including the vast wealth and disturbing inequalities that are with us today. The result is a book as unsettling as it is enlightening: a book that brilliantly weaves together the story of cotton with how the present global world came to exist.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Brasil-EUA: retaliacoes comerciais no caso do algodao; seria um tiro nope'?

Minha opinião sobre a matéria, abaixo:
O governo prepara essas retaliações comerciais, patentárias ou financeiras, contra firmas, produtos ou serviços dos EUA, devidamente autorizado pela OMC.
Mas vejamos um pouco, se realmente é factível o caminho adotado, e se interessa ao Brasil e aos brasileiros as formas e áreas cogitadas para essas medidas.
Elevação de tarifas sobre produtos: mas quem paga a tarifa? Obviamente o importador, e em última instância, o consumidor, ou seja, o produto fica mais caro no mercado brasileiro, mas o exportador americano vai continuar a receber exatamente o mesmo valor pelo produto fornecido, seja a tarifa de 10, 20, ou 100%, o que é uma decisão de cada governo, independente de retaliações, desde que esse aumento seja possível (e nesse caso, pode ser). Se o produto ficar mais caro do que concorrentes ou substitutos, ele não terá compradores, e portanto não haverá importação ou renda tarifária ampliada. Se não houver substituto, a demanda diminuirá, e a renda tarifária também.
Quebra de patentes: como existe um Código patentário, terá de haver uma novo ato legal discriminando produtos ou serviços protegidos, de residentes americanos, a serem objeto de licenciamento compulsório. Mas o que significa isso? O governo precisaria desenvolver ele mesmo os objetos protegidos pela patente ou copyright e pagar royalties a si mesmo, ou então ter empresas privadas (nacionais ou estrangeiras) que o façam, ficando com todo o lucro, sem pagar royalties, portanto. Ou ainda: desviar royalties atualmente pagos a firmas americanas para o Tesouro brasileiro. Duvidoso que seja factível, possível ou legalmente sustentável. Haveria processos na Justiça brasileira e pendências internacionais, o que prometeria um imbroglio enorme, de consequências imprevisíveis. Dificilmente se recolheria um valor significativo, e o custo, burocrático, administrativo, legal, seria enorme. Duvido que seja realmente operacional, e na verdade seria uma enorme dor de cabeça.
Bloqueio de remessas de pagamentos devidos: como no caso anterior, se teria de modificar a legislação para efetivar esse sequestro discriminatório e seletivo de pagamentos devidos. Haveria processos contra as medidas, pois as vítimas não têm nada a ver com os subsídios ao algodão do governo americano a exportadores americanos. Espectadores de filmes americanos teriam um bilhete de ingresso três ou quatro vezes mais caros do que um filme europeu ou brasileiro? Ridículo e dificilmente operacional, ou justificado legalmente.
O que sobra então?: apenas projetos governamentais, como compra de aviões militares por exemplo. Mas isso o governo brasileiro já faz. Observe que isso tira um negócio de uma empresas privada americana, e pode privar o Brasil de um produto melhor e mais barato do que terceiros concorrentes, e a fatura sai mais cara por um produto inferior em qualidade. Interessante para o Brasil? Dificilmente.
Portanto, pense três vezes antes de aplicar retaliações.
Paulo Roberto de Almeida 


Brasil prepara retaliação inédita de US$ 829 milhões aos EUA
Contra subsídios ao algodão, país pode agir em propriedade intelectual
ELIANE OLIVEIRA
CRISTIANE BONFANTI
O Globo, 26/01/2014

BRASÍLIA— Irritado com a pouca disposição dos Estados Unidos para chegar a um acordo que compense os subsídios ilegais concedidos aos exportadores americanos de algodão, o Brasil já se prepara para retaliar comercialmente os EUA em US$ 829 milhões. O primeiro passo será dado em meados do próximo mês. A Câmara de Comércio Exterior (Camex) elevará, em até 100%, o Imposto de Importação de uma lista de pouco mais de cem itens oriundos daquele país. Entre esses artigos, destacam-se paracetamol — utilizado na indústria farmacêutica —, produtos de beleza, leitores de código de barras, fones de ouvido, óculos de sol, automóveis, cerejas e até batatas.
O segundo passo, que ainda se encontra em análise na área do governo, será em relação à propriedade intelectual. Está prevista a quebra de patentes de uma série de medicamentos, sementes, defensivos agrícolas e até mesmo obras literárias, musicais e audiovisuais, como os filmes produzidos em Hollywood. Nesse caso, o governo deverá optar pela simples taxação ou o bloqueio temporário de remessas de dividendos e royalties.
Pagamento suspenso
Na próxima sexta-feira, termina o prazo de consultas dado pelo governo ao setor produtivo brasileiro sobre que medidas poderão ser adotadas pelo Brasil, que poderá se tornar o primeiro país a impor uma retaliação comercial aos EUA. O valor da compensação foi autorizado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2010, após a entidade condenar os subsídios ao algodão dados pelo Tesouro americano.
— Os EUA não parecem preocupados em chegar a um entendimento — disse uma fonte.
O motivo da retaliação é que os EUA não cumpriram um acordo, firmado assim que saiu a autorização da OMC, que prevê, entre outras coisas, repasses mensais de US$ 147,3 milhões aos produtores de algodão do Brasil. O pagamento não é feito desde o fim do ano passado.
Está praticamente certa a retaliação comercial, a não ser que surja, como fato novo, uma contraproposta americana. Porém, na área de direitos autorais, o governo ainda está dividido. Há uma corrente, que inclui o Ministério da Agricultura, que defende uma posição dura e taxativa com os EUA. O órgão conta com o apoio dos produtores de algodão e da bancada ruralista no Congresso Nacional.